Propostas
das centrais sindicais diante da Guerra Comercial: soberania, emprego e
desenvolvimento
"Diante
da crise comercial, a valorização do trabalho — eixo central de um projeto
nacional de desenvolvimento — deve ser parte da solução. É hora de avançar na
reconstrução de uma base produtiva moderna e inovadora, capaz de gerar empregos
de qualidade e garantir que a classe trabalhadora seja não apenas sujeito, mas
também beneficiária do crescimento, com dignidade, sustentabilidade, bem-estar
e qualidade de vida para todos".
As
propostas são produzidas por:
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Sérgio Nobre é presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
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Miguel Torres é presidente da Força Sindical.
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Ricardo Patah é presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores).
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Adilson Araújo é presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras
do Brasil).
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Moacyr Tesch Auersvald é presidente da NCST (Nova Central Sindical de
Trabalhadores).
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Antonio Neto é presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros).
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Eis as propostas.
Diante
do agravamento da guerra comercial desencadeada pelas medidas protecionistas do
governo dos EUA, nós, das Centrais Sindicais, expressamos preocupação com os
múltiplos impactos sobre a economia nacional, os empregos e a soberania
produtiva e política do Brasil.
O
“tarifaço de Trump” é expressão de uma disputa global por hegemonia econômica e
tecnológica. Essa disputa atinge o Brasil de forma direta e indireta,
pressionando setores industriais estratégicos, intensificando a
desindustrialização, desorganizando cadeias produtivas e ameaçando milhares de
postos de trabalho. Diante desse cenário, é necessário buscar alternativas,
construir novos caminhos e abrir outras possibilidades.
É hora
de fortalecer e aprimorar um projeto de desenvolvimento com inclusão e justiça
social — um projeto que inove nas escolhas estratégicas, reduza nossas
vulnerabilidades, enfrente a concorrência predatória e crie mecanismos de
proteção frente à instabilidade externa. Esse modelo de desenvolvimento deve
estar estruturado na geração e proteção de empregos, no combate à precarização
do trabalho e no fortalecimento da capacidade de consumo das famílias por meio
da valorização da renda do trabalho.
Isso
exige uma resposta firme, responsável e coordenada, que amplie nossa cooperação
internacional e fortaleça a capacidade interna de produzir e consumir.
Nesse
sentido, apoiamos integralmente a postura altiva e soberana adotada pelo
Governo Federal, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem
como os posicionamentos do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Corroboramos também as manifestações de repúdio ao anúncio das taxações
desmedidas, expressas por setores da imprensa e do empresariado. E nos somamos
ao enfrentamento desta crise imposta pelo governo dos EUA, apresentando a
seguinte pauta de diretrizes e propostas:
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1. Defesa da Produção Nacional
o Fortalecer as medidas antidumping e
salvaguardas comerciais em setores e cadeias produtivas ameaçados.
o Aumentar o investimento para a
implementação das NIB com foco em inovação, sustentabilidade e encadeamento
produtivo interno.
o Estimular a produção nacional por meio
das compras públicas e da política de conteúdo local.
o Fortalecer o investimento público em
infraestrutura social e produtiva (transporte, energia, habitação, saúde,
educação) com encadeamentos na indústria nacional.
o Fortalecer o BNDES e dos bancos públicos
como indutores do investimento produtivo.
o Rever a Lei de Patentes, combatendo
abusos de propriedade intelectual que impedem a produção nacional.
o Fortalecer a transferência de tecnologia
e o investimento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D), com
articulação entre universidades, centros tecnológicos e setor produtivo.
o Investir no desenvolvimento de
capacidades nacionais em tecnologias críticas: semicondutores, inteligência
artificial, biotecnologia, hidrogênio verde, etc.
o Buscar oportunidades de reposicionamento
do Brasil em cadeias produtivas estratégicas no novo contexto internacional.
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2. Proteção do Emprego e da Renda
o Recriar o Programa de Proteção do
Emprego, com fundos de compensação e programas de transição para trabalhadores
afetados por impactos negativos do comércio internacional.
o Investir em qualificação e
requalificação profissional, integrando um sistema de educação profissional,
com foco em setores estratégicos da nova economia e articulado com um serviço
nacional de intermediação de mão-de-obra.
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3. Negociação Coletiva e Participação Sindical
o Fortalecer a organização sindical para
garantir a negociação coletiva sempre que houver mudanças estruturais nos
setores atingidos pela concorrência externa.
o Estabelecer cláusulas de proteção ao
emprego nos acordos coletivos assentadas nas diretrizes das políticas públicas
de proteção dos empregos.
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4. Institucionalização do Diálogo Social
o Criar espaços permanentes de concertação
entre governo, trabalhadores e empresário e fortalecer espaços de diálogo
social como CDESS e CNDI, entre outros, para atuação articulada de formulação
de estratégias de médio e longo prazo.
o Incluir a representação dos
trabalhadores nas novas instâncias de formulação das políticas industrial,
cambial, comercial e tecnológica.
o Criar Câmaras Setoriais para alinhamento
de estratégias específicas.
5.
Transição Ecológica Justa e Inclusiva
o Avançar na implementação do plano
nacional de transição ecológica, garantindo que a descarbonização da economia
seja feita com justiça social e geração de empregos verdes e azuis.
o Estimular a economia circular,
agricultura regenerativa, reflorestamento e bioeconomia na Amazônia Legal.
o Garantir que novas cadeias
ambientalmente sustentáveis sejam internalizadas, gerando produção e trabalho
local, e não apenas exportação de recursos naturais.
6. Nova
Estratégia Comercial Externa
o Estabelecer estratégias e metas para
buscar novos mercados e estabelecer novas cooperações econômicas.
o Realizar revisão crítica de acordos
internacionais que fragilizem a indústria e os direitos dos trabalhadores.
o Fortalecer o Mercosul e da cooperação
Sul-Sul.
o Transformação do Conex em conselho
tripartite, com representação dos principais sindicatos industriais do país,
garantindo participação efetiva dos trabalhadores nas decisões de política
comercial.
o Revisão imediata da LETEC (Lista de
Exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul), com critérios técnicos e
industriais, de forma compatível com a promoção da reindustrialização nacional
no âmbito de atuação da NIB.
Concebemos
o diálogo social como um instrumento estratégico e expressão de soberania. É
por meio dele que se constroem decisões negociadas e participativas, capazes de
reduzir conflitos, ampliar o apoio da sociedade às políticas públicas e
fortalecer a capacidade do Estado de defender os interesses nacionais.
Diante
da crise comercial, a valorização do trabalho — eixo central de um projeto
nacional de desenvolvimento — deve ser parte da solução. É hora de avançar na
reconstrução de uma base produtiva moderna e inovadora, capaz de gerar empregos
de qualidade e garantir que a classe trabalhadora seja não apenas sujeito, mas
também beneficiária do crescimento, com dignidade, sustentabilidade, bem-estar
e qualidade de vida para todos.
• A tarifa-Trump, os minerais críticos e o
desenvolvimento industrial do Brasil. Artigo de Délcio Rodrigues
Tem
muita coisa junta e misturada na jogada de Trump contra o Brasil: a aliança
global da extrema-direita, o desafio do BRICS à hegemonia do dólar, os
interesses das Big Techs e de bandeiras norte-americanas de cartões de crédito
prejudicados pelo PIX, os minérios críticos e outras. Interessa aqui discutir a
questão dos minerais críticos, já que estes têm importância central para a
indústria do Século XXI e a transição energética para o baixo carbono.
Os
minerais críticos são indispensáveis à fabricação de semicondutores,
smartphones, televisores, equipamentos militares, ligas metálicas especiais,
baterias e motores de veículos elétricos, turbinas eólicas e painéis solares,
entre muitas outras coisas. A demanda por esses minerais têm crescido
exponencialmente, tornando-os ativos geopolíticos de alto valor, o que tem
provocado pesadas disputas comerciais e guerras na região dos grandes lagos
africanos.
A China
detém o monopólio da produção e do refino de muitos destes minerais, o que
vulnerabiliza os EUA e as demais potências ocidentais. O acesso aos minérios
brasileiros como moeda de troca à tarifa de 50% é reflexo direto disso. O
objetivo de Trump parece ser pressionar o Brasil a facilitar o acesso à
exploração desses minerais em troca de um eventual alívio nas sanções
comerciais.
O
Brasil possui reservas significativas de diversos minerais críticos. Detém, por
exemplo, a segunda maior reserva mundial de terras raras, atrás apenas da
China, e é líder mundial na produção de nióbio, com aproximadamente 90% das
reservas e 94% da produção global. Outros destes minerais importantes, como o
lítio, também são encontrados no território brasileiro.
Apesar
da riqueza mineral, a produção brasileira de terras raras ainda é incipiente,
respondendo por uma parcela mínima da produção global. O país não detém
tecnologia própria e infraestrutura para o processamento e refino desses
minerais. E ainda menos tecnologias e indústria instalada para a fabricação de
produtos finais. Como nos casos históricos do pau-brasil, ouro, açúcar e café,
e nos casos mais recentes do ferro, alumínio, níquel e outros, o país não
consegue ir além da exportação de commodities, sempre perdendo a oportunidade
de agregar valor e desenvolver uma cadeia produtiva mais sofisticada.
A
cartada de Trump coloca o Brasil frente a desafios e oportunidades. Por um
lado, o desejo norte-americano por estes minerais pode levar a um aumento da
demanda, o que geraria receitas e investimentos para o país. Por outro lado, a
ausência de uma política industrial e tecnológica robusta para o setor mineral
fará com que o Brasil continue sendo um mero exportador de commodities,
perdendo mais uma vez a oportunidade de agregar valor e desenvolver uma cadeia
produtiva mais sofisticada.
Reagindo
a Trump, Lula tem esgrimido o argumento da soberania, rejeitando qualquer
insinuação de tutela externa sobre seus recursos. Mas o argumento da soberania
sobre os minerais estratégicos encontra um contraponto na realidade histórica e
atual da exploração mineral no país. Ao longo das décadas, a política mineral
brasileira tem sido pautada pela concessão destas riquezas a empresas
multinacionais com o apoio recorrente de vários governos, incluindo o Lula-3.
O
crescimento da indústria mineral brasileira teve como base o fornecimento de
minérios ou produtos intermediários para o mercado internacional, muitas vezes
com apoio financeiro e tecnológico de países como os EUA. Essa dinâmica
resultou em um cenário no qual empresas de diversas nacionalidades –
canadenses, americanas, chinesas, inglesas, francesas, suíças, japonesas, entre
outras – dominam o mercado. Investidores e acionistas estrangeiros estão por
trás da maioria dessas empresas.
Esta
realidade contrasta com a retórica do “ninguém põe a mão” nos minerais
estratégicos do país. Na prática, os recursos minerais, constitucionalmente
pertencentes à União (e, portanto, ao povo brasileiro), são concedidos à farta
a mineradoras para exploração e exportação. Sucessivos governos têm atuado para
facilitar a vida dessas empresas, por meio de empréstimos (inclusive via
BNDES), subsídios e benefícios. O apoio do Congresso, influenciado pelo lobby
minerador, e as mudanças infralegais promovidas por órgãos como a Agência
Nacional de Mineração e o Ministério de Minas e Energia, reforçam a dinâmica.
A
relação Brasil-EUA no setor mineral tem sido, digamos assim, “amistosa”.
Acordos para exploração de minerais críticos foram firmados, e fundos de
investimento norte-americanos, como JP Morgan, BlackRock e Vanguard, são
acionistas e investidores de grandes mineradoras que operam no Brasil. A
participação estrangeira no capital de empresas estratégicas, como a Vale, tem
se tornado majoritária, e o financiamento a mineradoras estrangeiras por bancos
brasileiros, como o BNDES, é uma prática comum.
Essa
complexa teia de interesses e a dependência histórica do Brasil em relação ao
capital e à tecnologia estrangeira para a exploração mineral adicionam uma
camada de complexidade à negociação com os EUA de Trump. A questão não é se o
Brasil deve ou não ceder ao interesse de Tump. Não deve. Até porque empresas
dos EUA já têm facilidade de acesso. A principal questão a responder é sobre o
como o país pode, de fato, transformar sua riqueza mineral em desenvolvimento
tecnológico e autonomia produtiva.
Para
transformar os minerais críticos em produtos de alto valor agregado, o Brasil
precisa de políticas industriais robustas, incentivos fiscais, infraestrutura e
segurança jurídica capazes de atrair investimentos e desenvolver sua própria
tecnologia.
O
governo brasileiro tem a tarefa de equilibrar a necessidade de atrair
investimentos com a proteção da soberania nacional e o desenvolvimento de uma
indústria mineral autônoma. Isso implica investir em pesquisa e
desenvolvimento, capacitação de mão de obra, infraestrutura e tecnologias de
processamento, refino e industrialização. Além disso, é fundamental estabelecer
marcos regulatórios claros e transparentes para o setor, garantindo a
sustentabilidade ambiental e social da mineração.
O
desafio é transformar a riqueza mineral em um ativo estratégico capaz de
impulsionar o desenvolvimento nacional e fortalecer a posição do país no
cenário global. Isso exigirá um esforço conjunto do governo, da indústria, da
Academia e da sociedade civil na construção de uma cadeia de valor completa,
desde a extração até o processamento e a produção de bens de alta tecnologia.
Somente assim o Brasil poderá garantir que seus minerais críticos sejam
utilizados em benefício próprio, e não apenas como moeda de troca em disputas
comerciais internacionais.
Fonte:IHU/ClimaInfo

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