Barragens de hidrelétricas estão marcadas
por falhas de segurança
Cinco anos após o
desastre de Brumadinho pelo rompimento de uma barragem de minério da Vale,
levantamento mostra que pelo menos 53 reservatórios de água do setor elétrico
brasileiro apresentam algum tipo de falha em seus planos e estruturas de
segurança.
A Agência
Pública teve acesso a um relatório concluído neste mês pela Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
que faz uma análise das condições de segurança de 56 usinas hidrelétricas,
todas elas enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragem (PNSB)
– em vigor desde 2010. Com exceção de três delas, todas as demais
apresentaram algum tipo de anomalia ou irregularidade. Entre as usinas
investigadas, 14 delas possuíam pelo menos quatro tipos de pendências.
O relatório se baseia
em um conjunto de informações reunidas entre 2021 e 2023. O número de usinas
analisadas leva em conta a capacidade de fiscalização da Aneel. Na lista das
hidrelétricas avaliadas, as quais somam mais de 6 mil megawatts de potência, estão
desde usinas pequenas até grandes barragens, como a de Três Marias, em Minas
Gerais, e o complexo de Paulo Afonso, na Bahia.
Entre as principais
falhas encontradas pela fiscalização está a ausência de testes nos equipamentos
usados para permitir a passagem direta de água pela barragem em épocas de
cheia, estruturas conhecidas como extravasores. Na falta desses testes, o risco
é que possa haver vazamentos.
Em muitas situações, o
levantamento também revela prazos vencidos para solução de pendências antigas
ou, até mesmo, falta de cronograma para essas ações.
Quando verificada a
quantidade de ajustes necessários em cada usina para garantir a segurança plena
das operações, o resultado mostrou que, em mais de 60% das hidrelétricas
fiscalizadas, são necessárias mais de oito adaptações em cada uma das
estruturas e processos avaliados.
Entre as 56
hidrelétricas avaliadas, 16 já vinham tratando, de alguma forma, de resolver as
pendências encontradas, segundo o relatório. Outras 40, no entanto, estavam
atrasadas ou nem sequer haviam começado a lidar com os problemas
apontados.
“Constatou-se
situações em que as usinas apresentam anomalias vencidas, ou seja, o
cronograma, estabelecido na ISR (Inspeção de Segurança Regular), não está sendo
cumprido, ou sem cronograma de solução, ou sem a possibilidade de verificação”,
afirma o relatório.
Quando verificado o
grau de risco de acidente atribuído a essas barragens, 6% estão na categoria de
risco médio, 76% são consideradas de risco baixo e outros 18% ainda nem foram
classificados. Em relação aos danos potenciais que podem causar, no entanto,
caso ocorra um acidente, 44% estão classificadas como alto grau de dano, 6% são
de dano médio e 50% de baixo dano potencial.
<<<< Por
que isso importa?
- País tem mais de 1.400 barragens voltadas para geração de
energia, mas Aneel tem capacidade restrita de fiscalização in loco
- Maior parte das barragens analisadas têm risco baixo de
acidente; mas caso ocorra um acidente, 44% têm dano potencial alto
<<<< As
mais irregulares
Duas gigantes do setor
elétrico despontam como campeãs das irregularidades em ações de segurança de
suas barragens. A primeira é a Copel, do Paraná, que teve 11 usinas
selecionadas na fiscalização. Segundo o levantamento, “todas tiveram alguma
constatação de não conformidade” em suas operações. A lista inclui casos como
os das hidrelétricas de Salto Caxias, Segredo e Capivari, que apresentaram
falta de testes de equipamentos. A usina de Segredo, por exemplo, chegou a ser
alvo de 16 ajustes necessários.
“Nota-se a presença de
não conformidades consideradas relevantes”, afirma a Aneel, detalhando que
encontrou “anomalias com prazo vencido, ou sem cronograma de solução, ou com
impossibilidade de verificar o devido cumprimento”.
A Cemig, de Minas
Gerais, aparece como a segunda no ranking das irregularidades. Entre as 56
usinas fiscalizadas, oito são da companhia mineira e todas apresentaram algum
tipo de falha. É o caso da hidrelétrica de Três Marias, a primeira grande usina
erguida na cabeceira no São Francisco e que tem papel de “regular” o fluxo das
águas que chegam a uma série de barragens posteriores, espalhadas ao longo da
calha do rio.
Os dados apontam 14
tipos de ajustes necessários para que a hidrelétrica atinja o nível de
segurança adequado. Entre os problemas encontrados na fiscalização estão ações
preventivas sem nenhum cronograma ou previsão de serem atendidas.
A partir do
diagnóstico feito pela Aneel, foram abertos processos específicos para
aprofundar a fiscalização em cada uma das usinas relacionadas. Estão previstas
providências e recomendações para cada empresa, o que poderá resultar,
inclusive, em penalidades.
A reportagem
questionou a Copel e a Cemig sobre o resultado das análises de segurança
envolvendo suas barragens.
Por meio de nota, a
Copel declarou que “reitera o compromisso com a segurança das usinas que opera
e das comunidades que vivem a jusante (abaixo) dos reservatórios”.
Segundo a empresa, a
fiscalização realizada pela Aneel levou em consideração informações contidas em
relatórios técnicos elaborados em 2022 e que, a partir de novas exigências que
passaram a ser feitas pela agência reguladora a partir de 2023, parte das informações
solicitadas não estava contemplada nos relatórios inicialmente apresentados. “A
empresa já está ajustando os documentos técnicos e tomando demais providências
para regularizar as não-conformidades apontadas”, declarou a empresa.
Muitos itens
mencionados pela agência, de acordo com a Copel, serão obrigatórios somente a
partir das inspeções de 2024. “A Copel destaca, ainda, que mantém a Aneel
informada a respeito da necessidade de reprogramação de melhorias e
adequações”.
A Cemig informou, por
meio de nota, que “cumpre rigorosamente a regulamentação referente à segurança
de barragens e adota as melhores práticas de segurança em todos seus
empreendimentos”.
As barragens que
tiveram sinal amarelo na Aneel, segundo a empresa, encontram-se hoje “em
condições normais de operação e segurança”. A Cemig afirma que o relatório da
agência aponta “necessidade de adequação à nova metodologia Aneel publicada em
maio de 2023, com aplicação a partir de janeiro de 2024”, por se basear em
dados colhidos entre 2021 e 2022.
“Até então, os
relatórios elaborados pela Cemig consideravam a metodologia anterior. Os
Relatórios de Inspeção emitidos a partir de 2024 pela companhia já estarão
aderentes à nova resolução”, declarou a empresa.
O resultado da amostra
de apenas 56 hidrelétricas avaliadas pela Aneel dá uma pista do cenário
preocupante que pode ser verificado no país, se consideradas todas as barragens
que estão em operação no território nacional. O Brasil soma, atualmente, 1.442
barragens voltadas para geração de energia. Desse total, 812 são enquadradas
nas regras da Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010, devido ao
porte e complexidade do projeto.
·
Vistorias na mineração
Às estruturas das
hidrelétricas somam-se, ainda, as barragens voltadas para tratamento de
mineração, as quais são fiscalizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Atualmente, existem 933 barragens de rejeito instaladas no Brasil, das quais
468 são enquadradas nas regras da Política Nacional de Segurança de Barragens,
de 2010.
Com restrições severas
de pessoal especializado para realizar fiscalizações in loco, órgãos como Aneel
e ANM acabam, muitas vezes, limitados a levantamentos feitos de forma remota,
além de dependerem daquilo que as próprias empresas estão dispostas a informar.
No ano passado, a ANM
realizou 365 vistorias em 315 estruturas de rejeito de mineração, das quais 267
barragens estão incluídas na PNSB, correspondendo a 57% do total enquadrado
pela política do setor. Foram emitidos um total de 1.463 autos de infrações contra
as empresas.
Desde 2016, a Aneel
solicita aos donos das hidrelétricas que apresentem seus Planos de Segurança de
Barragem (PSB) e Planos de Ações de Emergência (PAE). Os dois documentos
apresentam as ações necessárias para prevenir incidentes ou, em casos de
emergência, quais medidas devem ser tomadas.
Fonte: Por André
Borges, da Agencia Pública
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