Ecos
da caserna em 17 pontos sobre a relação militares e governo
É
certo. Há apreensão sobre o rompimento dos vínculos "seculares" entre
as forças armadas do Brasil e dos Estados Unidos. Uma eventual ruptura de
relações irá paralisar projetos, compras e cursos ministrados aos oficiais
brasileiros num intercâmbio entre as nossas Forças e o Comando Sul
estadunidense. Uma fonte próxima ao alto comando confirmou que a torcida é para
que essa troca não seja interrompida e que as relações sigam o seu curso. Nos
escalões superiores, onde as negociações entre os dois países são acompanhadas
com tensão e nervosismo, a orientação é a seguinte: “Aconselhamos seriamente a
aproximação, permanência e suporte aos quadros legalistas no âmbito das Forças
Armadas”. Ou seja, torcem para que tudo acabe bem, mas sabem que há dissenções
na tropa e é necessário um trabalho para acomodar os “diferentes” para que
continuem, no mínimo, sem fazer marola.
O golpe
de 2016 - com participação explícita do ex-chefe do GSI, Sergio Etchegoyen e do
ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas, que conspiraram abertamente com
Michel Temer para a derrubada da presidente Dilma -, gerou um forte clima de
rejeição ao PT, nos quartéis, ao presidente Lula e ao conjunto da esquerda
brasileira, com as consequências por todos conhecidas. A presença do
lavajatismo e do bolsonarismo ainda são marcantes nos quadros militares, em
especial na média oficialidade e na suboficialidade.
No
momento, a leitura nas fileiras militares sobre a evolução recente do clima e
do entendimento da atual crise interna e externa no Brasil pode ser vista da
seguinte forma:
1.
Subtenentes, sargentos e cabos estão fortemente inclinados ao bolsonarismo e a
recusa de tudo que seja descrito como "politicamente correto", ou
dito "woke", entendido como um "roubo" ao mérito e ao
sacrifício pessoal, princípios norteadores das Forças Armadas;
2.
Capitães, majores e tenente-coronéis estão convencidos de que o atual governo
está caminhando para o desastre econômico, com as medidas fiscais e tributárias
propostas, com claro feitio "socialista";
3. O
alto oficialato nas três forças continua dividido entre constitucionalistas,
ditos "melancias", e aqueles fortemente bolsonaristas, aliás a
maioria;
4. Os
oficiais superiores que tinham condições de deter a marcha do golpe, em
especial entre 12/12/22 e 08/01/23, são uma minoria, porém proativos e em
posições centrais de mando (comandantes de regiões militares, ou seja, comandam
homens armados);
5. No
atual momento, tais oficiais estão em fase de passar para a reserva, e a
promoção de novos comandos altera e desequilibra a atual situação;
6.
Foram ou irão para a reserva até 30/08/25 os seguintes oficiais generais: gal.
Strumpf, gal. Novaes, gal. Richard Nunes. Não há perspectiva de troca de
comando no Exército. O general Thomás Paiva continua à frente do Comando. A
situação na Aeronáutica é ambígua, indefinida e há quem questione o
posicionamento do brigadeiro Baptista Junior, em seu depoimento ao STF, se
colocando contra o golpe de 8 de janeiro. Na Marinha de Guerra há forte apoio
ao almirante Garnier. Vale lembrar, o almirante que se colocou à disposição de
Jair Bolsonaro para ceder tropas e se aliar ao golpe.
7.
Nunca é demais lembrar que, embora tenha sido “ironizado” pelo então comandante
do Exército, Marcos Freire Gomes - que disse a Garnier que ele aderia ao golpe,
mas quem teria de enviar tropas seria o Exército, pois ele não dispunha de
homens suficientes -, que o Corpo de Fuzileiros Navais, com 16 mil homens,
incluindo forte presença em Brasília, é uma das poucas forças de condição de
desdobramento imediato.
8. Mas
há um porém. O atual comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, o almirante
Carlos Chagas Braga Vianna, é um constitucionalista. Está preocupado é com uma
modernização por capacidade da força naval;
9. Há
uma insatisfação nas forças com a atual liderança no campo militar, do ministro
José Múcio, que classificam como “notável ausência”. O que não faltam são
críticas por sua atuação. Tal papel, acreditam, é exercido (informalmente) pelo
general Richard Nunes, (autodeclarado negro), e Chefe do Estado-Maior, que irá
para a Reserva em agosto de 2025, criando um vazio perigoso na ala dos que
defendem a legalidade;
10. O
senão dessa sua ida para a reserva é que isso cria uma torcida para que o
general vá ocupar a Secretária Geral do Ministério da Defesa ou mesmo seja o
titular da pasta, o que reorganizaria positivamente a hierarquia e o debate na
caserna, acreditam. Mas não é demais lembrar que há um acordo tácito, desde a
redemocratização, que esse é um cargo a ser ocupado por um civil, que goze da
confiança dos Comandos.
11. Na
última semana, no mesmo dia do anúncio das medidas cautelares contra o
ex-presidente Bolsonaro, publicou artigo advertindo contra a
"partidarização" da força militar, explicitando o volume crescente de
rumores sobre a necessidade de "mão forte".
12. O
Comando Militar recebeu informações de conversas de lideranças do PL - com
apelos diretos à intervenção militar - com altos oficiais e empresários num
apartamento em Brasília, pertencente a uma liderança do PL.
13. A
"Intervenção" do governo Trump, nomeadamente defendendo o
ex-presidente, produziu um forte impacto sobre o campo militar.
14. A
campanha publicitária "Eles contra Nós", a reforma tributária e a
condenação dos Estados Unidos são apontados nas fileiras como uma repetição do
clima de 1961-1964, sob a batida denominação de "tempestade
perfeita". Ou seja, mais uma vez os militares se metendo a opinar na
política partidária, e de governo, sem ter autoridade para tal.
15.
Embora tenhamos diversificação de fornecimento de equipamento militar - França,
Alemanha, Itália e até a Rússia - a formação, doutrina, treinamento e os meios
organizacionais, incluindo o núcleo de C4I - Command, Control, Comunications,
Camputer and Intelligence - é notavelmente estadunidense, dependente de
plataformas, satélites e equipamento norte americano. Essa dependência cria uma
enorme dificuldade de fazê-los entender que, se houver da parte dos Estados
Unidos uma posição radical, é disso que terão de cuidar: do desmame e da troca
de tecnologia. Afinal, é para isso que estão sendo formados, para cada vez mais
serem independentes em novas tecnologias. Ou não?
16. É
notável, no momento, a circulação de hipóteses - consideradas remotas pelo alto
oficialato - da possibilidade de punições, ou demonstrações de poder, através
de plataformas digitais contra aeroportos, serviços elétricos e financeiros
brasileiros, como já ocorreram em Cuba e Venezuela, e hoje paira sobre o
México.
17. Há,
ainda, apreensão sobre o rompimento dos vínculos "seculares" entre as
forças armadas do Brasil e dos Estados Unidos, paralisando projetos, compras e
cursos.
Todos
esses pontos foram discutidos em reunião dos comandos, no dia 20 de julho.
• Comandos militares temem não ser mais
possível separar o joio do trigo
Não foi
mera decisão do ministro Alexandre de Moraes, o motivo para que os oficiais do
Exército, que depuseram nesta segunda-feira, (28/07), na Primeira Turma do STF
(Supremo Tribunal Federal) e compõem o núcleo 3 dos réus acusados de cinco
crimes, dentre eles, golpe de Estado, se apresentassem sem a farda.
Nove
entre os dez depoentes desta segunda-feira são oficiais do Exército, bem como
no processo que corre no STF eles são maioria. Em conversas informais com o
Comando, foi revelado ao ministro o quanto foi constrangedor ver o
tenente-coronel Mauro Cid depondo fardado. E o quanto mais seria ver
praticamente todos os depoentes do núcleo 3 - com exceção de Wladimir Matos
Soares (policial federal) -, envergando o uniforme da Força.
A frase
repetida à exaustão, tanto pelo comandante do Exército, Tomas Paiva, quanto
pelo ministro da Defesa, José Múcio, “é preciso separar o joio do trigo”, caiu
no vazio. O Exército Brasileiro viu o nome da instituição despencar nas
pesquisas de confiança da população, desde o episódio de 8 de janeiro, e
emergir das apurações que levaram ao banco dos réus a fileira de oficiais,
incluindo generais e ex-comandantes.
O que a
sociedade atestou, em termos de despreparo, de dificuldade em se expressar e do
(des)nível intelectual dos inquiridos, colou uma nódoa indelével no
frontispício do quartel general. Impossível não questionar que tipo de gente é
essa que chega ao generalato às custas do erário público, sabendo como ninguém
trair os princípios militares, se dispor a contrariar a Constituição e até
montar planos de assassinato com todo o tipo de arma e até mesmo envenenamento?
Por essas e outras, não dá mais para “desmisturar” o joio do trigo. A menos que
se altere a formação para a carreira.
Ficou
patente que não foi apenas um “deslize moral”. Foi, isto sim, falta de
orientação adequada. Ensinamentos equivocados, como os aprendidos pelo general
Mario Fernandes, expostos em sua monografia à Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército (ECEME). Ali ficou claro que já é hora de abandonar as orientações
radicais de anticomunismo, sob pena de virarmos todos nós, cidadãos
brasileiros, alvo de seus fuzis e punhais “verde-amarelo”. Sua dissertação
discorre todo o tempo sobre como combater o “inimigo interno”. Ou seja, a
sociedade brasileira. E foi aceita. E ele foi aprovado com elogios.
Ao
confessar que sim, foi o autor do “Plano Punhal Verde-Amarelo”, o general
exibiu, mais uma vez, até onde pode ir um oficial do Exército mal instruído. O
general Fernandes foi formado dentro das fileiras da instituição, e isto não se
pode separar ou negar. É o joio junto com o trigo.
Mesmo
os ditos “legalistas” estão perturbados com o julgamento e o que o país
assistiu. A esta altura, importa pouco ou nada, para eles, o destino de
Bolsonaro, dizem. A questão é o número de militares envolvidos. Já dão como
perdidos (expulsos) o tenente-coronel Mauro Cid, o general Braga Netto e o
general Mário Fernandes. A questão para os comandantes, agora, é tentar salvar
outros nomes, como o general Estevam Cals Theophilo. A empreitada pode ser
“missão impossível”. Basta lembrar que Theophilo é o general que ao ver Freire
Gomes deixar a conspiração e se negar a comandar o golpe, se ofereceu para
estar à frente das tropas, como consta da denúncia da PGR. Bastava que Jair
assinasse e ele cumpriria a ordem “fora da ordem”.
A
certeza dos comandantes é a de que se surgirem mais novidades e nomes que foram
do Alto Comando seria muito ruim para o controle deles. Não se conformam com a
confissão do Mario Fernandes, classificada por eles de “suicida”. O que
esperaram? Que além de potencial assassino se acovardasse? Alguns mais
“espertos” do Alto Comando, comentam que o general Fernandes confiou na
“anistia”, com a ajuda de Trump, o que lhe deu ousadia e "coragem"
para virar chefe do bolsonarismo sem os Bolsonaro.
Após o
estrago e a incerteza sobre os desdobramentos do atual quadro, a defesa de
Mario Fernandes correu a desmenti-lo, mas ele candidamente já havia detalhado o
parto do seu plano. Como quem aposta que o acaso vai lhe proteger enquanto ele
andar distraído, contou que o plano não passou de "pensamentos
digitalizados". Foi como o derramar de um copo d’água sobre o teclado.
Como se os seus pensamentos tivessem entornado sobre o computador os seus
instintos mais primitivos.
Já
passou da hora de os oficiais comandantes repensarem os ensinamentos
transmitidos para os que ingressam na carreira militar. Enquanto começarem com:
“Era uma vez um país ameaçado pelo comunismo, e que foi salvo pelos militares”,
pegam um caminho sem volta. A partir dessa premissa são obrigados a continuar
mentindo sobre o que já foi apurado à exaustão por historiadores, jornalistas,
acadêmicos de modo geral.
Precisam
começar por: houve um golpe em 1964, que derrubou um presidente eleito
democraticamente e jogou o Brasil numa ditadura sanguinária, tendo à frente a
cadeia de comando que começava na presidência - preenchida por ditadores -, e
desaguava nos porões, lugar dos de menor patente. Ali, pelas mãos de militares,
corpos foram massacrados, reputações destruídas e o futuro não existia. Agora
que o temos em perspectiva, que permitam, pelo menos, que o 8 de janeiro seja
passado a limpo e os seus idealizadores, punidos. O Brasil saiu do mapa da
fome. Que saia também do mapa da mentira.
Para
que não se esqueçam, os réus ouvidos hoje são: Bernardo Romão Correa Neto
(coronel), Estevam Theophilo (general da reserva), Fabrício Moreira de Bastos
(coronel), Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel), Márcio Nunes de Resende
Júnior (coronel), Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel), Rodrigo Bezerra
de Azevedo (tenente-coronel), Ronald Ferreira de Araújo Júnior
(tenente-coronel), Sérgio Ricardo Cavaliere (tenente-coronel) e o único que não
é militar: Wladimir Matos Soares (policial federal).
Fonte:
Por Denise Assis, em Brasil 247

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