Wagner
Pires: Pior Congresso da história é um clube de ricos e extremistas de direita,
cujo apreço à democracia é nulo
O
presidente da câmara dos deputados reúne-se em um jantar com 50 bilionários.
Durante o banquete, ou ao fim dele, só quem presenciou sabe, ele foi saudado
como herói. Por qual motivo? Há várias alternativas: não colocar em votação o
alívio para os mais pobres da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5
mil reais ou o fim da desumana escala 6 x 1? Será pela inconstitucional
derrubada do Decreto do executivo que estabelecia novas alíquotas para o IOF?
Ou por manter a esperança de uma anistia para os golpistas do 8 de janeiro,
movimento amplamente financiado pelos super-ricos?
Se
fosse para apostar diria que é pelo conjunto da obra. O pior Congresso da
história é um clube de ricos, fazendeiros, e extremistas tanto religiosos
quanto de direita (por vezes com deputadas e deputados transitando por duas ou
mais, quando não todas as esferas), cujo apreço à democracia é nulo. Usando o
neoliberalismo como escudo, (afinal, quem ousa contrariar o consenso econômico
e comportamental dos nossos dias?), eles votam os maiores absurdos sem dar
ouvidos ao povo.
Veja a
festança do congresso, que, ainda deseja ampliar o número de deputados, quando
deveriam diminuir, na contramão do que deseja a maioria da população é ver como
os parlamentares no Brasil parecem ver-se como deuses, que devem ser
idolatrados e adorados pelos reles mortais, que fingem não ver de suas
propriedades de luxo.
Os
deuses gregos eram irascíveis, ciumentos despóticos e, com poucas exceções, não
se importavam com os relés mortais a quem cobravam oferendas e sacrifícios para
serem abrandados. De vez em quando se moviam para interceder por algum ser
humano a quem, às vezes inexplicavelmente, simpatizavam. Do alto do Olimpo
viviam em eternas orgias e bebedeiras, enquanto na terra era cada um por si e
procurando não desagradas as deidades.
As
câmaras alta e baixa do parlamento brasileiro e sua extraordinária capacidade
de realizarem debates que passam bem longe do que é necessário para a população
brasileira, parecem arrogar a si, o papel dos deuses antigos, deixando à
população a conta da festa, assim como na antiguidade, eram os humanos que
bancavam com seus sacrifícios seus deuses. Agora, bancamos as mordomias e
privilégios com os nossos impostos.
“O
problema são os impostos”, diz o desavisado, encantado com o discurso
neoliberal e hipnotizado pelo colorido dos sites de apostas. Não, o problema
não são os impostos. Se fosse, porque a demora em aprovar a isenção do imposto
de renda para os mais pobres? Se fosse, porque não mudar a taxação sobre
consumo que penaliza a sociedade? Se o problema são os impostos, porque os
salários dos PJotizados segue um pouco maior do que os da CLT, quando não
menores, diante da carga horária e demandas que os “empreendedores” tem que
cumprir.
Na
verdade, os impostos são vorazmente engolidos por subsídios ao agronegócio,
pelos supersalários, pelo orçamento secreto, que segue aí, como instrumento de
perpetuação do poder político dos parlamentares. E o que quer o congresso:
permitir que aposentadoria e salários possam ser acumulados pelos deputados.
Novamente: aos deuses não basta viver regaladamente no Olimpo, precisavam
descer à terra e atormentar os infelizes mortais com sua presença.
Dito
isso, as elites brasileiras e seus representantes no Congresso nacional parecem
esquecer que, em vez de habitarem um distante Olimpo, vivem no mesmo país que
as classes trabalhadoras. Que são tão sujeitos às intempéries, doenças,
violência, carestia e outros males que afligem os brasileiros. Que não são
imortais e nem estão fora da história como devem estar se julgando.
Os
parlamentares brasileiros, tão irascíveis e voláteis quanto os deuses, são
capazes de num mesmo discurso atacarem benefícios aos mais pobres e defender a
ampliação de auxílios aos mais ricos. Pasmem, em meio ao discurso de
austeridade fiscal, o presidente da Câmara, o herói, não vê problemas em
protocolar projetos que ampliam os privilégios e ampliam a desigualdade. E
ainda recebe aplausos por ser defensor da responsabilidade fiscal. Afinal, não
há mais vestais ou sacerdotes lúgubres, mas temos a mídia serviçal sempre a dar
uma forcinha para que tudo se mantenha como está.
O que
vivenciamos hoje não é mitologia. É a realidade complexa de um país na
periferia do capital. Onde a exploração do trabalho é brutal e a dominação
ideológica das classes abastadas tem criado uma repulsa dos trabalhadores aos
próprios direitos, vistos como entraves a ganhos maiores.
E tudo
isso compõe parte do cenário da luta de classes brasileira. O estado segue à
serviço da burguesia e, com a ascensão do neoliberalismo a consenso, tanto à
direita quanto à esquerda, fica cada vez menor o espaço para políticas públicas
de bem-estar social.
As
narrativas neoliberais sobre o Estado ser a raiz de todos os males sociais e de
responsabilização individual do sucesso ou fracasso levaram a parte da classe
trabalhadora a demonizar os direitos trabalhistas, as ferramentas de luta da
classe trabalhadora como os sindicatos e ver a atuação do Estado como negativa,
ao coletar impostos e não ofertar serviços de qualidade em contrapartida.
E a
cada ano, o Congresso, assembleias e câmaras de vereadores são tomadas por
parlamentares com o discurso de viés neoliberal. E junto com esse discurso, vem
outros: machismo, LGBTfobia, xenofobias, o desfile de barbaridades é enorme.
Parlamentares que não se preocupam com o debate para melhorar o país, mas para
fazer recortes para que nas redes sociais possam ser incensados pela claque.
Marina
Silva, atacada a cada visita ao Congresso mostra em que nível chegamos. Voz
dissonante neste momento de passar a boiada, defendendo a sustentabilidade e o
meio ambiente, a ministra Marina virou alvo. Para isso não tem conselho de
ética e nem vergonha na cara. Como alguns frisaram, ali, estava um inimigo a
ser batido, não uma mulher a cuja história deveriam respeitar.
Apelam
para proselitismo, mentiras e toda espécie de autoritarismos, para manter-se no
poder e impedir que o Estado atue para diminuir as desigualdades. O
neoliberalismo os dispensa disso.
E, uma
vez dispensados de atuar em prol de constituir um mínimo de bem-estar social,
esses parlamentares ocupam-se em retirar direitos e legislar em causa própria.
Uma agenda de retrocessos em todos os setores, da legislação ambiental às
relações de trabalho, passando pela educação, saúde e todas as áreas públicas.
Privatizando, concedendo, liberando a brutal extração de lucros, transformando
a sociedade em um grande mercado.
Um vale
tudo que envolve até mesmo impedir regulação da internet, atendendo ao apelo
das BigTechs, afinal fake news, dão muito lucro. E votos. E os
algoritmos seguem amplificando as vozes de direita e silenciando quem rema
contra a maré.
Falando
em internet, os sites de apostas seguem arrancando da classe trabalhadora o
pouco que ganha, com as promessas de ganhos ilusórios. É tão gritante a
desfaçatez dos deputados que as tradicionais bancadas do Boi (Agronegócio),
Bala (forças repressivas) e Bíblia (fundamentalistas) que sempre viveram do
pânico moral, para alavancar votos, agora recebem mais um B, o das Bets, que
seguem explorando, sem taxação equivalente aos lucros que arrancam do nosso
povo.
E os
deuses parlamentares ou parlamentares deuses seguem acreditando piamente em
seus poderes e que na próxima eleição, repetirão as miraculosas artes que os
reconduzem ao congresso.
Quem,
ao ter tanto poder, sem ter que prestar contas a ninguém, não acabaria pensando
ser mais do que aqueles e aquelas que sustentam seus caprichos e privilégios. E
o que nos resta, a nós, que somos os pobres seres que alimentam o bacanal?
Resta buscar nossa organização, atuar de forma coletiva e barrar os
retrocessos.
Mesmo
deuses, por mais poderosos que sejam, podem ser derrubados. Podem ser mortos,
levados a inexistência. Não foi fácil fazer isso com os produtos da imaginação
humana, que na antiguidade mulheres e homens constituíram sobre si. Não vai ser
fácil. Mas podemos começar mostrando a eles, os donos do poder, que são homens
e não deuses. Derrubar esses deuses é uma das grandes tarefas da classe
trabalhadora nesse período.
¨
O cesarismo semiparlamentar brasileiro. Por Jalder
Meneses
As
mobilizações de 2013 tiveram como principal consequência política a
consolidação para-jurídica de um semiparlamentarismo informal. Esse fenômeno se
desenvolveu sobre o pano de fundo das vitórias eleitorais consecutivas do
Centrão – não apenas em disputas nacionais, mas também estaduais e municipais –
combinadas com mudanças nas regras eleitorais.
A força
política, eleitoral e estruturas de poder dos partidos do Centrão, que já eram
possantes, só cresceram de 2013 para cá. Embora manifeste-se agora com maior
intensidade, esse processo não se origina no atual governo Lula, remontando
pelo menos ao governo de Jair Bolsonaro, que negociou com o Centrão a contenção
do impeachment pelas acusações de genocídio durante a pandemia – recordem-se os
45 processos arquivados por Arthur Lira.
A crise
política sob o terceiro governo Lula, embora com características próprias, tem
suas raízes institucionais nesse processo anterior. Há uma descontinuidade
marcante em relação aos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Trata-se
fundamentalmente de uma crise política – não econômica ou fiscal –, ainda que a
ênfase na agenda fiscal revele a hegemonia do rentismo no bloco das classes
dominantes.
Desde o
período regencial e a crise da maioridade de D. Pedro II, as formas políticas
brasileiras apresentam singularidades. Convivem aqui uma dialética histórica de
repetição, decorrente da resistência das estruturas sociais fundamentais, e a
sensação paradoxal de permanente conjuntura crítica.
Desse
paradoxo entre baixa intensidade transformadora e alta temperatura trágica do
cotidiano político deriva um fenômeno peculiar: no domínio sociopolítico
brasileiro, proliferam processos e arranjos institucionais ditos “anômalos”,
refratários aos modelos clássicos do liberalismo político.
Desde
pelo menos 2013, todos os governos federais – Dilma II, Michel Temer, Jair
Bolsonaro e Lula III –, que seriam espécies de “ciclos”, em termos de duração
politica, expressam momentos de uma crise orgânica do Estado brasileiro. Que
“crise orgânica” seria essa? Para mim, uma crise do regime político consolidado
na Constituição de 1988.
A assim
chamada “Constituição Cidadã” permitiu, principalmente no tempo da disputa
entre petistas e tucanos, uma espécie de pacto liberal-democrático, operado
pelo “presidencialismo de coalizão”, franqueando a construção precária, na
contra mão do neoliberalismo dominante, de um Estado Social que opera no limite
do “mal-estar”, e que denomino de Welfare State periférico-dependente tardio,
uma constelação temporã do antigo Estado Desenvolvimentista de 1930 (um longo
ciclo de implantação do fordismo no Brasil), que entrou em debacle no
fim da ditadura e que resiste sob ataque até hoje.
Antonio
Gramsci, nos Cadernos do cárcere (especialmente no Caderno
13), desenvolveu o conceito de crise orgânica ao analisar situações de força e
a estrutura partidária em períodos críticos. Superando leituras economicistas
da crise de 1929, Antonio Gramsci destacou a autonomia relativa da política. O
parlamentarismo moderno sempre contém elementos cesaristas, que se ampliam em
crises. A recomposição do Centrão não foi acidental, mas resultado de
planejamento estratégico.
As
reformas eleitorais de 2015, sob Eduardo Cunha, reduziram o período de campanha
de 90 para 45 dias e modificaram a distribuição do tempo de mídia. O STF, por
sua vez, restringiu o financiamento a pessoas físicas (limitado a 10% da renda
declarada) e ao fundo partidário. Essas mudanças, somadas ao fim das coligações
proporcionais e à cláusula de barreira (PEC 2017), consolidaram-se nas eleições
subsequentes, fortalecendo as forças políticas tradicionais.
Rodrigo
Maia manteve essa engrenagem para sustentar Michel Temer. Com Arthur Lira na
presidência da Câmara (2021-2024), o bloco parlamentar majoritário atingiu seu
ápice. A Resolução 84/19, ao limitar obstruções e acelerar tramitações, reduziu
instrumentos de oposição. Bolsonaro, após o fracasso da tentativa de criar uma
base parlamentar voltada para as “bancadas temáticas” (Bíblia, boi e bala), em
vez dos partidos (um resíduo à direita do senso comum “antipolítica” criado em
2013 e repetido na Lava-Jato) cedeu a Arthur Lira o controle orçamentário,
criando especialmente o “orçamento secreto” e as “emendas Pix”.
Esse
semiparlamentarismo informal constituiu de fato um cesarismo neoliberal,
pilotado sucessivamente por Arthur Lira e Hugo Motta. Alternativamente descrito
como “deputadocracia” ou parlamento de “513 empreendedores autônomos”, esse
regime exige, nas palavras do Marquês de Sade, alguém, um presidente de
parlamentarista (cesarista) entre seus pares, uma cabeça que se levanta mais
que os outros membros da manada parlamentar, para “pôr ordem na orgia”.
O
governo Lula 3 manteve até 2025, aos trancos e barracos e o custo de uma
derrota eleitoral em 2024, um equilíbrio precário, cedendo espaços nobres do
aparelho do executivo e a fatia de 51 bilhões das emendas parlamentares no
orçamento para preservar uma governabilidade mitigada.
A
ruptura desse frágil acordo, cuja “ponta do iceberg” foi a questão do IOF (como
destacou editorial da Folha de S. Paulo em 1/7/25, cujo
conteúdo discordo, mas concordo na metáfora óbvia do título), exige do governo
pelo menos três movimentos encadeados para recuperar força e chegar competitivo
nas eleições do próximo ano: reconquistar apoio social majoritário, esclarecer
a população sobre as injustiças do sistema tributário brasileiro e expandir sua
narrativa nas redes sociais, que podem ser ativos para um retorno de
mobilizações de rua.
Ou
seja, e aqui encerro este pequeno artigo, fazer a “grande política” das
ideias-força e projetos sociais e não apenas a “pequena política” da negociação
e conciliação à frio.
Fonte:
A Terra é Redonda

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