Guerra
tarifária de Trump: trunfo flexível ou risco global?
A
preferência do presidente americano Donald Trump por tarifas em
vez de sanções tem sido descrita tanto como a "pior aposta do
mundo" quanto "uma poderosa e comprovada fonte de influência"
para proteger os interesses nacionais dos Estados Unidos.
Desde
seu retorno à Casa Branca em janeiro, as ameaças tarifárias
de Trump contra
dezenas de países criaram grande incerteza entre empresas americanas e
parceiros comerciais globais.
As
promessas de sobretaxas elevadas sobre produtos estrangeiros, seguidas de
reviravoltas abruptas, parecem servir aos objetivos políticos ou econômicos
mutáveis de Trump. No entanto, os mercados financeiros permanecem tensos,
sem saber o que pode sair da manga do presidente.
A tarifa sobre a China, maior rival
econômico e militar dos EUA, atingiu níveis históricos em abril, disparando
para 145% antes de ser significativamente reduzida no mês seguinte após
negociações comerciais em Londres.
O
aumento repentino e a posterior reversão das tarifas mostram
como Trump as utiliza de forma flexível para corrigir o que considera
ser um comércio injusto, com base em disputas comerciais passadas.
"O
que molda a visão do presidente é a ascensão rápida do Japão nos anos
1980, e a sensação de que os japoneses estavam superando a icônica indústria
automobilística americana porque os EUA foram generosos demais em seus termos
comerciais", explica Jennifer Burns, professora associada de história
na Universidade de Stanford.
<><>
Por que Trump prefere tarifas em vez de sanções
As
tarifas têm sido o principal recurso de Trump para lidar com o enorme déficit comercial
dos EUA,
especialmente com a China, que somou 295 bilhões de dólares (R$ 1,4 trilhão) em
2024, segundo o Censo americano. Elas também se alinham à sua agenda America
First (EUA em primeiro lugar), de proteção às indústrias locais e
estímulo à criação de empregos no país.
A Casa
Branca defendeu a abordagem do presidente, insistindo que as tarifas podem
ser rapidamente implementadas e, ao contrário das sanções, não fecham
completamente os mercados estrangeiros às empresas americanas.
"[Trump]
pode colocar essa pressão quando quiser e depois recuar quando os mercados
começarem a entrar em pânico ou quando isso deixar de servir ao seu
propósito", disse à DW Sophia Busch, diretora associada do
Centro Geoeconômico do think tank Atlantic Council. "Isso
é muito mais fácil com tarifas do que com sanções."
Embora
amplamente criticadas por seu potencial de alimentar a inflação, as tarifas geram
receita para o Tesouro americano, ao contrário das sanções. A arrecadação
de tarifas nos EUA subiu 110%, chegando a 97,3 bilhões de dólares (R$
544,7 bilhões) no primeiro semestre do ano, em comparação com o mesmo período
do ano anterior. Espera-se que esse valor chegue a 360 bilhões de dólares (R$ 2
trilhões) no próximo ano, segundo o Urban-Brookings Tax Policy Center, um
centro de estudos sobre políticas tributárias dos EUA.
<><>
Flexíveis e fáceis de implementar
As
tarifas dão a Trump controle direto e unilateral, por meio de ordens
executivas, sem necessidade de aprovação do Congresso americano. As
sanções, por outro lado, geralmente demandam arranjos legais complexos e
cooperações internacionais, como com a União Europeia.
A
aposta em tarifas reflete o objetivo de Trump de obter vantagem
econômica rápida e visível, mas levanta preocupações quanto aos efeitos
desestabilizadores de tais políticas sobre o comércio global e a paz.
"A
razão pela qual [as tarifas] têm uma reputação tão ruim é porque estão
associadas a episódios de desglobalização e, no século 20, foram
ligadas a conflitos armados", disse Burns. "Se tarifas baixas e
mercados abertos conectam os países de maneira a evitar conflitos armados, será
que estamos nos afastando disso?”
<><>
Confusão entre tarifas e sanções
As
decisões de Trump em seu segundo mandato sugerem o uso de tarifas
para alcançar objetivos tipicamente associados a sanções, como pressionar
países como Canadá, México e China em questões não
comerciais, como imigração e tráfico de drogas. As tarifas anunciadas
provocaram medidas retaliatórias ou ameaças, intensificando as tensões no
comércio global.
De
forma semelhante, a Colômbia foi ameaçada com tarifas após rejeitar
voos de deportação dos EUA, enquanto tarifas contra a União
Europeia foram anunciadas como resposta às regulamentações europeias sobre
privacidade e clima.
No
início deste mês, Trump anunciou uma
tarifa de 50% sobre importações do Brasil – justificada, entre outros
motivos, como retaliação ao que o americano chama de "perseguição"
judicial contra Jair Bolsonaro, seu aliado próximo.
O ex-presidente enfrenta julgamento sob a acusação de
planejar um golpe para reverter sua derrota nas eleições de 2022, incluindo planos de
assassinar rivais políticos.
<><>
Sanções secundárias
Governos
anteriores preferiram sanções em vez de tarifas como ferramenta de barganha com
países considerados "fora da linha".
Desde
que Moscou lançou sua invasão em larga escala da Ucrânia, em
fevereiro de 2022, os EUA impuseram mais de 2,5 mil sanções à Rússia,
atingindo indivíduos, entidades, transporte marítimo e
aeronaves. Venezuela, Irã e Coreia do Norte também
foram alvos de sanções. "Essas economias não são parceiras comerciais
cruciais para os EUA", disse Busch, do Atlantic Council. Ela
pontua que as tarifas de Trump sobre os principais parceiros comerciais dos EUA
representam, sobretudo, "uma ameaça econômica mais doméstica".
O líder
americano tem demonstrado nos últimos dias maior abertura ao uso de sanções.
Referindo-se a um projeto de lei proposto pelo senador Lindsey
Graham para penalidades adicionais contra Moscou caso não negocie de
boa-fé um acordo de paz com Kiev, ele disse estar "considerando muito
seriamente" novas sanções.
Se
aprovada, a Lei de Sanções à Rússia de 2025 vai mirar autoridades e
oligarcas russos, instituições financeiras e o setor de energia, com o objetivo
de restringir a capacidade da Rússia de exportar petróleo e gás.
O projeto, que conta com apoio de republicanos e democratas, também propõe
"tarifas secundárias" de até 500% a países e empresas estrangeiras
que importarem energia russa.
Tarifas
semelhantes de 25% sobre compradores de petróleo venezuelano, que entraram
em vigor em março, também foram criadas para pressionar importadores de energia
a se alinharem à política externa dos EUA — um intento que, em outros
tempos, seria buscado por meio de sanções.
Sanções
secundárias geralmente incluem bloqueio de indivíduos e entidades,
congelamento de ativos e restrições bancárias. A ameaça de acusações criminais
nos EUA e proibição de viagens também é comumente usada. "As sanções têm
mais a ver com punir países por violarem normas internacionais", disse
Burns à DW. "Elas são uma resposta a ações específicas e, se essas ações
cessarem, as sanções podem ser revertidas." Ao observar como a incerteza
em torno da política tarifária
de Trump deixou
empresas americanas e parceiros comerciais globais
atônitos, Burns alertou que "anos de incerteza tarifária"
podem causar uma "séria desaceleração econômica, à medida que empresas e
investidores aguardam um cenário mais previsível".
¨
Mais tarifas, gastos militares e compras de energia: as
chaves para a rendição da UE a Trump
Ursula von der Leyen assina um
acordo na Escócia que, pela primeira vez, aumenta os custos
comerciais e que parecia inaceitável há apenas algumas semanas. Trump aumenta as
tarifas para 15% e garante o compromisso da UE de investir US$ 750
bilhões em energia nos EUA nos próximos três anos, além de investir
substancialmente mais na indústria de armamentos. Com os detalhes do acordo
comercial assinado por Donald Trump e Ursula von der
Leyen ainda não revelados, o pacto revela a rendição da União Europeia aos
excessos do inquilino da Casa Branca, tanto em substância quanto em forma. O
presidente da Comissão Europeia concordou em viajar para o campo de golfe
escocês onde o magnata estava passando alguns dias de lazer privado para
finalizar o acordo. Os detalhes haviam sido delineados nos últimos dias, e a
viagem ocorreu justamente quando o prazo de 1º de agosto, estabelecido
por Trump para evitar sua mais recente ameaça, estava se esgotando:
uma tarifa genérica de 30% que Bruxelas havia descrito como
"proibitiva". Àquela altura, países como a Alemanha já
haviam deixado claro que estavam dispostos a fazer praticamente qualquer coisa
para chegar a um acordo.
E, no
final, Trump conseguiu o que queria. Pela primeira vez em décadas,
conseguiu selar acordos comerciais que, na prática, significaram transações
mais caras. No entanto, apenas em uma direção. A UE também se
comprometeu a aumentar substancialmente suas importações daquele país, que se
queixava da existência de um déficit comercial muito abaixo das promessas
feitas por von der Leyen. A UE se contentou com o menor dos dois males.
<><>
Tarifas de 15% sobre as exportações da UE
O
grande destaque do acordo é que as exportações da UE para
os EUA terão um imposto de 15% em todos os níveis. Esta é uma grande
vitória para Trump, que conseguiu que a UE aceitasse esse valor,
inicialmente inaceitável e que, na verdade, já vinha aplicando há alguns meses.
A UE havia afirmado anteriormente que essas taxas eram injustas,
desproporcionais e ilegais. No entanto, agora as aceita. De fato, antes do
início da reunião, à margem do campo de golfe, Von der
Leyen reconheceu que havia um desequilíbrio nas relações comerciais que
estava prejudicando os EUA.
No
entanto, a UE estimou esse valor em € 236 bilhões, que cai para € 50
bilhões se os serviços forem incluídos — de um total de transações de
aproximadamente € 1,5 trilhão — e prometeu ajustá-lo aumentando algumas
importações, ao mesmo tempo em que defende a introdução de tarifas zero por
zero sobre veículos e produtos não industriais. "Eles concordaram em abrir
seus países ao comércio com tarifa zero. Esse é um fator muito importante. Ao
abrir seus países, todos estarão abertos ao comércio com tarifa zero com
os Estados Unidos",
gabou-se Trump sobre os 27 membros da UE.
<><>
Salvar as indústrias europeias?
Falando
a repórteres após a reunião, Von der Leyen se referiu a "tarifas
zero sobre uma série de produtos estratégicos", incluindo aeronaves e seus
componentes (especialmente importantes para empresas
como Airbus e Boeing), "certos produtos químicos, certos
medicamentos genéricos, equipamentos semicondutores, certos produtos agrícolas,
recursos naturais e matérias-primas essenciais". E ele enfatizou que a
"tarifa única de 15%" imposta pelos EUA se aplicará à
maioria dos setores, "incluindo automóveis, semicondutores e produtos
farmacêuticos". A justificativa é, em grande parte, que isso proporciona
segurança para as empresas em tempos "turbulentos". E por que ela
está vendendo isso como uma vitória se representa um aumento exponencial em
relação ao que estava em vigor antes de Trump? Porque Von der
Leyen está "trapaceando" ao comparar esse valor com o que tem
sido aplicado desde que o presidente dos EUA desencadeou a guerra comercial,
que no caso de veículos foi um acréscimo de 25% em relação aos 2,5% anteriores.
Portanto, ela considera isso uma redução. "Não devemos subestimar 15%, mas
é o máximo que podemos alcançar", admitiu. O mesmo se aplica à ameaça que
paira sobre os setores de semicondutores e farmacêutico, cruciais para países
como Holanda e Irlanda.
<><>
Redução de tarifas pagas pelos EUA
Além de
assumir mais tarifas dos EUA, a UE se comprometeu
a reduzir algumas das tarifas impostas pelo bloco, como a tarifa de 2,5% sobre
veículos daquele país. Assim, as importações terão tarifa de 0%, enquanto as
exportações terão tarifa de 15%. A UE também eliminará as tarifas que
atualmente impõe a alguns produtos agrícolas, como nozes, que não estarão mais
sujeitas a tarifas; lagosta e outros peixes, bem como queijo e alguns
laticínios. Alimentos para animais de estimação também serão incluídos. A lista
final será publicada juntamente com a declaração conjunta do acordo entre os
dois blocos, segundo fontes da UE, que estimam que 70 bilhões de euros terão
tarifas zero.
<><>
A UE ajoelha-se após a cimeira da NATO
Há
apenas um mês, ficou claro na cúpula de Haia que os membros da OTAN estavam
sucumbindo à pressão de Trump — que chegou à Casa Branca ameaçando
destruir a aliança — ao aceitar uma nova meta de gastos militares de 5%
do PIB. Muitos países europeus, incluindo a Alemanha, reconheceram que
esse era um limite incompatível com as finanças públicas, mas o mantiveram, com
exceção de Pedro Sánchez, que afirmou que
a Espanha cumpriria seus compromissos com a OTAN sem
atingir esse valor. Agora, Trump está conseguindo que
a UE se comprometa a alocar parte desses gastos à indústria de
armamentos dos EUA. "Eles concordaram em comprar muito equipamento
militar. Não sabemos qual é esse valor, mas a boa notícia é que fabricamos o
melhor equipamento militar do mundo", reconheceu o presidente americano,
que vinculou a iniciativa à OTAN e, de fato, admitiu que não há
muitas diferenças entre a UE e o que a aliança representa como um todo.
<><>
A ameaça como novo manual diplomático no mundo
O
acordo com Trump ocorre após ele ter publicado uma carta nas redes
sociais há 20 dias para Ursula von der Leyen, informando-a de que estava
impondo uma tarifa de 30% sobre produtos europeus. A decisão veio na esteira do
famoso Dia da Independência dos EUA, 2 de abril, quando ele anunciou
tarifas para o mundo inteiro. O presidente dos EUA fez um jogo de ameaças com
seus parceiros europeus e saiu vitorioso. Trump implementou um novo padrão
diplomático, que envolve ameaças comerciais para, a partir daí, garantir um bom
acordo para seus interesses. E ele está conseguindo. Por alguns meses, a frase
"Trump sempre se acovarda" circulou em Washington. Mas, no
fim das contas, é o resto do mundo que finalmente está se acovardando. Com
exceção do Canadá, do Brasil e
da China,
os demais estão entrando no jogo da ameaça, na estrutura proposta por Trump e
em suas condições.
A era
do diálogo, do multilateralismo e das alianças entre os EUA e a UE, blocos com
visões de mundo semelhantes, deu lugar a ameaças e coerção.
<><>
Compras de energia para quase metade do consumo
Outra
grande vitória de Trump é o compromisso da UE em aumentar
substancialmente as importações de energia dos EUA. O presidente falou em US$
750 bilhões (cerca de € 680 bilhões), que von der Leyen especificou
que serão entregues ao longo de três anos, ou US$ 250 bilhões por ano (cerca de
€ 225 bilhões). Este número é extremamente alto, considerando que as
importações de energia da UE de países terceiros totalizaram € 427 bilhões em
2024, segundo dados da Comissão Europeia. "Substituiremos o gás
e o petróleo russos por compras significativas de GNL, petróleo e energia
nuclear americanos", confirmou von der Leyen.
<><>
E a autonomia energética?
Uma das
supostas lições aprendidas com a invasão da Ucrânia
por Vladimir Putin foi
a dependência excessiva do país da Rússia em termos de energia.
O Nord Stream, o gás barato para a indústria alemã, cargos para ex-líderes
europeus na Gazprom, como o ex-chanceler social-democrata Gerhard
Schröder, e uma série de obrigações com a Rússia em troca de
crescimento sustentado em energia barata foram todos descartados após fevereiro
de 2022. A pandemia de COVID-19, aliada à guerra na Ucrânia,
conscientizou a União Europeia de suas dependências e fragilidades em
relação a países estrangeiros. A União Europeia decidiu cortar o
fornecimento de energia à Rússia e investir na independência
energética por meio de energias renováveis. Tudo isso agora é questionado com o
acordo com os EUA, já que o compromisso é importar um terço do consumo
anual da Europa de outro continente: ou seja, um terço da energia
consumida pelos europeus dependerá de um país de outro continente, com as
implicações de perda de autonomia, de recursos próprios e de compromisso com um
caminho de transição energética europeia. E, além disso, o acordo é com um
país, os Estados Unidos, cujo presidente, Donald Trump, tem como
bússola energética o "drill, baby drill", que é puro
extrativismo e energia nuclear, ao mesmo tempo em que abre minas de carvão, que
na Europa são sinônimo de energia poluente, prejudicial ao meio ambiente, cara
e insustentável.
<><>
Von der Leyen assina, mas os 27 ficam atrás
A
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, selou o acordo na
tarde deste domingo, no campo de golfe escocês de Donald Trump. Ela
viajou de Bruxelas para formalizar um acordo que evita uma guerra comercial, mas também
demonstra a posição dominante de Trump sobre a União Europeia. Trump entrou
em guerra, impondo tarifas unilaterais, buscando usá-las para eliminar
desequilíbrios comerciais que têm mais a ver com a competitividade de empresas
e produtos do que com barreiras à circulação de mercadorias. E
a UE não respondeu na mesma moeda: preferiu um acordo, mesmo que
ruim, a uma guerra comercial. E esta não é uma decisão tomada exclusivamente
pela Comissão Europeia, que tem jurisdição sobre o comércio internacional
na UE, mas sim algo aprovado pelos 27, que têm sido constantemente informados e
consultados pelo Executivo da UE. E o que os 27 decidiram é que não queriam uma
guerra, que preferiam um acordo ruim a nenhum acordo. E foi isso que
conseguiram: assinaram, pela primeira vez, a aceitação de tarifas unilaterais
dos EUA.
<><>
Aço, alumínio e cobre, 50%
Há algo
que não está incluído no acordo europeu de 15%: alumínio, aço e cobre, que
estão sujeitos a uma tarifa geral de 50% para importações para os EUA. Apesar
dos esforços europeus para diminuir a barreira de entrada no mercado americano,
decretada unilateralmente por Donald Trump, o acordo assinado
por Ursula von der Leyen não se aplica a essas matérias-primas
essenciais à indústria norte-americana.
¨
Falta de firmeza dos europeus na negociação do acordo com
Trump custará milhares de empregos na UE
As
reações negativas sobre a aplicação de tarifas aduaneiras de 15% na maioria das
exportações europeias para os EUA se multiplicam. Críticos afirmam
que a União Europeia deveria ter adotado uma posição mais firme e
condenam o pacto que poderá prejudicar o bloco por vários anos. A Comissão
Europeia se defende e diz que foi o “melhor acordo possível em
circunstâncias muito difíceis”. Alemanha, Itália e Irlanda deverão ser os
países mais afetados. “À medida que o verão (europeu) se transforma em outono”,
foi com esta metáfora que o jornal britânico The Guardian descreveu
o acordo comercial entre União Europeia
e os EUA.
Enquanto algumas lideranças do bloco fizeram declarações mornas, outros
políticos se indignaram com as consequências desastrosas deste pacto
desequilibrado. O crescimento econômico da zona do euro que
já está fraco, deve ficar ainda mais lento. “A Comissão Europeia não
foi capaz de utilizar todo o peso da Europa nas negociações. Mesmo
que a presidente do executivo europeu, Ursula von der Leyen proclame
vitória para tentar salvar o seu cargo, no plano estratégico o acordo é uma
derrota para a Europa”, analisou o
economista francês Christian Saint-Étienne. A vitória permanece, assim,
nas mãos do presidente americano, Donald Trump, que conseguiu
colocar a Europa sob suas próprias condições. Na guerra
comercial criada por ele, o republicano segue com sua tática de dividir
para reinar melhor. As novas tarifas dos EUA entrarão em vigor a
partir de sexta-feira (1º).
<><>
Perdas & danos
A indústria
cosmética europeia, com quase 13% de sua produção destinada ao mercado
americano, foi duramente atingida. Os perfumes e cosméticos que eram isentos ao
entrarem nos EUA serão agora taxados em 15%. Só na França, isso
ameaça 5 mil empregos. As pequenas e médias empresas francesas também serão
muito afetadas. Segundo a Confederação de Pequenas e Médias
Empresas (CPME), “as consequências do pacto serão muito negativas para a
economia francesa e terão repercussões desastrosas no país”. Já as montadoras
de automóveis alemãs foram menos afetadas do que se temia com a redução da
sobretaxa de 30%, inicialmente ameaçada por Donald Trump, para 15%. Porém,
analistas do setor alertam que mesmo essa taxa mais baixa custará bilhões de
euros à indústria automobilística alemã. Na contramão da luta climática, Von der
Leyen concordou em derrubar a tarifa de carros americanos de 10% para
2,5%. Na prática, carros das três grandes montadoras americanas
– GM, Ford e Chrysler – receberão sinal verde para
transitar nas ruas europeias. Enquanto isso,
nos EUA, Trump busca desmantelar as políticas que limitam
as emissões de gases de efeito estufa em veículos fabricados no país.
Quanto
aos setores poupados pelo tarifaço de Trump, podemos citar os
produtos farmacêuticos que encabeçam a lista das exportações europeias para os
EUA. Eles devem permanecer isentos de qualquer alíquota. Porém,
se Trump mudar de ideia, Bruxelas já adiantou que haverá retaliações.
Segundo a Eurostat, agência de estatísticas da UE,
a Europa exportou cerca de € 120 bilhões de fármacos no ano passado
para o mercado americano, o equivalente a 22,5% do total dos bens europeus
exportados para os EUA. Tarifas zero também serão aplicadas em outros setores
estratégicos, como aeronaves e peças de aeronaves, alguns produtos químicos,
equipamentos semicondutores e certos produtos agrícolas, além de
matérias-primas essenciais.
<><>
Impacto geopolítico
A
explicação oficial é a de que a Europa quer acabar com toda a dependência do
gás da Rússia,
que ainda fornece 20% do gás natural liquefeito (GNL) para
a União Europeia, por isso, o pacto prevê que os europeus comprem US$ 750
bilhões em produtos energéticos americanos – gás natural liquefeito, petróleo e
combustíveis nucleares – nos próximos três anos e invistam US$ 600 bilhões nos
EUA, incluindo a aquisição de equipamentos militares produzidos no
país. Segundo analistas, a Comissão Europeia não tem nenhum poder
sobre o mercado de petróleo e gás e que, ao fechar o acordo com os
EUA, Von der Leyen agiu além dos limites definidos pelo seu mandato.
Na semana passada, Von der Leyen se reuniu com o presidente
chinês Xi Jinping. Foi um encontro tenso marcado, principalmente,
pelas disputas comerciais.
Agora, Pequim vê a União Europeia concedendo praticamente
tudo aos EUA. A fragilidade dos europeus nas negociações
com Trump pode encorajar os chineses a serem tão inflexíveis quanto
os americanos.
Fonte: El Diario/RFI

Nenhum comentário:
Postar um comentário