Paulo Kliass: Economia - A síndrome da
tesoura
A Constituição Federal
estabelece algumas diretrizes a respeito do tema de Finanças Públicas. Em seu
Capítulo II, estão estabelecidas as peças legais para o ordenamento das
condições da institucionalidade orçamentária. Assim, o Poder Executivo de todos
os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá
contar com três leis: i) planos plurianuais, ii) diretrizes orçamentárias e
iii) orçamento anual.
Além disso, no mesmo
art.165, o texto constitucional determina alguns procedimentos no que se refere
à própria dinâmica do orçamento público e as relações entre as competências do
governo e do legislativo a respeito da referida matéria. Assim, vê-se que:
(…) “§ 3º
O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada
bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.” (…)
Por outro lado,
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) aprofundou e detalhou os mecanismos relativos à busca de
maior eficiência e eficácia na gestão orçamentária e fiscal. De acordo com os
dispositivos da Lei Complementar nº 101/2000, a Seção III é dedicada ao
“Relatório Resumido da Execução Orçamentária” (RREO). Ali estão estabelecidas
as regras e a metodologia para apuração de tal balanço, com discriminação de
receitas e despesas em diferentes abordagens, bom como a determinação de divulgação
dos balanços de resultados fiscais primário e nominal.
·
Alterar a meta fiscal
para o Brasil crescer
Desta forma, no final
de março próximo deverá ser divulgado, como ocorre a cada exercício, o primeiro
RREO de 2024, relativo ao bimestre janeiro/fevereiro. As expectativas todas se
voltam para os números a serem apresentados pelos responsáveis da área econômica.
Afinal, o governo se comprometeu a perseguir uma meta de resultado primário
igual a zero para o ano em curso. Com isso, a dinâmica dos RREOs periódicos
permite o acompanhamento da evolução de tal objetivo a cada encerramento
bimestral.
O rigor no cumprimento
da execução fiscal com a busca da meta “zero” já foi embutida na elaboração e
na votação dos orçamentos fiscal e da seguridade social. Tendo em vista os
dispositivos austericidas presentes do Novo Arcabouço Fiscal, criado pela Lei Complementar
nº200/2023, a tendência é de se promover ainda mais controle e
contingenciamento das rubricas na área social e nos investimentos ao longo dos
meses até o final do ano.
As primeiras notícias
divulgadas pelo lado das receitas apontam para um melhor desempenho do que o
imaginado anteriormente. A arrecadação tributária da União alcançou R$ 280 bilhões no
primeiro mês do ano. O valor é o maior da série histórica para
o período desde 1995 e representou uma elevação real de quase 7% na comparação
com janeiro do ano passado. As avaliações apontam para o crescimento de
receitas extraordinárias e atípicas, segundo informe da própria Secretaria da
Receita Federal. Esse é o caso da novidade da tributação dos fundos exclusivos
e também de desonerações de alguns tributos. Porém, existe um grande consenso
de que ainda é muito cedo para se projetar que um comportamento de tal natureza
se mantenha ao longo dos próximos onze meses.
·
Haddad e a obsessão
com cortes a todo custo
De qualquer forma,
independentemente de alguma melhora no ritmo da arrecadação ao longo do
conjunto do exercício, o fato concreto é que a síndrome da tesoura vai se
perpetuar na condução da política fiscal. Como o compromisso quase obsessivo de
Fernando Haddad é com a meta zero no equilíbrio primário, a condução das demais
políticas públicas fica absolutamente reduzida em administrar as migalhas das
despesas nas áreas essenciais do Estado, a exemplo de saúde, previdência
social, educação, saneamento, assistência social, segurança pública, pagamento
de salários dos servidores, investimentos e demais itens.
Em 2023, o resultado
das contas governamentais foi um déficit primário de R$ 230 bi. Ora, para se
sair de um movimento como esse e alcançar um equilíbrio zerado em 2024, a
tendência será de se promover um ajuste de natureza recessiva. A única
possibilidade para escapar a esse quadro seria um aumento inesperado nas
receitas tributárias. Essa possibilidade seria muito bem vinda, mas o uso que o
governo possa vir a fazer de tais recursos extraordinários a ingressarem em seu
caixa é que gera uma importante polêmica.
A cartilha da
ortodoxia neoliberal sugere manter de forma rígida a meta de equilíbrio e
utilizar plenamente as receitas que chegarem a mais do que o previsto para
pagar os juros da dívida pública. Sim, pois essa é a ideia fixa de quem se
preocupa apenas e tão somente em gerar superávit primário ou fugir do déficit
como quem foge da cruz. É sempre bom lembrar que a lógica do “primário” libere
as despesas não financeiras. De maneira que em 2023, por exemplo, o governo
registrou um valor recorde de despesas financeiras, com pagamento de juros da
dívida pública. Foram R$ 720 bi apenas a esse título.
Mas o momento que o
Brasil atravessa e o sucesso do terceiro mandato de Lula dependem de outras
variáveis. Por exemplo, torna-se fundamental recuperar o protagonismo do Estado
em diversas áreas de sua responsabilidade, bem como é imprescindível a retomada
de programas sociais em que o aumento do patamar das despesas públicas é
elemento basilar.
Assim, o recomendável
seria que o presidente Lula assumisse para si os elementos chaves da condução
da política econômica. No caso em especial, aproveitar as informações do
primeiro RREO e promover uma adequação da meta fiscal para um déficit
semelhante ao de 2023, que registrou -2,3% do PIB. Essa incorporação de um
objetivo mais realista e menos influenciado pelo dogmatismo austericida teria o
condão de permitir ao governo promover as elevações necessárias nas despesas
orçamentárias tão essenciais para que Lula consiga se aproximar de sua promessa
de realizar 40 anos em 4.
O presidente dizia à
época da campanha que só havia aceito a incumbência de um terceiro mandato se
ele fosse capaz de fazer mais e melhor do que realizou nos dois primeiros,
entre 2003 e 2010. Ora, para tanto, é fundamental que o seu governo se liberte
do jugo da tesoura cortadora de despesas e se apresenta para o conjunto da
sociedade como o impulsionador das políticas públicas tão aguardadas para que
os caminhos de superação da crise sejam apresentados para todos nós.
Ø
No G20 financeiro, Haddad defende tributar
bilionários para reduzir desigualdades
Anfitrião do G20 financeiro que ocorre entre quarta (28/02) e
quinta-feira (29/02), Fernando Haddad defendeu que super-ricos
contribuam para reduzir as desigualdades econômicas globais, por meio de
impostos.
“Precisamos fazer com
que os bilionários do mundo paguem sua justa contribuição em impostos, através
da criação de uma tributação mínima global sobre a riqueza”, disse Haddad, na
abertura do G20 financeiro em São Paulo.
O ministro da Fazenda
brasileiro defendeu a criação de um tributo mínimo sobre grandes fortunas, que,
segundo ele, "poderá constituir o terceiro pilar para a cooperação
tributária internacional". "Chegamos a uma situação insustentável em
que o 1% mais rico detém 43% dos ativos financeiros mundiais e emitem a mesma
quantidade de carbono que os 2/3 mais pobres da humanidade", enfatizou
Haddad.
Com covid, Haddad
participa virtualmente do evento. Ainda assim, ele apresentou aos presentes o
pavilhão da Bienal do Ibirapuera e a arquitetura modernista de Oscar Niemeyer,
“símbolo de uma visão de mundo otimista voltada para o futuro” onde uma “gerações
de brasileiros ousaram imaginar um mundo diferente e um futuro melhor”, dizendo
que esse seria o espírito para guiar a reunião.
O ministro ainda
reforçou que os temas discutidos durante o evento devem abordar o combate à
pobreza e à desigualdade, o financiamento efetivo ao desenvolvimento
sustentável, a reforma da governança global, a tributação justa, a cooperação
global para transformação ecológica e o problema do endividamento crônico de
vários países.
·
Acordo
O combate às
desigualdades é o tema principal do G20 financeiro reunião de ministros da
Finanças e presidentes de bancos centrais - representando mais de 80% do PIB
mundial. A questão é destrinchada em subtemas como as implicações da
desigualdade para as políticas econômicas a nível global e as políticas que têm
sido bem sucedidas para tratar da desigualdade, inclusive da perspectiva de
gênero e raça.
discussões o combate à
fome, à pobreza e às desigualdades. A embaixadora Tatiana Rosito, aponta que o
objetivo desse encontro é colocar a desigualdade no centro da política
econômica.
"As desigualdades
se encontram no mesmo nível que no início do século 20 com concentração de
renda e riqueza para a própria economia. A gente espera que os ministros tenham
uma discussão bastante franca que leve em conta o papel da desigualdade, o diferente
peso que os países dão na elaboração das suas políticas", disse Rosito em
conversa com a imprensa na manhã desta quarta.
Também na agenda,
estão os riscos econômicos, incluindo mudança climática, inflação, tributação
de super-ricos e as tensões no Oriente Médio. O Brasil quer também ampliar a
influência de países em desenvolvimento em entidades de governança global, como
o Banco Mundial e o FMI.
Este ano marca a
chegada da União Africana como novo membro do G20 e, pela primeira vez houve
uma reunião informal na terça-feira, entre as economias emergentes e em
desenvolvimento no G20 financeiro. Os encontros em São Paulo acontecem pelo
grupo de trabalho Trilha de Finanças, uma parte das atividades da Cúpula do
G20, que este ano será no Rio de Janeiro.
Na tarde de
quinta-feira, será apresentado um comunicado conjunto do bloco de países,
negociado antes do encontro. Entre segunda e terça-feira (26/02 e 27/02),
representantes e secretários dos ministros de Finanças e dos presidentes de
Bancos Centrais fizeram um encontro preparatório no mesmo local, que deu início
às negociações. O texto elaborado por eles, será apresentado aos ministros
nesta quarta (28/02).
Fonte: Outras Palavras/Opera
Mundi
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