Por que tantos evangélicos defendem Israel?
No protesto convocado
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em São Paulo no domingo (25/21),
chamaram atenção as centenas de bandeiras de Israel empunhadas por
bolsonaristas ao longo da avenida Paulista.
O ex-presidente marcou
o protesto em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal (PF) sobre um
suposto plano de golpe de Estado depois da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). O protesto foi realizado, segundo seus organizadores, como uma defesa da
"liberdade e do Estado democrático de direito".
Mas a manifestação foi
vista por analistas como um esforço de Bolsonaro de demonstrar que tem força
política e apoio popular.
Bolsonaro pediu que o
público não levasse faixas contra autoridades e ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF), como ocorreu em outros atos com a participação do ex-presidente.
Mas outras bandeiras e
faixas foram vistas — principalmente estrelas de David e bandeiras de Israel.
A manifestação em
apoio ao governo israelense durante o protesto vem logo após as críticas
sofridas por Lula por ter comparado a situação do povo palestino em Gaza ao
Holocausto.
O uso de símbolos como
a estrela de David ou a bandeira de Israel também se tornou comum em eventos
evangélicos no Brasil nos últimos anos — especialmente entre grupos religiosos
ligados ao bolsonarismo.
O protesto convocado
por Bolsonaro reuniu esses dois grupos demográficos com simpatia a Israel —
evangélicos e bolsonaristas — mas o apoio ao país no oriente médio e suas
políticas não é restrito somente a evangélicos bolsonaristas, explica a
antropóloga Jacqueline Teixeira, professora da UnB.
"Você vai
encontrar esse apoio também em igrejas do protestantismo histórico, que
imigraram dos Estados Unidos", explica.
O apoio tem um fundo
religioso, explicam pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil.
Uma das bases
teológicas é uma corrente muito difundida chamada dispensacionalismo que
enxerga Israel como uma espécie de "relógio do fim do mundo".
Além disso, há toda
uma identificação dos evangélicos com o Antigo Testamento da Bíblia, que trata
basicamente da história sagrada do povo israelita.
• Identificação com Israel
O pastor e teólogo
Guilherme de Carvalho diz que, para evangélicos como ele, o povo judeu é
especial porque o cristianismo surgiu a partir do judaísmo. Ou seja, porque
Jesus era judeu e foi criado dentro da religião judaica. E mesmo que Cristo
tenha mudado muitos aspectos da religião, o povo judaico ainda teria um lugar
especial nos planos divinos.
"A questão
existencial de Israel é importante para o cristianismo. Porque o cristianismo
saiu da nação judaica, porque o cristianismo perseguiu a nação judaica (e
depois se emendou) e porque existem razões teológicas para acreditar que a
nação judaica tem ainda um destino cristão", diz carvalho.
Pastores e teólogos
explicam que essa visão faz com que muitos evangélicos fiquem inclinados a
apoiar não só o povo judeu, mas o Estado moderno de Israel. Para Guilherme de
Carvalho, não dá para separar a existência dos judeus no mundo moderno da
existência de Israel.
"É claro que o
Estado de Israel não representa o Reino de Deus, não é o Israel bíblico. Mas o
Estado moderno de Israel é uma reencarnação histórica das lutas do povo judeu.
Isso valida o comportamento nacional de Israel? Não, isso é outra história. Mas
se existe uma ameaça existencial ao povo judeu encarnado nesse Estado, então
isso importa para os cristãos", diz ele.
Um fator que reforça
essa identificação é que diversas correntes evangélicas dão bastante
importância a valores e símbolos do Antigo Testamento — que tem uma visão de
Israel como a terra prometida e do povo judaico como escolhido de Deus.
Isso está muito
presente entre os pentecostais, mas também acompanhou missionários de outras
denominações desde o século 19, segundo a antropóloga Jacqueline Teixeira.
"É nesse período
que surge uma inspiração protestante de construir uma relação com o Antigo
Testamento, com trechos específicos do Antigo Testamento, então as batalhas do
povo de Israel, o período de Escravização, a passagem dos judeus. Tentando trazer
sempre essa interpretação de que o processo de libertação instauraria um Estado
Literal e seria o cumprimento de uma promessa de Deus do Antigo
Testamento", diz Teixeira.
Dentro da comunidade
evangélica, há quem critique essa visão que une Israel histórico e o Estado
moderno.
"Se confunde o
povo de Deus histórico, a nação de Israel do velho testamento, com o Estado
moderno de Israel, com a política sionista", afirma o pastor e teólogo
Alexandre Gonçalves.
• Relógio do Fim do Mundo
No século 19 também
surgiu um outro tipo de pensamento que influencia até hoje a visão de muitos
evangélicos sobre o tema.
Se trata de uma
corrente teológica que enxerga Israel como uma espécie de relógio do fim do
mundo. Teólogos evangélicos explicam que essa corrente é chamada
“dispensacionalismo”
A ideia é que Israel
seria uma espécie de “sinal divino” para o cristianismo, explica Alexandre
Gonçalves, quando um período de crise econômica e escassez deu origem a
correntes evangélicas voltadas para a interpretação de profecias e previsões
sobre o apocalipse.
“Havia uma
interpretação de que, antes do fim do mundo, Deus faria com que o seu povo
voltasse para a terra prometida, isso seria um sinal”, explica Gonçalves.
A criação do Estado de
Israel em 1948, diz ele, foi entendida por essa corrente como esse sinal de que
o fim do mundo está próximo. Ou seja, o relógio do apocalipse teria sido
disparado a partir da criação do Estado de Israel, explica Dusilek, e seria necessário
prestar muita atenção em tudo o que acontece nesse local.
Para essa corrente, a
região é entendida como uma espécie de campo de batalha do fim do mundo, diz
Dusilek.
“Ela localiza o fim do
mundo em Jerusalém, onde haverá o grande Armagedom, a batalha final entre a luz
e as trevas, entre Deus e seus anjos por um lado, e o Diabo e seus demônios por
outro lado”, explica Dusilek.
Essa corrente
teológica é muito difundida, afirma o teólogo Kenner Terra.
“Muitas vezes, mesmo
que a pessoa não conheça essa corrente teológica ou saiba o nome, ela adere a
esse pensamento, acaba assimilando essa ideia, que é bastante popular no
Brasil”, afirma o pastor e teólogo Kenner Terra. Para essa corrente, explica
Terra, sua posição em relação a Israel definiria se você é fiel ou não o povo
de Deus.
• Evangélicos, bolsonarismo e Israel
Apesar do fundo
religioso, afirma o teólogo Sergio Dusilek, ex-presidente da Convenção Batista
Carioca, a maneira como muitos líderes têm se posicionado sobre o assunto nos
últimos anos tem um forte caráter político.
Segundo ele, os
líderes têm usado interpretações de conceitos do antigo testamento para se
inserirem no espaço público e na política.
“É no primeiro
testamento que está a noção de territorialidade, de governo, de uma ação
política, teocrática até. Neste sentido, tal apoio ganha um caráter mimético e
balizador”, afirma Dusilek. “A questão é que essa inserção se dá com interesses
governamentais.”
“O apoio, e aí
voltamos ao cerne do fundamentalismo, é de fundo político sob o verniz
religioso. A ideia subjacente de certos líderes, ao que parece, é de instaurar
um 'evangelistão'. O primeiro testamento, então, funciona como base desse
ideário”, diz ele.
Bolsonaro, diz
Dusilek, soube ler bem esse momento e aproveitá-lo politicamente.
“Embora acredite que
Bolsonaro não esteja nem aí para esse movimento de apoio ao Estado de Israel,
ele fez a leitura correta (e esperta) de que muito da liturgia praticada em
muitas igrejas evangélicas incorporou elementos judaicos”, explica Dusilek, que
também é pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião,
da Universidade Federal de Juiz de Fora.
“O que Bolsonaro fez
foi colocar um holofote institucional em uma situação que já estava posta.”
Se o apoio a Israel e
à agenda política do país já existia muito antes de Bolsonaro se tornar
influente entre evangélicos, o bolsonarismo trouxe uma novidade para esse
apoio, segundo Teixeira: o discurso bélico-religioso. Ou seja, a ideia de que
uma disputa entre o bem o mal justificaria o uso da violência.
Sua pesquisa tem
apontado para "uma aposta em uma naturalização da violência ou da
guerra."
"Tem me chamado a
atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os
bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado
sobre o povo palestino", explica Teixeira.
A naturalização entre
religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos,
seria, segundo a pesquisadora, resultado de uma "circulação mais
preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas", que
permitiu uma "naturalização um pouco maior da guerra e da
desumanização" dos palestinos.
Alexandre Gonçalves
afirma que a noção de que Israel hoje representa os valores de uma “sociedade
ocidental judaico-cristã” também foi muito difundida entre conservadores
evangélicos a partir da ideia de uma guerra cultural entre esquerda e direita.
“Eu vi muitos jovens
da igreja ouvindo o (escritor) Olavo de Carvalho, que difundia essa ideia de
guerra cultural”, conta Gonçalves. Por essa perspectiva, defender Israel seria
defender esses valores.
Para Kenner Terra, a
corrente teológica do dispensacionalismo foi cooptada por tradições
conservadoras evangélicas e sionistas, muitas vezes ligadas a um
fundamentalismo cristão, para quem essa confusão entre a nação histórica e o
Estado moderno de Israel é interessante.“É uma teologia que tem origem nos EUA,
país que é aliado histórico de Israel”, afirma o teólogo.
Terra critica esse
apoio incondicional que muitos líderes evangélicos dão a Israel hoje.
“É um apoio que ignora
uma série de perspectivas históricas, como os tratados internacionais que
Israel rompeu, os territórios que tomou e a forma como tratam os palestinos.”
Fonte: BBC News Brasil
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