O ato bolsonarista: um fascismo em “crise
de identidade” ou uma ação estratégica?
O bolsonarismo
mais uma vez mostrou capacidade de mobilização. As avaliações que buscam
ridicularizar ou menosprezar o ato da avenida Paulista, divulgando teses
“lacradoras” de que ele teria “flopado” podem causar algum furor em segmentos
da esquerda, mas não dão conta do que aconteceu. A propósito, o
menosprezo à extrema direita tem sido um dos erros mais custosos dos últimos
anos.
Não estavam lá
os 700 mil prometidos pelos líderes bolsonaristas, a estimativa de 750
mil da PM de São Paulo é a projeção de uma força rendida e subordinada ao
bolso-milicianismo sob comando do tal capitão Derrite. Mas os números da USP,
que colocam o ato na esfera dos 185-200 mil presentes, parecem bem próximos da
realidade.
E se fosse um milhão?
Bom, aí o país teria acordado com uma crise político institucional de enorme
magnitude. Não acordou. Menos mal.
Mas a esquerda precisa
acordar da ilusão de considerar que o juiz-xerife Alexandre de Moraes resolverá
tudo, como advertiu Gilberto Maringoni em artigo a quente aqui
na Fórum. Se Bolsonaro terceirizou na Paulista para
o pastor Malafaia os ataques ao STF, a esquerda terceirizou para Alexandre de
Moraes a luta política.
De qualquer forma, só
analistas desavisados “descobriram” a capacidade de mobilização de Bolsonaro ou
que ela é bem superior à da esquerda. Isso já era sabido e está na conta do
jogo político nacional.
A interrogação é se a
manifestação terá peso no cenário.
Bolsonaro levou à
Paulista o tema da anistia. Isso vai entrar no debate, será peça do jogo
político-institucional no Congresso ou será algo marginal? É cedo para
afirmações peremptórias. O arguto analista Jeferson Miola, no Fórum Café desta
segunda pós-Paulista e aqui no portal da Fórum, apresenta uma análise instigante: “A bandeira da anistia será
a 'grife' da extrema direita na eleição municipal. É uma medida que une e
articula politicamente o bloco oposicionista num simulacro de luta democrática.
A luta pela anistia terá centralidade política ainda maior para a ultradireita
depois da prisão do Bolsonaro, e o bolsonarismo já se posicionou
estrategicamente na conjuntura pós-prisão.”
Será a bandeira da
anistia soldar novamente o eixo bolsonarismo-militares-Centrão? Se isso
acontecer, o cenário político sofrerá uma profunda alteração.
Do ponto de vista da
construção discursiva do fascismo, o que vimos neste domingo foi uma crise de
identidade. O fascismo é estruturalmente agressivo, ofensivo, vive do
confronto, alimenta-se do ódio aos inimigos. No carro de som, Bolsonaro fugiu
ao figurino. Baixou a bola, fugir do confronto. Posou de “conciliador”,
apelou pela paz, apelou por anistia, quase como uma reconciliação nacional. Ou
seja, frustrou sua plateia, os milhares de fascistas-fundamentalistas-sionistas
com sangue nos olhos que queriam ouvir xingamentos e promessas de virada de
mesa. Foi visível o desânimo diante do discurso. Coube a Malafaia o discurso
tipicamente fascista -o caráter fundamentalista da jornada ficou a cargo de
Michelle Bolsonaro.
Se a estratégia da
anistia vingar, poderá haver mexidas no cenário à frente. Se naufragar, o ato
da Paulista terá sido uma preparação para o acampamento "Bolsonaro
livre" quando ele for preso -terá sido então o ato pré-prisão.
Adicionalmente, o gesto de um Bolsonaro temeroso, incapaz de mostrar as garras
fascistas e ameaçar o país e a democracia novamente.
A manifestação, com
suas quase 200 mil pessoas, apesar de grande, não mostrou pujança para parar o
país e provocar o caos.
Ø
Ato na Paulista organizou estratégia de
luta da extrema direita. Por Jeferson Miola
Nesse contexto de
polarização política permanente, a esquerda está desafiada a buscar formas de
mobilização multitudinária pelo menos no nível que a extrema direita fascista
consegue mobilizar.
O ato bolsonarista na
avenida Paulista é um alerta disso. Independentemente da estimativa exata de
presentes, a fotografia de vários quarteirões da avenida ocupados já é, por si,
impactante. Foi uma demonstração de força convocatória, de estrutura material e
capacidade de mobilização.
Governadores de SP,
MG, Goiás e SC e mais de uma centena de políticos e parlamentares participaram,
inclusive de partidos que integram o ministério do governo Lula.
Seria necessária uma
pesquisa para caracterizar o perfil dos participantes, mas ali foram vistos
charlatães religiosos, comerciantes, militares, policiais, “donas de casa”,
funcionários públicos, aposentados, trabalhadores formais e uberizados,
“empreendedores”, empresários e pessoas humildes.
O ato serviu para o
bolsonarismo instalar a agenda da anistia, que interessa tanto aos presos pelas
depredações no 8 de janeiro, como aos investigados –dentre eles Bolsonaro e
oficiais generais– que também serão condenados e presos com base nas robustas provas
existentes.
O general-senador
Hamilton Mourão já protocolou no Senado Projeto de Lei anistiando os golpistas,
proposta que antagoniza diretamente com iniciativas em curso contra a anistia.
A bandeira da anistia
conecta a extrema direita brasileira com a agenda central
do trumpismo nos Estados Unidos. Assim como o bolsonarismo, Trump
repete o delírio da inocência e da “perseguição do sistema” ao seu líder máximo
para retirá-lo do certame eleitoral.
No discurso, Bolsonaro
defendeu cinicamente a anistia como fator de pacificação do país – “o que eu
busco é a pacificação, passar uma borracha no passado, uma maneira de vivermos
em paz”, disse.
De modo esperto,
Bolsonaro colocou a responsabilidade pea paz sobre as instituições –sobretudo o
Congresso– “para que seja feito justiça no nosso Brasil”. Esta posição
implicitamente questiona a legitimidade das acusações e reforça o foco dos
ataques ao STF, que tem a titularidade dos julgamentos e condenações.
A bandeira da anistia
será a “grife” da extrema direita na eleição municipal. É uma medida que une e
articula politicamente o bloco oposicionista num simulacro de luta democrática.
A luta pela anistia
terá centralidade política ainda maior para a ultradireita depois da prisão do
Bolsonaro, e o bolsonarismo já se posicionou estrategicamente na conjuntura
pós-prisão.
A anistia não serve
para livrar Bolsonaro, porque muitos empresários, políticos, parlamentares,
milicianos e agentes públicos também seriam beneficiados com ela. Mas os
militares, mais que outros segmentos, são grandemente interessados na aprovação
da medida.
As cúpulas militares
não hesitarão em integrar o “movimento pró-anistia” para pressionar o
Congresso. De modo sorrateiro e até abertamente ameaçador.
Ainda durante a
transição de governo o hoje ministro da Defesa José Múcio Monteiro já defendia
a “pacificação”. E, nos mesmos termos proferidos por Bolsonaro na Paulista,
Múcio dizia que o perdão a golpistas seria a maneira de se pacificar a
sociedade brasileira.
O governador
bolsonarista de SP Tarcísio Gomes de Freitas resumiu bem o estado de ânimo do
extremismo: “Bolsonaro não é uma pessoa ou um CPF, porque ele é um movimento”.
Isso é um dado da
realidade. A presença multitudinária do bolsonarismo na Paulista, mesmo no
atual momento de reveses políticos e judiciais evidencia que o fascismo é uma
força-movimento poderosa, com enorme alcance popular, e que se organiza para
atuar mais além da persona Jair Bolsonaro, que em breve poderá estar
preso.
A extrema direita tem
uma mística que toca os sentimentos e as emoções de multidões ressentidas; tem
uma utopia. Mesmo que seja uma utopia destrutiva, mas ainda assim é uma utopia:
a utopia de retrocessos a uma ordem reacionária, ultra-individualista e autoritária.
Os bolsonaristas são
fanáticos, é certo. Mas seria equivocado desprezar que eles se entregam
militantemente, com devoção revolucionária, à crença de estarem edificando esta
nova ordem, porque se consideram artífices da contrarrevolução fascista e
reacionária.
Em entrevista à Folha,
Vladimir Safatle disse que “a extrema direita é hoje a única força política
real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e
coesão”.
Safatle entende que a
esquerda apenas ganhou tempo com a eleição do Lula em 30 de outubro de 2022. E
isso é real. A derrota da chapa militar Bolsonaro/Braga Netto não
desmobilizou e tampouco arrefeceu o encanto popular pela extrema direita.
Importante destacar,
neste sentido, a capacidade de mobilização fascista mesmo depois da derrota
eleitoral e já sem a estrutura de governo. Os atentados do 8 de janeiro de 2023
e o ato deste 25 de fevereiro na avenida Paulista são evidências disso.
Ø
Bolsonaristas agora apelam a Israel, Trump
e Milei para derrubar Lula
Quando a reportagem da
Fórum chegou à avenida Paulista, já havia uma concentração significativa de
bolsonaristas em torno do palco à espera da chegada de Jair Bolsonaro.
Eram 13 horas e o
Metrô despejava centenas de novos manifestantes cantando "eu, sou
brasileiro, com muito orgulho, com muito amor", hino normalmente dedicado
à seleção brasileira.
A pretensão era lotar
os 18 quarteirões da avenida Paulista.
Se as cores e as
palavras de ordem permanecem as mesmas, os entrevistados esgrimiam novos
argumentos para derrubar Lula. Os vendedores ambulantes se anteciparam.
LEÃO BÍBLICO EM
DESTAQUE
Havia bandeiras do
Brasil fundidas à de Israel, com um leão estampado, um símbolo bíblico de força
e poder.
Um homem que diz se
chamar Tio Sam, vestido com a bandeira dos Estados Unidos, dizia que a eleição
de Donald Trump este ano pode ajudar Bolsonaro a voltar ao Planalto.
As faixas pedindo
intervenção militar sumiram.
Foram substituídas
pelas bandeiras de Israel, dos Estados Unidos e por santinhos do presidente
Javier Milei, da Argentina, com a motossera.
A deputada estadual
Fabiana Barroso, que não tem relação com a família mas se elegeu usando o
sobrenome Bolsonaro, espalhava imagens de Trump, Bolsonaro e Milei com a frase:
"Unidos pela direita".
Entrevistados pela
Fórum, bolsonaristas disseram que a manifestação deste domingo era um grito
pelo impeachment de Lula.
O apoio dos Estados
Unidos, Argentina e Israel pela volta de Bolsonaro ao poder, em 2026, é
considerado essencial.
Lembrei a um dos
entrevistados que Bolsonaro estava com os direitos políticos cassados.
"Os Estados
Unidos estão em toda parte, contam com a CIA", respondeu um deles, de
maneira enigmática.
Uma nova tentativa de
golpe militar foi rechaçada pela maioria. Um dos entrevistados disse que os
militares "estão divididos".
A Fórum preserva os
nomes dos entrevistados para evitar possível constrangimento entre seus pares
dos que teriam sua identidade estampada em um veículo de esquerda.
A pretensão segue
sendo a mesma: derrubar o governo "ilegítimo" de Lula, mas agora
"nas ruas".
Talvez com apoio do
quarteto mágico estampado nas camisetas e bandeiras que dominavam a
manifestação: Israel, Estados Unidos sob Trump, Argentina sob Milei e Neymar
Jr., o maior dos influencers bolsonaristas.
A julgar pelo que se
viu na Paulista até as 13 horas, Jair Bolsonaro preserva sua capacidade de
mobilização: havia centenas de pessoas vindas de outras cidades, até mesmo do
Mato Grosso.
"Lula, ladrão,
seu lugar é na prisão", entoado por milhares de pessoas, mostra que o 8 de
Janeiro segue vivo, embora sob cerco.
Desiludidos com os
militares e sob cerco da Polícia Federal, bolsonaristas parecem contar agora
com apoio externo para devolver o "Mito" ao poder.
Ø
Milei entra em narrativa bolsonarista e
chama governo Lula de ditadura
O presidente da
Argentina Javier Milei tem tentado
drasticamente se afastar do governo Lula para reforçar sua articulação com a
extrema direita internacional.
Logo após sair
da CPAC, convenção da extrema direita nos EUA liderada por Donald
Trump e que contou com Eduardo Bolsonaro, Milei
fez uma série de ataques contra o governo Lula neste domingo (25).
Impulsionado
pelos atos bolsonaristas na Avenida Paulista - que tinham como claro intuito chamar a atenção da
comunidade internacional -, Milei retuítou diversas mensagens que atacavam
diretamente o presidente Lula.
“Lula é pró-Hamas.
Bolsonaro é pró-Israel. Fim", dizia uma delas. Outra afirma que o protesto
de ontem foi uma marcha “contra o autoritarismo de Lula e contra o assédio e
perseguição da oposição”
Milei chegou a afirmar
que o Brasil vive sob a égide de uma ditadura, dizendo que a manifestação
lideraria “os rumos da política no Brasil e a resistência à ditadura de Lula da
Silva”.
·
Situação interna
difícil
Enquanto isso, o
governo Milei convive com as taxas de inflação mais altas do mundo, crise
econômica e a possibilidade de desabastecimento depois do corte de subsídios
para os estados da federação.
‘El Loco’ perdeu sua
principal base de apoio, o Juntos por El Cambio, e segue há meses sem aprovar
um mísero projeto no parlamento argentino. Ingovernável, a Argentina segue para
o rumo do caos enquanto seu presidente bota fogo no seu maior parceiro estratégico
na região.
Fonte: Por Mauro Lopes, na Revista Fórum
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