terça-feira, 29 de julho de 2025

Marcus Coelho: A educação também pode ser engolida pela IA

Estamos vivendo o início de uma transformação sem precedentes: a revolução da Inteligência Artificial. E há uma pergunta que, como líder educacional, não posso deixar de fazer: o que a educação vai fazer com essa onda? Porque, se não nos apropriarmos da IA em todos os níveis, desde a escola básica até a universidade, corremos o risco de sermos engolidos por ela.

A urgência desse tema não é apenas para quem trabalha diretamente com tecnologia. Executivos de todas as áreas, de marketing a RH, de finanças à logística, precisam entender, de fato, o que é IA, suas possibilidades e limites. Diversos estudos mostram que as empresas globais estão aumentando seus investimentos em IA, mas também afirmam que seus líderes não estão preparados para tomar decisões estratégicas sobre o tema. Essa lacuna entre a ferramenta mais inovadora dos últimos tempos e a gestão pode custar caro, seja em competitividade, eficiência ou reputação

Surge então uma questão legítima: se já sou CEO ou diretor e estou no topo da pirâmide, por que deveria fazer um curso de IA? A resposta é simples: para garantir simetria de conhecimento na organização. Não basta que cada um estude onde quiser, do seu jeito. É preciso que líderes e times compartilhem a mesma linguagem, os mesmos conceitos e compreendam as implicações éticas, jurídicas e operacionais da tecnologia.

Um programa corporativo de letramento em IA, por exemplo, cumpre esse papel. Ele atualiza o executivo, dá repertório para questionar e decidir, e nivela o time. Coloca todos na mesma página. Isso evita o risco de conversas desconectadas, onde cada área entende IA de um jeito, sem convergência para a estratégia do negócio

Esse tipo de diretriz institucional em relação à IA tem se mostrado cada vez mais necessária em diversos setores. A difusão de uma tecnologia transformadora desafia a capacidade de qualquer líder de estabelecer parâmetros e testa o equilíbrio entre o incentivo à inovação e o estabelecimento de regras que garantam o uso com responsabilidade e segurança.

Na educação, isso fica ainda mais importante: afinal, se somos nós os responsáveis por transmitir conhecimento e formar indivíduos, precisamos também ter um entendimento claro da nossa própria relação estratégica, enquanto líderes, com essas novidades tecnológicas.

No Brasil, ainda estamos muito atrás na formação executiva em IA. Levantamento recente do IBM Global AI Adoption Index mostra que 59% das empresas brasileiras exploram IA de alguma forma, mas menos de 20% afirmam ter líderes bem preparados para integrá-la às decisões estratégicas. Esse abismo precisa ser fechado. E é papel da educação preencher essa lacuna.

Estamos falando de um novo tipo de alfabetização, que vai além do saber técnico e abrange uma mudança de mentalidade. Não se trata deformar programadores, mas de formar decisores capazes de entender os fundamentos da IA e de fazer as perguntas certas. O que pode ser automatizado? O que exige supervisão humana? Como garantir transparência? Essa base comum de entendimento é o que vai permitir decisões mais sólidas, mais ágeis e mais alinhadas aos objetivos do negócio.

Se a escola, a universidade e as empresas não liderarem esse movimento, a IA vai liderar por nós. Ou aprendemos a usá-la, ou seremos conduzidos por ela. Educação nunca foi tão estratégica. E o letramento em IA não é apenas um diferencial, é uma questão de sobrevivência corporativa. É o que definirá quem lidera e quem será liderado nos próximos anos.

•        Dedicação exclusiva de professores faz a diferença na aprendizagem

Um estudo revelou que, em escolas brasileiras onde mais de 80% dos professores atuam em tempo integral, os estudantes apresentam, em média, desempenho 10 pontos superior em matemática. O dado está presente no relatório Perspectivas Internacionais para o Fortalecimento dos Anos Finais do Ensino Fundamental: Diálogos com Foco em Políticas para o Brasil, realizado pelo Itaú Social em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

No entanto, apesar dos efeitos positivos no aprendizado dos estudantes, 20% dos professores no Brasil que atuam nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) trabalham em duas ou mais escolas, enquanto a média global é de apenas 5%, segundo a pesquisa. Esse é o caso de Ioralice Domingos de Oliveira, de 32 anos, professora de matemática. Ela leciona há cinco meses no Centro de Ensino Médio Integrado (Cemi) do Cruzeiro e, desde o dia 18 deste mês, também dá aulas no Centro Educacional Lago Norte.

A professora explica que a decisão de lecionar em outra escola foi motivada por questões financeiras. “Desde o começo do ano, eu procurava outra escola para completar minha carga horária. Sempre foi uma necessidade financeira mesmo, porque os custos hoje em dia estão muito altos e eu estava ficando apertada com as minhas contas”, compartilha. Para ela, encontrar outra escola ajudou a equilibrar suas finanças.

No entanto, Ioralice reconhece que essa ainda não é a condição ideal. Segundo ela, lecionar em uma única escola, em tempo integral, permite compreender melhor as necessidades da unidade e organizar o planejamento de forma mais eficiente. No caso dela, por exemplo, quando trabalha apenas em uma escola, pode ser designada para turmas do mesmo ano — como o 1º ano A, B e C. Isso permite preparar uma única aula para todas as turmas, facilitando o planejamento.

Já quando atua em duas escolas, a situação se complica. Em uma pode estar com o 1º ano e, na outra, com o 8º ano. Como os conteúdos são diferentes, precisa preparar aulas distintas, o que dobra o trabalho. Estar em apenas uma escola ajuda a reduzir essa sobrecarga.

Além disso, Ioralice destaca que o deslocamento entre as escolas é bastante cansativo, especialmente para quem depende do transporte público, como é o caso dela. “Lecionar em duas escolas realmente sobrecarrega a gente. E tem também a questão do tempo de deslocamento. Por exemplo, sair de uma escola e ter que correr para a outra é muito cansativo. No meu caso, eu levo cerca de uma hora e meia nesse trajeto. E isso pesa, porque nesse tempo eu poderia estar corrigindo atividades, planejando aulas ou até descansando. No fim das contas, é algo bastante desgastante”, relata.

Segundo Sonia Dias, gerente de Desenvolvimento e Soluções do Itaú Social, o elevado número de professores que lecionam em duas ou mais escolas se deve a diversos fatores. Ela explica que, entre as décadas de 1960 e 1980, o Brasil passou por um intenso esforço de ampliação do acesso à educação. Durante esse período, foram construídas muitas escolas e houve um aumento significativo no número de matrículas, uma vez que o acesso sempre foi historicamente limitado no país.

Para atender a essa crescente demanda, muitas escolas adotaram o funcionamento por turnos, uma prática ainda comum. Existem unidades escolares que operam das 7h às 11h, das 11h às 15h, das 15h às 19h e, em alguns casos, até das 19h às 23h. Isso permitiu aumentar o número de matrículas, mas também criou uma realidade em que muitos professores atuam em várias escolas para compor sua carga horária e sua renda. “Em outros países, que já tinham o acesso à educação mais consolidado, a jornada escolar costuma ser mais longa, com cerca de sete horas por dia”, destaca.

Sonia afirma que, atualmente, o foco da Fundação Itaú Social tem sido apoiar a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, pois os estudos mostram que a dedicação do professor, especialmente em tempo integral e em boas condições, faz toda a diferença no desempenho dos estudantes.

<><> Professor é a peça-chave

De acordo com Sonia Dias, estudos realizados pela Fundação Itaú Social e por outras instituições mostram que o professor é o fator que mais impacta a aprendizagem. “O vínculo, o cuidado, a escuta... tudo isso é fundamental. Um professor que pergunta como o aluno está, que se preocupa, que consegue construir um ambiente mais seguro em sala de aula, no qual o estudante se sinta à vontade para errar, perguntar e aprender, faz diferença”, destaca.

O professor de matemática Paulo Luiz da Silva Ramos, 41, atua no Colégio Sigma há 18 anos e afirma que foi uma decisão pessoal atuar apenas em uma escola. “Quando um professor trabalha de maneira integral em uma única escola, ele tem a possibilidade de acompanhar os alunos por mais tempo, por mais de uma série. Com isso, os laços de confiança entre os alunos e o professor se intensificam, facilitando o processo de aprendizagem”, afirma.

Paulo conta que vários alunos da 3ª série foram seus estudantes ao longo de todo o ensino médio. Por isso, já estão familiarizados com sua forma de ensinar, assim como ele conhece bem o perfil de cada um, identificando com facilidade suas dificuldades e potencialidades. Esse acompanhamento contínuo facilita a abordagem dos conteúdos e fortalece o vínculo de confiança entre professor e alunos, o que contribui para a qualidade do trabalho desenvolvido em sala de aula.

“Se o professor não se organizar bem, trabalhar em mais de uma escola com séries diferentes pode impactar negativamente o nível das aulas, além de gerar sobrecarga. Em relação aos vínculos, eles acabam ficando mais fracos, pois o professor passa a ter mais alunos e menos tempo com cada um, o que impacta diretamente a qualidade da relação”, declara Paulo.

Assim como ele, a professora de história Vilmara do Carmo, de 46 anos, também optou por lecionar em apenas uma instituição. Desde 2023, ela atua no Centro Educacional 01 da Estrutural e afirma que a dedicação exclusiva a uma única escola contribui significativamente para o desempenho dos professores. Segundo ela, permite fazer um diagnóstico mais preciso da situação dos estudantes, entendendo em que etapa estão, quais são suas dificuldades e as particularidades de cada um. Isso possibilita desenvolver um trabalho pedagógico mais consistente ao longo do ano, além de garantir continuidade nos anos seguintes, fortalecendo os projetos educacionais da escola.

A professora ressalta que essa realidade de muitos professores precisarem dar aula em mais de uma escola decorre da precarização da educação. “No caso de Brasília, cerca de 70% dos docentes em sala de aula estão sob regime de contratação temporária. Esses profissionais, muitas vezes, conseguem apenas contratos de curta duração, sem garantia de continuidade no ano seguinte”, explica. Essa instabilidade compromete a criação de vínculos com a comunidade escolar e dificulta a identificação das necessidades pedagógicas dos alunos. A permanência do professor na escola e a dedicação exclusiva são fatores essenciais para aprimorar a prática pedagógica.

<><> Melhorias

Na visão de Vilmara, a valorização do magistério passa, em primeiro lugar, pela melhoria salarial. “Para que o professor possa trabalhar com dedicação exclusiva em uma única escola, é necessário que a remuneração seja digna, com jornadas de 40 horas semanais”, esclarece. Ela afirma que, atualmente, muitos docentes, especialmente os contratados temporariamente, precisam acumular jornadas em diferentes turnos e instituições, chegando a trabalhar 60 horas semanais para garantir sua subsistência.

Além da questão salarial, ela ressalta que também é fundamental ampliar a realização de concursos públicos e garantir a efetivação dos professores. “A estabilidade no cargo oferece segurança e permite que o docente se concentre no projeto pedagógico da escola. Professores efetivos geralmente escolhem unidades próximas de suas casas, o que reduz o tempo gasto com deslocamento e melhora sua qualidade de vida. Isso, por sua vez, reflete diretamente na qualidade do trabalho pedagógico”, compartilha.

balho pedagógico”, compartilha. Sonia Dias complementa, afirmando que também é essencial ampliar o tempo escolar. Segundo ela, muitos municípios já estão promovendo essa transição, especialmente no ensino médio, mas é importante que a ampliação atinja todas as etapas da educação básica.

“A educação integral é um caminho nesse sentido. Para que ela se concretize, são necessários dois eixos principais: primeiro, uma infraestrutura adequada — escolas próximas à residência dos alunos, com transporte, alimentação e espaços destinados a atividades culturais, esportivas e artísticas. Segundo, uma equipe escolar bem estruturada, com professores que tenham boas condições de trabalho”, afirma.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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