Trump
utiliza da diplomacia da chantagem para tentar interferir na política
brasileira
O
ataque comercial lançado por Donald Trump ao Brasil, aumentando em cinco vezes as
tarifas sobre o país, franqueou a sua intervenção direta na política
interna alheia: numa carta em tom mais agressivo do que as enviadas a
outros países, o presidente americano usa todo o poder econômico dos EUA para
punir duramente o Brasil, supostamente em benefício de um aliado político, o
ex-presidente Jair Bolsonaro.
Com
isso, ele aglutina as funções do Executivo e do Judiciário no Brasil, exigindo
de Lula o fim do
julgamento do ex-presidente, acusado de tentativa de golpe de Estado. O
presidente também atribui o aumento de tarifas ao que chamou de ataques
insidiosos do país contra eleições livres, violação da liberdade de expressão
dos americanos e também às “centenas de ordens de censura” do STF a plataformas
de mídia social dos EUA.
Na
carta, Trump qualifica como vergonha internacional o tratamento do país a
Bolsonaro, que considera um “líder altamente respeitado em todo o mundo durante
o seu mandato”. “Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que
deveria terminar imediatamente”, escreveu.
Caça às
bruxas foi o mantra entoado obsessivamente por Trump quando sofreu dois
processos de impeachment durante o primeiro mandato e foi acusado em quatro
processos criminais. Com essa nota harmônica, ele concorreu à Presidência,
no ano passado, como réu condenado, por falsificar
registros financeiros para ocultar um pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy
Daniels antes das eleições de 2016.
Até
agora, o presidente americano não tinha sido tão explícito ao desfraldar
politicamente o tarifaço que promove contra 180 países. Ele ameaçou a
Colômbia, por exemplo, com tarifas de 25% sobre suas exportações se o país não
aceitasse os cidadãos deportados dos EUA. O governo de Gustavo Petro capitulou
e o presidente americano mais uma vez recuou.
Com o
Brasil, Trump parece repetir a fórmula do bullying e da retaliação usada contra
seus adversários políticos. Desta vez, porém, o desequilíbrio e o déficit
não podem servir de pretexto para Trump elevar as tarifas ao Brasil: os EUA têm
um raro superávit comercial com o nosso país. O viés ideológico e o incômodo
com os Brics saltam aos olhos nas palavras redigidas pelo presidente americano.
¨
E agora? A dura carta de Trump a Lula terá resposta?
A carta
do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, endereçada ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e divulgada na
tarde desta quarta-feira (9/7) se diferenciou de dezenas de outras enviadas a
líderes globais que ele publicou em suas redes sociais nos últimos dias.
Além de
anunciar tarifas adicionais de 50% sobre
qualquer produto brasileiro enviado aos Estados Unidos, Trump utilizou
motivos políticos para justificar a imposição das tarifas, entre eles o
tratamento dado pelo Judiciário do Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a empresas de
tecnologia americanas, o que não aconteceu nas cartas divulgadas nos últimos
dias para outros países.
Bolsonaro
é aliado de Trump e é réu em um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) no qual ele é
acusado de liderar uma suposta tentativa de golpe de Estado que terminou
com os atos de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de
manifestantes descontentes com a vitória de Lula nas eleições de 2022 invadiram as
sedes dos Três Poderes. Bolsonaro alega inocência.
O
julgamento está chegando à sua fase final, e a expectativa é de que o
ex-presidente e outros integrantes do chamado "núcleo crucial" que
teria organizado a suposta tentativa de golpe sejam julgados entre o final de
agosto e início de setembro.
A
mensagem de Trump enviada aos mandatários de outros países têm entre si uma
redação exatamente igual — e um tom bem mais amigável.
"É
uma grande honra para mim enviar-lhe esta carta, pois ela demonstra a força e o
comprometimento de nossa relação comercial, e o fato de que os Estados Unidos
da América concordaram em continuar trabalhando com [nome do país], apesar de
ter um déficit comercial significativo com seu grande país. Ainda assim,
decidimos seguir adiante com vocês, mas apenas com um COMÉRCIO mais equilibrado
e justo", diz o início dos comunicados.
A carta
para Lula, no entanto, teve um tom e conteúdo distintos.
"Conheci
e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeito grandemente, assim como
a maioria dos líderes de outros países. A forma que o Brasil tem tratado o
ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado ao redor do mundo
durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha
internacional", começa a carta (leia o texto na íntegra abaixo).
Em
outro trecho, Trump chega a usar letras maiúsculas para se referir ao processo
de Bolsonaro e demanda o fim do caso.
"Este
julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deveria
acabar IMEDIATAMENTE".
O texto
enviado a Lula também reproduz trechos utilizados em outras cartas enviadas a
diferentes países e, ao fazê-lo, repete uma informação contraditória.
A carta
cita um suposto déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil para, também,
justificar a imposição de tarifas contra o Brasil.
Entretanto,
os dados oficiais do governo brasileiro apontam que, entre 2014 e 2024, o saldo
do comércio entre os dois países foi positivo para os Estados Unidos em US$ 51
bilhões.
Na
carta, Trump acusou o Brasil de realizar supostos ataques contras as eleições
livres e citou a existência de supostas decisões secretas do Supremo Tribunal
Federal (STF) que teriam violado o direito à livre expressão de cidadãos
americanos.
"Em
parte pelos ataques insidiosos às eleições livres e ao fundamental direito à
liberdade de expressão de norte-americanos (como ultimamente ilustrada pelo
STF, que tem emitido centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS contra
plataformas de redes sociais norte-americanas, ameaçando-as com multas de
milhões de dólares) [...] nós vamos cobrar do Brasil tarifas de 50% sobre
qualquer e todo produto brasileiro enviado aos Estados Unidos", diz um
trecho da carta em que Trump volta a utilizar letras maiúsculas.
A carta
não cita diretamente, mas a menção a supostas decisões "secretas e
ilegais" do STF podem ser interpretadas como uma menção às medidas
adotadas contra redes sociais americanas nos últimos anos durante a condução de
casos envolvendo o combate a ataques a instituições.
Em
2024, por exemplo, Moraes chegou a determinar o bloqueio
do X,
de Elon Musk, porque a empresa havia deixado de apresentar um representante
legal no país.
Moraes
também determinou o bloqueio de diversos perfis de pessoas investigadas por
atos supostamente antidemocráticos, o que levou a militantes de direita e o
próprio Musk a acusarem Moraes de agirem fora da lei.
Em
outro trecho da carta específico para o Brasil, o presidente americano anuncia
que determinou que o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer
inicie, imediatamente, uma investigação contra supostos "ataques" do
governo brasileiro às atividades de comércio digital de empresas americanas
"assim como outras práticas comerciais injustas".
Os
parágrafos do texto enviado a Lula após a menção a Bolsonaro são praticamente
iguais aos das demais cartas, com algumas pequenas diferenças.
O
trecho que fala que a tarifa de 50% é necessária "para corrigir as graves
injustiças do regime atual", por exemplo, foi adicionado, enquanto a frase
"estamos ansiosos para trabalhar com você como seu parceiro comercial por
muitos anos", presente nos demais textos, foi retirada do final.
À
noite, o presidente Lula respondeu à carta enviada por Trump com uma postagem
em suas redes sociais. No texto, Lula lembrou que a balança comercial entre
Brasil e Estados Unidos é favorável aos norte-americanos e indicou que o
governo poderá responder às tarifas.
"Neste
sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será
respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica", afirmou o
presidente, mencionando uma lei aprovada pelo Congresso Nacional neste ano que
cria mecanismos de resposta à imposição de tarifas unilaterais contra o Brasil.
Lula
também voltou a dizer que os casos envolvendo pessoas suspeitas de participarem
da tentativa de golpe de Estado não devem ser alvo de interferência externa.
"O
processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de
competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum
tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições
nacionais", disse um trecho da postagem.
·
Escalada retórica
O tom
da carta de Trump ao presidente Lula acompanhou a linha das suas últimas
manifestações em redes sociais sobre Bolsonaro.
Na
segunda-feira (7/7), Trump usou suas redes sociais para se
manifestar a favor do ex-presidente Bolsonaro.
"O
Brasil está fazendo uma coisa terrível no tratamento ao ex-presidente Jair
Bolsonaro. Eu tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fazem outra
coisa senão irem atrás dele, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano
após ano! Ele não é culpado de nada a não ser por ter lutado pelo povo",
disse Trump em seu perfil na rede social Truth Social.
Em
outro trecho da publicação, o presidente norte-americano classificou a situação
de Bolsonaro como uma "caça às bruxas".
"O
grande povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu
ex-presidente. Estarei assistindo à caça às bruxas de Jair Bolsonaro, sua
família e milhares de seus apoiadores muito de perto. O único julgamento que
deveria estar acontecendo é um julgamento pelos eleitores do Brasil — chama-se
eleição", continuou.
No
mesmo dia, pouco depois de finalizar a Cúpula dos Brics, no Rio de
Janeiro, Lula rebateu as declarações
de Trump em duas oportunidades. Na primeira, por meio das redes sociais, ele
disse que o Brasil não aceitaria interferências.
"A
defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um
país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja.
Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei.
Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito".
Em
outro momento, durante uma entrevista coletiva, Lula disse que Trump não
deveria dar "palpite" sobre o Brasil.
"Eu
não vou comentar essa coisa do Trump e do Bolsonaro. Tenho coisa mais
importante para comentar do que isso. Este país tem lei. Este país tem regras e
este país tem um dono chamado povo brasileiro. Portanto, dê palpite na sua vida
e não na nossa", disse o presidente.
A
escalada retórica e a decisão dos Estados Unidos em anunciar novas tarifas ao
Brasil foi na contramão do que diziam acreditar parte dos diplomatas ouvidos
pela BBC News Brasil nas últimas semanas.
Um
deles, em caráter reservado, afirmou que não haveria motivos para que o Brasil
se antecipasse em relação às manifestações de Trump ou mesmo que fizesse novos
movimentos para tentar distensionar as relações entre Lula e Trump.
O
entendimento é que, apesar da distância política entre os dois, o Brasil havia
ficado em uma situação relativamente confortável após o anúncio do
"tarifaço" de Trump, em abril deste ano, com uma tarifa linear de
10%. Países de líderes alinhados com Trump, como a Argentina de Javier Milei,
também haviam sido tarifados em 10%.
Um
sinal de alerta foi acionado na diplomacia brasileira, no entanto, depois que o
secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, disse que o governo
americano estudava a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro do STF,
Alexandre de Moraes, por sua atuação em julgamentos envolvendo plataformas de
redes sociais como o X, do bilionário Elon Musk, que apoiou e foi integrante do
novo governo Trump.
Ainda
assim, um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmou
que, se isso acontecesse, o Brasil não retaliaria os Estados Unidos,
entretanto, alguma resposta política deveria ser dada.
Após a
divulgação das novas tarifas e da carta ao presidente Lula, o governo realizou
uma reunião de emergência no Palácio do Planalto com integrantes de diferentes
ministérios, entre eles os das Relações Exteriores e o do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
<<<<<
Confira a íntegra da carta de Trump a Lula abaixo:
À
sua excelência,
Luiz
Inácio Lula da Silva,
Presidente
da República Federativa do Brasil
Brasília,
Prezado
Senhor Presidente:
Conheci
e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a
maioria dos outros Líderes de Países. A forma como o Brasil tem tratado o
ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante
seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este
julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar
IMEDIATAMENTE!
Devido
em parte aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos
fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (conforme recentemente
ilustrado pela Suprema Corte brasileira, que emitiu centenas de ordens de
censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos Estados Unidos,
ameaçando-as com milhões de dólares em multas e suspensão do mercado de mídia
social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma
tarifa de 50% sobre todo e qualquer Produtos brasileiros enviados para os
Estados Unidos, desvinculados de todas as Tarifas Setoriais. As mercadorias
transbordadas para fugir desta tarifa de 50% estarão sujeitas a essa Tarifa
mais elevada.
Além
disso, tivemos anos para discutir nossa relação comercial com o Brasil e
concluímos que devemos nos afastar da relação comercial de longa data e muito
injusta gerada pelas políticas tarifárias e não-tarifárias e pelas barreiras
comerciais do Brasil. Nosso relacionamento tem estado, infelizmente, longe de
ser recíproco.
Por
favor, entenda que o número de 50% é muito menor do que o necessário para
termos condições de concorrência equitativas que devemos ter com o seu país. E
isso é necessário para retificar as graves injustiças do atual regime. Como
você sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas de seu país, decidirem
construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos
todo o possível para obter aprovações de forma rápida, profissional e rotineira
- em outras palavras, em questão de semanas.
Se
por algum motivo você decidir aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o
número que você escolher para aumentá-las, será adicionado aos 50% que
cobramos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os
muitos anos de políticas tarifárias e não-tarifárias e barreiras comerciais do
Brasil, causando esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados
Unidos. Este déficit é uma grande ameaça
à nossa economia e, de fato, à
nossa segurança nacional! Além
disso, devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades de comércio digital
de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais injustas, estou
instruindo o representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a
iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 do Brasil.
Se
você deseja abrir seus mercados comerciais até então fechados para os Estados
Unidos e eliminar suas políticas e barreiras comerciais tarifárias e
não-tarifárias, talvez consideraremos um ajuste nesta carta.
Estas
Tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo da nossa
relação com o seu País. Você nunca ficará desapontado com os Estados Unidos da
América.
Obrigado
por sua atenção a este assunto!
Com
os melhores votos,
Sinceramente,
Donald
J. Trump
Presidente
dos Estados Unidos da América
Fonte: g1/BBC
News Brasil

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