quarta-feira, 30 de julho de 2025


 

Ecos da caserna em 17 pontos sobre a relação militares e governo

É certo. Há apreensão sobre o rompimento dos vínculos "seculares" entre as forças armadas do Brasil e dos Estados Unidos. Uma eventual ruptura de relações irá paralisar projetos, compras e cursos ministrados aos oficiais brasileiros num intercâmbio entre as nossas Forças e o Comando Sul estadunidense. Uma fonte próxima ao alto comando confirmou que a torcida é para que essa troca não seja interrompida e que as relações sigam o seu curso. Nos escalões superiores, onde as negociações entre os dois países são acompanhadas com tensão e nervosismo, a orientação é a seguinte: “Aconselhamos seriamente a aproximação, permanência e suporte aos quadros legalistas no âmbito das Forças Armadas”. Ou seja, torcem para que tudo acabe bem, mas sabem que há dissenções na tropa e é necessário um trabalho para acomodar os “diferentes” para que continuem, no mínimo, sem fazer marola.

O golpe de 2016 - com participação explícita do ex-chefe do GSI, Sergio Etchegoyen e do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas, que conspiraram abertamente com Michel Temer para a derrubada da presidente Dilma -, gerou um forte clima de rejeição ao PT, nos quartéis, ao presidente Lula e ao conjunto da esquerda brasileira, com as consequências por todos conhecidas. A presença do lavajatismo e do bolsonarismo ainda são marcantes nos quadros militares, em especial na média oficialidade e na suboficialidade.

No momento, a leitura nas fileiras militares sobre a evolução recente do clima e do entendimento da atual crise interna e externa no Brasil pode ser vista da seguinte forma:

1. Subtenentes, sargentos e cabos estão fortemente inclinados ao bolsonarismo e a recusa de tudo que seja descrito como "politicamente correto", ou dito "woke", entendido como um "roubo" ao mérito e ao sacrifício pessoal, princípios norteadores das Forças Armadas;

2. Capitães, majores e tenente-coronéis estão convencidos de que o atual governo está caminhando para o desastre econômico, com as medidas fiscais e tributárias propostas, com claro feitio "socialista";

3. O alto oficialato nas três forças continua dividido entre constitucionalistas, ditos "melancias", e aqueles fortemente bolsonaristas, aliás a maioria;

4. Os oficiais superiores que tinham condições de deter a marcha do golpe, em especial entre 12/12/22 e 08/01/23, são uma minoria, porém proativos e em posições centrais de mando (comandantes de regiões militares, ou seja, comandam homens armados);

5. No atual momento, tais oficiais estão em fase de passar para a reserva, e a promoção de novos comandos altera e desequilibra a atual situação;

6. Foram ou irão para a reserva até 30/08/25 os seguintes oficiais generais: gal. Strumpf, gal. Novaes, gal. Richard Nunes. Não há perspectiva de troca de comando no Exército. O general Thomás Paiva continua à frente do Comando. A situação na Aeronáutica é ambígua, indefinida e há quem questione o posicionamento do brigadeiro Baptista Junior, em seu depoimento ao STF, se colocando contra o golpe de 8 de janeiro. Na Marinha de Guerra há forte apoio ao almirante Garnier. Vale lembrar, o almirante que se colocou à disposição de Jair Bolsonaro para ceder tropas e se aliar ao golpe.

7. Nunca é demais lembrar que, embora tenha sido “ironizado” pelo então comandante do Exército, Marcos Freire Gomes - que disse a Garnier que ele aderia ao golpe, mas quem teria de enviar tropas seria o Exército, pois ele não dispunha de homens suficientes -, que o Corpo de Fuzileiros Navais, com 16 mil homens, incluindo forte presença em Brasília, é uma das poucas forças de condição de desdobramento imediato.

8. Mas há um porém. O atual comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, o almirante Carlos Chagas Braga Vianna, é um constitucionalista. Está preocupado é com uma modernização por capacidade da força naval;

9. Há uma insatisfação nas forças com a atual liderança no campo militar, do ministro José Múcio, que classificam como “notável ausência”. O que não faltam são críticas por sua atuação. Tal papel, acreditam, é exercido (informalmente) pelo general Richard Nunes, (autodeclarado negro), e Chefe do Estado-Maior, que irá para a Reserva em agosto de 2025, criando um vazio perigoso na ala dos que defendem a legalidade;

10. O senão dessa sua ida para a reserva é que isso cria uma torcida para que o general vá ocupar a Secretária Geral do Ministério da Defesa ou mesmo seja o titular da pasta, o que reorganizaria positivamente a hierarquia e o debate na caserna, acreditam. Mas não é demais lembrar que há um acordo tácito, desde a redemocratização, que esse é um cargo a ser ocupado por um civil, que goze da confiança dos Comandos.

11. Na última semana, no mesmo dia do anúncio das medidas cautelares contra o ex-presidente Bolsonaro, publicou artigo advertindo contra a "partidarização" da força militar, explicitando o volume crescente de rumores sobre a necessidade de "mão forte".

12. O Comando Militar recebeu informações de conversas de lideranças do PL - com apelos diretos à intervenção militar - com altos oficiais e empresários num apartamento em Brasília, pertencente a uma liderança do PL.

13. A "Intervenção" do governo Trump, nomeadamente defendendo o ex-presidente, produziu um forte impacto sobre o campo militar.

14. A campanha publicitária "Eles contra Nós", a reforma tributária e a condenação dos Estados Unidos são apontados nas fileiras como uma repetição do clima de 1961-1964, sob a batida denominação de "tempestade perfeita". Ou seja, mais uma vez os militares se metendo a opinar na política partidária, e de governo, sem ter autoridade para tal.

15. Embora tenhamos diversificação de fornecimento de equipamento militar - França, Alemanha, Itália e até a Rússia - a formação, doutrina, treinamento e os meios organizacionais, incluindo o núcleo de C4I - Command, Control, Comunications, Camputer and Intelligence - é notavelmente estadunidense, dependente de plataformas, satélites e equipamento norte americano. Essa dependência cria uma enorme dificuldade de fazê-los entender que, se houver da parte dos Estados Unidos uma posição radical, é disso que terão de cuidar: do desmame e da troca de tecnologia. Afinal, é para isso que estão sendo formados, para cada vez mais serem independentes em novas tecnologias. Ou não?

16. É notável, no momento, a circulação de hipóteses - consideradas remotas pelo alto oficialato - da possibilidade de punições, ou demonstrações de poder, através de plataformas digitais contra aeroportos, serviços elétricos e financeiros brasileiros, como já ocorreram em Cuba e Venezuela, e hoje paira sobre o México.

17. Há, ainda, apreensão sobre o rompimento dos vínculos "seculares" entre as forças armadas do Brasil e dos Estados Unidos, paralisando projetos, compras e cursos.

Todos esses pontos foram discutidos em reunião dos comandos, no dia 20 de julho.

        Comandos militares temem não ser mais possível separar o joio do trigo

Não foi mera decisão do ministro Alexandre de Moraes, o motivo para que os oficiais do Exército, que depuseram nesta segunda-feira, (28/07), na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) e compõem o núcleo 3 dos réus acusados de cinco crimes, dentre eles, golpe de Estado, se apresentassem sem a farda.

Nove entre os dez depoentes desta segunda-feira são oficiais do Exército, bem como no processo que corre no STF eles são maioria. Em conversas informais com o Comando, foi revelado ao ministro o quanto foi constrangedor ver o tenente-coronel Mauro Cid depondo fardado. E o quanto mais seria ver praticamente todos os depoentes do núcleo 3 - com exceção de Wladimir Matos Soares (policial federal) -, envergando o uniforme da Força.

A frase repetida à exaustão, tanto pelo comandante do Exército, Tomas Paiva, quanto pelo ministro da Defesa, José Múcio, “é preciso separar o joio do trigo”, caiu no vazio. O Exército Brasileiro viu o nome da instituição despencar nas pesquisas de confiança da população, desde o episódio de 8 de janeiro, e emergir das apurações que levaram ao banco dos réus a fileira de oficiais, incluindo generais e ex-comandantes.

O que a sociedade atestou, em termos de despreparo, de dificuldade em se expressar e do (des)nível intelectual dos inquiridos, colou uma nódoa indelével no frontispício do quartel general. Impossível não questionar que tipo de gente é essa que chega ao generalato às custas do erário público, sabendo como ninguém trair os princípios militares, se dispor a contrariar a Constituição e até montar planos de assassinato com todo o tipo de arma e até mesmo envenenamento? Por essas e outras, não dá mais para “desmisturar” o joio do trigo. A menos que se altere a formação para a carreira.

Ficou patente que não foi apenas um “deslize moral”. Foi, isto sim, falta de orientação adequada. Ensinamentos equivocados, como os aprendidos pelo general Mario Fernandes, expostos em sua monografia à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Ali ficou claro que já é hora de abandonar as orientações radicais de anticomunismo, sob pena de virarmos todos nós, cidadãos brasileiros, alvo de seus fuzis e punhais “verde-amarelo”. Sua dissertação discorre todo o tempo sobre como combater o “inimigo interno”. Ou seja, a sociedade brasileira. E foi aceita. E ele foi aprovado com elogios.

Ao confessar que sim, foi o autor do “Plano Punhal Verde-Amarelo”, o general exibiu, mais uma vez, até onde pode ir um oficial do Exército mal instruído. O general Fernandes foi formado dentro das fileiras da instituição, e isto não se pode separar ou negar. É o joio junto com o trigo.

Mesmo os ditos “legalistas” estão perturbados com o julgamento e o que o país assistiu. A esta altura, importa pouco ou nada, para eles, o destino de Bolsonaro, dizem. A questão é o número de militares envolvidos. Já dão como perdidos (expulsos) o tenente-coronel Mauro Cid, o general Braga Netto e o general Mário Fernandes. A questão para os comandantes, agora, é tentar salvar outros nomes, como o general Estevam Cals Theophilo. A empreitada pode ser “missão impossível”. Basta lembrar que Theophilo é o general que ao ver Freire Gomes deixar a conspiração e se negar a comandar o golpe, se ofereceu para estar à frente das tropas, como consta da denúncia da PGR. Bastava que Jair assinasse e ele cumpriria a ordem “fora da ordem”.

A certeza dos comandantes é a de que se surgirem mais novidades e nomes que foram do Alto Comando seria muito ruim para o controle deles. Não se conformam com a confissão do Mario Fernandes, classificada por eles de “suicida”. O que esperaram? Que além de potencial assassino se acovardasse? Alguns mais “espertos” do Alto Comando, comentam que o general Fernandes confiou na “anistia”, com a ajuda de Trump, o que lhe deu ousadia e "coragem" para virar chefe do bolsonarismo sem os Bolsonaro.

Após o estrago e a incerteza sobre os desdobramentos do atual quadro, a defesa de Mario Fernandes correu a desmenti-lo, mas ele candidamente já havia detalhado o parto do seu plano. Como quem aposta que o acaso vai lhe proteger enquanto ele andar distraído, contou que o plano não passou de "pensamentos digitalizados". Foi como o derramar de um copo d’água sobre o teclado. Como se os seus pensamentos tivessem entornado sobre o computador os seus instintos mais primitivos.

Já passou da hora de os oficiais comandantes repensarem os ensinamentos transmitidos para os que ingressam na carreira militar. Enquanto começarem com: “Era uma vez um país ameaçado pelo comunismo, e que foi salvo pelos militares”, pegam um caminho sem volta. A partir dessa premissa são obrigados a continuar mentindo sobre o que já foi apurado à exaustão por historiadores, jornalistas, acadêmicos de modo geral.

Precisam começar por: houve um golpe em 1964, que derrubou um presidente eleito democraticamente e jogou o Brasil numa ditadura sanguinária, tendo à frente a cadeia de comando que começava na presidência - preenchida por ditadores -, e desaguava nos porões, lugar dos de menor patente. Ali, pelas mãos de militares, corpos foram massacrados, reputações destruídas e o futuro não existia. Agora que o temos em perspectiva, que permitam, pelo menos, que o 8 de janeiro seja passado a limpo e os seus idealizadores, punidos. O Brasil saiu do mapa da fome. Que saia também do mapa da mentira.

Para que não se esqueçam, os réus ouvidos hoje são: Bernardo Romão Correa Neto (coronel), Estevam Theophilo (general da reserva), Fabrício Moreira de Bastos (coronel), Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel), Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel), Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel), Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel), Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel), Sérgio Ricardo Cavaliere (tenente-coronel) e o único que não é militar: Wladimir Matos Soares (policial federal).

 

Fonte: Por Denise Assis, em Brasil 247


Nenhum comentário: