Parkinson,
respiração e coração: o que músculos inspiratórios têm a ver com a saúde
cardíaca
De
repente, o corpo se curva, o passo fica mais lento, as mãos tremem, a fala
enfraquece e a memória recente começa a falhar. Esses sinais, muitas vezes
associados ao envelhecimento, podem também ser sintomas da doença de Parkinson,
uma condição neurológica progressiva que afeta principalmente pessoas com mais
de 60 anos.
Descrita
pela primeira vez em 1817, pelo médico britânico James Parkinson, a doença é a
segunda condição neurodegenerativa mais comum no mundo, perdendo apenas para o
Alzheimer. Estima-se que cerca de 1% das pessoas com mais de 65 anos convivam
com o Parkinson. No Brasil, esse número gira em torno de 200 mil pacientes
diagnosticados.
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Por que decidi pesquisar Parkinson?
Há
alguns anos, decidi me aprofundar no estudo da doença de Parkinson impulsionado
pela sua forte relação com o sistema nervoso autônomo, meu foco de estudo desde
o começo da carreira.
Como
pesquisador do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade
Federal Fluminense, busco entender não apenas como a doença afeta o sistema
nervoso autônomo, mas também como o corpo pode se adaptar, mesmo em meio à
degeneração neurológica. E, recentemente, isso nos levou a investigar algo
aparentemente simples, mas extremamente promissor: a respiração.
No dia
21 de julho, tivemos a satisfação de ver nosso artigo científico publicado no
periódico Autonomic Neuroscience: Basic and Clinical, da editora Elsevier. O
estudo aponta que um treinamento respiratório feito em casa pode melhorar a
função autonômica cardíaca de pacientes com Parkinson.
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Treinar os músculos da respiração: uma proposta sem remédio
A
proposta do nosso estudo foi testar os efeitos do treinamento muscular
inspiratório, conhecido pela sigla TMI, que é um tipo de exercício feito com
aparelhos simples, que aumentam a resistência à inspiração, fortalecendo os
músculos responsáveis por puxar o ar para os pulmões.
Essa
técnica já é usada com sucesso em diversas populações, como atletas, idosos e
pessoas com doenças respiratórias. No nosso caso, queríamos saber se esse
treinamento poderia melhorar o controle autonômico do coração, ou seja, a forma
como o sistema nervoso regula, automaticamente, a frequência cardíaca e a
resposta do corpo a mudanças posturais, como levantar-se de uma cadeira ou da
cama.
O
sistema nervoso autônomo possui dois ramos principais: o simpático, que acelera
o coração em situações de estresse, e o parassimpático ou vagal, que atua como
freio, diminuindo a frequência cardíaca em momentos de repouso. Em pacientes
com Parkinson, esse equilíbrio costuma estar comprometido, especialmente
durante situações de estresse postural, como a mudança da posição sentada para
a em pé, o que pode levar a tonturas, queda de pressão e até desmaios.
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Nosso experimento: respiração e sistema nervoso
No
estudo, avaliamos oito pacientes com doença de Parkinson e oito voluntários
saudáveis, em idades semelhantes. Eles passaram por cinco semanas de
treinamento muscular inspiratório em casa, utilizando aparelhos simples que
aumentam a resistência à inspiração.
Antes e
depois do programa, medimos dois indicadores principais: a pressão inspiratória
máxima — uma medida da força dos músculos respiratórios; e a variabilidade da
frequência cardíaca — uma forma de avaliar a saúde do sistema nervoso autônomo,
especialmente a atividade vagal.
Os
testes foram feitos em duas situações: na posição sentada que foi identificada
como repouso, e durante estresse ortostático, que é uma situação em que o corpo
é desafiado a manter a pressão arterial estável ao ficar em pé.
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Resultados promissores, especialmente para quem tem Parkinson
Ambos
os grupos (com e sem Parkinson) apresentaram melhora na força muscular
inspiratória e na atividade vagal em repouso. Mas o que mais nos chamou a
atenção foi que apenas os pacientes com Parkinson mostraram melhora na resposta
do coração ao estresse ortostático após o treinamento.
Isso
sugere que esse tipo de treinamento pode ajudar o organismo a se adaptar melhor
a mudanças posturais, o que pode reduzir sintomas como tonturas, fadiga e até
quedas, tão comuns em pessoas com Parkinson.
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Por que a respiração afeta o coração?
A
relação entre respiração e batimentos cardíacos é profunda. A cada inspiração,
o coração tende a acelerar levemente; ao expirar, ele desacelera. Esse fenômeno
é regulado, em grande parte, pelo nervo vago, importante componente do sistema
nervoso parassimpático.
O
treinamento inspiratório parece influenciar esse equilíbrio ao prolongar o
tempo da expiração, o que favorece a ação vagal sobre o coração. Em outras
palavras: ao treinar os músculos respiratórios, estamos estimulando uma parte
do sistema nervoso que protege o coração e ajuda a controlar a pressão
arterial.
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O que já sabíamos e o que ainda precisamos saber
Nossos
achados estão em linha com nosso estudo anteriorde revisão sistemática da
literatura, publicado no Archives of Gerontology and Geriatrics que mostra que
o treinamento inspiratório pode melhorar a modulação vagal cardíaca, a pressão
arterial e o desempenho físico mesmo em idosos considerados saudáveis. Mas o
nosso recém publicado artigo traz um dado novo: apenas cinco semanas de
treinamento já são suficientes para gerar benefícios autonômicos relevantes,
destacando ainda a forma segura e prática, pois foi realizado no próprio
ambiente domiciliar dos pacientes.
Claro
que ainda temos muito a investigar. Nosso estudo foi um piloto, com número
reduzido de participantes. E não avaliamos pacientes com Parkinson avançado e
com sintomas severos da doença, e que exigiriam acompanhamento mais rigoroso.
Planejamos
ampliar a amostra e incluir testes mais detalhados de disfunção autonômica,
como o teste de inclinação (head-up tilt). Mas já podemos dizer que o
treinamento inspiratório se mostra uma ferramenta promissora, barata e de fácil
aplicação no manejo da doença.
Nossa
pesquisa, apoiada pela Capes e pela Faperj, mostra que é possível buscar
alternativas não farmacológicas, seguras e acessíveis para melhorar a qualidade
de vida de quem convive com o Parkinson. Acreditamos e nosso estudo mostra que
o corpo, mesmo diante da neurodegeneração, ainda pode aprender, adaptar-se e
responder a estímulos simples como o ato de respirar melhor.
Fonte:
Por Gabriel Dias Rodrigues, para The Conversation Brasil

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