República
Tcheca equipara comunismo ao nazismo
Os
ferrenhos opositores do comunismo na República Tcheca chegaram ao fim de uma
longa batalha: mais de 30 depois da Revolução de Veludo, a transição pacífica
para a democracia de novembro de 1989, o comunismo foi equiparado, por lei, a
outras ideologias totalitárias, como o nazismo, no país.
Na
segunda quinzena de julho, o presidente Petr Pavel assinou uma emenda ao Código
Penal que claramente equipara o nazismo e o comunismo na República Tcheca. Com
a assinatura do presidente, a nova lei entrará em vigor em 1º de janeiro de
2026.
A
emenda foi uma iniciativa do movimento civil Novembro Ainda Não Acabou. Seu
líder é o senador Martin Mejstrik, que era um ativista estudantil na época da
Revolução de Veludo, que marcou queda pacífica do regime comunista na antiga
Tchecoslováquia.
Historiadores
do Instituto para o Estudo de Regimes Totalitários (USTR) também aderiram à
iniciativa. No início do ano, a lei foi aprovada na Câmara dos Deputados e no
Senado pela base parlamentar do governo de coalizão pró-europeu do
primeiro-ministro Petr Fiala.
"Qualquer
pessoa que fundar, apoiar ou promover um movimento nacional-socialista
(nazista), comunista ou outro que vise comprovadamente a supressão dos direitos
humanos e das liberdades ou que incite ao ódio racial, étnico, nacional,
religioso ou de classe, ou contra outro grupo de pessoas, será punida com pena
de prisão de um a cinco anos", diz a nova redação do artigo 403 do Código
Penal tcheco.
O
pesquisador do USTR Kamil Nedvedicky explica que o objetivo do projeto era
eliminar uma distinção legal "obviamente injusta" entre duas
ideologias totalitárias "criminosas" do século 20. "Ambos – o
nacional-socialismo e o comunismo – visam comprovadamente à supressão de
direitos e liberdades fundamentais, e é lógico e justo que o direito penal
tcheco reflita isso claramente", argumenta. "Não se trata de
ideologia, mas de proteger o Estado democrático de Direito."
Durante
a Guerra Fria, a atual República Tcheca esteve sob a influência da União
Soviética e foi liderada pelo Partido Comunista da Tchecoslováquia (KSC) até
1989, quando a Revolução de Veludo encerrou 41 anos de regime comunista de
partido único, e o país iniciou uma transição para uma república parlamentar.
Com a
equiparação entre nazismo e comunismo, a República Tcheca se junta a uma lista
de países europeus que já proibiram ou impuseram medidas para coibir a
ideologia comunista, entre eles a Polônia, Hungria, Ucrânia e os países
bálticos (Lituânia, Letônia, Estônia).
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Partido comunista ainda atuante
Coincidência
ou não, a República Tcheca, com seus 10 milhões de habitantes, é um dos poucos
países da União Europeia onde um partido comunista, o Partido Comunista da
Boêmia e Morávia (KSCM), ainda mantém alguma influência política. Até a eleição
parlamentar mais recente, em 2021, o KSCM não só tinha assentos no parlamento
como também ocupava várias vice-presidências do parlamento.
O KSCM
sucedeu o Partido Comunista da Tchecoslováquia (KSC), que governou o país
ditatorialmente até 1989, e conta até hoje com dezenas de milhares de membros.
Como principal força da coligação eleitoral Stacilo! (Basta!), ingressou no
Parlamento Europeu após as eleições europeias de 2024.
Na
última eleição legislativa nacional, em 2021, o partido perdeu suas 15 cadeiras
na Câmara da República Tcheca. Mas no próximo pleito, marcado para outubro, a
maioria das pesquisas indica que a Stacilo! superará a claúsula de barreira de
5%, o que seria suficiente para um retorno do KSCM à câmara baixa do
parlamento.
E pode
não parar por aí. O favorito nas eleições parlamentares tchecas de outubro, o
líder do movimento populista ANO, o ex-primeiro-ministro e oligarca Andrey
Babis, não descarta a possibilidade de formar um novo governo com a Stacilo!.
"Para mim, eles não são comunistas", declarou Babis em entrevista a
um site local. A principal candidata da coalizão é a líder do KSCM, a
eurodeputada Katerina Konecna.
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Tentativa de calar a oposição?
A
mudança na lei poderia levar à proibição do KSCM, à semelhança do que já
ocorreu com o partido DS, que foi banido e dissolvido em 2010 devido à sua
ideologia neonazista. A eurodeputada Konecna disse à DW que a emenda à lei (a
mesma usada para banir o DS) é um ataque da coalizão governista ao seu partido.
Konecna
afirmou que o governo, em vez de dedicar seu tempo "à aprovação de uma lei
destinada a calar os críticos", deveria se ocupar dos problemas dos
cidadãos tchecos, "como os altos preços da energia ou os custos de moradia
inacessíveis".
"Trata-se
da tentativa sistemática do governo antissocial e corrupto de Petr Fiala de
silenciar seus críticos mais veementes. Isso definitivamente não tem lugar numa
sociedade democrática", disse Konecna. Ela observou que é uma ironia a lei
ter sido assinada por Petr Pavel, "que foi um membro, aliás proeminente,
do partido comunista KSC".
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Presidente foi membro do partido comunista
De
fato, o atual presidente tcheco, um militar de carreira, foi membro do partido
comunista no poder até o fim do regime, em 1989. "Foi uma decisão da qual,
em retrospectiva e com o conhecimento que tenho hoje, definitivamente não me
orgulho", comentou Pavel há mais de dois anos, antes de uma eleição
presidencial.
"Acredito
que os últimos 30 anos que dediquei à construção de uma República Tcheca mais
segura são um pedido de desculpas simbólico à sociedade", afirmou em
entrevista ao jornal Denik Blesk, há cinco anos.
Pavel
foi chefe do Estado-Maior das Forças Armadas tchecas de 2012 a 2015 e
presidente do Comitê Militar da Otan por mais de três anos a partir de 2015.
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Reação da Rússia
Na
Rússia, a emenda ao Código Penal na República Tcheca que equiparou o comunismo
ao nazismo gerou críticas. "Vemos isso como uma jogada revanchista de
direita bem-sucedida, cumprindo as diretrizes de Bruxelas de distorcer a
história", afirmou o Ministério das Relações Exteriores do regime de
Vladimir Putin.
Nas
últimas décadas, o regime de Putin se empenhou em reabilitar a imagem da antiga
União Soviética, país que em 1968 invadiu a antiga Tchecoslováquia quando
líderes locais tentaram promover uma abertura política no sistema comunista.
Agora,
a medida tomada pelo governo tcheco levou a uma outra equiparação, bem mais
curiosa, feita por um político do partido Rússia Unida, de Vladimir Putin: a da
Rússia atual à antiga União Soviética, uma ditadura comunista.
Para o
presidente da Duma (câmara baixa do parlamento da Federação Russa), Vyacheslav
Volodin, "quando o Estado e o sistema daquela época são comparados com a
ideologia e o regime fascistas, fica claro que isso está sendo feito para
questionar, acusar e condenar o nosso país [a Rússia]".
Fonte:
DW Brasil

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