terça-feira, 8 de julho de 2025

Wagner Pires: Pior Congresso da história é um clube de ricos e extremistas de direita, cujo apreço à democracia é nulo

O presidente da câmara dos deputados reúne-se em um jantar com 50 bilionários. Durante o banquete, ou ao fim dele, só quem presenciou sabe, ele foi saudado como herói. Por qual motivo? Há várias alternativas: não colocar em votação o alívio para os mais pobres da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais ou o fim da desumana escala 6 x 1? Será pela inconstitucional derrubada do Decreto do executivo que estabelecia novas alíquotas para o IOF? Ou por manter a esperança de uma anistia para os golpistas do 8 de janeiro, movimento amplamente financiado pelos super-ricos?

Se fosse para apostar diria que é pelo conjunto da obra. O pior Congresso da história é um clube de ricos, fazendeiros, e extremistas tanto religiosos quanto de direita (por vezes com deputadas e deputados transitando por duas ou mais, quando não todas as esferas), cujo apreço à democracia é nulo. Usando o neoliberalismo como escudo, (afinal, quem ousa contrariar o consenso econômico e comportamental dos nossos dias?), eles votam os maiores absurdos sem dar ouvidos ao povo.

Veja a festança do congresso, que, ainda deseja ampliar o número de deputados, quando deveriam diminuir, na contramão do que deseja a maioria da população é ver como os parlamentares no Brasil parecem ver-se como deuses, que devem ser idolatrados e adorados pelos reles mortais, que fingem não ver de suas propriedades de luxo.

Os deuses gregos eram irascíveis, ciumentos despóticos e, com poucas exceções, não se importavam com os relés mortais a quem cobravam oferendas e sacrifícios para serem abrandados. De vez em quando se moviam para interceder por algum ser humano a quem, às vezes inexplicavelmente, simpatizavam. Do alto do Olimpo viviam em eternas orgias e bebedeiras, enquanto na terra era cada um por si e procurando não desagradas as deidades.

As câmaras alta e baixa do parlamento brasileiro e sua extraordinária capacidade de realizarem debates que passam bem longe do que é necessário para a população brasileira, parecem arrogar a si, o papel dos deuses antigos, deixando à população a conta da festa, assim como na antiguidade, eram os humanos que bancavam com seus sacrifícios seus deuses. Agora, bancamos as mordomias e privilégios com os nossos impostos.

“O problema são os impostos”, diz o desavisado, encantado com o discurso neoliberal e hipnotizado pelo colorido dos sites de apostas. Não, o problema não são os impostos. Se fosse, porque a demora em aprovar a isenção do imposto de renda para os mais pobres? Se fosse, porque não mudar a taxação sobre consumo que penaliza a sociedade? Se o problema são os impostos, porque os salários dos PJotizados segue um pouco maior do que os da CLT, quando não menores, diante da carga horária e demandas que os “empreendedores” tem que cumprir.

Na verdade, os impostos são vorazmente engolidos por subsídios ao agronegócio, pelos supersalários, pelo orçamento secreto, que segue aí, como instrumento de perpetuação do poder político dos parlamentares. E o que quer o congresso: permitir que aposentadoria e salários possam ser acumulados pelos deputados. Novamente: aos deuses não basta viver regaladamente no Olimpo, precisavam descer à terra e atormentar os infelizes mortais com sua presença.

Dito isso, as elites brasileiras e seus representantes no Congresso nacional parecem esquecer que, em vez de habitarem um distante Olimpo, vivem no mesmo país que as classes trabalhadoras. Que são tão sujeitos às intempéries, doenças, violência, carestia e outros males que afligem os brasileiros. Que não são imortais e nem estão fora da história como devem estar se julgando.

Os parlamentares brasileiros, tão irascíveis e voláteis quanto os deuses, são capazes de num mesmo discurso atacarem benefícios aos mais pobres e defender a ampliação de auxílios aos mais ricos. Pasmem, em meio ao discurso de austeridade fiscal, o presidente da Câmara, o herói, não vê problemas em protocolar projetos que ampliam os privilégios e ampliam a desigualdade. E ainda recebe aplausos por ser defensor da responsabilidade fiscal. Afinal, não há mais vestais ou sacerdotes lúgubres, mas temos a mídia serviçal sempre a dar uma forcinha para que tudo se mantenha como está.

O que vivenciamos hoje não é mitologia. É a realidade complexa de um país na periferia do capital. Onde a exploração do trabalho é brutal e a dominação ideológica das classes abastadas tem criado uma repulsa dos trabalhadores aos próprios direitos, vistos como entraves a ganhos maiores.

E tudo isso compõe parte do cenário da luta de classes brasileira. O estado segue à serviço da burguesia e, com a ascensão do neoliberalismo a consenso, tanto à direita quanto à esquerda, fica cada vez menor o espaço para políticas públicas de bem-estar social.

As narrativas neoliberais sobre o Estado ser a raiz de todos os males sociais e de responsabilização individual do sucesso ou fracasso levaram a parte da classe trabalhadora a demonizar os direitos trabalhistas, as ferramentas de luta da classe trabalhadora como os sindicatos e ver a atuação do Estado como negativa, ao coletar impostos e não ofertar serviços de qualidade em contrapartida.

E a cada ano, o Congresso, assembleias e câmaras de vereadores são tomadas por parlamentares com o discurso de viés neoliberal. E junto com esse discurso, vem outros: machismo, LGBTfobia, xenofobias, o desfile de barbaridades é enorme. Parlamentares que não se preocupam com o debate para melhorar o país, mas para fazer recortes para que nas redes sociais possam ser incensados pela claque.

Marina Silva, atacada a cada visita ao Congresso mostra em que nível chegamos. Voz dissonante neste momento de passar a boiada, defendendo a sustentabilidade e o meio ambiente, a ministra Marina virou alvo. Para isso não tem conselho de ética e nem vergonha na cara. Como alguns frisaram, ali, estava um inimigo a ser batido, não uma mulher a cuja história deveriam respeitar.

Apelam para proselitismo, mentiras e toda espécie de autoritarismos, para manter-se no poder e impedir que o Estado atue para diminuir as desigualdades. O neoliberalismo os dispensa disso.

E, uma vez dispensados de atuar em prol de constituir um mínimo de bem-estar social, esses parlamentares ocupam-se em retirar direitos e legislar em causa própria. Uma agenda de retrocessos em todos os setores, da legislação ambiental às relações de trabalho, passando pela educação, saúde e todas as áreas públicas. Privatizando, concedendo, liberando a brutal extração de lucros, transformando a sociedade em um grande mercado.

Um vale tudo que envolve até mesmo impedir regulação da internet, atendendo ao apelo das BigTechs, afinal fake news, dão muito lucro. E votos. E os algoritmos seguem amplificando as vozes de direita e silenciando quem rema contra a maré.

Falando em internet, os sites de apostas seguem arrancando da classe trabalhadora o pouco que ganha, com as promessas de ganhos ilusórios. É tão gritante a desfaçatez dos deputados que as tradicionais bancadas do Boi (Agronegócio), Bala (forças repressivas) e Bíblia (fundamentalistas) que sempre viveram do pânico moral, para alavancar votos, agora recebem mais um B, o das Bets, que seguem explorando, sem taxação equivalente aos lucros que arrancam do nosso povo.

E os deuses parlamentares ou parlamentares deuses seguem acreditando piamente em seus poderes e que na próxima eleição, repetirão as miraculosas artes que os reconduzem ao congresso.

Quem, ao ter tanto poder, sem ter que prestar contas a ninguém, não acabaria pensando ser mais do que aqueles e aquelas que sustentam seus caprichos e privilégios. E o que nos resta, a nós, que somos os pobres seres que alimentam o bacanal? Resta buscar nossa organização, atuar de forma coletiva e barrar os retrocessos.

Mesmo deuses, por mais poderosos que sejam, podem ser derrubados. Podem ser mortos, levados a inexistência. Não foi fácil fazer isso com os produtos da imaginação humana, que na antiguidade mulheres e homens constituíram sobre si. Não vai ser fácil. Mas podemos começar mostrando a eles, os donos do poder, que são homens e não deuses. Derrubar esses deuses é uma das grandes tarefas da classe trabalhadora nesse período.

¨      O cesarismo semiparlamentar brasileiro. Por Jalder Meneses

As mobilizações de 2013 tiveram como principal consequência política a consolidação para-jurídica de um semiparlamentarismo informal. Esse fenômeno se desenvolveu sobre o pano de fundo das vitórias eleitorais consecutivas do Centrão – não apenas em disputas nacionais, mas também estaduais e municipais – combinadas com mudanças nas regras eleitorais.

A força política, eleitoral e estruturas de poder dos partidos do Centrão, que já eram possantes, só cresceram de 2013 para cá. Embora manifeste-se agora com maior intensidade, esse processo não se origina no atual governo Lula, remontando pelo menos ao governo de Jair Bolsonaro, que negociou com o Centrão a contenção do impeachment pelas acusações de genocídio durante a pandemia – recordem-se os 45 processos arquivados por Arthur Lira.

A crise política sob o terceiro governo Lula, embora com características próprias, tem suas raízes institucionais nesse processo anterior. Há uma descontinuidade marcante em relação aos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Trata-se fundamentalmente de uma crise política – não econômica ou fiscal –, ainda que a ênfase na agenda fiscal revele a hegemonia do rentismo no bloco das classes dominantes.

Desde o período regencial e a crise da maioridade de D. Pedro II, as formas políticas brasileiras apresentam singularidades. Convivem aqui uma dialética histórica de repetição, decorrente da resistência das estruturas sociais fundamentais, e a sensação paradoxal de permanente conjuntura crítica.

Desse paradoxo entre baixa intensidade transformadora e alta temperatura trágica do cotidiano político deriva um fenômeno peculiar: no domínio sociopolítico brasileiro, proliferam processos e arranjos institucionais ditos “anômalos”, refratários aos modelos clássicos do liberalismo político.

Desde pelo menos 2013, todos os governos federais – Dilma II, Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula III –, que seriam espécies de “ciclos”, em termos de duração politica, expressam momentos de uma crise orgânica do Estado brasileiro. Que “crise orgânica” seria essa? Para mim, uma crise do regime político consolidado na Constituição de 1988.

A assim chamada “Constituição Cidadã” permitiu, principalmente no tempo da disputa entre petistas e tucanos, uma espécie de pacto liberal-democrático, operado pelo “presidencialismo de coalizão”, franqueando a construção precária, na contra mão do neoliberalismo dominante, de um Estado Social que opera no limite do “mal-estar”, e que denomino de Welfare State periférico-dependente tardio, uma constelação temporã do antigo Estado Desenvolvimentista de 1930 (um longo ciclo de implantação do fordismo no Brasil), que entrou em debacle no fim da ditadura e que resiste sob ataque até hoje.

Antonio Gramsci, nos Cadernos do cárcere (especialmente no Caderno 13), desenvolveu o conceito de crise orgânica ao analisar situações de força e a estrutura partidária em períodos críticos. Superando leituras economicistas da crise de 1929, Antonio Gramsci destacou a autonomia relativa da política. O parlamentarismo moderno sempre contém elementos cesaristas, que se ampliam em crises. A recomposição do Centrão não foi acidental, mas resultado de planejamento estratégico.

As reformas eleitorais de 2015, sob Eduardo Cunha, reduziram o período de campanha de 90 para 45 dias e modificaram a distribuição do tempo de mídia. O STF, por sua vez, restringiu o financiamento a pessoas físicas (limitado a 10% da renda declarada) e ao fundo partidário. Essas mudanças, somadas ao fim das coligações proporcionais e à cláusula de barreira (PEC 2017), consolidaram-se nas eleições subsequentes, fortalecendo as forças políticas tradicionais.

Rodrigo Maia manteve essa engrenagem para sustentar Michel Temer. Com Arthur Lira na presidência da Câmara (2021-2024), o bloco parlamentar majoritário atingiu seu ápice. A Resolução 84/19, ao limitar obstruções e acelerar tramitações, reduziu instrumentos de oposição. Bolsonaro, após o fracasso da tentativa de criar uma base parlamentar voltada para as “bancadas temáticas” (Bíblia, boi e bala), em vez dos partidos (um resíduo à direita do senso comum “antipolítica” criado em 2013 e repetido na Lava-Jato) cedeu a Arthur Lira o controle orçamentário, criando especialmente o “orçamento secreto” e as “emendas Pix”.

Esse semiparlamentarismo informal constituiu de fato um cesarismo neoliberal, pilotado sucessivamente por Arthur Lira e Hugo Motta. Alternativamente descrito como “deputadocracia” ou parlamento de “513 empreendedores autônomos”, esse regime exige, nas palavras do Marquês de Sade, alguém, um presidente de parlamentarista (cesarista) entre seus pares, uma cabeça que se levanta mais que os outros membros da manada parlamentar, para “pôr ordem na orgia”.

O governo Lula 3 manteve até 2025, aos trancos e barracos e o custo de uma derrota eleitoral em 2024, um equilíbrio precário, cedendo espaços nobres do aparelho do executivo e a fatia de 51 bilhões das emendas parlamentares no orçamento para preservar uma governabilidade mitigada.

A ruptura desse frágil acordo, cuja “ponta do iceberg” foi a questão do IOF (como destacou editorial da Folha de S. Paulo em 1/7/25, cujo conteúdo discordo, mas concordo na metáfora óbvia do título), exige do governo pelo menos três movimentos encadeados para recuperar força e chegar competitivo nas eleições do próximo ano: reconquistar apoio social majoritário, esclarecer a população sobre as injustiças do sistema tributário brasileiro e expandir sua narrativa nas redes sociais, que podem ser ativos para um retorno de mobilizações de rua.

Ou seja, e aqui encerro este pequeno artigo, fazer a “grande política” das ideias-força e projetos sociais e não apenas a “pequena política” da negociação e conciliação à frio.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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