quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Escândalo Damares-Marajó: Quem são os influenciadores de grande alcance que propagaram a fake News

Na última semana, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e grupos evangélicos a ela ligados utilizaram vídeo da cantora gospel Aymée Rocha gravado na semifinal do Dom Reality, um festival de talentos evangélicos transmitido no YouTube, para voltarem à carga com antigas fake news a respeito de supostos casos escabrosos de crimes sexuais e tráfico humano contra crianças e adolescentes no Arquipélago do Marajó, no Pará.

No dia seguinte da grande viralização do assunto já havia uma campanha de arrecadação de doações para “salvar as crianças” encabeçada pela ONG Instituto Akachi, ligada a barões evangélicos que estão de olho na região. Todos aliados da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos de Bolsonaro.

A apresentação de Aymée Rocha ocorreu em 15 de fevereiro. Na ocasião ela cantou a canção “Evangelho Fariseu” e, em seguida, deu um emocionado depoimento sobre os supostos casos de agressão sexual a crianças. A cantora, além de ser de Belém do Pará, também é ligada à Zion Church e ao Dunamis Movement, ambos ligados à família Hayashi.

Cinco dias depois da apresentação, em 20 de fevereiro, um verdadeiro tsunami de viralização do vídeo de Aymée e de outras publicações sobre o tema varreu a internet, tendo tido repercussão até mesmo fora do Brasil.

Entre as publicações estava inclusive um vídeo que mostrava crianças dentro de um caminhão, supostamente sendo levadas ao cativeiro onde ocorreriam os crimes. No entanto as imagens foram feitas no Uzbequistão e usadas para dar crédito à narrativa mentirosa. A própria Damares, que em outubro de 2022 se apoiou em teorias oriundas da deep web para afirmar que as crianças tinham dentes arrancados e comiam ‘papinha’ para facilitar os sexos oral e anal, compartilhou o 'vídeo uzbeque'. Sobre as declarações de 2022, foi intimada pelo Ministério Público Federal a apresentar provas da denúncia, o que nunca fez.

Mas o que mais chamou a atenção, de acordo com levantamento da Revista Fórum feito em parceria com fontes, é a quantidade de influenciadores digitais de grande alcance que propagaram a mentira. Figuras como Juliette, Rafa Kalimann, Virgínia Fonseca, Hugo Gloss, Valesca Popozuda, Carlinhos Maia e Gleisi Damasceno foram algumas das que propagaram a fake news para milhões de usuários. Páginas como o Fofoquei, que tem quase 1 milhão de seguidores no X, também amplificaram a mentira.

·        'Astroturfing' à moda Ratanabá?

É de se supor que muitos simplesmente acreditaram e se comoveram com a história dos barões evangélicos e de Damares Alves. E chocados com a narrativa, a compartilharam. No entanto, a alta viralização demarcada em 20 de fevereiro pode indicar a possibilidade de uma ação orquestrada.

A principal suspeita é de que esteja sendo feito o chamado “Astroturfing”, uma estratégia de marketing que faz a publicação parecer orgânica e geralmente é financiada por alguma empresa. A prática pode ter começado no Tik Tok, logo nos primeiros momentos de viralização, quando o assunto ganhou a atenção de milhares de perfis.

Algo semelhante ocorreu em junho de 2022 com a teoria conspiratória da suposta cidade perdida de Ratanabá. Em plena Amazônia, o assentamento teria "450 milhões de anos" de acordo com a Dakila Pesquisas, a mesma organização criadora do famigerado “ET Bilu” e dona de terras no Mato Grosso do Sul, onde explora o turismo e a produção de “produtos naturais” a partir dos mistérios envoltos nas suas teorias conspiratórias.

A narrativa "ratanababesca" já existia antes da viralização, assim como a atual fake news de Damares. Mas em um determinado intervalo de tempo, é como se tivessse sido “descoberta” por uma miríade de influenciadores digitais e YouTubers, tornando-se o “grande assunto” do momento na internet brasileira. Dessa vez, algo semelhante parece ter sido feito em relação ao suposto caso do Marajó.

Um dos indícios que essa prática foi adotada é o fato de que influenciadores oriundos de diversas e importantes agências de conteúdo digital participaram da viralização a partir do dia 20. Entre essas agências está a Mynd8/Banca Digital, que outrora foi acusada pela extrema direita de colaborar com influenciadores petistas, "interferir nas  eleições a favor de Lula (PT)" e provocar o suicídio de uma jovem por conta do Caso Choquei, página agenciada pela empresa. Há suspeitas de que no caso Damares-Marajó, tenha havido algum tipo de briefing das agências sobre os agenciados para abordar a questão. Aguardamos um posicionamento da agência.

Entre os influenciadores ligados à Mynd8/Banca Digital que participaram da viralização estão Deolane Bezerra, a acriana Gleici Damasceno e a própria página do Fofocalizando, que citamos anteriormente. Mas o que mais chamou a atenção foi o fato de que Murilo Henare, um importante executivo da Mynd8 chegou a fazer publicações sobre o caso. No entanto, dias depois, os stories já não estavam disponíveis e se havia alguma publicação no seu feed, o empresário apagou.

·        Juliette

Juliette Freire, de 31 anos, é cantora e vencedora do BBB 21. No X, antigo Twitter, tem 6 milhões de seguidores. No Instagram são 30 milhões. De acordo com o portal Insights ela pode cobrar até R$ 400 mil para fazer publicidade no Instagram. O valor agregaria um post no feed principal, além de três stories.

Agenciada pela Bpmcom - que também conta com nomes como Anitta, Thiaguinho, Cláudia Leitte e a apresentadora Eliana - Juliette é uma das que compartilhou as mentiras de Damares e seus asseclas. Juliette postou o vídeo de Aymée Rocha em 21 de fevereiro e a publicação teve 1 milhão de visualizações, 29 mil curtidas, 6 mil compartilhamentos e mil comentários. E estamos falando da sua rede com menos seguidores.

“Vocês sabem o que acontece na Ilha de Marajó?”, pergunta a publicação, em frase que é exatamente igual em muitos dos casos. Na mesma postagem, é indagada por um seguidor que questionada se teria sido contratada para fazer a publicação. Ela nega.

Em seguida foi questionada pelo próprio ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e Cidadania, que a recomendou dar voz a fontes com mais credibilidade sobre o caso. Ela disse que a intervenção do ministro foi "muito importante".

Outros influenciadores

Outra ex-BBB que participou da viralização foi Jade Picon, que é agenciada pela MAP Brasil. Ela usou os stories do seu Instagram, onde conta com mais de 22 milhões de seguidores, para propagar a narrativa. Uma página que lhe dá apoio no X, antigo Twitter, pediu doações para o Instituto Akachi.

A página do site do jornalista Bruno Rocha da Fonseca, conhecido como Hugo Gloss, é outra que compartilhou a fake news. Famoso pela cobertura de celebridades, o profissional tem 5,5 milhões de seguidores no X e 21 milhões no Instagram. Sua publicação no antigo Twitter foi visualizada 3,5 milhões de vezes.

“A situação da exploração infantil na Ilha de Marajó, no Pará, voltou a virar assunto nesta semana. Desde 2006, os habitantes da região têm cobrado as autoridades no combate dos casos de tráfico humano de menores de idade para prostituição. Contudo, as ocorrências só tem aumentado. Na última sexta-feira (16), uma música da cantora Aymeê Rocha viralizou na web. No relato, ela fala sobre o desaparecimento de uma criança”, diz a publicação.

Por sua vez, a influenciadora e apresentadora Rafa Kalimann, com mais de 21 milhões de seguidores no Instagram, obteve mais de 1 milhão de curtidas em publicação em que pergunta: “você sabe o que está acontecendo na Ilha de Marajó?” Rafa Kalimann, ao lado de Hana Kalil, foi uma das mais compartilhadas no Instagram.

A funkeira Valesca Popozuda fez a sua publicação em 22 de fevereiro, compartilhando justamente a postagem de Hugo Gloss. Ela tem 3,6 milhões de seguidores no Instagram e 1,7 milhão no X. E a lista é longa e só falamos de duas redes. Se olharmos para o Tik Tok, a escala aumenta consideravelmente.

 

Ø  Má fé! Damares usa cantora gospel e fake news para abrir caminho de missões de evangelização no Marajó

 

“Enquanto isso, no Marajó, o João desapareceu esperando os ceifeiros da grande seara”, diz um trecho da música “Evangelho dos Fariseus”, da jovem cantora gospel Aymée Rocha, que a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e outros bolsonaristas tentam emplacar como aquela que irá tocar na final do Dom Reality, um show de talentos da música evangélica organizado em parceria com a plataforma Deezer.

Um vídeo da cantora no programa viralizou nos últimos dias no YouTube e foi compartilhado, além de Damares, por celebridades como Rafa Kalimann, Juliette e Virgínia Fonseca. Como a letra trata da Ilha do Marajó, um enorme arquipélago na foz do Rio Amazonas, e denuncia suposto abuso sexual de crianças, as buscas no Google pelo local dispararam e uma antiga denúncia de Damares voltou à tona.

 

Ainda como ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de Jair Bolsonaro (PL), Damares Alves disse em 8 de outubro de 2022, durante culto evangélico em Goiânia (GO), que teria tomado conhecimento das práticas de exploração sexual em Marajó. Seu discurso acusa a população local de ser conivente com as organizações criminosas e, entre os detalhes da narrativa de Damares, estaria um “fato” escabroso: o de que muitas dessas crianças abusadas teriam tido os dentes arrancados para facilitar o sexo oral nos criminosos abusadores.

Se trata de uma fake news do tamanho da Floresta Amazônia. E em setembro do ano passado o Ministério Público Federal pediu, mediante ação civil pública, que a bolsonarista indenize a população de Marajó pelas mentiras propagadas. O caso ainda tramita, mas a campanha para alavancar a música de Aymeé Rocha reacendeu as discussões em torno da suposta denúncia.

Com o debate em pé novamente, Damares publicou um vídeo nas redes sociais em que crianças aparecem dentro de um caminhão. Ela insinuou que as imagens foram gravadas no Marajó durante o translado de supostas vítimas de abuso. Mas, na realidade, o vídeo foi gravado bem longe dali. No Uzbequistão.

·        Missões evangélicas

Nas redes sociais, Aymée Rocha apareceu em postagem do pastor Lucas Hayashi, da Zion Church, em campanha para que a música “Evangelho dos Fariseus” toque na final do show de talentos do Deezer. E, a partir daí, surgem as suspeitas de que todo o esquema narrativo e midiático serve para abrir o caminho das missões evangélicas no Marajó.

Hayashi é justamente o pastor que, em setembro de 2023, após viagem ao Marajó, voltou alertando em alto e bom som que a ilha amazônica estava infestada de casos de abuso sexual de crianças.

De acordo com o seu próprio site, a igreja Zion Church de Hayashi tem como um dos principais objetivos o de reunir doações para financiar as chamadas “missões de evangelização”. E, convenhamos, uma denúncia de que a população inteira de um enorme arquipélago nos rincões do Brasil seria conivente com um esquema hediondo de abuso infantil pode ser um combustível e tanto para agregar tais doações.

A Zion Church é liderada por Junio e Teófilo Hayashi – irmão do pastor Lucas Hayashi. Nos últimos anos, a Zion Church se transformou numa verdadeira franquia gospel milionária. E o sucesso durante os anos de Bolsonaro foi coroado em 2022 com a Medalha da Ordem do Mérito Princesa Isabel, criada pelo ex-presidente inelegível como uma das maiores honrarias da República (e devidamente extinta pelo ministro Silvio Almeida em 2023).

Mas as relações não param por aí. A Zion Church é também organizadora do The Send, um evento que mistura o ideário de extrema direita com esse evangelismo típico dos EUA professado pela instituição. Foi num The Send que Bolsonaro teria “se convertido” a Jesus Cristo.

O The Send também tem relações com o grupo Jocum, que reúne missionários evangélicos que foram expulsos da região amazônica pelo Ministério Público Federal em 2016. A razão da expulsão: um documentário mentiroso e amplamente repercutido por Damares ao longo dos anos que denuncia uma suposta cultura de infanticídio entre os povos indígenas da região.

Por fim, o tal programa “Abrace o Marajó” divulgado por Damares tem fortes ligações com as missões da Zion Church. Em publicação no Facebook de março de 2022, a própria Damares Alves deixa isso bem claro: “Jovens voluntários da Zion Church de São Paulo mais uma vez estão na Ilha do Marajó cuidando do nosso povo”, escreveu.

·        Marajó contra-ataca

Nas redes sociais, o Observatório do Marajó, que monitora violações de direitos humanos no arquipélago, soltou uma nota em que acusa Damares e seus asseclas de recolocarem as denúncias no debate público a fim de facilitar a entrada das chamadas “missões de evangelização” na região.

A entidade começa sua nota dizendo o óbvio, que redes criminosas de exploração sexual de crianças e de tráfico internacional de pessoas, órgãos, animais, madeira, biotecnologia/pirataria e substâncias ilícitas operam no Marajó, na Amazônia e em todas as regiões do país. Diz ainda que essas sabem se disfarçar ocupando instituições, cargos públicos, redes sociais, igrejas, veículos de comunicação e outros espaços “onde possam manipular a atenção das pessoas enquanto continuam agindo e operando seus crimes”.

“A propaganda que associa o Marajó à exploração e o abuso sexual não é verdadeira: a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara”, diz a nota.

Para o Observatório do Marajó, a forma mais eficaz de garantir a proteção das crianças e adolescentes é fortalecendo as escolas e conselhos tutelares.

“Enquanto ministra, Damares Alves não destinou os recursos milionários que por diversas vezes prometeu para a região, para fortalecer as comunidades escolares. Ao invés disso, atentou contra a honra da população diversas vezes, espalhando mentiras, e abriu tais políticas públicas para grupos privados de São Paulo que defendem a privatização da educação pública (…) Redes criminosas de exploração sexual de crianças e adolescentes impulsionam mobilizações que chamam atenção para regiões com precariedades institucionais, como um apito para chamar criminosos para esses espaços”, diz a nota da entidade.

 

Fonte: Fórum

 

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