'Meu pai se matou, e hoje sou padre e
especialista em suicídio'
O padre Licio Vale, de
66 anos, viveu na pele a marcante e relativamente recente mudança na posição
da Igreja Católica Apostólica
Romana em relação ao suicídio.
Quando Licio tinha 13
anos, seu pai se matou aos 43, no ano de 1970. Como era a norma naquele momento
para suicidas, não foram feitos os rituais funerários que uma pessoa que morria
em outras condições podia receber.
"Minha família, apesar de muito
católica, não teve direito de celebrar a missa de corpo presente, nem a missa
de sétimo dia, nem missa de mês, nem missa de ano", lembra Licio, que
comanda a paróquia Sagrada Família, no bairro da Ponte Rasa, em São Paulo (SP).
"Porque a Igreja
Católica dizia naquela época que as almas das pessoas que se matavam iam direto
para o inferno. [Segundo a doutrina antiga] Quem se mata peca contra o Quinto
Mandamento da lei de Deus, que é não matar. Então, na minha família, nós
vivemos isso na carne."
Quando adolescente, a
perspectiva do pai "não ter a salvação eterna" era
"profundamente angustiante", ele diz.
Essa posição do
catolicismo apostólico romano — a religião mais popular do Brasil, com mais de
123 milhões de fiéis (64,6% da população), segundo o Censo 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — só mudou após a revisão do
Código de Direito Canônico em 1983.
"Hoje, como
padre, graças a Deus, nossa doutrina católica evoluiu", diz, garantindo
que a rejeição a esses ritos não acontece mais, nem na teoria nem na prática.
A história de padre
Lício e as mudanças da doutrina da Igreja Católica sobre suicídio é a primeira
da série de reportagens "Suicídio & Fé", que a BBC News Brasil
publica nas próximas semanas.
Licio conta que
realizou um sonho de infância — anterior à morte do pai — de se tornar padre há
40 anos.
Também é formado em
filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
especializado em prevenção ao suicídio pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), palestrante e autor de vários livros sobre o tema, como E
foram deixados para trás: uma reflexão sobre o fenômeno do suicídio.
No Brasil, o tema
ganha cada vez relevância apesar do tabu persistente que o envolve, porque,
como mostram estudos recentes, o número de suicídios vem aumentando.
Licio avalia que a
Igreja Católica atualizou sua doutrina porque "dialoga com a
Ciência".
"Estudos mostram
que a grande maioria das pessoas que se mata não tem a intenção de tirar sua
vida, portanto não tem a intenção de pecar contra o Quinto Mandamento",
diz o padre.
"Porque, para que haja pecado, tem que haver intenção. E quem
sabe a intenção? Só Deus."
·
'Eu me tornei
especialista em prevenção ao suicídio por causa da morte do meu pai'
Licio é filho único e
cresceu na capital paulista em "berço católico", nas suas palavras. A
avó materna ia à missa todos os dias, e ele a acompanhava.
Enquanto isso, seu pai
lutava com a depressão e o alcoolismo. Licio conta que o pai aceitava receber
cuidados, mas acredita que, da forma que eram feitos os tratamentos na época,
isso pode ter atrapalhado.
"Ele foi
internado no hospital psiquiátrico, que nos anos 1960 era uma prisão. Ele tomou
eletrochoque, porque os medicamentos antidepressivos vão surgir no Brasil na
metade dos anos 1970. Então, ele sofreu muito, inclusive com as
internações", lembra.
Atualmente, o chamado
eletrochoque foi adaptado e ganhou novo nome, a eletroconvulsoterapia (ECT).
Alguns especialistas
e instituições defendem o seu uso para algumas condições de saúde mental, como a depressão grave, e somente com o uso de anestesia e com
correntes elétricas mais baixas do que as usadas antigamente.
Mas, segundo o
Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) não preconiza e nem
financia esse tipo tratamento.
Licio conta que, para
lidar com a perda do pai, fez 30 anos de terapia com psicanálise tradicional.
"Estava na no
início da adolescência, aquela fase em que o filho homem se identifica com a
figura do pai. Eu me senti abandonado", conta.
"Foram 30 anos,
uma vez por semana, no divã para elaborar o estrago emocional que o suicídio
dele provocou na minha vida pessoal."
Além da ajuda da
psicanálise, Licio se debruçou sobre o trauma na chamada direção espiritual, um
acompanhamento que seminaristas recebem em sua preparação para serem padres —
ele começou essa formação em 1978.
"Essa morte hoje
ressoa como uma grande graça. Tem um texto da Bíblia em que São Paulo diz:
'Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus'. Eu me tornei especialista
em suicídio por causa da morte dele", afirma o padre.
"Graças ao
cuidado da minha saúde mental por um lado e ao cuidado da saúde espiritual por
outro, pude transformar esta morte em vida. E claro que ele está vivo aqui,
dentro de mim."
Em uma segunda-feira
nublada de novembro do ano passado, o padre Licio chegou à entrevista com a BBC
News Brasil com os minutos contados, depois de uma reunião em outro bairro e
antes de rezar sua missa semanal na paróquia Sagrada Família.
Na celebração daquele
dia, havia mais assentos do que fiéis. Mas o que se via era um grupo unido, que
parecia se encontrar ali com frequência e demonstrava uma relação próxima com
Licio.
É também ali que o
padre dedica três dias na semana para receber pessoas que estejam precisando de
ajuda na prevenção de suicídio ou no acolhimento após terem perdido alguém que
se matou, a chamada posvenção.
Na verdade, nesses
encontros, Licio diz que aciona mais o "lado especialista" do que o
"lado padre".
Ele conta que
sacerdotes de vários bairros de São Paulo encaminham pessoas — não
necessariamente católicas — para lá.
Após cerca de três
encontros, caso veja necessidade, Licio recomenda auxílio com psicólogos ou
psiquiatras.
"A grande maioria
não é ali do bairro", diz o padre, que estima encontrar de cinco a sete
pessoas por semana nessa situação.
"Muita gente
procura os padres para conversar mesmo não sendo católicos. Estão desesperadas,
estão em ideação suicida e procuram um padre. E aí os padres normalmente
encaminham para mim."
·
Como a rígida doutrina
católica mudou
O que aconteceu com o
pai de Licio, de não ter tido as missas funerárias tradicionais, era parte de
uma longa tradição doutrinária na Igreja Católica.
Do século 6 ao final
do século 20, a orientação formal da Igreja Católica era não fazer os rituais
funerários normais para um fiel que morresse por suicídio, segundo a
pesquisadora americana Ranana Dine — nem o funeral cristão, nem enterro em
espaços sagrados ou missas.
Dine, que é judia e
faz doutorado em Ética Religiosa na Universidade de Chicago, estuda desde a
faculdade questões religiosas com o olhar da filosofia.
No mestrado na
Universidade de Cambridge, ela analisou as doutrinas católica e judaica sobre o
suicídio.
Uma das origens da
histórica posição católica sobre o suicídio está nos Dez Mandamentos, cuja base
está no Antigo Testamento.
Um destes mandamentos
afirma: "Não matarás". A interpretação que vingou por muito tempo é
que se matar é uma violação desse princípio.
"Grande parte do
problema com o suicídio é que ele era visto como alguém querendo agir
intencionalmente contra Deus e o domínio de Deus sobre a vida", explica
Dine.
Especialistas apontam
também que contribui para a aversão ao assunto no cristianismo o relato de que,
segundo os evangelhos canônicos (aqueles reconhecidos como autênticos pela
Igreja Católica), Judas Iscariotes, traidor de Jesus Cristo, se suicidou.
As primeiras
discussões acerca do suicídio surgiram nos sínodos, reuniões convocadas por uma
autoridade da Igreja Católica, do século 5.
A formalização de uma
postura punitiva quanto ao ato não demorou a aparecer.
No século 6, durante o
Conselho de Braga de 563, um grupo de bispos promulgou alguns decretos, entre
eles a proibição de que suicidas recebessem grandes cerimônias ou fossem
enterrados dentro de igrejas.
Ao longo da Idade
Média, outros documentos reafirmaram essa posição.
Na Europa, isso se
combinou com costumes da época. No artigo Christianity and Suicide, os pesquisadores
Nils Retterstøl e Øivind Ekeberg afirmam
que, em muitas partes do continente, "o corpo [de um suicida] era
arrastado pelas ruas e enterrado em uma encruzilhada, com uma estaca cravada e
uma pedra colocada sobre o rosto".
O artigo aponta que o
Iluminismo, movimento marcado pelo valorização da racionalidade, trouxe no
século 18 uma visão menos condenatória do suicídio e mais crítica ao
catolicismo — que, no entanto, ainda demoraria alguns séculos para mudar sua
posição sobre o assunto.
O Código de Direito
Canônico de 1917 reforçou mais uma vez o caráter pecaminoso do suicídio.
Uma das normas desse
código afirmava que "a menos que tenham dado sinal de arrependimento antes
da morte", aqueles que "se mataram de maneira deliberada"
estavam entre aqueles "privados de um sepultamento eclesiástico" —
assim como excomungados e pecadores manifestos.
Esse trecho foi
retirado na revisão do código em 1983.
"O contexto
externo [da mudança] era o desenvolvimento da ideia da depressão e de outras
doenças mentais como patologias tais quais a doenças físicas, que não eram
culpa do indivíduo", explica a pesquisadora Ranana Dine.
O Código de Direito
Canônico, na avaliação de Dine, é o "documento mais importante" de
normas da Igreja Católica.
Mas há outros
documentos relevantes que também demonstram mudanças na conduta católica sobre
o suicídio, como o Catecismo de 1992 — que tem um caráter mais de orientação e
educação do que uma função normativa como o código.
Um trecho do Catecismo
afirma que o "suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para
conservar e perpetuar a sua vida" e é "contrário ao amor do Deus
vivo".
"Ofende
igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de
solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana [...]", diz o
documento.
Mas um trecho seguinte
reconhece que "perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave
duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem
diminuir a responsabilidade do suicida".
Por isso, o documento
conclui: "Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se
suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião
de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a
própria vida".
Em um discurso de
outubro de 2021, no Dia Mundial da Saúde Mental, o papa Francisco defendeu o
acolhimento a pessoas que se suicidaram e às suas famílias.
"Gostaria de
lembrar dos nossos irmãos e irmãs afetados por distúrbios mentais e também as
vítimas, frequentemente jovens, do suicídio", disse o papa.
"Vamos rezar por
eles e por suas famílias, para que eles não sejam deixados sozinhos ou sejam
discriminados, mas sim bem recebidos e apoiados."
Dine avalia que a
doutrina sobre o suicídio não é algo que divida diferentes alas da Igreja
Católica tal qual outras questões controversas como, por exemplo, o casamento gay e o
aborto.
A pesquisadora vê de
forma positiva as mudanças recentes na abordagem católica ao assunto, mas diz
compreender o posicionamento anterior.
"Fico satisfeita
que a Igreja tenha mudado sua posição sobre o enterro de suicidas, mas acho que
as normas anteriores vinham de uma abordagem teológica sincera", afirma.
Dine argumenta que,
por haver razões teológicas para a Igreja Católica ser contra o suicídio, faz
sentido dentro do catolicismo o suicídio ser visto como um pecado.
"Acho que alguém
como [Santo] Agostinho e
outras pessoas realmente acreditavam que Deus tem o domínio do mundo, dos
nossos corpos, e negar isso a Deus realmente vai contra grandes princípios do
cristianismo."
Na sua avaliação, a
Igreja Católica ainda considera o suicídio um pecado — mas não um "pecado
mortal", aquele em que não há qualquer esperança de salvação da alma.
"Ainda há o
sentido de pecado, de falha, mas envolto nessa postura de compaixão, com a
ideia de que a pessoa não sabia o que estava fazendo. Então, é um pecado de
natureza diferente", avalia Dine.
O padre Licio Vale
também não firma uma definição.
"O suicídio
continua sendo pecado nesse sentido de que ninguém pode matar a si mesmo, ter a
intenção de se matar. Porque a vida pertence unicamente a Deus, então, nesse
sentido, a gente diz que é um mal moral", afirma o padre.
"Mas o conceito
de pecado tem a ver com intenção. A maioria dos estudos diz que a maioria das
pessoas que se mata não tem essa intenção. Por isso, a gente evita dizer hoje
que é pecado."
Licio reconhece que o
tabu com o suicídio de fundo religioso ainda é "muito presente" na
cultura popular.
Durante a apuração
dessa reportagem, por exemplo, uma fonte deu um relato que não pôde ser
confirmado pela BBC News Brasil de que vizinhos faziam o sinal da cruz toda vez
que passavam na frente da casa de uma mãe que perdeu a filha para o suicídio.
"Ainda existe
essa cultura errônea de que quem se mata vai para o inferno. Por isso, é
importante que a gente fale que não é mais assim, que a Igreja não pensa mais
assim", diz o padre.
"A doutrina
continua a mesma, ninguém pode se matar, mas ela evoluiu no sentido de que o
suicida não quer, não tem a intenção, segundo a ciência, de pecar. Ele quer
matar a dor emocional."
Por isso, o padre
afirma que a decisão pela salvação da alma de um suicida ficaria a cargo de um
"Deus misericordioso".
Perguntado se a Igreja
Católica tem responsabilidade nesse tabu persistente, o padre consente.
"Claro, uma
doutrina que foi ensinada durante mais de 900 anos, quase mil anos, é óbvio que
vai levar muito tempo para que essa doutrina possa ser definitivamente
esclarecida", avalia Licio.
"Mas a Igreja
Católica, institucionalmente, está aprendendo a lidar com o fenômeno."
Apesar de ainda ser o
maior, o segmento católico está diminuindo seu percentual na população desde o
primeiro Censo, de 1872.
Por outro lado, no
período mais recente, de 2000 para 2010, houve aumento do percentual de
espíritas, evangélicos e pessoas sem religião.
·
Suicídios de padres
Desde 2016, Licio
voltou a conviver mais de perto com notícias de mortes por suicídio: ele tem se
dedicado a fazer um levantamento detalhado de padres que tiraram a própria
vida.
Licio afirma que os
dados de mortes entre sacerdotes são ainda mais alarmantes do que na população
geral.
Para isso, o
especialista compara a média de mortes de padres que ele registrou em relação
ao total de padres no Brasil com a taxa de mortes por suicídio na população
brasileira — embora esses números não resultem de uma mesma metodologia.
De acordo com os dados
mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, houve 8 suicídios para cada 100 mil habitantes no
Brasil.
Em 2022, Licio
registrou 5 suicídios de padres. Considerando que o país tinha naquele ano
cerca de 21,8 mil padres, segundo a Comissão Nacional de Presbíteros, isso
daria aproximadamente 23 suicídios a cada 100 mil padres.
De 2016 a 2022, o
pesquisador contabilizou um total de 33 mortes de padres por suicídio, com
média de 4,7 por ano.
Os anos em que mais
mortes foram registradas foram 2017 e 2021, com 10 suicídios de padres cada um.
Licio reúne esses
dados a partir de informações divulgadas por dioceses, pela imprensa ou por
fontes da internet.
As dioceses, segundo
ele, estão cada vez mais publicando a causa da morte quando há um suicídio
comprovado, embora ainda haja muito "mistério" em torno desses dados.
O pesquisador conta
que nunca passou pela situação de conhecer pessoalmente algum padre que tenha
se matado, mas diz que já foi procurado por dois amigos padres que pediram
ajuda por questões de saúde mental, a quem Licio recomendou tratamento
psicológico e psiquiátrico.
Mesmo não conhecendo
pessoalmente os padres que se mataram, Licio diz que se sente abatido ao
documentar as mortes de colegas.
"Por exemplo, um
caso de um padre jovem. Isso me impacta porque é alguém que tem uma vida
pessoal e uma vida no sacerdote inteira pela frente. Sempre me impacta",
desabafa.
Licio afirma que a
escolha do sacerdócio "não imuniza" os padres de lutas internas e
desafios pessoais.
Há particularidades
dessa ocupação que afetam a saúde mental, aponta Licio, como o excesso de
trabalho, a solidão e a cobrança excessiva.
"A vida do padre
é muito mais complicada do que a gente imagina", ele diz.
"Vou te fazer uma
pergunta: onde você vai passar o Natal de 2030? Se eu estiver aqui na paróquia
em 2030, às 18h vou ter uma missa numa comunidade e às 20 horas eu tenho missa
aqui. Eu já tenho compromisso assumido para daqui a sete anos."
O padre afirma que a
solidão é outro fator de risco grande para o suicídio no clero, principalmente
os diocesanos — que estão vinculados a uma diocese e não a uma ordem religiosa,
como os franciscanos e beneditinos.
"Um padre às
vezes mora sozinho na casa paroquial, fica longe da família, tem poucos amigos
verdadeiros que gostem da pessoa e não do padre", diz Licio.
"E a gente se
cobra em termos de sermos coerentes com aquilo que pregamos, com aquilo que
vivemos. O povo nos cobra posturas, comportamentos. A própria Igreja nos cobra
posturas e comportamentos."
Licio alerta que o
número de suicídios entre padres pode ser muito maior por conta da
subnotificação — a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que, para cada
morte por suicídio confirmada, há provavelmente mais de 20 tentativas.
A reportagem também
buscou dados sobre suicídios entre líderes religiosos — não só católicos — a
partir do DataSUS, sistema mantido pelo Ministério da Saúde, mas especialistas
consultados afirmaram não ser possível obter informações confiáveis com esse recorte.
A BBC News Brasil
procurou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para obter um
posicionamento oficial da Igreja Católica no Brasil sobre o cuidado com a saúde
mental de padres e a doutrina acerca do suicídio de forma geral.
A CNBB respondeu que
não foi encontrado bispo "com disponibilidade para atender à
demanda".
·
'Fala de
culpabilização ligada à religião pode causar muita dor'
Segundo a OMS, mais de
700 mil pessoas morrem a cada ano por suicídio no mundo.
De acordo com a
organização, a ligação entre suicídio e distúrbios mentais — notadamente a
depressão e o alcoolismo — já foi bem demonstrada, mas esse tipo de morte
também ocorre após crises pontuais, como términos de relacionamentos e
problemas financeiros.
Taxas de suicídio
tendem a ser maiores também em cenários de abuso, violência, desastres e
vulnerabilidade social — como entre refugiados e migrantes, priosioneiros e
pessoas LGBTQIA+.
No Brasil, o número
absoluto de suicídios vem crescendo ano após ano desde 2016, segundo dados do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Um outro estudo,
publicado na revista científica The Lancet Regional Health Americas, calculou que, entre 2011 e 2022, a taxa de suicídios a cada
100 mil habitantes cresceu em média 3,7% ao ano no Brasil.
Em 2011, a taxa era de
5 por 100 mil, chegando a 7,3 por 100 mil em 2022.
Todas as regiões
brasileiras tiveram aumento nas taxas. Entre jovens (10 a 24 anos), o
crescimento foi de 6%, significativamente maior do que na população geral.
No mundo,
considerando dados da OMS de 2019, a taxa
média de suicídios foi de 9 por 100 mil habitantes.
Neste relatório, o
Brasil aparece abaixo da média global, com 6,4 suicídios por 100 mil
habitantes.
A psicóloga Karen
Scavacini, fundadora e diretora do Instituto Vita Alere de Prevenção e
Posvenção do Suicídio, afirma que as religiões — não apenas o catolicismo —
podem ter um papel ambíguo na prevenção e na posvenção do suicídio.
"Os estudos
mostram que [a religião] é um fator de proteção, e é, na maioria das
vezes", diz Scavacini.
"Até o medo de ir
para o inferno, de ir para o umbral, embora muitas religiões não falem mais
sobre isso, pode fazer com que a pessoa não se mate. Então, acaba protegendo.”
A sensação de
pertencimento a uma comunidade religiosa é outro fator protetor contra o
suicídio, aponta a psicóloga.
"Quando a gente
põe na balança, a espiritualidade tem um fator mais de proteção do que de
risco, porém — e esse é o grande porém —, quando ela se torna um fator de
risco, pode ser um risco importante."
Scavacini, que é
doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que o tabu
religioso pode ser danoso em vários estágios relacionados ao suicídio.
"Começando pela
prevenção, o que a gente escuta de mais comum é a relação de vergonha quando
uma pessoa está pensando em se matar", diz.
"Isso piora toda
a situação, porque a pessoa pensa: 'Puxa, além de tudo, eu sou um pecador,
porque eu estou pensando em me matar."
A psicóloga cita
também casos de pessoas cuja sexualidade não é bem aceita em sua religião, o
que agrava o quadro de saúde mental.
Também há aquelas que
deixam de procurar ajuda especializada depois que "foram falar com o
pastor, com o padre, e a resposta foi de que estava faltando Deus, que estava
faltando oração, que psicólogo não resolvia nada, que o que resolve é a igreja".
"Há ainda o caso
das pessoas que tentaram [se suicidar]. Então, entram as questões de pecado, de
culpabilização, de falta de reza, de estar possuído, e isso de novo vai ser um
fator de risco", diz Scavacini.
"Pode ser um
gatilho, pode ocasionar um isolamento dessa pessoa da comunidade religiosa, que
no geral é um fator de proteção."
A psicóloga lembra
também dos enlutados, cenário em que a questão religiosa talvez se torne ainda
mais "delicada".
Ela diz ser comum
estas pessoas ouvirem, inclusive em velórios, que alguém que elas perderam para
o suicídio vai para um lugar de sofrimento após a morte.
"O impacto da
fala de um religioso para uma família enlutada é muito grande. O tabu religioso
não está só na figura religiosa, ele está em toda uma sociedade."
"Para quem está
de luto, que está buscando uma resposta, muitas vezes em choque, que pode estar
naquela culpa que é própria do luto por suicídio, uma fala de culpabilização
ligada a religião tem um peso muito grande e pode causar muita dor."
Fonte: BBC News Brasil
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