quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

O experimento com antimatéria congelada que pode ajudar a entender a origem do Universo

O positrônio é uma substância extremamente rara, que geralmente existe por apenas 142 bilionésimos de segundo e é capaz de gerar grandes quantidades de energia. Estudá-la pode trazer mais entendimento sobre a antimatéria que existia na origem do Universo e, com isso, revolucionar a Física, o tratamento do câncer e talvez até viagens espaciais.

Até aqui, no entanto, tem sido quase impossível analisar a substância porque seus átomos se movem demais.

Agora os cientistas têm uma solução alternativa: congelá-la com lasers.

"Os físicos estão apaixonados pelo positrônio", disse Ruggero Caravita, que liderou a pesquisa na Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern), que fica perto de Genebra. "É o átomo perfeito para fazer experimentos com antimatéria."

"Agora todo o campo de estudo está desbloqueado."

Mas o que é exatamente o positrônio?

É um chamado átomo exótico formado por matéria e antimatéria - algo bastante incomum, de fato.

A matéria é do que o mundo ao nosso redor é feito, incluindo as estrelas, os planetas e nós.

Antimatéria é o oposto. Foi criada em quantidades iguais quando o Universo surgiu, mas existe apenas momentaneamente na natureza hoje, com muito pouco ocorrendo de forma natural no cosmos.

Descobrir o motivo de haver mais matéria agora no Universo do que antimatéria - e, portanto, por que existimos - nos levará a um longo caminho em direção a uma nova e mais completa teoria de como o Universo evoluiu, e o positrônio pode ser a chave, de acordo com Lisa Gloggler, uma estudante de doutorado que trabalha no projeto.

"O positrônio é um sistema tão simples. Consiste em 50% de matéria e 50% de antimatéria", disse. "Esperamos que, se houver alguma diferença entre as duas, seja possível ver mais facilmente do que em sistemas mais complexos."

Um dos primeiros experimentos nos quais o positrônio congelado poderia ser utilizado é para ver se sua porção antimatéria segue a Teoria da Relatividade Geral de Einstein da mesma forma que a porção matéria.

O diagrama abaixo mostra por que o positrônio é tão único.

A matéria, que forma o mundo ao nosso redor, consiste em átomos, o mais simples dos quais é o hidrogênio, que é o elemento mais abundante do Universo. Os átomos de hidrogênio são feitos de um próton carregado positivamente e um elétron carregado negativamente.

Já o positrônio consiste em um elétron e seu equivalente de antimatéria, um positron.

Ele foi detectado por cientistas pela primeira vez em 1951, nos EUA, mas tem sido difícil estudá-lo porque os átomos se movem muito - são os átomos mais leves que se tem conhecimento.

Mas o resfriamento reduz a velocidade dos átomos, facilitando o estudo dos cientistas.

Até agora, as temperaturas mais frias para o positrônio no vácuo têm sido em torno de 100 ºC. A equipe do Cern agora reduziu para mais de -100 ºC, usando uma técnica chamada resfriamento a laser. Trata-se de um processo difícil e complicado em que a luz de laser é lançada nos átomos para impedir que se mexam tanto. A pesquisa foi publicada na revista científica Physical Review Letters.

Para que possa ser usado em pesquisa, o positrônio tem que ser congelado ainda mais, até em torno de -260 ºC. A abordagem do laser deu aos pesquisadores um caminho, de acordo com o Prof. Michael Charlton, especialista em positrônio da Universidade de Swansea, que não participou do mais recente avanço.

"Este é um primeiro passo muito encorajador", disse ele à BBC News. "Está abrindo a porta para que você possa ver a luz do outro lado, acenando para uma nova era da física do positrônio."

E o grupo Cern não está sozinho na busca pelo positrônio congelado. Um grupo da KEK Slow Positron Facility em Tóquio está prestes a publicar resultados semelhantes.

Está se tornando uma corrida científica, envolvendo outros grupos ao redor do mundo também, porque essa substância esotérica poderia ter enormes benefícios práticos.

Quando um elétron e um pósitron se combinam, eles liberam enormes quantidades de energia. Isso poderia ser aproveitado para criar os chamados os poderosos lasers de raios gama.

·        Viagem interestelar

Algumas das aplicações são exames de imagens, tratamentos contra o câncer e fala-se até em impulsionar naves espaciais a velocidades próximas à da luz, o que poderia viabilizar viagens interestelares em um futuro distante.

O trabalho foi realizado na fábrica de antimatéria da Cern, que recentemente criou e armazenou a maior quantidade de átomos de hidrogênio de antimatéria no Universo conhecido.

No ano passado, uma outra equipe de pesquisadores testou se o anti-hidrogênio tinha uma resposta diferente à gravidade, vendo se caía para cima ou para baixo quando solto.

Descobriu-se que caía para baixo, mas ainda não se sabe se na mesma taxa que o hidrogênio normal.

 

Fonte: Por Pallab Ghosh, correspondente de Ciência da BBC

 

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