Lei precisa garantir liberdade, mas com
proteção social, diz ministro do TST
As novas tecnologias
mudaram o mercado de trabalho e deram mais autonomia a determinados
profissionais. Diante disso, o sistema legal brasileiro precisa encontrar um
modelo de regulação que preserve a liberdade nas relações produtivas, mas que
proteja os direitos de quem atua nessa nova dinâmica de trabalho.
Foi o que disse o
ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho, em
entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, na qual a revista eletrônica Consultor
Jurídico conversa com algumas das principais personalidades do Direito
brasileiro e internacional sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.
Segundo o ministro, o
Brasil vive um momento único na história em relação à Justiça e ao Direito do
Trabalho. E, nesse contexto, a tecnologia tem cumprido um papel importante na
alteração dos modelos de organização produtiva. Essa mudança, porém, precisa
agora se refletir na legislação trabalhista, que está desatualizada e exige uma
revisão urgentemente.
“Precisamos entender
esse novo momento, em que se reconhece uma amplificação da autonomia individual
da vontade e que é incompatível com o modelo clássico de subordinação jurídica
do empregado ao empregador. E, portanto, nesse ambiente em que há uma significativa
autonomia, nós precisamos encontrar um modelo de regulação jurídica, um sistema
legal que atenda o objetivo de preservar a liberdade ao mesmo tempo que garanta
proteção social”, disse Rodrigues, que é mestre em Direito das Relações Sociais
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Outras questões
centrais na atualidade são os efeitos da terceirização e o modelo de
organização sindical — que, segundo ele, foi prestigiado pela reforma
trabalhista e pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.046, no qual a corte
declarou a validade de norma coletiva que limita direito trabalhista não
constitucional.
“E também precisamos
discutir as razões que estão levando o STF a mitigar a competência material da
Justiça do Trabalho”, completou o ministro, fazendo referência a decisões da
corte que, por exemplo, têm atribuído à Justiça Comum, e não à Trabalhista, a
competência para julgar determinados casos.
·
ESG
O ministro também
falou sobre a responsabilidade das empresas pelos impactos ambientais, sociais
e de governança nos resultados de suas atividades econômicas e nos
investimentos — a chamada agenda ESG (environmental, social and governance).
Segundo Rodrigues, a
agenda cumpre uma função importante no mundo corporativo, mas não pode ser
objeto de uso indevido, como se fosse um instrumento de marketing para que
algumas empresas possam apenas alavancar seus negócios.
“O que eu quero dizer
é que a ordem econômica e todos os seus princípios estruturantes — entre
os quais a livre iniciativa, a propriedade privada com função social e a função
social da empresa — estão comprometidos com objetivos, que estão na Constituição,
de construção de uma sociedade justa, fraterna, menos desigual. De sorte que,
na esfera privada, é preciso que a sociedade perceba a relevância dessa pauta e
possa, enfim, consumir produtos e aderir a bens e serviços que são oferecidos e
prestados por empresas que verdadeiramente buscam exercer a livre iniciativa
com essa proposta de realização de valores sociais.”
·
Redução de acervos
Outro tema abordado
foi a sobrecarga de trabalho no Poder Judiciário. Segundo o ministro, os
tribunais e as instâncias que estão saturados pelo alto número de processos
precisam adotar uma política pública de enfrentamento responsável desse
problema. Nesse sentido, Rodrigues sugere que sejam reimplantados os mutirões
de trabalho, além do emprego de juízes auxiliares.
“No caso da Justiça do
Trabalho, nós estamos cuidando de um direito social que tem natureza alimentar.
Então, a situação da morosidade acaba sendo muito mais dramática. Acho que a
requisição de juízes — ou a possibilidade de utilização de juízes auxiliares
nos tribunais regionais e no próprio Tribunal Superior do Trabalho — precisa
ser urgentemente repensada. Obviamente com a percepção de que não se pode usar
um cobertor curto para criar um problema numa outra ponta.”
Ø
Entidades do mundo jurídico fazem atos em
todo o país contra decisões do STF que permitem avanço da 'pejotização'
Cerca de 200
entidades, incluindo coletivos e organizações de advogados, de juízes
trabalhistas, do Ministério Público do Trabalho e seccionais da Ordem dos
Advogados do Brasil, realizam nesta quarta-feira, (28), atos em 34 cidades do
país, incluindo 24 capitais, em defesa da Justiça do Trabalho e para
reivindicar que o Supremo Tribunal Federal escute os trabalhadores e não
esvazie as atribuições da Justiça trabalhista.
A iniciativa é a mais
recente ação de profissionais e operadores do Direito, além de sindicatos, em
resposta à multiplicação de decisões do STF nos últimos anos que têm chancelado
a "pejotização" – contratação de trabalhadores como empresas, sem
direitos sociais e reconhecimento de vínculos trabalhistas.
Por meio destas
decisões, contestadas por especialistas do Direito, o STF tem levado as
discussões sobre contratos de trabalho para a Justiça cível e não para a
Justiça do Trabalho, que tem a atribuição de analisar as relações de trabalho e
vínculos trabalhistas.
Para o advogado
trabalhista e membro da Executiva da Associação Brasileira de Juristas Pela
Democracia (ABJD), Nuredin Allan, as manifestações são uma forma de pressão
política para sensibilizar o Supremo. "As decisões do STF tem sido
políticas, não técnicas. Tecnicamente, no âmbito jurídico, é uma aberração
o que o Supremo tem feito", afirma o advogado.
Para ele, o que está
em jogo nessa discussão é a prerrogativa de que cabe à Justiça do
Trabalho analisar fatos envolvendo relações de trabalho para definir o que se
configura vinculo trabalhista e se há eventuais irregularidades na relação
trabalhista. Na visão do especialista, o debate tem
sido distorcido por meio de recursos chamados de Reclamações Constitucionais,
movidos por empresas e empregadores no STF contra decisões da Justiça do
Trabalho.
"Constitucionalmente
o STF não pode julgar um caso e
dizer o que é ou não é vínculo de emprego, isso é analise de fatos. O Supremo tem atropelado o TST e até outras decisões da
Justiça do Trabalho, via de regra, envolvendo vínculos de emprego. A análise do
vínculo e fática e é da Justiça do Trabalho", explica o advogado.
·
Novas formas de trabalho
Para a Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, uma das entidades que apoia a
manifestação desta quarta, o fato de haver novos modelos de trabalho com o
advento de tecnologias, como os aplicativos de entregas, não impede a garantia
dos direitos sociais nem a atuação da Justiça trabalhista.
"O surgimento de
novos modelos, possibilitados pela dinâmica do mundo do trabalho, não pode
suprimir da Justiça do Trabalho a possibilidade de apreciar e julgar as
repercussões ocasionadas por esses novos desenhos. Mesmo quando observada a
interpretação literal do referido texto legal, não se permite outra conclusão
senão a de que quaisquer controvérsias decorrentes das relações de trabalho,
não somente de vínculos de emprego, devem ser apreciadas pela Justiça do
Trabalho", diz a entidade em manifesto divulgado em apoio aos atos desta
quarta.
Especialistas também
alertam que, ao decidir que cabe à Justiça comum analisar as relações de
trabalho, como se estivesse em discussão apenas uma relação contratual, o STF
pode acabar aumentando a precarização das condições dos trabalhadores. O risco
está presente uma vez que a Justiça cível parte do pressuposto que as duas
partes envolvidas no contrato estão negociando em pé de igualdade, o que
não reflete a realidade nos casos de contratos de trabalho, entre um empregador
e um empregado.
A Justiça do Trabalho,
por sua vez, parte da premissa de que a relação entre empregador e empregado
sempre tem alguma assimetria e leva isso em conta ao analisar as situações
trabalhistas. "Não cabe ao STF, contudo, data venia, agir como propulsor dos
agentes econômicos, a partir da premissa velada de que o trabalho sem direitos
é melhor do que o desemprego, e, sim, atuar como instrumento do Estado
Democrático e Social de Direito, garantidor dos direitos sociais", diz o
manifesto O STF precisa ouvir os trabalhadores, assinado pelas
entidades e associações que organizaram os atos desta quarta.
Até mesmo o tipo de
recurso que os empregadores tem utilizado para levar os casos trabalhistas ao
Supremo seria inadequado segundo especialistas. Trata-se das chamadas
reclamações constitucionais, um tipo de recurso que só pode ser usado em casos
muito específicos no Supremo. Na prática, ao utilizar esse mecanismo, os
empregadores acabam pulando várias etapas do processo judicial para conseguir
uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que é a última instância do Poder
Judiciário, ficando acima da Justiça do Trabalho.
"O Supremo
Tribunal Federal tem acolhido essas reclamações, no meu entender, de forma
completamente indevida e tem declarado que essas decisões ferem uma decisão do
STF, que autorizou a terceirização de forma ampla. Mas isso não tem nada a ver
com terceirização, é uma fraude na relação de emprego", afirma o professor
de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto
Maior.
·
Caso da Uber
Nesta terça-feira
(27), em um julgamento sobre a existência de vínculo trabalhista entre um
motorista e o Uber, o recém-empossado ministro do STF, Flávio Dino, entendeu
que um caso deveria ter repercussão geral, isto é, criar um entendimento
unificado que possa valer para os demais processos do tipo. Ele, na prática,
seguiu o entendimento de outro ministro do tribunal, Edson Fachin, que já se
manifestou sobre o caso.
"Há decisões
divergentes proferidas pelo judiciário brasileiro em relação à presente
controvérsia, o que tem suscitado uma inegável insegurança jurídica. As
disparidades de posicionamentos, ao invés de proporcionar segurança e
orientação, agravam as incertezas e dificultam a construção de um arcabouço
jurídico estável e capaz de oferecer diretrizes unívocas para as cidadãs e
cidadãos brasileiros", destacou Fachin em seu voto, seguido por
Dino.
Trabalhadores de
aplicativos, pesquisadores e sindicalistas ouvidos pelo Brasil de
Fato consideram perigoso que o caso tenha repercussão geral. Na prática,
se isso ocorrer e o entendimento do Supremo for pela inexistência da relação de
emprego, os motoristas e entregadores de app no país não conseguirão mais
ganhar ações na Justiça do Trabalho.
Para Nuredin Allan, o
debate sobre a repercussão geral ou não ainda mascara uma outra situação que
deveria estar sendo levada em conta pelos ministros da corte, que é o fato de
que as reclamações constitucionais não são o recurso apropriado para questionar
resultados de julgamentos na Justiça do Trabalho e sequer deveriam estar sendo
analisados pelo STF.
Ø
Decisão do STJ sobre seguro garantia traz
alívio aos contribuintes. Por Douglas Guilherme Filho
O Superior Tribunal de
Justiça concluiu no dia 21 de fevereiro o julgamento do AREsp 2.310.912/MG, que
envolvia a possibilidade de liquidação antecipada de seguro garantia em
processos de execuções fiscais.
Por 4 votos a 1, a 1ª
Turma do STJ enterrou de vez a possibilidade de a Fazenda Nacional exigir a
liquidação antecipada do seguro garantia, equilibrando a relação de forças
entre Fisco e contribuintes.
Conforme registra notícia nesta ConJur, “o resultado do julgamento representa uma mudança
de posição muito importante para o contribuinte. A liquidação antecipada do
seguro garantia, até então amplamente admitida pelo Judiciário, tem grande
impacto nas contas das empresas”.
Proferido sob a
sistemática dos recursos repetitivos, o entendimento deve ser seguido por todo
o Poder Judiciário.
A decisão se mostra de
extrema relevância aos contribuintes, na medida que evitará que sejam adotadas
medidas coercitivas pela União, notadamente a exigência de que as seguradoras
tenham que depositar em juízo o valor do prêmio, sem que haja o desfecho final
da discussão judicial.
·
Na prática
Na prática, obsta a
possibilidade de que a seguradora venha propor uma ação de cobrança/regresso em
face de contribuinte, de maneira antecipada por ter depositado uma alta quantia
em juízo para satisfazer os interesses fazendários, com o objetivo de recuperar
o valor do prêmio, a qual, posteriormente, poderá se tornar inexigível, em
decorrência do desfecho desfavorável ao ente público nos autos da ação
executiva.
O resultado foi
precedido de grande apreensão por parte dos contribuintes. O receio era que a
Corte formasse posicionamento consolidado para determinar que as seguradoras
depositassem em juízo o montante que seria objeto de garantia antes mesmo do
trânsito em julgado.
O oferecimento do
seguro garantia não tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito
tributário, por não se tratar de uma das hipóteses taxativas previstas no
artigo 151 do Código Tributário Nacional.
Apesar disso, depois
da edição da Lei 13.043/2014, tal modalidade passou a constar expressamente no
rol de garantias que podem ser oferecidas pelo executado em processos
executivos (art. 9º da Lei de Execuções Fiscais).
A mudança legislativa
introduzida pela Lei 13.043/2013, não se empenhou em fixar o momento em que a
garantia poderia ser executada, via de regra, com trânsito em julgado (como
ocorre no caso do depósito judicial).
Além disso, caso os
Embargos à Execução Fiscal opostos pelo contribuinte sejam julgados
improcedentes, ainda que seja interposto recurso, este não teria efeito
suspensivo, permitindo que sejam adotados atos expropriatórios.
Vem daí a discussão se
a Fazenda Nacional, poderia ou não, requerer a liquidação antecipada do seguro
garantia, o que certamente traria grandes custos aos contribuintes, notadamente
pelo fato de que eles estariam sujeitos a arcar com o prêmio que as seguradoras
haviam contratados.
Todavia, no curso do
julgamento, sobreveio fato de extrema relevância para o desfecho da questão
envolvendo as apólices de seguro garantia.
Com o intuito de
restabelecer o voto de qualidade em favor do Fisco (aquele que dá ganho de
causa à Fazenda Nacional em caso empate em processos administrativos federais
que envolvam créditos tributários), com nítido cunho arrecadatório, o governo
federal se viu obrigado a conceder algumas benesses aos contribuintes. Dentre
elas, a vedação à liquidação antecipada do seguro garantia.
Inicialmente, essa
possibilidade havia sido vetada pelo presidente Lula, quando promulgou a Lei
14.689/2023. Entretanto, esse veto foi derrubado pelo Congresso, restabelecendo
essa garantia ao contribuinte.
Nesse contexto, já na
plena vigência da Lei 14.689/2023, o julgamento do AREsp 2.310.912/MG foi
retomado. Prevaleceu a divergência inaugurada pelo ministro Gurgel de Faria,
acompanhado pelos ministros Benedito Gonçalves, Paulo Sérgio Domingues e Regina
Helena Costa, que alterou o seu voto anterior, em favor dos contribuintes.
Fonte: Conjur/Brasil
de Fato
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