quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Luiz Carlos Azedo: Diplomacia equivocada do governo Lula prejudica também sua política interna

Uma política antiamericana no Brasil não tem a menor chance de dar certo, o que não significa apoio incondicional nem alinhamento automático aos EUA

Toda política externa bem-sucedida precisa de sustentação interna, ou seja, da construção de um amplo consenso nacional, para que seja realmente uma política de Estado e não meramente de governo, suas nuances não podem ser a essência da diplomacia.

O que faz do Itamaraty uma das mais prestigiadas e reconhecidas chancelarias do mundo é sua capacidade de sustentar nossa política externa independente e pragmática desde a década de 1970, ou seja, em plena ditadura militar, adaptando-se às circunstâncias políticas sem perder seus objetivos estratégicos. Os presidentes passam, o Itamaraty fica. Em torno disso, construiu-se um consenso nacional.

DESVIO DE CONDUTA

O que aconteceu no governo Bolsonaro, com o chanceler Ernesto Araújo, foi um desvio de conduta na política externa que levou o Brasil a ser tratado como pária internacional. A simples eleição do presidente Lula, pela mudança de rumo político, fez com que essa situação se revertesse rapidamente, o que possibilitou uma intensa agenda internacional e restabeleceu o nosso lugar no mundo.

Entretanto, diante de fatos novos na conjuntura mundial, com a guerra da Ucrânia e a guerra de Gaza, está cada mais vez claro que há uma dualidade que pode se tornar desastrosa: existe uma diplomacia de Estado, cuja execução está a cargo do nosso corpo diplomático, que o chanceler Mauro Vieira lidera; e uma diplomacia de governo, idiossincrática, na qual o ex-chanceler e assessor especial da Presidência Celso Amorim pontifica como seu ideólogo.

Os grandes artífices da atual política externa foram San Tiago Dantas, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro, em circunstâncias completamente diferentes, mas que resultaram numa cultura diplomática consolidada no Itamaraty e admirada internacionalmente. Nunca tiraram os pés do Ocidente.

POLÍTICA INDEPENDENTE

San Tiago Dantas foi nomeado embaixador do Brasil na ONU em 22 de agosto de 1961, mas não assumiu o cargo porque o presidente Jânio Quadros renunciou.

Com João Goulart na Presidência, durante o regime parlamentarista, foi o grande artífice da nossa política externa independente: liderou os países contrários à suspensão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA), defendida pelos Estados Unidos; restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética, rompidas em 1947 pelo governo Dutra; e chefiou a delegação brasileira enviada a Genebra para participar da Conferência de Desarmamento, onde o Brasil se definiu como “potência não-alinhada”.

Azeredo foi chanceler do governo Geisel, quando se iniciou o tortuoso processo de abertura política do regime militar. Sua política externa foi o “pragmatismo responsável e ecumênico”.

Como isso se traduziu na prática? Pela autonomia e universalismo, que levou o Brasil a restabelecer as relações com a China comunista e se aproximar do mundo árabe, em meio a contradições políticas, como o acirramento do conflito com a Argentina, por causa de Itaipu, e com os Estados Unidos, em decorrência da questão dos direitos humanos e do acordo nuclear com a Alemanha. Na sua gestão, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a independência de Angola.

CRÍTICA A ISRAEL

Ramiro Saraiva Guerreiro foi ministro das Relações Exteriores do governo do general João Figueiredo, entre 1979 e 1985.

Negociou a construção da hidrelétrica de Itaipu com o Paraguai, que enfrentava a oposição argentina. Enfrentou críticas em relação ao posicionamento do Itamaraty na África e no Oriente Médio, sem falar quanto ao reconhecimento da OLP como “único e legítimo representante do povo palestino” na sessão da Assembleia Geral da ONU, na qual o chanceler brasileiro criticou a postura de Israel nas negociações de paz com os países árabes.

A chave da política externa brasileira é o não alinhamento automático, a identificação e a defesa dos interesses concretos do Brasil. Mesmo no contexto da guerra fria e dos alinhamentos automáticos, que subordinavam as relações Norte/Sul ao conflito Leste/Oeste.

TRADIÇÃO DIPLOMÁTICA

Desde então, é uma tradição diplomática reconhecida internacionalmente e respeitada.

Uma política antiamericana no Brasil não tem a menor chance de dar certo, o que não significa apoio incondicional nem alinhamento automático à política externa dos EUA.

Nosso campo é o das democracias do Ocidente, e não o das autocracias do Oriente. Lula ainda é um líder do Ocidente em desenvolvimento, mas pode pôr tudo a perder se aderir ao velho terceiro-mundismo, inclusive perder internamente.

 

       Marcus André Melo: Pretensão de ser “estadista mundial” pode transformar Lula num fracasso

 

Não é a primeira nem a segunda vez que o presidente Lula comete erros estapafúrdios e faz comparações bizarras. Em 2009, quando Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito, em um contexto em que dezenas de candidatos foram impedidos de se candidatarem e o abuso de poder deflagrou protestos naquele país e fora dele, Lula afirmou que não era “a primeira vez que um partido de oposição que perde reclama muito”.

E comparou a teocracia iraniana com os EUA: “Não podemos esquecer nunca da primeira eleição do presidente Bush. As pessoas acataram os resultados apesar das dúvidas”.

PERPLEXIDADE

Na ocasião, o conselho editorial de uma revista britânica do qual fazia parte divulgara um protesto na comunidade científica denunciando a prisão e a tortura de um de nossos colegas, um acadêmico iraniano. As declarações de Lula causaram perplexidade.

Os fiascos sucessivos têm um padrão. Refletem uma busca de protagonismo descabido com o status do país, uma potência regional, como apontou Maria Hermínia Tavares.

O antiamericanismo cumpre um papel essencial ao propósito de lograr a liderança do Sul Global. Historicamente tem servido também a outro desígnio: uma forma aparentemente sem custos de afirmar uma identidade de esquerda (o que tem implicado no apoio a regimes autoritários); e de mitigar custos junto a sua base da aliança com setores ultraconservadores no plano doméstico. Mas os custos são crescentes para um governo que busca se afirmar como parte de uma frente pela democracia.

COLHER FRUTOS

Os nexos entre as políticas externa e doméstica são um tema clássico da ciência política. Como já apontei aqui na coluna, a escolha estratégica com Lula 3 é delegar poderes no plano da política doméstica e focar na política externa onde “estão os frutos fáceis de colher”.

Sim, é no plano internacional que o país tem vantagens comparativas importantes devido ao lugar do país na política global da mudança climática. Mas os sucessivos fiascos não ocorreram nesta arena, e sim na chamada big politics, dos grandes conflitos mundiais.

A política da mudança climática e a política global estão agora intimamente associadas: fiascos na segunda afetam a primeira.

NOVA DERROTA

Os frutos estão difíceis de colher no plano doméstico: nesta semana o governo amargou derrota crucial com o recuo na MP da desoneração. O governo havia dobrado a aposta ao confrontar o Congresso com uma MP, após ter seu veto derrubado, como mostrei aqui.

No plano externo, ao invés de praticar pragmatismo prudente no plano estratégico e econômico, combinado com foco na questão ambiental, Lula mobiliza uma espécie de antiviralatismo desvairado.

A prioridade estratégica de Lula neste mandato de entrar para a história como estadista de primeira linha corre risco de dar com os burros n’água.

 

       Ucrânia pede que Brasil ajude a convencer a Rússia a cessar a guerra

 

O embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnyk, 44 anos, pediu ao governo brasileiro que faça a intermediação de conversas com a China para ajudar a acabar com a guerra no país. A invasão da Rússia na região leste da Ucrânia completa 2 anos neste sábado (24.fev.2024). A Rússia controla atualmente 20% do território do país.

“Penso que a China poderia desempenhar um papel crucial para persuadir ou, diria mesmo, para forçar, os russos a parar esta guerra”, disse Melnyk em entrevista gravada na quinta-feira (22.fev).

SINALIZAÇÃO

O embaixador, que está em Brasília desde setembro de 2023, afirmou que apresentou a demanda ao governo brasileiro e que houve sinalização de que isso poderia ser discutido com os chineses diretamente ou em reuniões com outros países. Melnyk disse também esperar que os brasileiros mandem ajuda à Ucrânia na forma de armamentos ou outros itens.

“Os ucranianos estão me perguntando por que os brasileiros não estão nos ajudando, porque é uma causa comum pelo bem da humanidade”, declarou.

Outra expectativa de Melnyk é que o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, seja convidado para ir a Brasília. O pedido já foi feito ao governo brasileiro, mas não houve resposta. O embaixador espera recuperar a relação próxima entre Brasil e Ucrânia que havia no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que visitou Kiev em 2009.

 

Fonte: Correio Braziliense/FolhaPress/Poder 360

 

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