Estudo confirma benefício da acupuntura
auricular no tratamento da depressão
A acupuntura
auricular, recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e já oferecida
como prática integrativa pelo SUS (Sistema Único de Saúde) desde 2006, é segura
em pacientes com depressão e foi capaz de reduzir sintomas da doença em um
estudo feito por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e da Unisul
(Universidade do Sul de Santa Catarina).
Os resultados do
trabalho foram publicados recentemente no periódico JAMA Network Open e
reforçam o potencial da terapia como tratamento complementar de um problema que
motiva cada vez mais atendimentos na rede pública, de acordo com dados do
Ministério da Saúde.
A depressão é uma das
principais causas de incapacidade em todo o mundo, segundo a OMS. No Brasil, a
prevalência ao longo da vida está entre as mais altas: em torno de 15,5%. É
responsável ainda por 10,3% dos anos de vida perdidos (conceito utilizado para
quantificar o número de anos de vida que uma população deixa de viver em caso
de morte prematura).
No entanto, menos da
metade das pessoas afetadas no mundo recebe o tratamento considerado adequado,
com psicoterapia e medicamentos – em alguns
países, esse número é de menos de 10% –, por conta de entraves como alto custo
e efeitos colaterais (por exemplo, desconforto gástrico e alteração na libido
decorrentes do uso de fármacos). Esse cenário aumenta o interesse por opções mais
em conta e não farmacológicas – nos Estados Unidos, um terço da população é
adepta dessas alternativas.
É o caso da acupuntura auricular,
técnica milenar chinesa que utiliza agulhas de preço acessível – para ter uma
ideia, a cartela com 50 unidades, número suficiente para dez sessões, custa
menos de R$ 10 – para estimular nervos do pavilhão auricular, principalmente o
vago, e ativar áreas do cérebro ligadas à depressão. Simples e rápida (dura de
cinco a 15 minutos), também não requer longos treinamentos por parte dos
profissionais de saúde (enfermeiro, médico, acupunturista, fisioterapeuta,
naturólogo) que a realizam, ao contrário da acupuntura tradicional. No entanto,
sua eficácia e segurança para tratar o transtorno psiquiátrico específico ainda
não estão completamente estabelecidas.
Foram evidências desse
tipo que os pesquisadores buscaram no estudo financiado pela FAPESP, que acompanhou, entre março e julho de 2023,
74 pacientes com depressão moderada ou moderadamente grave (de acordo com
pontuação no Patient Health Questionnaire-9, um questionário usado
no diagnóstico, e sem aplicação prévia de acupuntura auricular ou risco de
ideação suicida) submetidos a 12 sessões de 15 minutos cada durante seis
semanas.
Os participantes, que
tinham idade média de 29 anos e eram, em sua maioria, mulheres, foram divididos
em dois grupos de 37 pessoas cada: enquanto o primeiro passou por acupuntura
auricular específica, estimulando seis pontos no pavilhão auricular correspondentes
ao diagnóstico de depressão pela medicina tradicional chinesa (Shenmen,
subcórtex, coração, pulmão, fígado e rim), o segundo recebeu aplicações em
áreas não associadas a sintomas de saúde mental – orelha externa, bochecha,
face e quatro pontos da hélice (porção superior da orelha externa). Por
questões éticas, todos os pacientes continuaram com seus tratamentos habituais.
A eficácia e a segurança da terapia foram avaliadas em quatro semanas, seis
semanas e três meses.
Ao final do
acompanhamento, 58% dos pacientes do primeiro grupo apresentaram melhora de
pelo menos 50% nos sintomas depressivos. Esse
número foi de 43% no segundo grupo, o que não indica uma diferença
estatisticamente significativa. Apesar disso, o estudo traz achados
promissores: após quatro semanas do início das aplicações, mais pacientes
tratados com terapia auricular específica tiveram recuperação e remissão da
doença e, após três meses, essa proporção foi ainda mais relevante.
“Nossos resultados
mostram que a acupuntura auricular específica para depressão recuperou quase
60% das pessoas, número semelhante à taxa de medicamentos, de acordo com outros
estudos publicados sobre o tema”, diz Daniel Maurício de Oliveira Rodrigues, professor
de naturologia da Unisul e primeiro autor do estudo. “Além disso, 46% desses
participantes relataram não sentir mais sintomas, em contraste com 13% do grupo
que passou pela técnica não específica – para efeitos de comparação, essa taxa
gira em torno de 35% para fármacos.”
Outro ponto positivo
do tratamento foi a ausência de efeitos adversos severos, sem diferenças
significativas entre os grupos. A maioria dos participantes (94% no grupo de
acupuntura auricular específica e 91% no grupo da prática genérica) relatou
apenas dor leve no local de aplicação da agulha. “Isso evidencia a segurança da
intervenção por mais de seis semanas”, afirma Rodrigues.
·
Mais segurança
“Vivemos uma
verdadeira epidemia de transtornos de humor – acredito que nunca estivemos tão
ansiosos e deprimidos como neste pós-COVID – e a aceitação do padrão-ouro de
tratamento está longe de ser a ideal”, diz Alexandre Faisal Cury, pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina (FM-USP). “Na prática clínica, nos deparamos com
pacientes com depressão crônica, que tomam remédios há muito tempo, com efeitos
colaterais e recaídas, e precisamos de opções complementares que tragam
benefícios comprovados.”
Faisal destaca as três
principais repercussões do estudo: para o SUS, trata-se da validação de uma
técnica já amplamente utilizada (é a prática integrativa mais realizada no
sistema público); para o paciente, uma opção segura a mais no tratamento de
saúde mental; e, para o profissional de saúde, a desestigmatização de uma
terapia não alopática.
Mesmo com os
resultados animadores, os pesquisadores lembram que, para investigar melhor a
eficácia da acupuntura auricular no tratamento da depressão, são necessários
estudos mais prolongados e com maior número de participantes, uma das
principais limitações do trabalho atual. “Acredito que a participação de mais
pessoas traria resultados ainda mais favoráveis à intervenção”, finaliza
Faisal.
Fonte: CNN Brasil
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