quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024


Moisés Mendes: Na dúvida, comecem a rezar por Silas Malafaia

O pastor Silas Malafaia organizou a aglomeração na Avenida Paulista e assumiu a tarefa de maior risco. Disse a Bolsonaro e a Michelle: façam o papel de pastores moderados porque eu irei representar o político malvado. 

E assim inverteram-se os papéis, a partir do momento em que o religioso pediu aos dois que fossem mansos e rezassem com a multidão. Pois agora chegou a hora de rezar por Malafaia.

O tempo não ajuda a diluir o que ele disse no domingo. Vão desaparecendo as possíveis atenuantes e o que fica é a agressividade com que se dirigiu ao Judiciário e principalmente ao ministro Alexandre de Moraes.

Malafaia citou Moraes 16 vezes. Acusou o ministro de ter nas mãos o sangue de um dos presos do 8 de janeiro que morreu na prisão. Citou Deus 11 vezes, o mesmo número de menções à palavra golpe.

Jesus só foi citado ao final, por apenas duas vezes, no momento da oração de encerramento. Lula foi citado quatro vezes. E o demônio e o comunismo foram esquecidos.

Erram os que sugerem que Malafaia perdeu o controle do discurso e, no improviso, passou dos limites por empolgação. Há um roteiro na sua fala, com uma linha de tempo, até com datas do que ele considera arbitrariedades ou omissões da Justiça.

Há coerência entre o núcleo da argumentação e os ataques ao ministro. Malafaia foi para a Paulista disposto a esquecer Jesus Cristo, num evento em que circulava apela avenida, em bandeiras e falas, a confusão entre cristianismo, Israel e judaísmo. 

O pastor desprezou até o demônio, para se concentrar nos ataques ao STF e a Moraes. Essa era a sua empreitada. Bolsonaro e Michelle viriam com as orações e com o apelo da anistia e ele ficaria encarregado da artilharia pesada.

O recado óbvio estava dado muito antes da aglomeração: as tropas de Deus ocuparão o lugar dos militares. E Malafaia se entregaria à missão de fazer o papel de guerreiro santo em defesa das pessoas de fé contra homens autoritários e maus.

Foi um sacrifício? Não, foi uma tentativa de posicionamento como a voz mais potente do bolsonarismo no esforço pela rearticulação da extrema direita, depois de um ano de hibernação.

O primeiro efeito na própria turma foi o abandono dos que consideraram sua fala radical. Um desprezo denunciado por ele mesmo depois do evento, quando os governadores teriam saído de fininho de perto do sujeito que anuncia a destruição dos que prenderem Bolsonaro.

O efeito externo vai sendo produzido também por reações do próprio Malafaia, que se considera perseguido pela imprensa e já se imagina sob perseguição da Receita e da Polícia Federal.

Esse é o homem de Deus que não tem medo de ser preso, como disse na Paulista, e não teme Receita e PF, como assegurou depois em vídeo nas redes sociais. 

Tanto não tem medo que citou, no fim do discurso, o trecho da Bíblia que o inspira, Hebreus 13:6, com uma certeza: “O senhor é o meu ajudador. Não temereis o que me possa fazer o homem”.

Depende do homem. Malafaia já deve ter sido alertado pelo demônio de que os trios elétricos da política são sedutores, mas também muito perigosos. E o Deus ajudador não pode tudo. Rezem pelo pastor. 

 

Ø  Com bandeira da anistia, extrema direita se posiciona uma conjuntura à frente. Por Jeferson Miola

 

O ato na avenida Paulista organizou a estratégia de luta da extrema direita para o período imediato, que tem no horizonte as condenações e prisões do Bolsonaro, de alguns dos generais e oficiais implicados, e outras lideranças do golpe.

Com a bandeira da anistia, a extrema direita se posiciona, portanto, uma conjuntura à frente, inclusive devendo politizar a eleição municipal com este debate.

Dada a robustez das provas incriminadoras, a intelligentsia bolsonarista sabe que, a essa altura dos acontecimentos, a prisão da liderança golpista é apenas uma questão de tempo; de quando vai acontecer.

Portanto, é plausível se considerar que Bolsonaro não discursou na Paulista para se defender do indefensável ou para reverter o irreversível, mas com o objetivo de armar a extrema direita para essa nova conjuntura que se avizinha, pós-prisões.

Neste sentido, a proposta de anistia não tem o objetivo imediatista de constranger o STF a suspender os julgamentos e condenações em andamento, inclusive a dele próprio, Bolsonaro, e de alguns oficiais graúdos, mas funciona como palavra de ordem para articular, mobilizar e colocar em movimento a extrema direita na próxima conjuntura.

Com uma retórica cínica, Bolsonaro inverte os papéis e responsabiliza o governo e o STF pela inviabilização do entendimento nacional e da pacificação do país devido às condenações que ele e os bolsonaristas delirantemente consideram injustas e ilegítimas.

Há quem tenha enxergado desespero e covardia do Bolsonaro, que teria recuado para evitar mais complicações com a polícia e a justiça. Não parece, no entanto, ser este o caso.

A moderação do discurso não teve só o objetivo de evitar a autoincriminação. Parece ter sido estratégia para produzir a narrativa cândida e sóbria de um inocente que é perseguido pelo sistema e está sendo injustamente punido.

O general-senador Hamilton Mourão, “líder do Alto Comando do Exército no Senado”, é autor de projeto de outubro de 2023 que anistia todos que “tenham sido ou venham a ser acusados ou condenados” pelos crimes tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal – tentativas de abolição do Estado de Direito e de deposição de governo legitimamente constituído [grifo meu].

A iniciativa tem potencial de agitar o clima político, catalisar a mobilização do extremismo e amplificar a polarização social. Quase um milhão de pessoas já se manifestaram a favor ou contra o Projeto de Lei no site do Senado em poucas horas.

Como a medida beneficiaria políticos, parlamentares, empresários, funcionários públicos, comunicadores, policiais, populares e, obviamente, os militares, o Congresso sofrerá uma pressão poderosa.

Pressionadas pelas fileiras e por delinquentes fardados da alta hierarquia, as cúpulas militares farão um lobby pesado, com fortes ameaças e pressões sobre deputados e senadores.

A aprovação da anistia pela maioria de direita e extrema direita do Congresso é uma hipótese realista. As chances de isso acontecer são ainda maiores na Câmara, fator que aumentará o preço a ser pago pelo governo Lula pelas chantagens e achaques do Arthur Lira.

Qual o cenário do Brasil no caso de aprovação da anistia pelo Congresso? E na eventualidade de o STF declarar sua inconstitucionalidade? É imponderável, mas não se pode descartar um ambiente de caos, de conflitos políticos e institucionais e recrudescimento das ameaças militares diante da impunidade.

A militância extremista se sentirá ainda mais empoderada e autorizada a continuar esgarçando o Estado de Direito com padrão crescente de violência política.

Essa militância, que na quase totalidade acredita que o TSE fraudou a eleição para eleger Lula [88%], e entende que há uma ditadura do STF no Brasil [94%], considerará que os atos terroristas em Brasília em dezembro de 2022 e os atentados de 8 de janeiro de 2023 foram não só legítimos, como também legais, porque praticados em reação à eleição “roubada”..

As organizações sociais, partidárias, os movimentos do campo democrático, os setores liberais comprometidos com a democracia, a esquerda e o progressismo precisam urgentemente se unir e acumular forças para construir uma potente reação democrática a esta ofensiva da ultradireita e dos fascistas.

A rememoração dos 60 anos do golpe militar em 31 de março representa uma oportunidade para o lançamento da luta democrática prioritária neste momento histórico, e que se organiza em torno das consignas Ditadura Nunca Mais!, e Sem Anistia!.

 

Ø  Anistia a golpe de Estado é incentivo a novos golpes. Por Alex Solnik

 

Dois objetivos nortearam o ato político-pentecostal comandado por Bolsonaro na avenida Paulista: emparedar o STF e lançar campanha pela anistia dos acusados e condenados pelo 8/1.

O primeiro objetivo saiu pela culatra. Quem ficou mais emparedado foi o próprio Bolsonaro, ao produzir mais provas contra si mesmo. Ao confrontar o STF, dizendo que “hoje, tão poucos, pouquíssimos, causam males a todos nós”, ele confirmou seu desprezo pelas instituições democráticas e que sua intenção sempre foi derrubá-las para instaurar uma ditadura.

O segundo objetivo apoia-se na esperança de aprovação do PL 5064, do senador Hamilton Mourão, que já tramita no Senado.

Conceder anistia é uma das prerrogativas do Congresso Nacional, diz o artigo 48 da Constituição. Há que haver, entretanto, um forte motivo que a justifique.

Bolsonaro mencionou a “pacificação do país”, um argumento falso, já que o país está pacificado, não há atentados terroristas nem presos políticos torturados e encarcerados em masmorras como em 1979, quando foi promulgada a “anistia ampla, geral e irrestrita”.

Nem há mais clima de instabilidade política que foi marca do seu governo. Clima que tenta recriar a partir do comício de domingo. (Claro, tem que haver primeiro distúrbios para clamar por pacificação).

Os que foram e ainda serão condenados pelo 8/1 não foram presos sem provas, não foram torturados, e tiveram direito ao contraditório.

Estão pagando por crimes contra o Estado Democrático de Direito.

O “crime” dos presos políticos da ditadura era defender o Estado Democrático de Direito.

São situações diametralmente opostas.

Anistiar “acusados e condenados nas leis 359-M e 359-L”, como pleiteia o PL do Mourão, o que, evidentemente, inclui Bolsonaro, é incentivar novas tentativas de golpe, pois seus autores saberão que, se a correlação de forças no Congresso lhes for favorável, nada vai acontecer com eles.

 

Fonte: Brasil 247

 

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