PEC dos militares na política: Mourão junta
oposição para frear mudanças em candidaturas
Até terça-feira (20),
o Palácio do Planalto contava com a volta das sessões no Congresso para fazer
avançar a despolitização das Forças Armadas, mas teve de mudar seus planos e
ganhou “de brinde” um futuro debate bolsonarista sobre o tema no plenário do Senado.
O Senado já tinha dado
início às sessões de discussão obrigatórias da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 42/2023, a chamada “PEC dos militares na política”, que visa
desestimular candidaturas de militares ao restringir benefícios dos que deixam
os quartéis para concorrer nas eleições federais – incluindo a necessidade de
parte deles precisar ir para a reserva não remunerada em caso de candidatura. A
proposta é assinada pelo líder do governo na Casa, senador Jaques Wagner
(PT).
Apuração
da Pública mostra que o revés passa por uma costura política do
general da reserva do Exército e senador Hamilton Mourão (Republicanos), antigo
vice-presidente de Jair Bolsonaro (PL), com o vice-líder do governo na Casa, o
senador Jorge Kajuru (PSB). Nota-se a importância do projeto para o governo
Lula a partir de uma informação do Ministério da Defesa: o ministro José Múcio
tem trabalhado na articulação política para a aprovação da PEC sem envolver a
assessoria parlamentar da pasta, algo de praxe no Congresso Nacional.
·
Por que isso importa?
- PEC exigiria que, para se candidatar politicamente a cargos
federais, parte dos militares tivesse de ir para a reserva sem remuneração
- Projeto afetaria militares com menos tempo de carreira e
dificultaria o uso de postos militares para conquistar votos
A sessão de terça passada era a terceira das cinco obrigatórias antes da votação da
PEC. Mas o general Mourão juntou assinaturas de outros 28 senadores – incluindo
membros da base do governo Lula, como o senador Chico Rodrigues (PSB) – para
aprovar a realização de um debate sobre a proposta, impedindo o avanço da PEC
no Senado.
“Fui eu, relator da
PEC, que aceitei o debate proposto pelo meu amigo general Mourão e,
logicamente, pedi ao meu amigo e líder Jaques Wagner para aceitar”, disse
à Pública o senador Kajuru. O congressista, vale lembrar, relatou a
proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no fim do ano passado.
A lista de debatedores convocados pelo general Mourão chama atenção: o atual
secretário de Relações Internacionais da prefeitura de São Paulo, Aldo Rebelo (PDT) – ex-ministro da Defesa cada vez mais próximo do bolsonarismo; o jurista Ives Gandra Martins, cuja interpretação do papel dos
militares na Constituição é usada como defesa para teses golpistas pela extrema
direita; e o desembargador do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, um dos responsáveis
por manter Lula na cadeia em 2018 e,
há tempos, uma figura com muito acesso aos quartéis – tendo sido até condecorado pelo Exército nos últimos anos.
Além deles, o debate
da oposição sobre a participação de militares na política contará ainda com o
general da reserva do Exército Alberto Mendes Cardoso, ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI) do governo FHC, e o colunista do Estadão Carlos Alberto Di Franco.
Com a manobra da
oposição, o governo teve não apenas de pedir a suspensão das discussões da PEC
no plenário como também propôs outro debate sobre a participação de militares
nas eleições.
A decisão teria sido
tanto para evitar polêmicas durante a discussão bolsonarista quanto para
apresentar seus argumentos pela aprovação da proposta, conforme apurado
pela Pública.
A lista de convidados pelo governo Lula sugere o apoio dos atuais comandantes
das Forças Armadas à PEC. Além do ministro Múcio, foram convocados o almirante
Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha, o general Tomás Ribeiro Paiva, do
Exército, e o tenente-brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, da Aeronáutica. O
governo convocou também os ex-ministros da Defesa Nelson Jobim e Raul Jungmann
para defenderem a PEC.
Na prática, a decisão
de sediar dois debates para abordar a participação militar nas eleições parou,
por tempo indeterminado, a contagem de sessões exigidas para liberar a PEC para
votação.
O prazo só será
retomado após os debates, ainda sem data para ocorrerem – ambos os eventos
devem ser agendados pela Mesa Diretora da Casa. A Pública apurou que,
até o momento, tanto governo quanto oposição não preveem datas para os debates.
·
Despolitização nos quartéis: o que muda com
a PEC dos militares na política
O atual texto da PEC
dos militares na política basicamente quer aumentar o prazo de serviço na ativa
exigido dos militares candidatos nas eleições que desejam manter seus salários
e gratificações.
Atualmente, qualquer
militar com mais de dez anos de serviço pode se candidatar mantendo seus
vencimentos na condição de “agregado” – que corta apenas o recebimento de
gratificações derivadas da função específica exercida pelo militar que se
candidate, segundo informado pelo Exército à Pública.
Pela regra atual, o
militar que se candidata nessas condições, mas não se elege, pode até voltar à
ativa das Forças Armadas. Caso seja eleito ou apenas diplomado em cargo
eletivo, vai automaticamente para a reserva remunerada – garantindo, assim, os
vencimentos do seu último posto como militar pelo resto da vida.
A proposta do governo
Lula quer aumentar o tempo de serviço necessário para que militares recebam
esse benefício, passando dos atuais dez anos para 35.
As novas regras se
aplicariam um ano após a aprovação da PEC e seriam restritas às eleições
federais, sem atingir outras corporações – como bombeiros e policiais
militares.
“Tenho dúvidas quanto
à aprovação da PEC no formato atual, especificamente por conta desta ‘barreira’
dos 35 anos de serviço… mas, se passar, acredito que diminuirá muito o
aventureirismo dos militares na política”, disse à Pública o
historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Francisco Teixeira.
“É só vermos a grande
quantidade de majores, coronéis e sargentos que se candidatam e se elegem nos
termos atuais”, afirmou ainda Teixeira, também professor emérito do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército (Eceme).
Já para a
pós-doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ana
Penido, pesquisadora da área de estudos militares do Instituto Tricontinental,
a PEC tem pontos positivos, mas é “insuficiente” para combater a politização
dos quartéis.
“O TSE [Tribunal
Superior Eleitoral] deveria proibir o uso de patentes e insígnias militares no
registro das candidaturas e na propaganda eleitoral, como determina o próprio
regulamento militar”, disse Penido à Pública.
Além disso, a
pesquisadora defende a criação de um período de “quarentena” entre o momento de
saída da ativa e a candidatura dos militares. “Em função do seu trabalho,
militares podem ter acesso a segredos de Estado que se convertem em trunfos
políticos individuais nas eleições. Um intervalo de tempo ajudaria a resguardar
segredos institucionais, evitando sua apropriação para finalidades
individuais”, afirmou Penido.
Para o professor
emérito da Eceme Francisco Teixeira, a despolitização dos quartéis passa,
obrigatoriamente, pela revisão do que é ensinado nas academias militares – como
a ideia de que as Forças Armadas nasceram antes mesmo do Brasil. “Isso é um
historicismo deplorável, nada científico ou acadêmico: é pura ideologia. Mas é
uma ideologia que faz parte da cultura militar, inserida claramente nos
currículos das escolas militares”, diz.
Outro caminho
necessário, para Teixeira, é limitar a atuação da inteligência militar no
Brasil. “É preciso acabar com a doutrina que permite a centros de inteligência
das três Forças atuarem dentro da fronteira do país: a inteligência militar não
pode se preocupar com MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra], partidos, se
infiltrar em manifestações estudantis e coisas do tipo – eles só podem cuidar
de problemas da fronteira para fora”, afirma o professor emérito da Eceme.
Para Ana Penido,
outras medidas ajudariam na despolitização dos quartéis. Entre elas, a
pesquisadora destaca “um ministério da Defesa forte, composto por uma
burocracia pública qualificada, com poder de mando sobre as instituições
[militares]”, com “punição daqueles indivíduos que não respeitam as normas” e
mais intercâmbio entre civis e militares, “preferencialmente com tarefas
conjuntas, duradouras e não competitivas”.
“Além disso, é
importante aproximar a discussão de defesa da população em geral, quebrando o
monopólio militar sobre o tema, e rever as quatro áreas sobre as quais as
Forças Armadas têm autonomia e são fundamentais para a sua autorreprodução
simbólica: educação, inteligência, justiça e orçamento militares”, diz Penido.
·
Politização ou partidarismo militar?
Tanto Penido quanto
Teixeira reforçam a necessidade de diminuir a influência da política partidária
nas Forças Armadas. Ambos concordam que o problema se intensificou durante o
governo Bolsonaro, mas divergem quanto à ideia da politização de militares no
Brasil.
O professor emérito da
ECEME defende que, “se um indivíduo se filia a um partido, ele não pode se
manter como militar por ser um funcionário público muito específico, com
controle da violência legal no país”.
“Não se pode apanhar
um indivíduo treinado para a guerra, com a possibilidade de matar e morrer, e
trazê-lo para dentro dos partidos políticos”, diz Teixeira.
“Não acho possível,
nem pertinente, combater a politização de militares: são indivíduos, e o
pensamento político é inerente ao ser humano em comunidade. O que me preocupa é
que eles, como indivíduos, tenham um mesmo pensamento político, o que expressa
a politização da Instituição militar”, afirma Penido.
Para a pesquisadora,
“em tese deveriam existir nas Forças Armadas indivíduos com diferentes leituras
de mundo, como existe fora dos quartéis, mais à esquerda, ou à direita, com
essas proporções variando conforme o momento histórico”.
Fonte: Por Caio de
Freitas Paes, da Agencia Pública
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