Entre
'esperança e desespero', cidade no ES que enviou carta a Trump já contabiliza
demissões pelo tarifaço
A
poucos dias do início previsto do tarifaço americano sobre o Brasil — e mesmo sem uma definição clara sobre o que
de fato entraria em vigor 1º de agosto —, os setores que mais exportam para os
Estados Unidos já
sentem os impactos da medida.
Um
deles é o de rochas ornamentais, que enviou para os EUA mais da metade (56,3%)
de tudo o que vendeu para o exterior em 2024 (US$ 1,26 bilhão). Desse total,
cerca de 82% saíram do Espírito Santo, conforme os dados
da Associação Brasileira de Rochas Naturais (Centrorochas).
Desde o
dia 9 de julho, quando Donald Trump enviou ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a carta em que informava a tarifa de
50% sobre produtos brasileiros, empresas do segmento deixaram de embarcar
cerca de 1.200 contêineres com rochas brasileiras como granito e mármore, que
teriam como destino principalmente a indústria da construção americana.
Algumas
já chegaram inclusive a fazer demissões. É o caso da Lime
Stone, localizada em Cachoeiro de Itapemirim (ES), que dias atrás cortou 31 dos
57 funcionários, mais da metade.
"Uma
tarifa de 50% simplesmente inviabiliza nosso negócio", diz Bruno Sfalsin,
um dos gestores da companhia.
Ele e a
família operam pedreiras na região e fundaram a Lime Stone em 2024 porque viram
uma oportunidade de crescer vendendo blocos de rochas ornamentais para o
mercado americano.
Mesmo
sem saber o que vai acontecer na data prevista para o início do tarifaço, o
empresário preferiu se antecipar e reestruturar o negócio, voltando a focar no
mercado interno e analisando a possibilidade de atender outras regiões do mundo
como Europa e Oceania.
"É
uma situação muito triste, a gente não fica feliz com isso", diz Sfalsin,
acrescentando que, "caso venha alguma coisa diferente" e o comércio
entre Brasil e EUA seja normalizado, poderia recontratar os funcionários
desligados. "Na época da covid foi a mesma coisa", ele ilustra.
Mais da
metade da produção de rochas ornamentais de Cachoeiro de Itapemirim é exportada
para os EUA, conforme os dados compartilhados com a reportagem pela prefeitura
do município.
A
cidade tem acompanhado com apreensão as tentativas de interlocução do governo
brasileiro com o americano em busca de negociar a derrubada das tarifas ou um
acordo para reduzir o valor da alíquota de 50%, a mais alta imposta pela gestão
Trump na última rodada de anúncio de tarifas.
O
prefeito Theodorico Ferraço (PP) chegou a escrever uma carta para o presidente
americano em 15 de julho pedindo que reconsiderasse a decisão.
"A
imposição de uma tarifa desta magnitude teria consequências econômicas
devastadoras e imediatas para nossa cidade", diz o texto.
À BBC
News Brasil, Ferraço afirmou que quase 700 empresas se dedicam no município à
extração e beneficiamento de mármore e granito, empregando cerca de 9.500
pessoas, o que corresponde a aproximadamente 20% da população ocupada na
cidade.
Uma
eventual disrupção na cadeia produtiva, segundo ele, poderia comprometer até
30% da arrecadação do município.
"Se
não puder tirar o tarifaço de tudo, que tire pelo menos do nosso mármore e
granito. A esperança e o desespero estão muito grandes no meio empresarial, e
isso automaticamente se transmite para os empregados", declarou o
prefeito.
Nesta
terça (29/7), o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, chegou a dizer
que produtos selecionados poderiam ser isentos das novas tarifas, especialmente
aqueles que os EUA não produzem internamente. Ele mencionou café e manga, mas
sem citar diretamente o Brasil.
Ferraço
diz que a carta endereçada a Trump, que cita o cantor Roberto Carlos e o
escritor Rubem Braga, ambos naturais de Cachoeiro, foi enviada por e-mail
diretamente para o gabinete do presidente americano, mas que até o momento não
houve retorno.
O
prefeito, que é pai do vice-governador do Espírito Santo, Ricardo Ferraço
(MDB), ressaltou ainda que o impacto no Estado vai além do setor de rochas
ornamentais, podendo atingir indústrias como a do ferro e aço e a culturas como
a do café e do mamão, que também costumam ser exportadas para os EUA.
"Quem
está mais prejudicado com essa questão do tarifaço é o Ceará [que exporta
<><
> 'Dependemos 110% dos EUA'
Com uma
cadeia produtiva bastante voltada para o consumidor americano, o setor de
rochas ornamentais do Espírito Santo tem uma série de empresas que trabalham
quase exclusivamente voltadas para o mercado externo.
É o
caso, por exemplo, da Brothers in Granite, que tem inclusive um galpão de
distribuição em Houston, no Estado do Texas, de onde envia seus produtos para
todo o território dos EUA.
A
empresa compra blocos de pedra natural — granito, quartzito, mármore — de
pedreiras ao redor do Brasil, corta e faz o polimento e acabamento dos produtos
em um parque industrial em Serra (ES) para depois exportar as chapas.
"Nós
dependemos 110% dos EUA", diz Daniel Salume, um dos fundadores da empresa,
ao falar da importância do mercado americano.
Ele e o
irmão, Fernando, montaram a Brothers in Granite em 2007, quando deixaram a
empresa de exportação em que trabalhavam para investir no próprio negócio, que
tem crescido de forma orgânica desde então.
A
companhia tem hoje cerca 7 funcionários nos EUA e 30 no Brasil, muitos dos
quais em férias coletivas no momento. A interrupção já estava em parte
programada para a realização da troca de maquinário, e veio a calhar neste
momento de incerteza.
A
empresa embarca por mês entre 12 e 15 contêineres para os EUA. Dos que foram
enviados no início de julho, ainda antes do anúncio do tarifaço, alguns ainda
estão nos navios a caminho dos portos americanos.
A
depender do trajeto e do tempo de parada em outros portos, o transporte de
rochas pode levar de três semanas a algo entre seis e oito semanas para atingir
o destino final.
"E
ninguém sabe exatamente qual é a data que conta para realmente receber a
taxação de 50%, se é a da saída do último porto do Brasil, a do primeiro porto
ou a da chegada aos EUA. Até agora isso não está claro para a gente",
comenta Salume.
O
estoque no centro de distribuição em Houston é suficiente para três meses.
Caso o
cenário de implementação das tarifas se concretize, Salume diz que estuda
reposicionar o negócio para talvez importar rochas ornamentais de outros países
e distribuir a partir da base que está montada em solo americano.
"Existem
algumas saídas nas quais a gente pode pensar. Nenhuma delas clara ainda, porque
estamos no meio da tempestade", ele pontua. "Entretanto, por não
sermos uma empresa de grande porte, conseguimos ser mais versáteis",
completa, otimista.
O
vice-presidente da Centrorochas, Fábio Cruz, ressalta que, para empresas de
médio e grande porte, é difícil pensar em alternativas neste momento.
"As
que têm um coeficiente de exportação muito elevado não conseguem simplesmente
escolher não mais exportar a partir de agora", comenta.
"Você
tem toda uma produção voltada para isso. E os prejuízos já estão
acontecendo."
Representantes
da entidade embarcam nesta quarta-feira (30/7) para Washington, onde
participarão de um encontro na embaixada do Brasil como parte da mobilização
internacional contra a tarifa.
A
associação está em contato com pelo menos duas entidades representativas dos
EUA que também têm se articulado para interceder junto ao governo americano
pelas exportações brasileiras.
São
eles a Natural Stone Institute (NSI), que representa a indústria de rochas, e a
National Association of Home Builders (NAHB), que reúne incorporadores,
empreiteiros e empresas da cadeia da construção civil.
Um dos
objetivos, segundo Cruz, é negociar uma extensão de 90 dias do prazo previsto
para início da vigência da medida.
"Eu
gostaria muito de acreditar que isso ainda é possível", ele afirma,
emendando que nesse período o setor poderia negociar uma "tarifa que seja
equivalente à dos outros países que competem com o Brasil".
"Pra
que o Brasil consiga pelo menos continuar no jogo", completa.
¨
Tarifaço ou tarifinho? Os produtos brasileiros que
escaparam de taxas de Trump
O
presidente americano, Donald Trump, assinou nesta quarta-feira (30/7) o decreto
que formaliza um aumento de 40% nas tarifas para produtos brasileiros. Mas o
texto traz uma série de exceções às taxações.
Setores
que estavam preocupados com a nova sobretaxa — como os de petróleo, laranja e
aviões — aparecem na lista de produtos brasileiros que serão isentos.
O
decreto de Trump detalha todos os produtos específicos isentos. Em geral,
minerais, produtos energéticos, metais básicos, fertilizantes, papel e
celulose, alguns produtos químicos e bens para aviação civil estão isentos da
tarifação adicional.
Carne,
frutas e café não entraram na lista de exceções. Mas na terça-feira (29/7) o
secretário de Comércio dos Estados Unidos abriu possibilidade de tarifa zero
para produtos agrícolas que os americanos não cultivam — algo que seria
aplicado a todos os parceiros comerciais, não apenas o Brasil.
Howard
Lutnick afirmou que o governo Trump considera aplicar tarifa zero para
alimentos que não são produzidos no país, como café, manga, abacaxi e cacau.
As
novas tarifas entrarão em vigor em sete dias, a partir do dia 6 de agosto.
Antes a previsão era que as novas taxas seriam implementadas já na sexta-feira
(1/8).
A
divulgação da medida ocorreu no mesmo dia em que o governo americano sancionou
o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, com base na
Lei Magnitsky.
Em
nota, a Casa Branca diz que adoção das tarifas visa "lidar com políticas,
práticas e ações recentes do Governo Brasileiro que constituem uma ameaça
incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia
dos Estados Unidos".
"A
ordem considera que a perseguição, intimidação, assédio, censura e processo
politicamente motivados pelo Governo Brasileiro contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro e milhares de seus apoiadores constituem graves violações dos
direitos humanos que minaram o Estado de Direito no Brasil", diz a nota da
Casa Branca.
No
processo contra Bolsonaro mencionado na nota, o ex-presidente é acusado de ter
orquestrado uma tentativa de golpe de Estado após perder a eleição para Luiz
Inácio Lula da Silva em 2022. Ele nega a acusação.
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Veja lista dos principais produtos que estão fora do tarifaço
Abaixo,
confira a lista dos principais produtos do Brasil que foram excluídos da nova
tarifa de 40% sobre importações para os Estados Unidos:
- Castanhas-do-brasil
com casca, frescas ou secas;
- Polpa e sucos de
laranja;
- Mica bruta;
- Minério de
ferro, aglomerado e não aglomerado;
- Minério de
estanho e concentrados;
- Diversos tipos
de carvão, linhito, turfa, coque, gás de carvão e outros derivados
minerais;
- Gases naturais,
propano, butano, etileno, propileno, butileno, butadieno;
- Matérias-primas
de alumínio, silício, óxido de alumínio, potassa cáustica;
- Diversos
produtos químicos, fertilizantes, cera, resíduos petrolíferos
- Madeira, cortiça
aglomerada, polpa química de madeira, polpa de algodão, polpa de fibras
vegetais, celulose;
- Prata e ouro, na
forma de lingote ou dore;
- Ferro-gusa,
ligas de ferro, ferronióbio, e outros produtos primários de ferro e aço;
- Linhas, tubos e
conexões de uso industrial, vários tipos de metais, borracha e plásticos
para aviação civil;
- Diversos artigos
de uso aeronáutico como pneus, motores, peças e turbinas;
- Insumos para
papel, papelão, celulose, artefatos de papel/papelão;
- Alguns tipos de
pedras, fibras, crocidolita, amianto, misturas de fricção;
- Fertilizantes
minerais e químicos de diversos tipos.
Fonte:
BBC News Brasil

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