quarta-feira, 30 de julho de 2025

Líderes deveriam fazer como Lula e reagir com coragem a bullying de Trump, diz Nobel de economia

Em artigo distribuído a jornais americanos, o pesquisador americano e vencedor do Nobel de Economia em 2001, Joseph Stiglitz, defendeu que líderes mundiais sigam o caminho do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e reajam com coragem ao "bullying" praticado por Donald Trump e os Estados Unidos.

"Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito, mesmo com os Estados Unidos aparentemente renunciando à sua própria Constituição", escreveu Stiglitz, que foi conselheiro no governo do ex-presidente americano Bill Clinton e foi economista chefe do Banco Mundial.

"Espera-se que outros líderes políticos demonstrem coragem semelhante diante do bullying do país mais poderoso do mundo."

O artigo foi publicado no site Project Syndicate, uma organização internacional de mídia sem fins lucrativos que publica e distribui análises sobre diversos tópicos globais.

O economista classificou também a imposição de tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras por Trump como uma medida ilegal e uma forma de interferência na soberania nacional.

Segundo Stiglitz, o presidente americano está ignorando a Constituição americana, "que dá ao Congresso a autoridade exclusiva para imposição de taxas".

O Nobel de Economia compara ainda a resposta dos EUA ao que classificou como uma tentativa de Trump de comprometer a "transição pacífica do poder" e a democracia, com o processo conduzido contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Para Stiglitz, Bolsonaro tentou "imitar" o ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Trump invadiram a sede do Legislativo americano para tentar impedir a certificação da eleição de Joe Biden.

"A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi maior que o ataque ao Capitólio, mas as instituições brasileiras se mantiveram firmes – e agora exigem que Bolsonaro seja responsabilizado", escreveu o professor da Universidade Columbia, em referência à depredação as sedes dos Três Poderes por radicais bolsonaristas.

E segundo Joseph Stiglitz, Trump "viola o Estado de Direito" ao insistir que o Brasil abandone o processo contra o ex-presidente.

Bolsonaro é réu no processo que tramita no STF por tentativa de golpe de Estado e, desde a aplicação das medidas, está usando tornozeleira eletrônica e impedido de usar redes sociais.

Ao anunciar a taxação contra o Brasil, em 9 de julho, Trump citou como sua principal motivação o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no processo. Para o presidente americano, trata-se de uma "caça às bruxas" contra o aliado.

"O que o Brasil está fazendo contrasta fortemente com o que aconteceu nos EUA. Embora o processo legal tenha avançado lenta, mas criteriosamente, para responsabilizar aqueles que participaram da insurreição de 6 de janeiro, imediatamente após sua segunda posse, Trump usou o poder de perdão do presidente para perdoar todos os que haviam sido devidamente condenados – mesmo os mais violentos", diz o artigo assinado por Stiglitz, que ainda aponta o presidente americano como cúmplice do ataque que deixou cinco mortos e mais de 100 policiais feridos.

"Assim como a China, o Brasil se recusou a se submeter à intimidação americana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou a ameaça de Trump de 'chantagem inaceitável', acrescentando: 'Nenhum estrangeiro vai dar ordens a este presidente'."

<><> 'Direito de seguir políticas sem interferência estrangeira'

Em seu texto, Joseph Stiglitz ressalta a coragem do Brasil em enfrentar Donald Trump "não apenas no domínio do comércio, mas também na regulamentação das plataformas tecnológicas controladas pelos EUA".

"Os oligarcas tecnológicos dos EUA usam seu dinheiro e influência no mundo todo para tentar forçar os países a lhes darem rédea solta para perseguir suas estratégias de maximização de lucro, o que inevitavelmente causa enormes danos, inclusive servindo como um canal de desinformação e informação enganosa", escreve o economista.

O governo de Trump também acusa o Supremo Tribunal Federal (STF) de praticar "censura" ao exigir que postagens e perfis de apoiadores de Jair Bolsonaro nas redes sociais que praticavam ataques à democracia e à própria Corte fossem tiradas do ar.

O Nobel de Economia ressalta ainda o ganho de popularidade vivido por Lula após o anúncio das tarifas americanas, mas afirma que a forma como o presidente brasileiro tem lidado com os EUA não é motivada por esse objetivo.

"Mas não foi isso que motivou Lula a tomar essa posição. Foi a crença genuína no direito do Brasil de seguir suas próprias políticas sem interferência estrangeira", escreve.

"É de se esperar que outros líderes de países grandes e pequenos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo. Trump minou a democracia e o Estado de Direito nos EUA – talvez de forma irreparável. Não se deve permitir que ele faça o mesmo em outros lugares."

¨      Por que China não é alternativa para vender produtos atingidos por tarifa de Trump

A poucos dias da data prevista para implementação da tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA, o governo segue tentando interlocução com a equipe do presidente americano, Donald Trump, para negociar.

Na segunda-feira (28/7), uma comitiva de senadores brasileiros que viajou aos EUA se reuniu com membros da Câmara de Comércio do país e tenta diálogo com parlamentares americanos.

Em outra frente, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) tem conversado com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, para discutir uma possível lista de exceções aos produtos que serão taxados se a medida de fato entrar em vigor após 1º de agosto.

Em meio à escalada de tensão, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, afirmou, também na segunda-feira (28/7), que o país estaria disposto a trabalhar com o Brasil para "defender conjuntamente o sistema multilateral de comércio centrado na OMC e proteger a justiça e a equidade internacional", em uma referência indireta ao tarifaço americano.

Questionado sobre a possibilidade de uma maior abertura às exportações brasileiras, Jiakun respondeu que o país estaria disposto a "promover a cooperação com base em princípios de mercado".

Nesse sentido, o Brasil poderia tentar redirecionar as exportações antes destinadas ao mercado americano para a China?

<><> Maiores parceiros, mas pautas diferentes

Os especialistas consultados pela reportagem avaliam que as possibilidades nesse sentido são limitadas.

Isso porque, apesar de serem os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, China e Estados Unidos compram produtos bastante diferentes das empresas brasileiras.

"A nossa pauta para os Estados Unidos é muito peculiar dentro do universo de produtos que vendemos para o mundo", diz Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e sócio da consultoria BRCG.

A lista é diversificada, com muitos produtos manufaturados. Alguns são bens finais, como aviões, mas uma fatia considerável, segundo o economista, são os chamados bens de meio de cadeia, como lingotes de aço e outros produtos que vão ser processados em solo americano antes de chegarem ao consumidor final.

Já a pauta de exportações para a China está bastante concentrada em poucos produtos básicos. Entre janeiro e junho deste ano, 40% dos US$ 47,7 bilhões que o país vendeu para os chineses foi soja. Petróleo respondeu por outros 19% e minério de ferro, por outros 17%.

Os dados do sistema de estatísticas do comércio exterior brasileiro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) deixam claram essa diferença, como ilustrado pelos gráficos abaixo.

Entre os produtos que poderiam ser eventualmente redirecionados à China, Guilherme Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, destaca o petróleo, a carne bovina e o minério de ferro, itens que o Brasil já vende hoje para os dois principais parceiros.

No caso do minério de ferro, o professor ressalta que atualmente já existe excesso de oferta da commodity no mundo, o que tem empurrado os preços para baixo.

Assim, a avaliação é de que, ainda que o Brasil consiga vender parte da produção para outros países, caso as tarifas americanas entrem de fato em vigor, poderiam ter de fazê-lo a preços ainda mais baixos.

Klein não descarta, contudo, que a China pudesse absorver parte desse excedente "por uma questão estratégica, para se mostrar um parceiro comercial importante neste momento".

"É difícil separar o que vai ser geopolítica do que vai ser por interesse econômico", comenta o economista, emendando que a imprevisibilidade de Trump, que já voltou atrás em temas relacionados a tarifas diversas vezes, e a possível retaliação do Brasil tornam difícil o exercício de se tentar fazer previsões de cenários.

Em entrevista à Rede Record em 10 de julho, Lula afirmou que tentaria negociar com o governo Trump, mas que recorreria à lei de reciprocidade e taxaria os produtos americanos também em 50% caso não houvesse acordo.

Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria BMJ, lembra que uma série de produtos acabaram sendo excluídos da tarifa de 10% que os EUA impuseram ao Brasil em abril. A lista completa foi divulgada em um anexo da ordem executiva assinada por Trump na ocasião.

Ainda não está claro se essas isenções serão mantidas, mas, caso o fossem, petróleo e derivados estariam excluídos da tarifa.

Na avaliação de Barral, caso não haja acordo e a alíquota se mantenha no patamar de 50%, as commodities tenderiam a sofrer menor impacto negativo.

"Elas acabam sendo exportadas para outros destinos, mesmo que seja por um preço menor", ele pontua.

Esse seria um caminho, por exemplo, para o café, ainda que o especialista ressalte que os Estados Unidos teriam dificuldade de encontrar um fornecedor do porte do Brasil, que responde por cerca de um terço da importação americana.

Esse dado também foi destacado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que afirmou à reportagem avaliar que os americanos teriam dificuldade para encontrar um substituto para o produto brasileiro, restando a eles pagar mais caro ou diminuir o consumo da bebida.

"Estamos na esperança de que o bom senso prevaleça, porque sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor americano", disse o diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos.

<><> Setores potencialmente mais afetados

O setor de suco de laranja, por sua vez, desenhou um prognóstico bastante pessimista após o anúncio. A indústria tem nos EUA destino de 41,7% de todas as suas exportações.

Em uma nota, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) afirmou que a tarifa — que se somaria a uma sobretaxa que já é cobrada do produto brasileiro por conta da proteção ao setor de suco de laranja americano — , criaria "uma condição insustentável para o setor, que não possui margem para absorver esse tipo de impacto".

"As consequências são graves: colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma cadeia produtiva altamente interligada", prossegue o texto.

Ainda segundo a entidade, a Europa, que hoje é o principal mercado do suco brasileiro, com participação de 52% das exportações da última safra, provavelmente não tem capacidade "de absorver excedentes do mercado americano sem que haja grave deterioração de valor para todo o setor".

De forma geral, conforme os especialistas ouvidos pela reportagem, os produtos que teriam maior dificuldade para encontrar outros destinos seriam os industrializados.

Welber Barral destaca, por exemplo, as autopeças: "O Brasil exporta muitas autopeças, inclusive de tratores, equipamentos agrícolas. E tem muito comércio intrafirma nesse setor, é produto certificado, é um modelo específico… ainda não tem muito como transferir [esses itens] para outros mercados".

O economista Guilherme Klein chama atenção para o segmento de mais alta tecnologia, que tem nos EUA um importante mercado.

No caso da indústria de aviões, ele diz, o Brasil não apenas exporta para o mercado americano, como também compra peças e partes de empresas dos EUA. Em uma situação de guerra comercial, por exemplo, com imposição de tarifas por parte do Brasil, o custo desses produtos aumentaria.

"Isso poderia criar uma espiral que travaria um pouco investimentos nesses setores", pondera Klein.

Em relatório enviado a clientes em 10 de julho, a equipe de economistas que acompanha o setor de transporte e logística no Itaú BBA avaliava que a Embraer pode ser uma das empresas mais fortemente afetadas.

Segundo a análise, cerca de 60% da receita da fabricante vem da América do Norte. Desse total, 46% estariam potencialmente expostas aos efeitos das tarifas — redução da demanda ou diminuição das margens de lucro, por exemplo.

Outra companhia do setor que poderia sofrer impacto negativo seria a fabricante de eletroeletrônicos Weg, ainda que em escala menor. Os economistas estimam que cerca de 25% da receita da empresa venha da América do Norte e que aproximadamente 7% estaria exposta aos efeitos das tarifas.

<><> 'É quase uma sanção econômica'

Uma das razões que Trump tem apontado para as tarifas salgadas que tem anunciado, com idas e vindas, desde o início de seu segundo mandato é o déficit comercial dos Estados Unidos, que compra mais de seus parceiros comerciais do que vende para o restante do mundo.

Isso não acontece, entretanto, na relação com o Brasil. A balança comercial americana com o país é superavitária, com saldo líquido de US$ 283,8 milhões no ano passado e de US$ 1,67 bilhão entre janeiro e junho deste ano.

Nesse sentido, a tarifa de 50% foi lida por analistas como uma decisão motivada mais por fatores políticos, o que explicaria a menção ao processo criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe na carta enviada por Trump a Lula.

"Do ponto de vista econômico, não há muita lógica [na aplicação da tarifa]", diz Guilherme Klein, que é também pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

"É quase uma sanção econômica. Uma situação que é, na verdade, uma tentativa de interferência no sistema político de outro país", ele completa.

Na mensagem enviada ao presidente brasileiro, Trump acusou o Brasil de promover perseguição judicial contra Bolsonaro e de cercear os "direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos", em referência às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos que retiraram do ar postagens e contas em redes sociais como o X com conteúdos considerados antidemocráticos.

Lula respondeu dizendo que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e "que não aceitará ser tutelado por ninguém".

"O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais", afirmou Lula em um comunicado.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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