terça-feira, 29 de julho de 2025

Tarifaço dos EUA: o que o mercado espera para 1° de agosto

"Esperar para ver": este é o sentimento que toma conta dos agentes do mercado financeiro a menos de uma semana o início das tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos em produtos importados do Brasil, nesta sexta-feira (1º).

O clima de indefinição para os efeitos no país ocorre em paralelo aos anúncios de acordos entre Donald Trump e outros líderes globais. Neste domingo (27), foi a vez da União Europeia, que firmou acerto de 15% para a venda de itens ao mercado norte-americano.

Para o Brasil, contudo, os economistas e gestores esperam a aplicação efetiva dos 50%, mas esperam por uma negociação após choques econômicos para os dois países.

"Se impactar na economia real [americana], os assessores de Trump vão pedir para não continuar, porque o americano é racional. E esperamos que peçam acordos setoriais, com setor do café e com o da laranja, por exemplo", afirma Stephan de Sabrit, managing partner do Grupo Leste.

Com mais de R$ 16 bilhões em gestão, Sabrit acompanha a situação com preocupação, sobretudo porque a maioria dos investidores atendidos por ele são brasileiros.

"É o famoso 'esperar para ver', porque Trump sempre volta atrás. A maioria dos nossos investimentos são de médio e longo prazo. E vejo que as coisas vão se acertar ainda no médio prazo", diz o investidor.

Ao chegar no Brasil, Sabrit conta que se deu conta da dimensão do tarifaço, visto que nos EUA a situação brasileira é acompanhada como mais um país na lista de tarifas de Trump.

O clima de expectativa também inclui o empenho da via diplomática brasileira. Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, destaca a falta de interlocução entre Brasília e Washington após diversas tentativas dos brasileiros de trazer os americanos para a mesa de negociação.

"Esperamos que o Brasil negocie a questão dos minerais críticos e anuncie investimentos, adotando uma postura diplomática para postergar as tarifas. Acontece que os EUA não estão ouvindo", afirma.

<><> Efeitos na bolsa

Há semanas, mercados do mundo inteiro operam de olho nas negociações de Trump. Esta antecipação das causas, dizem os analistas, já está embutida nos preços dos ativos, blindando a bolsa brasileira de grandes variações nos próximos dias.

O movimento antecipado dos investidores faz com que o Ibovespa encerre julho com queda de quase 4%, revertendo uma série de quatro meses seguidos de fechamentos mensais no azul.

"Não se espera grande volatilidade no Ibovespa, porque o mercado já precificou as tarifas e confia nas vias diplomáticas brasileiras", diz Sung.

O que anima os investidores, por outro lado, é a perspectiva de firmar acordos comerciais com Trump.

Mas um dos obstáculos do Brasil ainda é o fator político, único diferencial de todos os outros países taxados, no qual Trump pede o fim de um processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Sung espera que mais empresas recorram à Justiça americana para evitar o tarifaço contra o Brasil. Ele faz menção ao caso da Johanna Foods, importadora americana de suco de laranja, que acionou a Justiça na semana passada.

"Isso vai ser uma tendência a partir de agora. Mais empresas, de diferentes setores, vão buscar a Justiça", afirma.

•        Do agro à indústria, empresas têm vendas aos EUA suspensas antes de tarifas

Às vésperas de entrar em vigor a tarifa de 50% prometida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, empresas brasileiras do agronegócio à indústria têm contratos de exportação suspensos e embarques de mercadorias ao país norte-americano cancelados.

Um dos setores que já admite perdas é o de pescados. O presidente da Abipesca (Associação Brasileira das Indústrias de Pescados), Eduardo Lobo, disse em entrevista à CNN que “todos os embarques de mercadorias foram suspensos e pedidos foram cancelados”.

“Em vigorando a taxa de 50% ninguém vai exportar e a cadeia produtora vai travar”, completou o executivo.

Relata situação semelhante o segmento madeireiro. Paulo Roberto Pupo, superintendente da Abimci (Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente), disse à CNN que “há alguns contratos cancelados e uma série de embarques postergados até que a situação da tarifa se defina”.

“Em função disso, várias empresas já estão diminuindo produção, cortando turnos e várias já têm anúncio de férias coletivas”, concluiu.

Já importadores norte-americanos de ferro-gusa — matéria-prima para o aço — anunciaram a suspensão de contratos com fornecedores do Brasil, segundo Fernando Varela, presidente do Sindifer (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico do Estado do Espírito Santo).

Apesar de o cancelamento de pedidos ainda não estar na mesa, Varela ressalta que empresários encaram a proximidade do prazo e a falta de resolução com temor. "Está chegando o dia e até agora não foi vista uma ação concreta de negociação por parte do governo", opinou.

No segmento de suco de laranja, não há relatos de cancelamentos de embarque ou suspensão de contratos, segundo um representante setorial consultado pela CNN. O relato, contudo, é de que a negociação de novas vendas estão paralisadas enquanto há incertezas sobre as taxas.

Nem todos os segmentos de exportação relevante aos EUA relatam impacto, contudo. Representantes dos setores de café e de carne bovina disseram à CNN que ainda não há registro de suspensão de contratos ou cancelamentos de embarques.

O setor produtivo, por meio de associações e entidades representativas, vem pedindo ao governo federal pragmatismo nas negociações com os EUA e a extensão do prazo para o início da vigência da taxa. Auxiliares de Donald Trump reiteraram nos últimos dias que os 50% valerão em 1º de agosto.

•        Governo mapeia mercados para redirecionar produtos do agro

O governo federal mapeia mercados para o redirecionamento de produtos agropecuários que deixarão de ser exportados para os Estados Unidos, caso a tarifa de 50% entre em vigor em 1º de agosto.

São duas frentes: a abertura de novos mercados e a ampliação de fluxos comerciais para destinos para os quais os produtos já são exportados, relatam fontes ao Broadcast Agro.

O diagnóstico de destinos alvos está sendo feito pelo Ministério da Agricultura juntamente com o Ministério das Relações Exteriores e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O Oriente Médio e a Ásia estão na mira das ações.

O foco inicial está nos setores mais atingidos pela tarifa de 50% e mais expostos ao mercado norte-americano, caso do suco de laranja, do café, da carne bovina, das frutas e dos pescados, apurou o Broadcast Agro.

O governo alinha a estratégia conjuntamente com o setor privado, sobretudo quanto a quais mercados devem ser priorizados nas negociações bilaterais. Em outra ponta, adidos agrícolas que atuam nas embaixadas no exterior foram orientados a procurar importadores para colocar o país à disposição e identificar oportunidades no exterior.

Em paralelo, câmaras de comércio já acionam o governo para apresentar seus países como possível destino para o redirecionamento dos produtos brasileiros, caso dos países árabes.

Um raio-x inicial apresentado ao setor produtivo pelo Ministério da Agricultura a entidades que representam os exportadores do setor inclui a conclusão de tratativas de aberturas de mercado, a habilitação de frigoríficos e a negociação para redução tarifária de alguns produtos.

"Todas as alternativas estão à mesa para minimizar o máximo possível os impactos do fluxo comercial afetado com os Estados Unidos. O primeiro passo é olhar os setores que terão vendas inviabilizadas aos EUA com a taxa de 50% e realizar busca ativa de oportunidades", afirma um interlocutor que acompanha as tratativas.

No Ministério da Agricultura, há recomendação de reforçar agendas do ministro com seus pares de outros países para acelerar as conversas com países importadores em alto nível e destravar negociações em curso.

Entre as possibilidades citadas estão a abertura do Japão, da Turquia e da Coreia do Sul para a carne bovina brasileira, tratativas que estão em andamento. O processo mais avançado é com o Japão, que já fez auditoria no sistema sanitário nacional e deve dar o aval à proteína brasileira em novembro deste ano.

Ainda em carne bovina, o Brasil negocia a ampliação de frigoríficos habilitados a exportar o produto para Indonésia, Vietnã e México. Há pedido de habilitação de pelo menos 50 plantas somando os três destinos. O aval depende da autoridade sanitária de cada país importador.

No caso do suco de laranja, uma das negociações no pipeline envolve o pedido de redução de alíquota cobrada pela China para importação do produto brasileiro, que chega lá com imposto de 7,5% ou 20%, o que hoje limita os embarques ao país.

A Arábia Saudita também é citada como um destino para ampliar as vendas externas de suco de laranja.

•        Os ataques flagrantes de Trump ao direito internacional não são novidade para os EUA. São bipartidários. Por Ben Norton

O governo Donald Trump lançou muitos ataques frontais às organizações multilaterais e ao direito internacional.

No entanto, essas claras violações do direito internacional não são novidade para os presidentes dos EUA. A oposição ao multilateralismo tem sido uma característica bipartidária da política americana por muitas décadas.

Em fevereiro, Trump retirou os Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDHNU), repetindo uma ação que havia feito em 2018, durante seu primeiro mandato.

O governo Trump também atacou a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) e anunciou que havia cortado o financiamento dos EUA tanto para a UNRWA quanto para o CDH da ONU.

Então, em julho, Trump retirou os Estados Unidos da UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

O Departamento de Estado dos EUA reclamou que “a decisão da UNESCO de admitir o 'Estado da Palestina' como Estado-Membro é altamente problemática, contrária à política dos EUA e contribuiu para a proliferação da retórica anti-Israel dentro da organização”.

Durante seu primeiro mandato, em 2017, Trump também retirou os EUA da UNESCO.

Em contraste superficial com Trump, o governo Joe Biden empregou cinicamente uma retórica sobre multilateralismo. Mas era apenas marketing, pois Washington ainda agia de forma agressiva e unilateral.

Em 2021, Biden fez com que os EUA voltassem a integrar o Conselho de Direitos Humanos da ONU . Seu Secretário de Estado, Antony Blinken, insistiu que Washington estava defendendo a chamada " ordem internacional baseada em regras".

Em 2023, o governo Biden até voltou a integrar a UNESCO — embora este tenha sido o mesmo ano em que o governo dos EUA patrocinou um genocídio em Gaza , inundou Israel com US$ 18 bilhões em ajuda militar e vetou unilateralmente inúmeras resoluções do Conselho de Segurança da ONU que pediam um cessar-fogo.

Na verdade, Trump assumiu o crédito em 2025 por suspender o financiamento dos EUA para a UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinos, mas a Reuters publicou uma verificação de fatos observando que ela já havia sido interrompida pelo governo Biden em 2024 .

Mais uma vez, a oposição ao direito internacional é bipartidária em Washington.

Críticos democratas retrataram Trump como uma ameaça única devido à sua flagrante oposição ao direito internacional.

A grande mídia frequentemente repete esse tropo enganoso , criando a narrativa de que o governo dos EUA apoiava o multilateralismo e o direito internacional até que Trump apareceu e destruiu tudo.

Isso é completamente falso, a-histórico e absurdo.

Não é preciso voltar muito na história para ver os inúmeros exemplos de Washington atacando descaradamente o direito internacional.

George W. Bush assinou a Lei de Invasão de Haia em 2002, ameaçando intervir militarmente caso Haia julgasse autoridades americanas ou seus aliados. No mesmo ano, ele também "desassinou" o tratado que institui o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Quando a Casa Branca de Trump impôs sanções ao TPI em fevereiro de 2025, citou a Lei de Invasão de Haia da era Bush (oficialmente chamada de Lei de Proteção aos Militares Americanos) para justificar a ação agressiva.

Bush também se retirou de um importante tratado internacional sobre mudanças climáticas em 2001. Trump fez o mesmo mais tarde, retirando-se do Acordo de Paris, que é um tratado internacional juridicamente vinculativo sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Então, é claro, Bush invadiu o Iraque em uma guerra criminosa de agressão, que o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, disse claramente violar o direito internacional . Um milhão de iraquianos morreram devido a essa guerra imperial ilegal.

Não são apenas os republicanos que travam essas guerras políticas contra o direito internacional; os democratas também.

Sabe quem ajudou a estabelecer o precedente para o ataque à UNESCO? Barack Obama. Ele cortou o financiamento americano à UNESCO em 2011 , depois que o órgão da ONU votou pela admissão da Palestina.

Em 2016, Obama assinou o maior acordo de ajuda militar dos EUA ao regime colonial israelense da história, no valor de US$ 38 bilhões.

Da mesma forma, Obama travou guerras na Síria, Líbia e Iêmen, sem mencionar suas guerras com drones no Paquistão e na Somália e sua continuação da ocupação militar dos EUA no Afeganistão.

Ronald Reagan também tinha muitas semelhanças com Donald Trump. Em 1983-84, décadas antes de Trump chegar ao poder, Reagan retirou os EUA da UNESCO .

O governo Reagan reclamou que o órgão da ONU era "coletivista", discutiu propostas de desarmamento (leia-se: paz) e considerou a Nova Ordem Econômica Internacional exigida pelos países anteriormente colonizados do Sul Global.

Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA sob Reagan também atacou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o programa ambiental das Nações Unidas, a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a União Internacional de Telecomunicações, informou o New York Times na época.

Na década de 1980, Reagan desrespeitou o direito internacional ao travar inúmeras guerras criminosas de agressão.

Em 1983, os EUA invadiram a pequena nação caribenha de Granada para derrubar violentamente seu governo revolucionário anti-imperialista.

O governo Reagan também lançou uma guerra sangrenta contra a Nicarágua , recorrendo a táticas terroristas e esquadrões da morte de extrema direita em uma tentativa desesperada de derrubar seu governo sandinista de esquerda.

A Nicarágua entrou com uma ação judicial contra os Estados Unidos em 1984 na Corte Internacional de Justiça (CIJ) da ONU. O regime americano perdeu o caso, mas Washington se recusou a pagar reparações à Nicarágua , que ainda são legalmente devidas até hoje.

Em suma, o que Donald Trump está fazendo hoje — retirando os EUA dos órgãos da ONU, rasgando tratados sobre mudanças climáticas e atacando organizações multilaterais — é exatamente o que o império americano tem feito há décadas, independentemente de quem seja o presidente do regime.

O próprio Trump não é o único problema; ele é um sintoma da profunda podridão estrutural. O problema é o imperialismo americano, e ele é completamente bipartidário.

 

Fonte: CNN Brasil/Brasil 247

 

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