quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Paulo Kliass: Economia - A síndrome da tesoura

A Constituição Federal estabelece algumas diretrizes a respeito do tema de Finanças Públicas. Em seu Capítulo II, estão estabelecidas as peças legais para o ordenamento das condições da institucionalidade orçamentária. Assim, o Poder Executivo de todos os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá contar com três leis: i) planos plurianuais, ii) diretrizes orçamentárias e iii) orçamento anual.

Além disso, no mesmo art.165, o texto constitucional determina alguns procedimentos no que se refere à própria dinâmica do orçamento público e as relações entre as competências do governo e do legislativo a respeito da referida matéria. Assim, vê-se que:

(…) “§ 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.” (…)

Por outro lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) aprofundou e detalhou os mecanismos relativos à busca de maior eficiência e eficácia na gestão orçamentária e fiscal. De acordo com os dispositivos da Lei Complementar nº 101/2000, a Seção III é dedicada ao “Relatório Resumido da Execução Orçamentária” (RREO). Ali estão estabelecidas as regras e a metodologia para apuração de tal balanço, com discriminação de receitas e despesas em diferentes abordagens, bom como a determinação de divulgação dos balanços de resultados fiscais primário e nominal.

·        Alterar a meta fiscal para o Brasil crescer

Desta forma, no final de março próximo deverá ser divulgado, como ocorre a cada exercício, o primeiro RREO de 2024, relativo ao bimestre janeiro/fevereiro. As expectativas todas se voltam para os números a serem apresentados pelos responsáveis da área econômica. Afinal, o governo se comprometeu a perseguir uma meta de resultado primário igual a zero para o ano em curso. Com isso, a dinâmica dos RREOs periódicos permite o acompanhamento da evolução de tal objetivo a cada encerramento bimestral.

O rigor no cumprimento da execução fiscal com a busca da meta “zero” já foi embutida na elaboração e na votação dos orçamentos fiscal e da seguridade social. Tendo em vista os dispositivos austericidas presentes do Novo Arcabouço Fiscal, criado pela Lei Complementar nº200/2023, a tendência é de se promover ainda mais controle e contingenciamento das rubricas na área social e nos investimentos ao longo dos meses até o final do ano.

As primeiras notícias divulgadas pelo lado das receitas apontam para um melhor desempenho do que o imaginado anteriormente. A arrecadação tributária da União alcançou R$ 280 bilhões no primeiro mês do ano. O valor é o maior da série histórica para o período desde 1995 e representou uma elevação real de quase 7% na comparação com janeiro do ano passado. As avaliações apontam para o crescimento de receitas extraordinárias e atípicas, segundo informe da própria Secretaria da Receita Federal. Esse é o caso da novidade da tributação dos fundos exclusivos e também de desonerações de alguns tributos. Porém, existe um grande consenso de que ainda é muito cedo para se projetar que um comportamento de tal natureza se mantenha ao longo dos próximos onze meses.

·        Haddad e a obsessão com cortes a todo custo

De qualquer forma, independentemente de alguma melhora no ritmo da arrecadação ao longo do conjunto do exercício, o fato concreto é que a síndrome da tesoura vai se perpetuar na condução da política fiscal. Como o compromisso quase obsessivo de Fernando Haddad é com a meta zero no equilíbrio primário, a condução das demais políticas públicas fica absolutamente reduzida em administrar as migalhas das despesas nas áreas essenciais do Estado, a exemplo de saúde, previdência social, educação, saneamento, assistência social, segurança pública, pagamento de salários dos servidores, investimentos e demais itens.

Em 2023, o resultado das contas governamentais foi um déficit primário de R$ 230 bi. Ora, para se sair de um movimento como esse e alcançar um equilíbrio zerado em 2024, a tendência será de se promover um ajuste de natureza recessiva. A única possibilidade para escapar a esse quadro seria um aumento inesperado nas receitas tributárias. Essa possibilidade seria muito bem vinda, mas o uso que o governo possa vir a fazer de tais recursos extraordinários a ingressarem em seu caixa é que gera uma importante polêmica.

A cartilha da ortodoxia neoliberal sugere manter de forma rígida a meta de equilíbrio e utilizar plenamente as receitas que chegarem a mais do que o previsto para pagar os juros da dívida pública. Sim, pois essa é a ideia fixa de quem se preocupa apenas e tão somente em gerar superávit primário ou fugir do déficit como quem foge da cruz. É sempre bom lembrar que a lógica do “primário” libere as despesas não financeiras. De maneira que em 2023, por exemplo, o governo registrou um valor recorde de despesas financeiras, com pagamento de juros da dívida pública. Foram R$ 720 bi apenas a esse título.

Mas o momento que o Brasil atravessa e o sucesso do terceiro mandato de Lula dependem de outras variáveis. Por exemplo, torna-se fundamental recuperar o protagonismo do Estado em diversas áreas de sua responsabilidade, bem como é imprescindível a retomada de programas sociais em que o aumento do patamar das despesas públicas é elemento basilar.

Assim, o recomendável seria que o presidente Lula assumisse para si os elementos chaves da condução da política econômica. No caso em especial, aproveitar as informações do primeiro RREO e promover uma adequação da meta fiscal para um déficit semelhante ao de 2023, que registrou -2,3% do PIB. Essa incorporação de um objetivo mais realista e menos influenciado pelo dogmatismo austericida teria o condão de permitir ao governo promover as elevações necessárias nas despesas orçamentárias tão essenciais para que Lula consiga se aproximar de sua promessa de realizar 40 anos em 4.

O presidente dizia à época da campanha que só havia aceito a incumbência de um terceiro mandato se ele fosse capaz de fazer mais e melhor do que realizou nos dois primeiros, entre 2003 e 2010. Ora, para tanto, é fundamental que o seu governo se liberte do jugo da tesoura cortadora de despesas e se apresenta para o conjunto da sociedade como o impulsionador das políticas públicas tão aguardadas para que os caminhos de superação da crise sejam apresentados para todos nós.

 

Ø  No G20 financeiro, Haddad defende tributar bilionários para reduzir desigualdades

 

Anfitrião do G20 financeiro que ocorre entre quarta (28/02) e quinta-feira (29/02), Fernando Haddad defendeu que super-ricos contribuam para reduzir as desigualdades econômicas globais, por meio de impostos.    

“Precisamos fazer com que os bilionários do mundo paguem sua justa contribuição em impostos, através da criação de uma tributação mínima global sobre a riqueza”, disse Haddad, na abertura do G20 financeiro em São Paulo.

O ministro da Fazenda brasileiro defendeu a criação de um tributo mínimo sobre grandes fortunas, que, segundo ele, "poderá constituir o terceiro pilar para a cooperação tributária internacional". "Chegamos a uma situação insustentável em que o 1% mais rico detém 43% dos ativos financeiros mundiais e emitem a mesma quantidade de carbono que os 2/3 mais pobres da humanidade", enfatizou Haddad.

Com covid, Haddad participa virtualmente do evento. Ainda assim, ele apresentou aos presentes o pavilhão da Bienal do Ibirapuera e a arquitetura modernista de Oscar Niemeyer, “símbolo de uma visão de mundo otimista voltada para o futuro” onde uma “gerações de brasileiros ousaram imaginar um mundo diferente e um futuro melhor”, dizendo que esse seria o espírito para guiar a reunião.

O ministro ainda reforçou que os temas discutidos durante o evento devem abordar o combate à pobreza e à desigualdade, o financiamento efetivo ao desenvolvimento sustentável, a reforma da governança global, a tributação justa, a cooperação global para transformação ecológica e o problema do endividamento crônico de vários países.

·        Acordo

O combate às desigualdades é o tema principal do G20 financeiro reunião de ministros da Finanças e presidentes de bancos centrais - representando mais de 80% do PIB mundial.  A questão é destrinchada em subtemas como as implicações da desigualdade para as políticas econômicas a nível global e as políticas que têm sido bem sucedidas para tratar da desigualdade, inclusive da perspectiva de gênero e raça. 

discussões o combate à fome, à pobreza e às desigualdades. A embaixadora Tatiana Rosito, aponta que o objetivo desse encontro é colocar a desigualdade no centro da política econômica.

"As desigualdades se encontram no mesmo nível que no início do século 20 com concentração de renda e riqueza para a própria economia. A gente espera que os ministros tenham uma discussão bastante franca que leve em conta o papel da desigualdade, o diferente peso que os países dão na elaboração das suas políticas", disse Rosito em conversa com a imprensa na manhã desta quarta. 

Também na agenda, estão os riscos econômicos, incluindo mudança climática, inflação, tributação de super-ricos e as tensões no Oriente Médio. O Brasil quer também ampliar a influência de países em desenvolvimento em entidades de governança global, como o Banco Mundial e o FMI. 

Este ano marca a chegada da União Africana como novo membro do G20 e, pela primeira vez houve uma reunião informal na terça-feira, entre as economias emergentes e em desenvolvimento no G20 financeiro. Os encontros em São Paulo acontecem pelo grupo de trabalho Trilha de Finanças, uma parte das atividades da Cúpula do G20, que este ano será no Rio de Janeiro. 

Na tarde de quinta-feira, será  apresentado um comunicado conjunto do bloco de países, negociado antes do encontro. Entre segunda e terça-feira (26/02 e 27/02), representantes e secretários dos ministros de Finanças e dos presidentes de Bancos Centrais fizeram um encontro preparatório no mesmo local, que deu início às negociações. O texto elaborado por eles, será apresentado aos ministros nesta quarta (28/02).

 

Fonte: Outras Palavras/Opera Mundi

 

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