quinta-feira, 31 de julho de 2025

Propostas das centrais sindicais diante da Guerra Comercial: soberania, emprego e desenvolvimento

"Diante da crise comercial, a valorização do trabalho — eixo central de um projeto nacional de desenvolvimento — deve ser parte da solução. É hora de avançar na reconstrução de uma base produtiva moderna e inovadora, capaz de gerar empregos de qualidade e garantir que a classe trabalhadora seja não apenas sujeito, mas também beneficiária do crescimento, com dignidade, sustentabilidade, bem-estar e qualidade de vida para todos".

As propostas são produzidas por:

>>> Sérgio Nobre é presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

>>> Miguel Torres é presidente da Força Sindical.

>>> Ricardo Patah é presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores).

>>> Adilson Araújo é presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).

>>> Moacyr Tesch Auersvald é presidente da NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores).

>>> Antonio Neto é presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros).

<><> Eis as propostas.

Diante do agravamento da guerra comercial desencadeada pelas medidas protecionistas do governo dos EUA, nós, das Centrais Sindicais, expressamos preocupação com os múltiplos impactos sobre a economia nacional, os empregos e a soberania produtiva e política do Brasil.

O “tarifaço de Trump” é expressão de uma disputa global por hegemonia econômica e tecnológica. Essa disputa atinge o Brasil de forma direta e indireta, pressionando setores industriais estratégicos, intensificando a desindustrialização, desorganizando cadeias produtivas e ameaçando milhares de postos de trabalho. Diante desse cenário, é necessário buscar alternativas, construir novos caminhos e abrir outras possibilidades.

É hora de fortalecer e aprimorar um projeto de desenvolvimento com inclusão e justiça social — um projeto que inove nas escolhas estratégicas, reduza nossas vulnerabilidades, enfrente a concorrência predatória e crie mecanismos de proteção frente à instabilidade externa. Esse modelo de desenvolvimento deve estar estruturado na geração e proteção de empregos, no combate à precarização do trabalho e no fortalecimento da capacidade de consumo das famílias por meio da valorização da renda do trabalho.

Isso exige uma resposta firme, responsável e coordenada, que amplie nossa cooperação internacional e fortaleça a capacidade interna de produzir e consumir.

Nesse sentido, apoiamos integralmente a postura altiva e soberana adotada pelo Governo Federal, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como os posicionamentos do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Corroboramos também as manifestações de repúdio ao anúncio das taxações desmedidas, expressas por setores da imprensa e do empresariado. E nos somamos ao enfrentamento desta crise imposta pelo governo dos EUA, apresentando a seguinte pauta de diretrizes e propostas:

>>> 1. Defesa da Produção Nacional

o        Fortalecer as medidas antidumping e salvaguardas comerciais em setores e cadeias produtivas ameaçados.

o        Aumentar o investimento para a implementação das NIB com foco em inovação, sustentabilidade e encadeamento produtivo interno.

o        Estimular a produção nacional por meio das compras públicas e da política de conteúdo local.

o        Fortalecer o investimento público em infraestrutura social e produtiva (transporte, energia, habitação, saúde, educação) com encadeamentos na indústria nacional.

o        Fortalecer o BNDES e dos bancos públicos como indutores do investimento produtivo.

o        Rever a Lei de Patentes, combatendo abusos de propriedade intelectual que impedem a produção nacional.

o        Fortalecer a transferência de tecnologia e o investimento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D), com articulação entre universidades, centros tecnológicos e setor produtivo.

o        Investir no desenvolvimento de capacidades nacionais em tecnologias críticas: semicondutores, inteligência artificial, biotecnologia, hidrogênio verde, etc.

o        Buscar oportunidades de reposicionamento do Brasil em cadeias produtivas estratégicas no novo contexto internacional.

>>> 2. Proteção do Emprego e da Renda

o        Recriar o Programa de Proteção do Emprego, com fundos de compensação e programas de transição para trabalhadores afetados por impactos negativos do comércio internacional.

o        Investir em qualificação e requalificação profissional, integrando um sistema de educação profissional, com foco em setores estratégicos da nova economia e articulado com um serviço nacional de intermediação de mão-de-obra.

>>> 3. Negociação Coletiva e Participação Sindical

o        Fortalecer a organização sindical para garantir a negociação coletiva sempre que houver mudanças estruturais nos setores atingidos pela concorrência externa.

o        Estabelecer cláusulas de proteção ao emprego nos acordos coletivos assentadas nas diretrizes das políticas públicas de proteção dos empregos.

>>> 4. Institucionalização do Diálogo Social

o        Criar espaços permanentes de concertação entre governo, trabalhadores e empresário e fortalecer espaços de diálogo social como CDESS e CNDI, entre outros, para atuação articulada de formulação de estratégias de médio e longo prazo.

o        Incluir a representação dos trabalhadores nas novas instâncias de formulação das políticas industrial, cambial, comercial e tecnológica.

o        Criar Câmaras Setoriais para alinhamento de estratégias específicas.

5. Transição Ecológica Justa e Inclusiva

o        Avançar na implementação do plano nacional de transição ecológica, garantindo que a descarbonização da economia seja feita com justiça social e geração de empregos verdes e azuis.

o        Estimular a economia circular, agricultura regenerativa, reflorestamento e bioeconomia na Amazônia Legal.

o        Garantir que novas cadeias ambientalmente sustentáveis sejam internalizadas, gerando produção e trabalho local, e não apenas exportação de recursos naturais.

6. Nova Estratégia Comercial Externa

o        Estabelecer estratégias e metas para buscar novos mercados e estabelecer novas cooperações econômicas.

o        Realizar revisão crítica de acordos internacionais que fragilizem a indústria e os direitos dos trabalhadores.

o        Fortalecer o Mercosul e da cooperação Sul-Sul.

o        Transformação do Conex em conselho tripartite, com representação dos principais sindicatos industriais do país, garantindo participação efetiva dos trabalhadores nas decisões de política comercial.

o        Revisão imediata da LETEC (Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul), com critérios técnicos e industriais, de forma compatível com a promoção da reindustrialização nacional no âmbito de atuação da NIB.

Concebemos o diálogo social como um instrumento estratégico e expressão de soberania. É por meio dele que se constroem decisões negociadas e participativas, capazes de reduzir conflitos, ampliar o apoio da sociedade às políticas públicas e fortalecer a capacidade do Estado de defender os interesses nacionais.

Diante da crise comercial, a valorização do trabalho — eixo central de um projeto nacional de desenvolvimento — deve ser parte da solução. É hora de avançar na reconstrução de uma base produtiva moderna e inovadora, capaz de gerar empregos de qualidade e garantir que a classe trabalhadora seja não apenas sujeito, mas também beneficiária do crescimento, com dignidade, sustentabilidade, bem-estar e qualidade de vida para todos.

•        A tarifa-Trump, os minerais críticos e o desenvolvimento industrial do Brasil. Artigo de Délcio Rodrigues

Tem muita coisa junta e misturada na jogada de Trump contra o Brasil: a aliança global da extrema-direita, o desafio do BRICS à hegemonia do dólar, os interesses das Big Techs e de bandeiras norte-americanas de cartões de crédito prejudicados pelo PIX, os minérios críticos e outras. Interessa aqui discutir a questão dos minerais críticos, já que estes têm importância central para a indústria do Século XXI e a transição energética para o baixo carbono.

Os minerais críticos são indispensáveis à fabricação de semicondutores, smartphones, televisores, equipamentos militares, ligas metálicas especiais, baterias e motores de veículos elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, entre muitas outras coisas. A demanda por esses minerais têm crescido exponencialmente, tornando-os ativos geopolíticos de alto valor, o que tem provocado pesadas disputas comerciais e guerras na região dos grandes lagos africanos.

A China detém o monopólio da produção e do refino de muitos destes minerais, o que vulnerabiliza os EUA e as demais potências ocidentais. O acesso aos minérios brasileiros como moeda de troca à tarifa de 50% é reflexo direto disso. O objetivo de Trump parece ser pressionar o Brasil a facilitar o acesso à exploração desses minerais em troca de um eventual alívio nas sanções comerciais.

O Brasil possui reservas significativas de diversos minerais críticos. Detém, por exemplo, a segunda maior reserva mundial de terras raras, atrás apenas da China, e é líder mundial na produção de nióbio, com aproximadamente 90% das reservas e 94% da produção global. Outros destes minerais importantes, como o lítio, também são encontrados no território brasileiro.

Apesar da riqueza mineral, a produção brasileira de terras raras ainda é incipiente, respondendo por uma parcela mínima da produção global. O país não detém tecnologia própria e infraestrutura para o processamento e refino desses minerais. E ainda menos tecnologias e indústria instalada para a fabricação de produtos finais. Como nos casos históricos do pau-brasil, ouro, açúcar e café, e nos casos mais recentes do ferro, alumínio, níquel e outros, o país não consegue ir além da exportação de commodities, sempre perdendo a oportunidade de agregar valor e desenvolver uma cadeia produtiva mais sofisticada.

A cartada de Trump coloca o Brasil frente a desafios e oportunidades. Por um lado, o desejo norte-americano por estes minerais pode levar a um aumento da demanda, o que geraria receitas e investimentos para o país. Por outro lado, a ausência de uma política industrial e tecnológica robusta para o setor mineral fará com que o Brasil continue sendo um mero exportador de commodities, perdendo mais uma vez a oportunidade de agregar valor e desenvolver uma cadeia produtiva mais sofisticada.

Reagindo a Trump, Lula tem esgrimido o argumento da soberania, rejeitando qualquer insinuação de tutela externa sobre seus recursos. Mas o argumento da soberania sobre os minerais estratégicos encontra um contraponto na realidade histórica e atual da exploração mineral no país. Ao longo das décadas, a política mineral brasileira tem sido pautada pela concessão destas riquezas a empresas multinacionais com o apoio recorrente de vários governos, incluindo o Lula-3.

O crescimento da indústria mineral brasileira teve como base o fornecimento de minérios ou produtos intermediários para o mercado internacional, muitas vezes com apoio financeiro e tecnológico de países como os EUA. Essa dinâmica resultou em um cenário no qual empresas de diversas nacionalidades – canadenses, americanas, chinesas, inglesas, francesas, suíças, japonesas, entre outras – dominam o mercado. Investidores e acionistas estrangeiros estão por trás da maioria dessas empresas.

Esta realidade contrasta com a retórica do “ninguém põe a mão” nos minerais estratégicos do país. Na prática, os recursos minerais, constitucionalmente pertencentes à União (e, portanto, ao povo brasileiro), são concedidos à farta a mineradoras para exploração e exportação. Sucessivos governos têm atuado para facilitar a vida dessas empresas, por meio de empréstimos (inclusive via BNDES), subsídios e benefícios. O apoio do Congresso, influenciado pelo lobby minerador, e as mudanças infralegais promovidas por órgãos como a Agência Nacional de Mineração e o Ministério de Minas e Energia, reforçam a dinâmica.

A relação Brasil-EUA no setor mineral tem sido, digamos assim, “amistosa”. Acordos para exploração de minerais críticos foram firmados, e fundos de investimento norte-americanos, como JP Morgan, BlackRock e Vanguard, são acionistas e investidores de grandes mineradoras que operam no Brasil. A participação estrangeira no capital de empresas estratégicas, como a Vale, tem se tornado majoritária, e o financiamento a mineradoras estrangeiras por bancos brasileiros, como o BNDES, é uma prática comum.

Essa complexa teia de interesses e a dependência histórica do Brasil em relação ao capital e à tecnologia estrangeira para a exploração mineral adicionam uma camada de complexidade à negociação com os EUA de Trump. A questão não é se o Brasil deve ou não ceder ao interesse de Tump. Não deve. Até porque empresas dos EUA já têm facilidade de acesso. A principal questão a responder é sobre o como o país pode, de fato, transformar sua riqueza mineral em desenvolvimento tecnológico e autonomia produtiva.

Para transformar os minerais críticos em produtos de alto valor agregado, o Brasil precisa de políticas industriais robustas, incentivos fiscais, infraestrutura e segurança jurídica capazes de atrair investimentos e desenvolver sua própria tecnologia.

O governo brasileiro tem a tarefa de equilibrar a necessidade de atrair investimentos com a proteção da soberania nacional e o desenvolvimento de uma indústria mineral autônoma. Isso implica investir em pesquisa e desenvolvimento, capacitação de mão de obra, infraestrutura e tecnologias de processamento, refino e industrialização. Além disso, é fundamental estabelecer marcos regulatórios claros e transparentes para o setor, garantindo a sustentabilidade ambiental e social da mineração.

O desafio é transformar a riqueza mineral em um ativo estratégico capaz de impulsionar o desenvolvimento nacional e fortalecer a posição do país no cenário global. Isso exigirá um esforço conjunto do governo, da indústria, da Academia e da sociedade civil na construção de uma cadeia de valor completa, desde a extração até o processamento e a produção de bens de alta tecnologia. Somente assim o Brasil poderá garantir que seus minerais críticos sejam utilizados em benefício próprio, e não apenas como moeda de troca em disputas comerciais internacionais.

 

Fonte:IHU/ClimaInfo

 

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