quinta-feira, 31 de julho de 2025

"Desobediência Civil". O movimento antiguerra de Israel cresce

Imagens das vítimas aparecem na TV e em manifestações, universidades se dissociam e uma ONG chama a situação de genocídio. O ex-primeiro-ministro Barack convoca uma greve geral. Adi Ronen Argov acendeu a luz quando ninguém queria ver. Na Cisjordânia, documentando as jovens vítimas da ocupação israelense. E depois de 7 de outubro, coletando metodicamente os nomes, rostos e vozes das crianças mortas na infernal sucessão de guerras que engolfaram Israel e a Palestina: os israelenses massacrados pelo Hamas; os libaneses e iranianos soterrados pelas bombas israelenses. Acima de tudo, as crianças de Gaza.

Forcibly Involved, o site que ela fundou, tornou-se o único arquivo e testemunho em hebraico das pequenas vítimas da Faixa de Gaza, homenageado sem pretensão, exibindo os corpos e o sangue. "Atingimos tal nível de violência e crueldade que tentar tornar as coisas aceitáveis para aqueles que se recusam a saber é como apoiar o vício de alguém em drogas. Não vou embelezar a realidade", explicou ao Haaretz esta psicóloga de 59 anos, que se tornou sozinha um site de informações.

As fotos das crianças de Gaza abriram uma brecha: impressas em grandes cartazes, elas agora acompanham as manifestações contra a guerra, cada vez mais participadas em Israel. Elas pontuam os cruzamentos de cidades como Tel Aviv, os parques de Jerusalém, a entrada das bases militares. São os rostos da dissidência que cresce em Israel contra a guerra de Netanyahu, Smotrich e Ben Gvir, transbordando das praças, atingindo a elite, os intelectuais, a mídia. Pela primeira vez, as imagens da fome em Gaza aparecem nas redes de televisão convencionais, aparecem no Canal 12, que é público. Grupos de reservistas queimam nas ruas as cartas que os convocam para o front, porque, dizem eles, “não queremos ser cúmplices”. O número de suicídios entre os soldados cresce: 21 em 2024, 17 nesta primeira metade do ano.

Os reitores de cinco universidades israelenses escrevem ao primeiro-ministro para que ele ponha fim com urgência à “grave crise de fome” que está “causando danos imensos aos civis, incluindo crianças e bebês”, na Faixa. E, pela primeira vez, uma organização israelense, a B'Tselem, que há anos monitora as violações dos direitos humanos na Cisjordânia, publica um relatório que fala abertamente de “genocídio” em Gaza.

Meron Rapoport é, há muitos anos, a consciência crítica de Israel, intelectual de esquerda, jornalista premiado do Local Call, que nunca cedeu à lógica da separação. Em 2012, cofundou o projeto israelo-palestino A Land for All: ou seja, uma terra para todos. “A oposição à guerra é majoritária na sociedade israelense há mais de um ano, mas nas últimas semanas as imagens horríveis que chegam de Gaza mudaram algo profundamente, essas imagens da fome existem na memória coletiva dos judeus, no Holocausto”, diz ele. A rejeição foi além da esquerda pacifista.

Já em dezembro, causaram alvoroço as palavras de Moshe Ya'alon, ex-chefe do Estado-Maior e ministro da Defesa, que falou em limpeza étnica, como fez mais recentemente o ex-primeiro-ministro conservador Olmert, apontando os “crimes de guerra” cometidos pelo exército na Faixa. Desde março, quando Netanyahu decidiu romper o acordo com o Hamas e retomar as operações militares, a avalanche se tornou uma tempestade: “cresceu a oposição à guerra, mas também a oposição moral ao que está acontecendo em Gaza”, observa Rapoport.

Dois editoriais descrevem a vitória esmagadora. O primeiro foi escrito no Haaretz por Ehud Barak, ex-chefe do Estado-Maior do Exército e ex-primeiro-ministro trabalhista, que convocou a desobediência civil e uma greve geral para destituir um governo que está transformando Israel em um "Estado pária", empurrando-o para uma "ditadura" liderada pela visão messiânica de "Ben-Gvir e Smotrich, a ganância dos ultraortodoxos e os interesses pessoais de Benjamin Netanyahu".

A outra declaração, explosiva, é assinada por Dani Dayan, presidente do Yad Vashem, o arquivo memorial do Holocausto mais importante do mundo. Dayan não é pacifista. Ele vive em assentamentos ilegais na Cisjordânia e foi chefe do conselho de colonos na Cisjordânia, embora pertencesse à ala liberal do movimento. Ele rejeita a acusação de genocídio, "uma distorção perigosa", mas pede o retorno aos princípios morais do Estado judeu.

"Há muitos homens, mulheres e crianças sem qualquer ligação com o terrorismo que sofrem devastação, deslocamento e perdas. A angústia deles é real, e nossa tradição moral nos obriga a não nos desviarmos." Ele acusa o extremismo de líderes que "apelam a bombardeios indiscriminados, à negação de ajuda humanitária ou ao apagamento da distinção entre civis e terroristas", princípios contrários "aos nossos valores democráticos, humanos e judaicos".

Sua intervenção tem peso. "Embora muitos israelenses estivessem e continuem convencidos de que 'não há inocentes' em Gaza, essas fotos têm um impacto profundo, assim como o julgamento do Ocidente e o crescente 'não' do mundo, que não é apenas teórico, mas prático", diz Rapoport. Turistas israelenses estão sendo rejeitados na costa grega, expulsos de restaurantes italianos e espanhóis. "A Europa não é apenas um destino turístico, é de onde viemos em parte. A guerra em Gaza está se tornando uma ameaça à identidade de Israel".

¨      ‘Desobediência civil em Israel’, responde estudiosa em história judaica

Anna Foa, estudiosa da história judaica e da memória do Holocausto, responde às nossas perguntas sobre o tema da desobediência às ordens imorais do governo israelense. Em 4 de dezembro passado, ela deu uma entrevista a Giordano Cavallari, sobre seu livro O Suicídio de Israel.

<><> Eis a entrevista.

·        Querida Anna, o que você lembrou recentemente sobre a guerra de 1956 em Israel?

Após o início da guerra, um dia, o toque de recolher para a população civil palestina foi antecipado em duas horas. Um grupo de agricultores, ocupados nos campos e totalmente alheios à situação, foram abatidos pelo exército israelense quando voltavam para casa, na vila de Kefar Kassem: 49 pessoas morreram, incluindo mulheres e crianças. Isso provocou uma forte reação civil em Israel. O general Gurion, chefe do governo, foi ao Parlamento, impôs um minuto de silêncio e pediu desculpas aos palestinos. Houve então um julgamento regular, no fim do qual os responsáveis, que tinham dado a ordem de atirar, foram condenados. Eles não permaneceram presos por muito tempo, mas a sentença clara e definitiva foi dada.

O juiz Benjamin Halevy certa vez proferiu uma frase que continua sendo um ponto alto da lei, bem como da moral: "Sabe-se que se está diante de uma ilegalidade manifesta quando uma espécie de sinal acena como uma bandeira preta sobre a ordem em questão e avisa: 'proibido'."

·        Por que lembrar desse fato?

Porque hoje – dado o que está acontecendo em Gaza – eventos políticos e institucionais desse tipo, infelizmente, não podem se repetir em Israel.

·        Quer trazer à tona o caso recente do soldado Yair Golan?

Yair Golan era um oficial de alta patente do exército israelense que, em 07-10-2023, às primeiras notícias da agressão, vestiu novamente seu uniforme, pegou seu carro e foi salvar, quem e como podia, civis dos terroristas do Hamas. Ele é agora o líder da "esquerda" em Israel, que deriva da fusão de dois partidos de oposição a Netanyahu. Golan disse que há soldados israelenses que atiram em crianças palestinas “como um hobby”. Bem, ele foi destituído da capacidade de vestir o uniforme israelense novamente.

·        O gesto de Yair Golan é isolado?

Em Israel, um movimento de desobediência civil contra o governo de Netanyahu está ganhando força: do meu ponto de vista, isso é muito interessante. Nas páginas do Haaretz, o conhecido jornalista Gideon Levi escreveu claramente que alguém pode se recusar a obedecer a ordens injustas e imorais. Espero que este debate – sério e civilizado – em Israel continue e, assim, levante toda a sociedade israelense contra o massacre indiscriminado que o exército israelense está realizando em Gaza. O tema da obediência – e portanto da desobediência – às ordens é um tema “histórico” para Israel. Lembro-me de que até mesmo o líder nazista Eichmann, um dos principais responsáveis ​​pelo extermínio dos judeus na Europa, julgado em Israel e condenado à morte, sempre sustentou que simplesmente havia obedecido ordens.

·        A conexão entre os militares nazistas e israelenses é muito forte…

Pode ser uma justaposição muito forte, mas vem da história. Basta ler ou reler os documentos do julgamento de Eichmann ou dos julgamentos de Nüremberg: todos os réus, apoiados por seus advogados, sempre alegaram ter obedecido às ordens. Aqueles que estão atacando a população civil e as crianças de Gaza também estão seguindo ordens.

·        Esta é uma crítica forte para o bem de Israel?

Certamente. Acredito que apoiar firmemente a oposição a Netanyahu significa correr em auxílio de Israel e salvá-lo de seu suicídio, como escrevi em meu livro.

¨      Relatório de ONG israelense afirma que Israel atira contra crianças em Gaza

Na Faixa de Gaza, soldados israelenses matam e agridem crianças palestinas, que vivem sob o iminente risco de morte e sem perspectivas de futuro. É o que afirma um relatório da ONG israelense B’Tselem, que denuncia genocídio em Gaza. O documento, intitulado “Our Genocide” (nosso genocídio, em português), divulgado nesta última segunda-feira, 28 de julho, aponta as consequências severas causadas pelo conflito na também na saúde física e psicológica de crianças e suas mães, que não conseguem amamentar os seus filhos, em decorrência dos traumas.

O relatório da ONG é baseado em dados de entidades, reportagens e relatos. Desde que a guerra começou, em outubro de 2023, mais de 55 mil pessoas morreram em Gaza, sendo mais da metade mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde local.  As mortes aconteceram em bombardeios ou fuziladas pelas forças armadas do exército israelense, a mando do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que passou a sofrer críticas internacionais e foi condenado à prisão por “crime de guerra” pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Segundo o relatório da B’Tselem, os ataques israelenses não ocorrem somente por meio aéreo ou ataques a bombas. Há lugares conhecidos como “zonas de matança”, onde soldados do Exército de Israel abrem fogo deliberadamente contra cidadãos palestinos, incluindo crianças. “Essas práticas foram reforçadas por declarações de comandantes sobre assassinatos indiscriminados e por testemunhos de médicos voluntários em Gaza, incluindo evidências visuais de assassinatos deliberados por atiradores de elite contra crianças”, descreve o relatório.

As “zonas de matança” foram descritas por soldados israelenses como um lugar onde “era dada a permissão para atirar em qualquer um que fosse visto dentro delas” e os limites dessa área não eram bem claros até mesmo aos militares.

Um dos relatos trazidos no documento é o de Raja al-Harbiti, de 35 anos. Ela, o marido e os três filhos foram atropelados por um tanque de guerra israelense, mesmo segurando bandeiras brancas que pediam paz. O pai da família e uma das crianças foram dilacerados pelo veículo blindado, sobrevivendo apenas a mãe e os dois filhos que ficaram gravemente feridos. “Ibrahim [um dos filhos sobreviventes] continua revivendo o momento em que o tanque atingiu seu pai e seus irmãos. Ele continua descrevendo como a cabeça de Muhammad [irmão que morreu] foi decepada, e como Ahmad [o pai] sangrou muito. Ele se tornou agressivo e bate nas outras crianças ao seu redor. Ele grita muito, tem pesadelos à noite e urina na cama”, contou a mãe sobrevivente. “Toda vez que Sanaa [a segunda filha sobrevivente] ouve um barulho alto, ela fica muito assustada, coloca as mãos nos ouvidos e diz: ‘Tanque’. Ela também sofre de incontinência urinária. Sinto como se estivéssemos vivendo em um filme de terror”, declarou al-Harbiti.

<><> Crianças convivem com o medo da morte

Segundo o relatório, 96% da população infantil em Gaza acredita que vai morrer logo e outros 50% desejam a morte, em decorrência dos traumas gerados pelo conflito. Os dados são da ONG Save The Children, vinculada à ONU. Outro estudo citado foi divulgado pela organização Médicos Sem Fronteiras, em dezembro de 2024, e aponta que crianças palestinas apresentaram “ideação suicida, ansiedade, depressão e necessidade de apoio psicossocial”. De acordo com dados do Ministério da Saúde de Gaza, divulgados aos Médicos Pelos Direitos Humanos de Israel (PHRI), cerca de 4,7 mil pessoas tiveram membros do corpo amputados, incluindo quase mil crianças. Pela escassez de analgésicos, parte dos procedimentos foram feitos sem anestesia, inclusive em crianças.

Hala Rajabi, de 50 anos, contou à B’Tselem que soldados israelenses invadiram a sua casa, em julho de 2024, deliberadamente e a agrediram junto com os filhos, incluindo as crianças. “Muhammad [um dos filhos] ainda sofre com dores nos testículos e com ansiedade. Ele tem tido dificuldades para dormir desde o ataque. Diz que tem pesadelos com os soldados correndo atrás dele e o espancando. […] Eu realmente não me recuperei desde então. É muito difícil ficar ali parada, impotente, e ouvir soldados espancarem seus filhos dentro da sua própria casa”, contou a matriarca.

Como consequência do conflito, a população palestina perdeu 30 anos de expectativa de vida ao nascer, diz o relatório. Homens antes viviam, em média, 75 anos e agora não ultrapassam os 40. Para as mulheres, a diminuição foi de 77 para 47 anos.

<><> Fome e desnutrição 

A falta de alimentos adequados e o acesso à água potável também faz com que crianças nasçam com baixo peso e mães não consigam produzir leite para alimentar os recém-nascidos, o que resulta na morte de bebês, de acordo com o documento.

O relatório descreve que a fome também é uma forma de morte causada pelos ataques israelenses. “Todas são resultado direto da destruição das condições de vida na Faixa de Gaza, das restrições impostas por Israel à entrada de ajuda humanitária e do ataque israelense ao sistema de saúde, que se tornou incapaz de lidar com o fluxo contínuo de vítimas”, apontou o documento. “Meu filho mais novo, ‘Az a-Din, chorava muito e ficava repetindo: ‘Estou com fome’. Partia meu coração ouvir isso, e chorei por causa da situação dele, mas essa era a situação de todos. Expliquei a ele que todos estavam com fome e que não havia nada que eu pudesse fazer”, disse a matriarca de cinco filhos, Hala Sha’sha’ah, de 40 anos, ouvida pela ONG.

Sha’sha’ah é moradora da Cidade de Gaza, a maior do território palestino. Ela contou à B’Tselem que há dificuldade em encontrar carnes, vegetais e até mesmo farinha. “Chegamos a um ponto em que as pessoas estão comendo qualquer tipo de carne que conseguem encontrar, não importa a origem”, afirmou.

No último domingo, 27 de julho, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que “não há fome em Gaza” e que Israel havia permitido a entrada de ajuda humanitária durante a guerra, em um discurso proferido em um evento cristão, em Jerusalém.  Entretanto, a Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC, em inglês) divulgou um estudo, na última segunda-feira, 28 de julho, que classifica a Faixa de Gaza como o “pior cenário de fome neste momento” em todo o mundo.

¨      Os defensores de uma solução de dois Estados percebem que é hora de agir

 Pode ser uma semana memorável na diplomacia do Oriente Médio, e não apenas porque Keir Starmer — após muita hesitação — fez sua promessa histórica na terça-feira de que o Reino Unido reconheceria um estado palestino na assembleia geral da ONU em setembro se Israel não concordasse em cumprir certas condições. O dia foi importante porque em Nova York, Bruxelas, Jerusalém e até mesmo Berlim as linhas de batalha estão se tornando mais claras entre as visões moderadas e extremistas sobre o futuro de Gaza e da Cisjordânia quando a guerra finalmente terminar.

Os defensores de uma solução de dois Estados, incluindo uma Autoridade Palestina radicalmente reformada governando sem o Hamas, finalmente perceberam que a hora de agir é agora, ou então correm o risco de sua visão ser enterrada por Benjamin Netanyahu e seu ministro das Finanças de extrema direita, Bezalel Smotrich, sob a supervisão benevolente de Donald Trump. A escolha é entre a coexistência e o deslocamento forçado de centenas de milhares de palestinos. A política britânica de que poderia evitar usar a "carta do reconhecimento" até o ponto de impacto máximo no processo de paz baseava-se na crença de que o Reino Unido ainda tinha influência no Oriente Médio, mas também se apoiava em uma interpretação ultrapassada da trajetória futura da política israelense. A realidade é que, após 7 de outubro, Israel se distanciou cada vez mais das noções de uma solução de dois Estados.

Na terça-feira, Smotrich afirmou que o restabelecimento dos assentamentos israelenses em Gaza não era mais "uma ilusão, mas parte do que se tornou um plano de trabalho realista. Gaza é parte inseparável da Terra de Israel", afirmou. A declaração ocorre em meio a relatos de que Netanyahu dará ao Hamas alguns dias para concordar com um cessar-fogo em seus termos e, caso contrário, começará a anexar partes da Faixa de Gaza. Smotrich também disse sobre a Cisjordânia: "Israel está fazendo uma revolução lá ao implementar a soberania de fato, regulamentando a construção, fazendo declarações que mudam o DNA de todo o sistema e pavimentando estradas". A soberania formal sobre a Cisjordânia será concluída durante o mandato do governo, ele previu.

Nesse contexto, tornou-se absolutamente crucial que os defensores de uma solução de dois Estados se mobilizassem, mesmo que fosse para uma última resistência, a fim de impedir que o conceito fosse destruído pelas escavadeiras israelenses. Nas palavras do ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot, a solução de dois Estados estava "em perigo mortal. De ambos os lados, os proponentes da rejeição parecem estar vencendo".

Uma conferência adiada em Nova York, realizada esta semana, proporcionou a chance de reverter a situação. Barrot argumentou: "Após 22 meses de tentativas infrutíferas, é ilusório esperar que um cessar-fogo duradouro possa ser alcançado sem delinear uma visão compartilhada para o pós-guerra em Gaza, sem traçar um horizonte político, uma alternativa a um estado de guerra permanente." Antes da conferência, o presidente francês, Emmanuel Macron, apresentou uma carta do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, na qual fez uma série de concessões. Entre outros compromissos, a AP se comprometeu a realizar eleições presidenciais dentro de um ano em todos os territórios ocupados, incluindo Jerusalém Oriental. O objetivo era alcançar a renovação geracional – e a renúncia de Abbas, de 89 anos. Em discurso na conferência de Nova York, o primeiro-ministro palestino, Mohammad Mustafa, reiterou que o Hamas deve se manter afastado.

Mas a conferência, copresidida pela França e pela Arábia Saudita, não se concentrou apenas na reforma da AP e na marginalização do Hamas, ela estabeleceu um documento de sete páginas — a declaração de Nova York — contendo um caminho para uma solução de dois Estados, na qual a segurança de Israel pode ser garantida sem mais ocupação, repressão e anexação, a visão distópica sombria oferecida por Netanyahu.

A declaração reúne planos árabes e europeus anteriores do pós-guerra para Gaza. Ela propõe: “Após o cessar-fogo, um comitê administrativo de transição deve ser imediatamente estabelecido para operar em Gaza sob a égide da Autoridade Palestina. A declaração apoia a implantação de uma missão temporária de estabilização internacional, mandatada pelo Conselho de Segurança da ONU, e saúda “a disponibilidade expressa por alguns Estados-membros para contribuírem com tropas”. Enfatizou que Gaza era parte integrante do Estado Palestino e deveria ser unificada com a Cisjordânia. O Hamas deve pôr fim ao seu domínio em Gaza e entregar suas armas à Autoridade Palestina, mediante engajamento internacional. Também defende a aspiração de que o fim do conflito israelo-palestino leve a uma solução regional mais ampla, mesmo que os Estados do Golfo atualmente se recusem a oferecer a normalização com Israel. Neste contexto mais amplo, o debate interno britânico sobre a condicionalidade associada ao compromisso britânico de reconhecer um Estado palestino parece um tanto marginal.

Da esquerda, Starmer enfrenta críticas por não oferecer reconhecimento como uma afirmação de princípios do direito dos palestinos à autodeterminação. Sua oferta certamente carecia da retórica pomposa sobre a criação de um Estado presente na proposta francesa, e parece equivocado apresentá-la como uma punição contra Israel. Além disso, ao se recusar a agir em conjunto com Macron na semana passada, a decisão de Starmer pareceu ser um recuo diante de uma rebelião interna, em vez de uma demonstração de liderança. No entanto, a decisão do Reino Unido foi recebida calorosamente em Nova York quando anunciada pelo Secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, David Lammy. A condicionalidade, o último vestígio da indecisão britânica sobre o uso do reconhecimento como um trunfo influente, também ajuda a esclarecer que Israel enfrenta uma escolha essencial entre conflito e coexistência. Como Israel rejeitou imediatamente os termos de Starmer, o reconhecimento do Reino Unido agora parece inevitável em setembro.

Há sinais crescentes também em Bruxelas e Berlim de que a paciência com os métodos de Netanyahu se esgotou, mesmo que não consigam chegar a um acordo sobre uma forma de punição. Nos EUA, a última pesquisa Gallup mostra que apenas 8% dos democratas apoiam a estratégia de Israel. Agora, cabe aos diplomatas aproveitar o impulso criado em Nova York e a repulsa mundial à guerra de Israel em Gaza para persuadir Donald Trump a pensar de forma mais estratégica sobre a paz palestina. Isso pode se mostrar impossível, mas pelo menos as bases já foram lançadas.

 

Fonte: La Repubblica/Settimana News/Agencia Pública/The Guardian

 

Nenhum comentário: