quinta-feira, 31 de julho de 2025

Não vamos negociar como se fosse um país pequeno contra um país grande, diz Lula ao New York Times

Faltando dois dias para que as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros comece a valer nos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz que ainda não conseguiu fazer contato com o governo americano.

"Todos sabem que pedi para fazer contato", afirmou em entrevista ao jornal americano The New York Times publicada nesta quarta-feira (30/07). "O que está impedindo é que ninguém quer conversar."

Na entrevista publicada, Lula não diz que tentou falar diretamente com seu homólogo americano, Donald Trump.

As tentativas de diálogo estão sendo realizadas, segundo a secretaria da Presidência informou à BBC News Brasil, pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT).

Logo depois de ter anunciado a nova tarifa, no dia 9 de julho, Trump disse a repórteres que poderia conversar com Lula, "em algum momento, mas não agora". Isso ocorreu em 11 de julho.

Na entrevista ao jornal americano, Lula disse que está tratando a questão das tarifas com "máxima seriedade. Mas seriedade não exige subserviência".

Trump impôs as novas taxações alegando que as acusações de tentativa de golpe de Estado que recaem sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) equivale a uma "caça às bruxas".

"Talvez ele não saiba que aqui no Brasil o Judiciário é independente", afirmou Lula, que diz que Trump está infringindo a soberania do Brasil.

"Em nenhum momento o Brasil negociará como se fosse um país pequeno contra um país grande", afirmou o petista ao jornal americano.

"Conhecemos o poder econômico dos Estados Unidos, reconhecemos o poder militar dos Estados Unidos, reconhecemos o tamanho tecnológico dos Estados Unidos. Mas isso não nos assusta. Nos preocupa."

O jornalista Jack Nicas, autor da entrevista, afirma que "talvez não haja líder mundial desafiando o presidente Trump com tanta veemência quanto Lula", e que o petista está "indignado".

A ofensiva de Trump de sobretaxar o Brasil causou uma resposta do governo brasileiro, que criou uma campanha com o slogan "O Brasil é dos brasileiros".

O governo Lula também anunciou que estuda tarifas retaliatórias, mas ainda não há nenhum anúncio oficial. Para Lula, todos saem perdendo com as taxações.

"Nem o povo americano, nem o povo brasileiro merecem isso", disse ele. "Porque vamos passar de uma relação diplomática de 201 anos de ganha-ganha para uma relação política de perde-perde."

Na terça-feira (29/07), o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, afirmou que as importações de alguns produtos que não são produzidos nos Estados Unidos poderiam ser isentas de tarifas, como o cacau, café e a manga, mas ele não mencionou o Brasil.

<><> 'Não vamos resolver isso até o dia 1º', diz Jaques Wagner

Em missão oficial realizada por senadores brasileiros a Washington, Jaques Wagner, líder da bancada petista no Senado, afirmou nesta quarta-feira (30/07) que um possível encontro de Lula com Trump pode demorar para acontecer, ultrapassando o prazo de 1º de agosto, quando as tarifas começarão a valer.

"Não vamos resolver isso até o dia 1º. É sexta-feira. O encontro de dois presidentes da República não se prepara da noite para o dia", afirmou a jornalistas.

Os senadores brasileiros estão em Washington desde o início da semana para fazer reuniões e tentar negociar. Um dos principais focos é a tentativa de ampliar o prazo para a entrada em vigor das tarifas sobre produtos brasileiros.

"Todos os países tiveram 60, 90 dias; em 20 dias, como é que os empresários se organizam?", questionou Wagner.

Por outra frente, Alckmin, que tem liderado conversas com empresários e representantes do governo americano, afirmou nesta quarta-feira que o governo trabalha para que a tarifa seja reduzida, assim como ocorreu com a União Europeia, que passou a ser de 15% após negociações.

"Nós estamos trabalhando para que a diminuição da alíquota seja para todos. Não tem justificativa você ter uma alíquota de 50% para um país que é um grande comprador. Você tem uma balança comercial superavitária", afirmou.

¨      As empresas e políticos dos EUA que tentam convencer Trump a desistir de tarifas 'devastadoras' contra o Brasil

Em semana decisiva para as negociações em torno das tarifas de importação de 50% sobre produtos do Brasil, políticos, representantes de entidades e empresas de diferentes segmentos brasileiros estão se movendo para tentar evitar o tarifaço.

Mas também existem vozes no empresariado e no mundo político americano que estão tentando convencer o presidente americano Donald Trump a reduzir ou desistir das tarifas contra o Brasil, que devem entrar em vigor na sexta-feira (01/08).

Desde que Trump anunciou, em 9 de julho, que uma nova sobretaxa de 50% será imposta, ele e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda não conversaram para tentar chegar a um acordo, algo que vem sendo cobrado amplamente.

E, nesta quarta (30), o presidente americano postou na sua rede social, Truth Social, que o prazo para a entrada em vigor das tarifas continua a ser 1º de agosto.

"O prazo de primeiro de agosto é o prazo de primeiro de agosto- ele permanece forte e não será prorrogado. Um grande dia para a América", escreveu Trump, sem mencionar o Brasil.

O diálogo entre Trump e Lula foi pedido pela U.S. Chamber of Commerce e pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), duas das principais organizações que representam os interesses do setor privado americano.

As entidades publicaram uma nota conjunta solicitando que os dois países "se engajem em negociações de alto nível a fim de evitar a implementação da tarifa de 50%".

"Mais de 6,5 mil pequenas empresas nos Estados Unidos dependem de produtos importados do Brasil, enquanto 3,9 mil empresas americanas têm investimentos naquele país", disseram as entidades em nota.

"O Brasil está entre os dez principais mercados para exportações dos Estados Unidos e é destino, a cada ano, de cerca de US$ 60 bilhões em bens e serviços americanos."

Diante do impasse, outros empresários americanos também se mobilizaram. As importadoras de suco de laranja Johanna Foods e Johanna Beverage Company foram ao Tribunal de Comércio Internacional (CIT, na sigla em inglês) dos Estados Unidos pedir alívio emergencial diante da possível alta nos preços com a nova tarifa.

Com produção em queda nos EUA, o Brasil se tornou o principal fornecedor de suco de laranja para o mercado americano, que responde por 41,7% das exportações brasileiras.

No documento, as empresas afirmam que novas taxações poderão forçar um aumento de 20 a 25% no preço final para o consumidor e colocariam em risco 700 empregos.

As projeções pessimistas estão surgindo nas mais variadas dimensões. Da imensa indústria do suco de laranja a um pequeno café no Maine, extremo nordeste dos EUA.

Ali, a proprietária do Rock City, Jessie Northgraves, publicou nas redes sociais um comunicado aos seus clientes na semana passada com más notícias.

"Nossos preços aumentarão na próxima semana e esperamos também compensar a possibilidade iminente de uma tarifa de 50% sobre os grãos de café do Brasil."

No comunicado, Northgraves explica que nos últimos seis meses o preço do café vinha subindo como nunca antes. Mudanças climáticas e aumento no consumo da bebida explicam esse aumento.

O café, assim como o suco de laranja, é um dos produtos mais sensíveis ao tarifaço porque os Estados Unidos importam em grande quantidade do Brasil.

O país é o maior comprador do produto brasileiro. No ano passado, os EUA receberam 16,4% das exportações de café do Brasil, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

Diante das taxas já impostas por Trump sobre diversos produtos e na iminência de novas tarifas, o reajuste teve de ser repassado aos consumidores. E as perspectivas não são animadoras.

"Na minha opinião, a situação toda parece estar se agravando. Já estamos pagando tarifas de 10% sobre os grãos provenientes de todos os lugares de onde os adquirimos, e parece haver o risco de as tarifas do Brasil aumentarem para 50%, o que seria devastador", disse Northgraves à BBC News Brasil.

No setor de aviação, a SkyWest, companhia aérea dos Estados Unidos que encomendou 74 aviões da Embraer, também criticou o tarifaço.

Na semana passada, o CEO da empresa, Chip Childs, afirmou que não pretende pagar a tarifa de 50% sobre jatos encomendados até 2032 com a empresa brasileira, caso a medida entre em vigor.

A declaração foi dada durante a apresentação do balanço financeiro do segundo trimestre da empresa.

"Temos a sensação de que as pessoas estão entendendo a importância disso para pequenas comunidades nos Estados Unidos, o impacto econômico disso para o nosso país", disse Childs.

"Vamos continuar lutando muito para avançar nessa frente das tarifas."

Na mesma reunião, o diretor comercial da SkyWest, Wade Steele, também admitiu a possibilidade de adiar entregas combinadas com a empresa brasileira.

"Se a tarifa de 50% com o Brasil for implementada, planejamos trabalhar com nossos principais parceiros e a Embraer para adiar a entrega até que a situação tarifária seja resolvida", disse.

Em abril, Trump já havia anunciado tarifas de 10% sobre produtos brasileiros. A SkyWest já teve que arcar com essas tarifas, com custos adicionais em dois jatos entregues no segundo trimestre.

A Embraer é a principal exportadora de bens de alto valor agregado do Brasil e tem nos Estados Unidos seu mercado mais importante.

As exportações para clientes americanos representam 45% nos jatos comerciais e 70% nos jatos executivos da empresa brasileira.

Segundo estimativas da própria Embraer, caso a tarifa de Trump se confirme em 50%, a empresa terá um custo adicional de US$ 9 milhões (cerca de R$ 50 milhões) ao preço de cada aeronave para seus clientes.

<><> 'Abuso de poder'

No Congresso americano, também há movimentações em curso. Na quinta-feira passada (24/07), um grupo de 11 senadores democratas enviou uma carta a Trump pedindo o fim do tarifaço comercial contra produtos brasileiros, mencionando "abuso de poder" contra o Brasil.

Segundo os parlamentares, a taxação vai aumentar os custos para famílias e empresas americanas.

"Os americanos importam mais de 40 bilhões de dólares anualmente do Brasil, incluindo quase 2 bilhões de dólares em café. O comércio entre EUA e Brasil sustenta cerca de 130 mil empregos nos Estados Unidos, que estão ameaçados com a imposição de tarifas elevadas", diz o grupo na carta.

"O Brasil também prometeu retaliar, e o senhor antecipadamente prometeu responder na mesma moeda — o que significa que os exportadores americanos sairão prejudicados e que os impostos sobre importações pagos pelos americanos ultrapassarão os 50% que o senhor ameaçou impor."

Os senadores acrescentaram que tinham "sérias preocupações quanto ao claro abuso de poder presente em sua recente ameaça de iniciar uma guerra comercial com o Brasil".

"Os Estados Unidos e o Brasil têm questões comerciais legítimas que devem ser discutidas e negociadas. No entanto, a ameaça tarifária do seu governo claramente não diz respeito a isso", escreveram os senadores.

Já os deputados que presidem o Congressional Coffee Caucus, uma espécie de comissão no congresso americano para debater temas relacionados ao setor de café, enviaram no fim de junho uma carta com apoio bipartidário ao embaixador do comércio dos EUA, pedindo a isenção do produto das tarifas atuais e futuras.

Na carta, os deputados Jill Tokuda (democrata, Havaí) e William Timmons (republicano, Carolina do Sul) disseram ao representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, indicado por Donald Trump, que a isenção é necessária "para proteger os empregos americanos e garantir a vitalidade contínua de uma indústria que depende quase inteiramente de importações".

Eles lembram que, ao contrário de outros produtos afetados pelas novas tarifas, o café nos Estados Unidos não é produzido em escala capaz de suprir a demanda interna. De acordo com o documento, a produção americana de café, cultivado no Havaí e em Porto Rico, não representa nem 1% do consumo da bebida no país.

Nesta terça, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick afirmou à rede CNBC que alguns produtos não cultivados nos EUA poderiam estar isentos das taxações. Dentre eles o café, a manga, o abacaxi e o cacau.

Lutnick, no entanto, não mencionou o Brasil. "Se vamos negociar com um país que produz manga ou abacaxi, então eles podem entrar sem tarifa. Café e cacau são outros exemplos de recursos naturais", completou.

Portanto, ainda não é possível saber a dimensão do impacto que a nova tarifa causará no bolso dos consumidores americanos, acostumados a tomar ao menos três xícaras da bebida por dia.

Mas ao menos os clientes do Rock City Coffee já estão pagando mais caro pela bebida.

"As tarifas prejudicarão nossos negócios, pois não conseguiremos manter nossas margens de lucro sem aumentar os preços – e, se esses preços subirem o suficiente, poderemos perder clientes para empresas maiores e mais capazes de absorver custos e manter os preços baixos", afirmou Northgraves.

<><> 'Tarifa proibitiva'

O National Foreign Trade Council (Conselho Nacional de Comércio Exterior) já considera a tarifa de 10% imposta pelo governo Trump após 2 de abril uma mudança muito significativa na capacidade das empresas americanas de importarem do Brasil.

Agora, a tarifa de 50% prevista para entrar em vigor em 1º de agosto pode inviabilizar negócios com o parceiro comercial. É o que afirma Tiffany Smith, vice-presidente de Comércio da entidade, que representa grandes empresas em temas de comércio e investimento internacional.

"O Brasil tem mantido superávit comercial com os Estados Unidos. E uma tarifa de 50% coloca o país entre os que enfrentam as taxas mais altas no atual ambiente de tarifas recíprocas. É algo que consideramos bastante preocupante", disse à BBC News Brasil.

"Uma tarifa nesse nível seria proibitiva para a maioria dos produtos. A expectativa é que as importações do Brasil parem, em muitos casos, enquanto essa tarifa estiver em vigor. Pode haver alguns produtos que suportem uma tarifa tão alta, mas não seriam muitos."

Segundo ela, empresas americanas podem tentar minimizar os impactos transferindo a produção para outros países. Mas essa alternativa nem sempre é viável, principalmente a curto prazo.

"Por conta de contratos em vigor ou exigências técnicas, como peças automotivas que precisam atender a padrões específicos de segurança. Essas adaptações não ocorrem rapidamente", afirma Smith.

"Nesses casos, as empresas teriam que repassar os custos para os consumidores ou absorver perdas significativas em suas margens de lucro."

Smith avalia que a política tarifária reflete uma "convicção forte do presidente" de que os parceiros comerciais precisam abrir mais seus mercados para empresas americanas.

"No caso do Brasil, a ideia é que, mesmo com superávit, poderia haver espaço para ampliar as exportações dos EUA. Mas a linguagem da carta sugere que considerações políticas também podem ter influenciado a decisão."

Ela ressalta que a tarifa de 50% pode ser apenas o início de uma mudança mais ampla na relação comercial entre os dois países.

"O resultado desse processo, que deve levar alguns meses, pode resultar na imposição de novas tarifas ou outras medidas, além da tarifa já anunciada."

Nesta segunda-feira (28/07), uma missão especial do Senado esteve na Câmara Americana do Comércio, em Washington, para uma reunião com lideranças empresariais e representantes do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.

Após a reunião, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) afirmou que uma conversa entre Trump e Lula está sobre a mesa.

"Nós estamos dialogando neste momento", afirmou o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), no fim da tarde de segunda-feira (28/7) em entrevista coletiva.

Ao ser perguntado se havia falado com Lula sobre a possibilidade de uma conversa entre ele e Trump, afirmou que ainda não. "Mas o presidente Lula é o homem do diálogo. Sempre defendeu o diálogo", disse.

¨      Trump diz que não vai adiar prazo para entrada em vigor das tarifas

Donald Trump confirmou nesta quarta-feira (30/07) que as tarifas anunciadas pelo seu governo contra produtos de diversos países entrarão em vigor em 1º de agosto.

"O prazo de primeiro de agosto é o prazo de primeiro de agosto — ele permanece forte e não será prorrogado", escreveu o presidente americano em um post na sua plataforma Truth Social.

"Grande dia para a América", completou Trump.

Em pouco mais de seis meses de governo, Trump anunciou tarifas contra praticamente todos os parceiros comerciais americanos. O governo estabeleceu uma alíquota mínima de 10% para as tarifas de importação, mas alguns países tiveram taxas específicas definidas.

Trump afirma que sua intenção é criar "tarifas recíprocas", para restabelecer um campo de jogo "justo", obrigar nações a reduzir barreiras comerciais e corrigir déficits bilaterais.

O governo americano negociou acordos bilaterais com alguns dos seus parceiros em troca de redução das taxas.

Japão, Reino Unido, União Europeia, Vietnã e Indonésia foram alguns dos países que fecharam o compromisso e receberão taxas inferiores às anunciadas por Trump inicialmente.

No caso do Brasil, Trump usou argumentos políticos para justificar a implementação de uma tarifa de 50%.

Segundo o presidente americano, o Judiciário brasileiro estaria submetendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a um "tratamento injusto" no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.

O Brasil também é um dos poucos países no mundo cujo comércio com os EUA resultou em um superávit para os americanos em 2024 (US$ 7,4 bilhões).

A única exceção para a data de 1º de agosto deve ser a China, que receberá uma tarifa básica de 30% sobre as suas exportações para os EUA.

Devido a negociações diretas com as autoridades americanas, o início das imposições das taxas contra os chineses é esperado para 12 de agosto.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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