Ivete
Nenflidio: ‘O inferno tem nome - Gaza’
A
destruição sistemática de vidas e a fome imposta deliberadamente à população
palestina, especialmente às crianças, não podem ser tratadas como “efeitos
colaterais” de um conflito. O que estamos presenciando é um filme de terror. Um
enredo sombrio, protagonizado por crianças famintas que, diante do horror,
pedem para morrer. Não porque perderam a razão, mas porque, no “paraíso”,
acreditam que encontrarão aquilo que, neste mundo, lhes foi brutalmente
arrancado: comida, alegria, aconchego, esperança, um lar e os familiares que já
se foram.
Isto é
o inferno. Não aquele das ficções, com fogo escorrendo como lava, mas um
inferno real, habitado por gente que sente frio, dor e fome. Um inferno de
escombros, sangue e silêncio. Silêncio da comunidade internacional, que poderia
agir, mas não age, em nome de uma suposta “diplomacia”. Um inferno onde bebês
morrem desidratados, crianças vagam dias sem comer ou saber para onde ir, onde
são amputadas sem anestesia, onde hospitais são bombardeados. Onde a ajuda
humanitária é barrada, interceptada em águas internacionais, e aqueles que
ousam rompê-los, levando “munições” como leite em pó, soro e remédios, são
presos. E suas “armas”, confiscadas.
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Não é
uma guerra entre exércitos. É barbárie. Com soldados manuseando drones e
explodindo a cabeça de crianças que buscam alimento.
O que
acontece em Gaza é uma tragédia humanitária. É um crime contra a humanidade, é
o extermínio de um povo. Enquanto parlamentos e lideranças discutem termos
técnicos para nomear os efeitos da política sionista do Estado de Israel,
sempre protegido pelo “irmão maior”, mulheres, bebês e crianças continuam sendo
assassinadas por balas, bombas, sede e fome.
É
profundamente doloroso constatar que aqueles que impõem esse sofrimento
pertencem a um povo que, não há tanto tempo, foi vítima de uma das maiores
catástrofes humanitárias da história. Um povo que sobreviveu ao Shoá, que
conheceu a agonia dos campos de extermínio, a fome, o frio e a dor. Um povo
cuja história ainda vive na memória dos sobreviventes da Segunda Grande Guerra
e que, por isso mesmo, deveria ser o primeiro a se levantar contra práticas
semelhantes às que sofreu.
O que,
então, justifica um exército altamente treinado, armado, alimentado e
hidratado, ao pretexto de combater inimigos terroristas, exterminar
indiscriminadamente mulheres, crianças e bebês, refugiados sob os poucos tetos
ainda de pé em Gaza? A resposta é: não existe justificativa para os ataques
“cirúrgicos”, alvejando hospitais, acampamentos, mercados ou pessoas que
tentam, de forma desesperada, buscar água ou algum alimento.
Não há
neutralidade possível diante da fome usada como arma de guerra. Não há discurso
que relativize o horror de ver crianças morrendo, não pela ausência de ajuda,
mas pela ação intencional de bloqueios, sabotagens e armadilhas. Ajudas
impedidas. Embarcações lotadas de alimentos e remédios interceptadas. A cada
dez minutos em que o mundo hesita, mais uma criança morre.
Enquanto
isso, as potências globais encenam discursos, equilibram alianças, negociam
interesses. Ignoram o grito que repercute das ruínas, transmitido pela internet
em tempo real. Talvez por conveniências econômicas, talvez pelo lucro com a
venda de armas ou com a futura “economia da reconstrução”. Lucram com a morte
de crianças. Algumas nações, ironicamente, afirmam negociar com cláusulas que
proíbem o uso de armamento contra Gaza. Será que acreditam nessa ficção? Eles
realmente acreditam nessa teoria ou ela simplesmente isenta esses grandes e
gananciosos capitalistas da indústria da guerra?
Até
quando continuarão vendendo armas a Israel? Até quando grandes nações
sustentarão a narrativa de “guerra contra o terrorismo”? Rompimentos
diplomáticos, até aqui, são simbólicos, gestos vazios diante da magnitude da
tragédia. E esse silêncio mata. Assustadoramente, a cada dez minutos, uma
criança morre. São 144 por dia. 4.320 em 30 dias.
Há
comoção. Há alguma mobilização internacional. Mas qual seu efeito prático? A
ONU divulgou, em julho de 2025, que a taxa de natalidade palestina caiu 41%.
Isso não é apenas estatística. É a confirmação de um projeto de extermínio em
curso.
Ainda
assim, a história mostra que o povo palestino não desiste. O povo palestino,
com sua resistência, transforma pedras em símbolo de luta, retira das ruínas de
suas casas destruídas a matéria da esperança. O genocídio em Gaza exige
respostas urgentes e firmes. A pergunta que resta é: até quando vamos assistir
a este filme de terror?
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ONU e a questão palestina
Há 75
anos e desde a partilha da Palestina em um Estado judeu e outro árabe, a ONU
tem um lugar indispensável na história dos palestinos, tema central de uma
conferência internacional que começa nesta segunda-feira (28) em Nova York.
–
Partilha da Palestina –
Em 29
de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU adotou a resolução 181 sobre a
partilha da Palestina, então sob mandato britânico, e a criação de dois
Estados, um judeu e outro árabe. Previa-se um status internacional para
Jerusalém.
O
movimento sionista o aceitou, mas os Estados árabes e os palestinos se
opuseram.
Em 14
de maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel. Os exércitos árabes
entraram em guerra contra o novo Estado, que obteve uma vitória esmagadora em
1949.
Mais de
760 mil palestinos foram expulsos para o exílio: a “Nakba” (“catástrofe”),
relembrada oficialmente pela primeira vez na ONU em maio de 2023.
–
“Retirada” e “autodeterminação” –
Em
1967, a resolução 242 do Conselho de Segurança estabeleceu as bases para uma
paz justa e duradoura, mas introduziu uma certa ambiguidade entre as diferentes
versões linguísticas.
Ela
instou a “retirada” das forças armadas israelenses “de” Territórios Ocupados
(versão inglesa) ou “dos” Territórios Ocupados (versão francesa) no então
recente conflito.
Em 13
de novembro de 1974, Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da
Palestina (OLP), criada dez anos antes, pronunciou seu primeiro discurso na
tribuna da ONU, onde apareceu com um ramo de oliveira e uma pistola.
Poucos
dias depois, no dia 22, a Assembleia Geral reconheceu o direito dos palestinos
à autodeterminação e independência, e concedeu o status de observador à OLP.
–
Acordos de Oslo, sem a ONU –
O
principal avanço para a paz não veio da ONU. Em 1993, Israel e a OLP, que
proclamou em 1988 o ‘Estado palestino independente’, concluíram duas
negociações secretas em Oslo e depois firmaram em Washington uma declaração de
princípios sobre a autonomia palestina.
Em
1994, Yasser Arafat voltou aos Territórios Palestinos, depois de 27 anos de
exílio, e estabeleceu ali a Autoridade Palestina.
– Vetos
dos Estados Unidos –
As
decisões do Conselho de Segurança sobre a questão palestina dependem em grande
medida da posição dos Estados Unidos. Desde 1970, os EUA utilizaram seu veto
cerca de 40 vezes para proteger seu aliado israelense. Mas, às vezes, permitem
resoluções importantes.
Nesse
sentido, em março de 2002, por iniciativa americana, o Conselho adotou a
resolução 1397, a primeira que menciona um “Estado” palestino existente junto a
Israel com fronteiras seguras e reconhecidas.
Em
dezembro de 2016, pela primeira vez desde 1979, o Conselho solicitou que Israel
suspendesse a colonização nos territórios palestinos. Uma adoção possível pela
abstenção dos Estados Unidos, a poucas semanas do fim do mandato do presidente
Barack Obama.
Desde o
ataque do Hamas em 9 de outubro de 2023 e as represálias israelenses em Gaza,
os EUA multiplicaram os vetos, com algumas exceções.
– Rumo
ao reconhecimento? –
Em
2011, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, solicitou “a adesão
do Estado da Palestina à ONU”. Para isso, é necessária uma recomendação
positiva do Conselho de Segurança e, em seguida, um voto favorável de dois
terços na Assembleia Geral.
Diante
da oposição dos Estados Unidos, o processo foi interrompido antes mesmo de ser
votado no Conselho. No ano seguinte, a Assembleia Geral concedeu aos palestinos
um status inferior como “Estado observador não membro”.
Em
abril de 2024, os palestinos voltaram a apresentar a solicitação para se
converter em Estado-membro de pleno direito, mas os Estados Unidos vetaram.
Segundo
uma contagem da AFP, pelo menos 142 dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem
unilateralmente um Estado palestino.
Na
ausência de uma verdadeira adesão, em 2024 a Assembleia concedeu alguns novos
direitos aos palestinos, que agora podem ocupar lugares em ordem alfabética dos
Estados e apresentar diretamente propostas de resolução.
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Mulheres palestinas e a intenção premeditada de
destruí-las na guerra de extermínio em Gaza. Por Heba Ayyad
Neste
artigo, discutirei a guerra não declarada contra as mulheres palestinas em
Gaza, que são vítimas diretas e indiretas de uma guerra de extermínio, muitas
vezes reduzidas à expressão “danos colaterais”, algo que não ocorreria sem o
conflito. Os danos colaterais, tanto imediatos quanto de longo prazo, sofridos
pelo povo palestino na Faixa de Gaza são incontáveis, diversos e extremamente
perigosos. O mais significativo entre eles é a destruição quase total do
sistema educacional. Estudantes universitários não conseguem se formar,
crianças e adolescentes não conseguem continuar seus estudos ou avançar de uma
série para outra, e crianças em idade escolar não conseguem frequentar o jardim
de infância e, posteriormente, iniciar o ensino fundamental. Tudo isso
significa a destruição das gerações futuras, transformando-as em pessoas
desempregadas, com deficiências ou obrigadas a emigrar.
Lançarei
luz sobre o sofrimento de mulheres e meninas em idade fértil, em especial, para
demonstrar como esse segmento da sociedade tem sido submetido à destruição
física, psicológica e também ao comprometimento de seu futuro. Como o estado
psicológico dessas mulheres tem sido abalado, a ponto de perderem toda a
privacidade e as condições mínimas para lidar com necessidades básicas da vida
durante a menstruação, a gravidez ou o parto? O sofrimento torna-se ainda mais
agudo para uma mulher após dar à luz. Ela enfrenta o desafio existencial de
manter a criança viva, garantir nutrição adequada para o crescimento saudável e
obter os soros necessários para protegê-la de doenças, além de providenciar
suprimentos básicos de higiene, fraldas e cremes essenciais para evitar o
surgimento de bolhas, infecções de pele e outras doenças que se espalham
rapidamente entre as crianças, como diarreia, icterícia e meningite.
Os
números, por si só, não revelam toda a verdade.
As
Nações Unidas estimam que mais de 28 mil mulheres e meninas foram mortas em
Gaza desde o início da guerra, em outubro de 2023 — uma média de uma mulher e
uma menina por hora em ataques israelenses. Entre as vítimas estão milhares de
mães, deixando para trás crianças e famílias devastadas.
Das
duas milhões de pessoas temporariamente deslocadas em Gaza, mais de um milhão
de mulheres e meninas enfrentam níveis catastróficos de fome e deslocamento,
altas taxas de mortalidade e uma grave falta de mecanismos de segurança e
proteção. O Fundo de População das Nações Unidas, principal agência da ONU
responsável pela saúde reprodutiva, alertou que uma geração inteira de mulheres
está sendo destruída por assassinatos contínuos, deslocamento forçado, privação
de alimentos e medicamentos, colapso dos sistemas de saúde, além do estresse
psicológico e da opressão que acompanham essa situação, os quais estão
atingindo proporções catastróficas.
Novos
dados referentes aos primeiros seis meses, de janeiro a junho de 2025,
divulgados pelo Ministério da Saúde de Gaza, revelam um quadro devastador do
impacto dessas condições sobre a vida de mulheres e recém-nascidos em toda a
Faixa de Gaza:
No
primeiro semestre de 2022, os hospitais de Gaza registraram 29 mil nascimentos.
No mesmo período de 2025, apenas cerca de 17 mil nascimentos foram registrados
— uma redução de 41%. Essa queda acentuada, após três anos, não teria ocorrido
sem a guerra e seus horrores.
Duzentas
e vinte mães morreram durante esse período — mais de 20 vezes o número total de
mortes maternas registradas em todo o ano de 2022.
Em
relação às mortes neonatais, pelo menos 20 recém-nascidos morreram nas
primeiras 24 horas após o nascimento.
O risco
de mortalidade neonatal aumentou em aproximadamente 33% na mesma faixa etária
em comparação a 2022.
Dos
nascidos nesse período, 5.560 bebês vieram ao mundo prematuros, com baixo peso
ou precisaram de internação em unidades de terapia intensiva neonatal.
Essas
estatísticas evidenciam os graves desafios enfrentados por mães e
recém-nascidos em um ambiente onde os cuidados de saúde são sistematicamente
prejudicados e onde a fome e a privação de necessidades básicas contribuem para
esses desfechos alarmantes.
Após o
fim do cessar-fogo em março, o sofrimento das mulheres dobrou, principalmente
após retornarem às suas casas destruídas, muitas vezes sem marido, pai ou
filho. Por exemplo, apenas na primeira semana após o término do cessar-fogo,
entre 18 e 25 de março, 830 pessoas foram mortas, incluindo 174 mulheres e 322
crianças, enquanto outras 1.787 ficaram feridas.
Não se
trata apenas de números; cada indivíduo é um ser humano com ambições, sonhos e
relacionamentos. Todos os dias, durante aquela primeira semana, uma média de 21
mulheres e mais de 40 crianças foram mortas. Não se trata de “danos
colaterais”; trata-se de uma guerra cujo impacto recai majoritariamente sobre
mulheres e crianças, que representam quase 60% das vítimas — um testemunho
claro dos objetivos da entidade sionista por trás desta guerra de extermínio.
De
acordo com o Direito Internacional Humanitário, toda mãe e toda criança têm
direito a um parto seguro e a um início de vida saudável. No entanto, o que
testemunhamos é a negação sistemática desses direitos fundamentais, empurrando
uma geração inteira à beira do colapso, com sobreviventes frequentemente
marcados por deficiências permanentes.
Todos
os hospitais e unidades de saúde de Gaza estão fechados ou operando de forma
parcial. Sua capacidade de manter mães e recém-nascidos vivos está cada vez
mais comprometida. Setenta por cento dos medicamentos essenciais estão
indisponíveis, e metade de todo o equipamento médico encontra-se danificado,
limitando severamente o acesso a cuidados neonatais críticos. O colapso dos
sistemas de referência, aliado à redução extrema dos serviços de ambulância e à
grave escassez de transporte, impede que mulheres grávidas recebam cuidados
pré-natais ou cheguem aos hospitais para dar à luz, transformando complicações
tratáveis em mortes evitáveis.
Apesar
das necessidades extremas, a ajuda humanitária continua enfrentando sérios
obstáculos e sendo impedida de entrar em Gaza por todas as travessias. Por
exemplo, apenas o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) possui 170
caminhões carregados com suprimentos essenciais — incluindo unidades de parto
em contêineres, medicamentos para a saúde materna, aparelhos de ultrassom e
incubadoras portáteis — retidos na fronteira desde o início de março de 2025.
Que
explicação haveria para essa matança desenfreada, senão a continuidade do
genocídio humano? A incapacidade de permitir acesso humanitário irrestrito e
sustentado, sem depender de pontos de distribuição armada supervisionados por
Israel e pelos Estados Unidos, só pode ser interpretada como um meio de
multiplicar e perpetuar, de forma indireta, a matança.
E
quanto às mulheres que ainda não foram mortas? Elas estão vivendo vidas normais
à sombra da morte? Mulheres e meninas sitiadas e sob constante ameaça de
violência enfrentam níveis extremos de medo, trauma e exaustão. Nessas
condições, o sofrimento psicológico é generalizado. Dados da ONU mostram que
75% das mulheres sofrem de depressão frequente, 62% não conseguem dormir e 65%
apresentam pesadelos e crises de ansiedade. Contudo, com acesso limitado a
cuidados, a maioria é deixada sozinha para lidar com a situação. Além disso,
essas mulheres, mesmo deprimidas, precisam cuidar de seus filhos. Em Gaza, 77%
das mulheres são as principais responsáveis por alimentar e cuidar das
crianças.
Concluindo,
enfatizamos que a saúde mental das mulheres em Gaza está em colapso. Mulheres
grávidas, mães e meninas são particularmente vulneráveis. O fardo emocional de
sustentar as famílias recai quase inteiramente sobre elas. A guerra contra a
saúde das mulheres em Gaza não é apenas física; é também mental, emocional e
psicológica.
Para
que qualquer guerra seja legalmente considerada genocida, dois elementos devem
estar presentes: a prática do genocídio e a intenção premeditada de cometê-lo.
Não encontro evidência mais clara desses dois elementos do que o assassinato
sistemático de mulheres e meninas e a intenção deliberada de destruí-las.
Destruir mulheres significa destruir a sociedade — sem margem para ambiguidades
— e é exatamente isso que a entidade racista de colonização chamada Israel
busca.
Fonte:
Brasil 247/Ansa

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