Líderes
deveriam fazer como Lula e reagir com coragem a bullying de Trump, diz Nobel de
economia
Em
artigo distribuído a jornais americanos, o pesquisador americano e vencedor do
Nobel de Economia em 2001, Joseph Stiglitz, defendeu que líderes mundiais sigam
o caminho do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e reajam com coragem
ao "bullying" praticado por Donald Trump e os Estados Unidos.
"Sob
a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil optou por
reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito, mesmo com os Estados Unidos
aparentemente renunciando à sua própria Constituição", escreveu Stiglitz,
que foi conselheiro no governo do ex-presidente americano Bill Clinton e foi
economista chefe do Banco Mundial.
"Espera-se
que outros líderes políticos demonstrem coragem semelhante diante do bullying
do país mais poderoso do mundo."
O
artigo foi publicado no site Project Syndicate, uma organização internacional
de mídia sem fins lucrativos que publica e distribui análises sobre diversos
tópicos globais.
O
economista classificou também a imposição de tarifa de 50% sobre
todas as exportações brasileiras por Trump como uma medida ilegal e uma forma
de interferência na soberania nacional.
Segundo
Stiglitz, o presidente americano está ignorando a Constituição americana,
"que dá ao Congresso a autoridade exclusiva para imposição de taxas".
O Nobel
de Economia compara ainda a resposta dos EUA ao que classificou como uma
tentativa de Trump de comprometer a "transição pacífica do poder" e a
democracia, com o processo conduzido contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para
Stiglitz, Bolsonaro tentou "imitar" o ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de
janeiro de 2021,
quando apoiadores de Trump invadiram a sede do Legislativo americano para
tentar impedir a certificação da eleição de Joe Biden.
"A
tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi maior que o ataque
ao Capitólio, mas as instituições brasileiras se mantiveram firmes – e agora
exigem que Bolsonaro seja responsabilizado", escreveu o professor da
Universidade Columbia, em referência à depredação as sedes dos Três Poderes
por radicais bolsonaristas.
E
segundo Joseph Stiglitz, Trump "viola o Estado de Direito" ao
insistir que o Brasil abandone o processo contra o ex-presidente.
Bolsonaro
é réu no processo que tramita no STF por tentativa de golpe de Estado e, desde
a aplicação das medidas, está usando tornozeleira eletrônica e impedido de usar
redes sociais.
Ao
anunciar a taxação contra o Brasil, em 9 de julho, Trump citou como sua
principal motivação o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no
processo. Para o presidente americano, trata-se de uma "caça às
bruxas" contra o aliado.
"O
que o Brasil está fazendo contrasta fortemente com o que aconteceu nos EUA.
Embora o processo legal tenha avançado lenta, mas criteriosamente, para
responsabilizar aqueles que participaram da insurreição de 6 de janeiro,
imediatamente após sua segunda posse, Trump usou o poder de perdão do
presidente para perdoar todos os que haviam sido devidamente condenados – mesmo
os mais violentos", diz o artigo assinado por Stiglitz, que ainda aponta o
presidente americano como cúmplice do ataque que deixou cinco mortos e mais de
100 policiais feridos.
"Assim
como a China, o Brasil se recusou a se submeter à intimidação americana. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou a ameaça de Trump de 'chantagem
inaceitável', acrescentando: 'Nenhum estrangeiro vai dar ordens a este
presidente'."
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'Direito de seguir políticas sem interferência estrangeira'
Em seu
texto, Joseph Stiglitz ressalta a coragem do Brasil em enfrentar Donald Trump
"não apenas no domínio do comércio, mas também na regulamentação das
plataformas tecnológicas controladas pelos EUA".
"Os
oligarcas tecnológicos dos EUA usam seu dinheiro e influência no mundo todo
para tentar forçar os países a lhes darem rédea solta para perseguir suas
estratégias de maximização de lucro, o que inevitavelmente causa enormes danos,
inclusive servindo como um canal de desinformação e informação enganosa",
escreve o economista.
O
governo de Trump também acusa o Supremo Tribunal Federal (STF) de praticar
"censura" ao exigir que postagens e perfis de apoiadores de Jair
Bolsonaro nas redes sociais que praticavam ataques à democracia e à própria
Corte fossem tiradas do ar.
O Nobel
de Economia ressalta ainda o ganho de popularidade vivido por Lula após o
anúncio das tarifas americanas, mas afirma que a forma como o presidente
brasileiro tem lidado com os EUA não é motivada por esse objetivo.
"Mas
não foi isso que motivou Lula a tomar essa posição. Foi a crença genuína no
direito do Brasil de seguir suas próprias políticas sem interferência
estrangeira", escreve.
"É
de se esperar que outros líderes de países grandes e pequenos demonstrem
coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo. Trump
minou a democracia e o Estado de Direito nos EUA – talvez de forma irreparável.
Não se deve permitir que ele faça o mesmo em outros lugares."
¨ Por que China não é
alternativa para vender produtos atingidos por tarifa de Trump
A
poucos dias da data prevista para implementação da tarifa de 50% sobre os produtos
brasileiros exportados para os EUA, o governo segue tentando interlocução com a
equipe do presidente americano, Donald Trump, para negociar.
Na
segunda-feira (28/7), uma comitiva de senadores brasileiros que viajou aos EUA
se reuniu com membros da Câmara de Comércio do país e tenta diálogo com
parlamentares americanos.
Em
outra frente, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) tem conversado com o
secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, para discutir uma possível
lista de exceções aos produtos que serão taxados se a medida de fato entrar em
vigor após 1º de agosto.
Em meio
à escalada de tensão, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da
China, Guo Jiakun, afirmou, também na segunda-feira (28/7), que o país estaria
disposto a trabalhar com o Brasil para "defender conjuntamente o sistema
multilateral de comércio centrado na OMC e proteger a justiça e a equidade
internacional", em uma referência indireta ao tarifaço americano.
Questionado
sobre a possibilidade de uma maior abertura às exportações brasileiras, Jiakun
respondeu que o país estaria disposto a "promover a cooperação com base em
princípios de mercado".
Nesse
sentido, o Brasil poderia tentar redirecionar as exportações antes destinadas
ao mercado americano para a China?
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Maiores parceiros, mas pautas diferentes
Os
especialistas consultados pela reportagem avaliam que as possibilidades nesse
sentido são limitadas.
Isso
porque, apesar de serem os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, China e
Estados Unidos compram produtos bastante diferentes das empresas brasileiras.
"A
nossa pauta para os Estados Unidos é muito peculiar dentro do universo de
produtos que vendemos para o mundo", diz Livio Ribeiro, pesquisador do
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e sócio
da consultoria BRCG.
A lista
é diversificada, com muitos produtos manufaturados. Alguns são bens finais,
como aviões, mas uma fatia considerável, segundo o economista, são os chamados
bens de meio de cadeia, como lingotes de aço e outros produtos que vão ser
processados em solo americano antes de chegarem ao consumidor final.
Já a
pauta de exportações para a China está bastante concentrada em poucos produtos
básicos. Entre janeiro e junho deste ano, 40% dos US$ 47,7 bilhões que o país
vendeu para os chineses foi soja. Petróleo respondeu por outros 19% e minério
de ferro, por outros 17%.
Os
dados do sistema de estatísticas do comércio exterior brasileiro do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) deixam claram essa
diferença, como ilustrado pelos gráficos abaixo.
Entre
os produtos que poderiam ser eventualmente redirecionados à China, Guilherme
Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino
Unido, destaca o petróleo, a carne bovina e o minério de ferro, itens que o
Brasil já vende hoje para os dois principais parceiros.
No caso
do minério de ferro, o professor ressalta que atualmente já existe excesso de
oferta da commodity no mundo, o que tem empurrado os preços
para baixo.
Assim,
a avaliação é de que, ainda que o Brasil consiga vender parte da produção para
outros países, caso as tarifas americanas entrem de fato em vigor, poderiam ter
de fazê-lo a preços ainda mais baixos.
Klein
não descarta, contudo, que a China pudesse absorver parte desse excedente
"por uma questão estratégica, para se mostrar um parceiro comercial
importante neste momento".
"É
difícil separar o que vai ser geopolítica do que vai ser por interesse
econômico", comenta o economista, emendando que a imprevisibilidade de
Trump, que já voltou atrás em temas relacionados a tarifas diversas vezes, e a
possível retaliação do Brasil tornam difícil o exercício de se tentar fazer
previsões de cenários.
Em
entrevista à Rede Record em 10 de julho, Lula afirmou que tentaria negociar com
o governo Trump, mas que recorreria à lei de reciprocidade e taxaria os
produtos americanos também em 50% caso não houvesse acordo.
Welber
Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria
BMJ, lembra que uma série de produtos acabaram sendo excluídos da tarifa de 10%
que os EUA impuseram ao Brasil em abril. A lista completa foi divulgada
em um anexo da ordem executiva assinada por Trump na ocasião.
Ainda
não está claro se essas isenções serão mantidas, mas, caso o fossem, petróleo e
derivados estariam excluídos da tarifa.
Na
avaliação de Barral, caso não haja acordo e a alíquota se mantenha no patamar
de 50%, as commodities tenderiam a sofrer menor impacto
negativo.
"Elas
acabam sendo exportadas para outros destinos, mesmo que seja por um preço
menor", ele pontua.
Esse
seria um caminho, por exemplo, para o café, ainda que o especialista ressalte
que os Estados Unidos teriam dificuldade de encontrar um fornecedor do porte do
Brasil, que responde por cerca de um terço da importação americana.
Esse
dado também foi destacado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil
(Cecafé), que afirmou à reportagem avaliar que os americanos teriam dificuldade
para encontrar um substituto para o produto brasileiro, restando a eles pagar
mais caro ou diminuir o consumo da bebida.
"Estamos
na esperança de que o bom senso prevaleça, porque sabemos que quem vai ser
onerado é o consumidor americano", disse o diretor-geral do Cecafé, Marcos
Matos.
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Setores potencialmente mais afetados
O setor
de suco de laranja, por sua vez, desenhou um prognóstico bastante pessimista
após o anúncio. A indústria tem nos EUA destino de 41,7% de todas as suas
exportações.
Em uma
nota, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR)
afirmou que a tarifa — que se somaria a uma sobretaxa que já é cobrada do
produto brasileiro por conta da proteção ao setor de suco de laranja americano
— , criaria "uma condição insustentável para o setor, que não possui
margem para absorver esse tipo de impacto".
"As
consequências são graves: colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é
desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma
cadeia produtiva altamente interligada", prossegue o texto.
Ainda
segundo a entidade, a Europa, que hoje é o principal mercado do suco
brasileiro, com participação de 52% das exportações da última safra,
provavelmente não tem capacidade "de absorver excedentes do mercado
americano sem que haja grave deterioração de valor para todo o setor".
De
forma geral, conforme os especialistas ouvidos pela reportagem, os produtos que
teriam maior dificuldade para encontrar outros destinos seriam os
industrializados.
Welber
Barral destaca, por exemplo, as autopeças: "O Brasil exporta muitas
autopeças, inclusive de tratores, equipamentos agrícolas. E tem muito comércio
intrafirma nesse setor, é produto certificado, é um modelo específico… ainda
não tem muito como transferir [esses itens] para outros mercados".
O
economista Guilherme Klein chama atenção para o segmento de mais alta
tecnologia, que tem nos EUA um importante mercado.
No caso
da indústria de aviões, ele diz, o Brasil não apenas exporta para o mercado
americano, como também compra peças e partes de empresas dos EUA. Em uma
situação de guerra comercial, por exemplo, com imposição de tarifas por parte
do Brasil, o custo desses produtos aumentaria.
"Isso
poderia criar uma espiral que travaria um pouco investimentos nesses
setores", pondera Klein.
Em
relatório enviado a clientes em 10 de julho, a equipe de economistas que
acompanha o setor de transporte e logística no Itaú BBA avaliava que a Embraer
pode ser uma das empresas mais fortemente afetadas.
Segundo
a análise, cerca de 60% da receita da fabricante vem da América do Norte. Desse
total, 46% estariam potencialmente expostas aos efeitos das tarifas — redução
da demanda ou diminuição das margens de lucro, por exemplo.
Outra
companhia do setor que poderia sofrer impacto negativo seria a fabricante de
eletroeletrônicos Weg, ainda que em escala menor. Os economistas estimam que
cerca de 25% da receita da empresa venha da América do Norte e que
aproximadamente 7% estaria exposta aos efeitos das tarifas.
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'É quase uma sanção econômica'
Uma das
razões que Trump tem apontado para as tarifas salgadas que tem anunciado, com
idas e vindas, desde o início de seu segundo mandato é o déficit comercial dos
Estados Unidos, que compra mais de seus parceiros comerciais do que vende para
o restante do mundo.
Isso
não acontece, entretanto, na relação com o Brasil. A balança comercial
americana com o país é superavitária, com saldo líquido de US$ 283,8 milhões no
ano passado e de US$ 1,67 bilhão entre janeiro e junho deste ano.
Nesse
sentido, a tarifa de 50% foi lida por analistas como uma decisão motivada mais
por fatores políticos, o que explicaria a menção ao processo criminal contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe na carta enviada por Trump
a Lula.
"Do
ponto de vista econômico, não há muita lógica [na aplicação da tarifa]",
diz Guilherme Klein, que é também pesquisador do Centro de Pesquisa em
Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Faculdade de Economia, Administração,
Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
"É
quase uma sanção econômica. Uma situação que é, na verdade, uma tentativa de
interferência no sistema político de outro país", ele completa.
Na
mensagem enviada ao presidente brasileiro, Trump acusou o Brasil de promover
perseguição judicial contra Bolsonaro e de cercear os "direitos
fundamentais de liberdade de expressão dos americanos", em referência às
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos que retiraram do ar
postagens e contas em redes sociais como o X com conteúdos considerados
antidemocráticos.
Lula
respondeu dizendo que o Brasil é um país soberano com instituições
independentes e "que não aceitará ser tutelado por ninguém".
"O
processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de
competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum
tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições
nacionais", afirmou Lula em um comunicado.
Fonte:
BBC News Mundo

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