Sérgio
Botton Barcellos: O salário mínimo deveria ser R$ 7.052,64? Como assim?
O
Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, enfrenta um desafio constante: a
luta pela garantia de um salário digno para sua população. A relação entre o salário-mínimo
e a cesta básica, além de ser um reflexo direto da realidade econômica, é um
termômetro das condições de vida da maioria da população brasileira. A
discussão sobre esse tema toca diretamente na vida de milhões de
brasileiros(as) que, diariamente, passam por dificuldades de uma economia
marcada pela alta carga tributária, baixos salários e um mercado de trabalho
com fortes disparidades regionais e sociais.
O
salário mínimo foi instituído por Getúlio Vargas em 1936, com a Lei nº 185, e
regulamentado em 1938 pelo Decreto Lei nº 399. Em 1940, Vargas fixou
oficialmente o valor do salário mínimo, que entrou em vigor em 1º de maio
daquele ano, por meio do Decreto-Lei nº 2162.
Nos
anos 1960, o salário mínimo era crucial, já que mais de 70% dos trabalhadores
recebiam esse valor ou até menos. Porém, o valor era muito baixo e não cobria
adequadamente as necessidades básicas. Após a ditadura militar de 1964, uma
política foi adotada para manter o salário médio, mas os aumentos reais só
aconteciam quando havia ganho na produtividade. O cálculo dos aumentos era
feito com base na inflação esperada, que geralmente era subestimada, resultando
em uma queda salarial significativa ao longo do tempo. Isso fez com que
muitos(as) trabalhadores(as) tivessem seu poder de compra diminuído, mesmo com
o aumento nominal do salário mínimo.
Durante
os anos 2000, durante os governos do PT, entre o ano de 2002 e 2008 teve um
período de crescimento econômico e distribuição de renda, com redução da
pobreza e desigualdade. Políticas como o Bolsa Família e o aumento do salário
mínimo contribuíram para esse cenário. No entanto, a partir de 2009, com a
desaceleração econômica, o conflito distributivo se intensifica e até hoje é
uma das questões centrais no que tange à desigualdade social e econômica no
Brasil.
No
governo Temer, a política de valorização do salário mínimo foi desvinculada de
ganhos reais e passou a ser ajustada apenas pela inflação. Isso foi
estabelecido pela Emenda Constitucional nº 95 – Teto de gastos, que seria o
arcabouço fiscal de hoje -, que limitou os gastos públicos, incluindo os
relacionados ao salário mínimo. No governo Bolsonaro, a política de ajuste do
salário mínimo também foi mantida sem a garantia de ganhos reais, ou seja, o
aumento ocorreu apenas com base na inflação.
Recentemente,
o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE),
aponta que, em 2025, o salário mínimo no Brasil não consegue sequer cobrir as
despesas essenciais de uma família, como alimentação, saúde e educação. O
estudo sobre a cesta básica mostra que, mesmo com ajustes e aumentos no valor
nominal do salário, a disparidade entre a renda e o custo de vida continua a
ser um dos maiores desafios enfrentados por quem trabalha e recebe um salário.
Em
dezembro de 2023, o IBGE divulgou que cerca de 60% dos(as) brasileiros(as)
viviam com até um salário-mínimo por mês, o que coloca em evidência a realidade
de uma sociedade que, apesar de sua grandeza econômica, tem um enorme déficit
em garantir dignidade e condições adequadas de vida.
Essa
situação é ainda mais agravada pelo fato de que o salário-mínimo tem sido
insuficiente para suprir as necessidades mais básicas de uma família, como
alimentação e moradia. NA PNAD contínua, o IBGE apontou que o rendimento
domiciliar per capita para o Brasil foi de R$ 2.069, variando de R$ 1.077 no
Maranhão a R$ 3.444 no Distrito Federal.
O
salário mínimo atual no Brasil, de R$ 1.518, não cobre sequer as despesas da
cesta básica em muitas regiões do país. A cesta básica, que é um indicador
chave para medir a capacidade de compra de uma família, tem se tornado cada vez
mais cara. De acordo com o DIEESE, o valor da cesta básica no Brasil, em maio
de 2025, variou entre R$ 700 e R$ 900, dependendo da região. Em São Paulo, por
exemplo, o custo mensal para a cesta básica ultrapassou os R$ 1.000, o que
representa mais de 70% do salário mínimo. Essa discrepância entre o salário e o
custo de vida reflete uma desigualdade estrutural e coloca as famílias em uma
situação de constante vulnerabilidade.
E, para
que uma família consiga cobrir de forma digna todas as suas necessidades
básicas, o salário necessário, de acordo com o DIEESE, deveria ser de R$
7.052,64. Esse valor levaria em consideração não só a cesta básica, mas também
os custos de transporte, moradia e saúde. Ou seja, a grande maioria dos(as)
trabalhadores(as) no Brasil está aquém desse valor ideal, o que reflete a
desigualdade social que perdura no país.
Com
isso, a maioria da população se vê obrigada a fazer escolhas difíceis, muitas
vezes abrindo mão de uma alimentação adequada para tentar cobrir outras
despesas, como as contas domésticas ou o transporte.
Itens
essenciais como arroz, feijão, óleo e carne são os principais produtos da cesta
básica e têm tido aumentos constantes nos últimos anos. Com esses preços, uma
família de quatro pessoas precisa de um valor médio de R$ 1.200 para cobrir
apenas os alimentos essenciais. Esse custo não inclui outras necessidades
básicas, como transporte, moradia, saúde ou educação, tornando ainda mais
difícil para a maioria da população viver com um salário mínimo.
No
contexto dessa realidade econômica, surge o questionamento sobre o conceito de
salário digno, uma demanda cada vez mais urgente no debate social e político
brasileiro. O salário mínimo, embora seja um marco legal de proteção, não é
suficiente para garantir uma vida digna para a maioria dos(as)
trabalhadores(as).
No
entanto, há uma contradição importante a ser destacada em relação ao governo
Lula 3. Embora o governo tenha enfatizado, em sua campanha, o compromisso com a
justiça social e a redução das desigualdades, suas ações, muitas vezes,
contradizem esses princípios. Foi sancionada pelo presidente em dezembro de
2024 a lei que limita o reajuste do salário mínimo a 2,5% acima da inflação de
2025 a 2030. A medida faz parte do pacote de corte de gastos obrigatórios,
proposto pelo governo federal e aprovado pelo Congresso Nacional com o objetivo
de regular o reajuste do salário-mínimo aos limites definidos pelo novo
arcabouço fiscal. Ou seja, para o(a) trabalhador(a) limite e fiscalização, para
os rentistas e os ricos o limite é o máximo de lucro e lei segue quando convém.
Ou seja, enquanto o governo Lula 3 não romper com essas contradições e
priorizar o interesse da população sobre os acordos políticos, a transformação
social necessária parece cada vez mais distante.
Além
disso, o governo Lula 3 tem adotado políticas fiscais de austeridade, como
arcabouço fiscal, com cortes em áreas essenciais como educação, saúde e
políticas sociais, que têm em seu escopo políticas públicas fundamentais para
reduzir as desigualdades e garantir os direitos da população mais vulnerável.
No dia
08/07/2025, a ministra do planejamento Simone Tebet, durante apresentação da
proposta orçamentária de 2026 no Senado, confirmou a previsão de salário mínimo
de R$ 1.630 para o ano que vem. Segundo a ministra, o valor representa, em
termos reais, o maior dos últimos 50 anos. Mas, ainda está muito aquém do digno
e do necessário.
O
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que realiza estudos sobre o
desenvolvimento social e econômico do Brasil, aponta que a desigualdade
persistente é um dos maiores obstáculos para a construção de um país mais justo
e equitativo. A melhoria nas condições de trabalho, com foco no aumento da
renda mínima, passa a ser uma das principais ferramentas de combate à pobreza e
de promoção de justiça social. E sim, precisaria ser de R$ 7.052,64.
A
discussão sobre o salário mínimo, a cesta básica e a condição de vida no Brasil
não é apenas uma questão de economia aplicada, mas uma questão social e de
decisão política que impacta diretamente o cotidiano de milhões de
brasileiros(as). Afinal, economia não é uma ciência exata, já diria a saudosa
militante do próprio PT Maria da Conceição Tavares.
O
arcabouço fiscal do governo Lula 3 possibilitaria o aumento do salário mínimo?
Para que haja esse aumento, é o orçamento que precisa estar a serviço da
maioria da sociedade, não a sociedade a serviço do orçamento. Alguns grupos de
gestores(as) e tecnoburocratas do Ministério da Fazenda, Planejamento e no
conjunto do governo precisam despertar desse torpor neoliberal.
Também
é preciso que haja uma política econômica vinculada às necessidades básicas da
sociedade e um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que não esteja a
serviço da dívida pública com especuladores e o mercado financeiro. A questão
do salário mínimo e o seu valor devido ao(a) trabalhador(a) é um dilema
histórico capitalista relativo a propriedade dos meios de produção, mais valia
e lucro.
Ou
seja, não há solução fácil, o tema é complexo, para a nossa desigualdade social
estrutural e histórica no Brasil. São muitos aspectos para trazer em um texto
como esse, para dialogar, puxar uma conversa na “internet” ou espaço de
opinião, no qual tudo que precisa não caberia. Digamos, é um “dedo de prosa”.
Mas nele, diante da nossa realidade, é possível apontar uma necessidade:
precisamos nos organizar politicamente no sentido de reivindicar os nossos
direitos mais básicos para termos as condições necessárias de vida. E isso não
está garantido e nem será presenteado à classe trabalhadora.
¨ Nossos olhos atentos
denunciam o falso progresso que nunca chega para nosso povo. Por Simone de
Jesus
Posso
não ter muito estudo, não estar dando aula em grandes universidades e ou
liderando grupos de pesquisa sobre questão agrária e o atual modelo de
mineração e suas consequências no uso da água ou coisas parecidas. Penso que
fiquei muito tempo preocupada com as coisas da roça, de casa, ou assim quiseram
que eu ficasse: preocupada em só dar continuidade à história das mulheres que
me antecederam. Fizeram um recorte da história de vida de minhas ancestrais e
as chamam de escravas. Chamar de escravas mulheres livres, que foram
escravizadas, cria um imaginário de que nascemos assim por conta da cor da
nossa pele e que, portanto, não há o que fazer… “coitados povos de pele negra,
que só sabem vadiar!” – é o que afirmam sobre nós e que tentam nos fazer
acreditar.
Acontece
que nós sempre buscamos ficar juntos uns dos outros, em grupos, em comunidades,
nos aquilombando como forma de proteção e preservação de nossa cultura, de
nossa ancestralidade. Temos uma relação com a natureza e com a vida humana
distinta da cultura imposta pela a sociedade capitalista, que é baseada na
exploração da força de trabalho e do saque dos bens naturais para o acúmulo de
riquezas. Em nossa comunidade ninguém passava fome, a gente plantava juntos a
mandioca e produzia juntos a farinha feita da mandioca que plantávamos. Ninguém
também morria à míngua, sem cuidados. Tia Ana Rosa era benzedeira das boas e
sabia a erva certa para cada doença e todo este cuidado era feito sem cobrar um
tostão, sem que importasse saber pra quem era.
Éramos
atravessados por um rio, que corria água o ano todo num cantinho do sertão
baiano, nutrindo a terra de onde a gente produzia nosso sustento. E assim meu
povo viveu por muito tempo. Me recordo, com dor no peito, do quanto fui feliz
ali. A minha dor no peito é de saudade e de indignação! Sim, indignação porque
eu não queria sair dali, não, de jeito nenhum! A minha família e as outras que
moravam lá foram expulsas em nome de um tal progresso, que até hoje não chegou
para nosso povo. Sabe por que fomos expulsos? Porque não nos deram outra
alternativa.
Chegaram
dizendo que debaixo daquelas terras tinha minério de ferro e que eles, que nem
brasileiros são, agora tinham o direito de rasgar o chão para arrancar as
rochas de minério. Nos ofereceram dinheiro para comprar outra casa em outro
lugar, disseram que iriam dar um pedaço de terra igual ou melhor do que
tínhamos ali… ficamos desconfiados, inconformados, mas o assédio foi grande
demais e quando viram que nós não íamos aceitar bem a ideia, começaram a nos
ameaçar, dizendo que era melhor aceitar a oferta deles, porque se não teríamos
que sair a força, pela justiça! Já pensou uma coisa dessa?! O que eles chamam
de justiça? O que pode ser mais justo do que deixar na terra o povo que dela
cuida? O que é mais importante para um país do que seu povo? Pelo que
aconteceu, nós entendemos que esse tal minério de ferro era mais importante e
que a justiça tem um lado.
Depois
que conhecemos o minério de ferro nunca mais tivemos paz. Perdemos nosso
território e o dinheiro que recebemos mal deu para fazer uma casa para colocar
os filhos dentro. E eu te pergunto: uma trabalhadora que sempre trabalhou na
roça vai viver só de casa? A gente não come casa, minha filha!
Ainda
mais, a terra que nos realocaram não tem nem água para plantar. O sofrimento
foi tanto, que meu sogro não aguentou e morreu de desgosto. Eu, que não era
pesquisadora, nem estudiosa dessas coisas, sabia que isso estava errado e foi
aí que conheci o MAM, o Movimento por Soberania Popular na Mineração. Foi ali,
entre a companheirada do Movimento, que eu entendi que o que aconteceu com
nosso povo aqui no Alto Sertão da Bahia, aconteceu também no Pará, em Minas
Gerais, no Ceará, e que onde chegar empresa de mineração a história se repete.
Entendi também que esse modo como as empresas chegam nos territórios faz parte
de um modelo de mineração, que pouco se importa em se comprometer com um
projeto de país que busque o bem-estar para seu povo.
Mineração,
no sertão da Bahia, municípios chegam a ter 90% da sua área total mapeada para
exploração.
Foi no
MAM que eu virei pesquisadora da Questão Mineral e entendi que o progresso
prometido pela a mineração nunca vai chegar para nosso povo, enquanto não for a
gente a decidir de que forma a mineração deve ser feita no Brasil e para que
esses minérios serão utilizados. Se nosso povo tivesse tido acesso as
informações que temos hoje, a gente tinha batido o pé e não abriria mão do
nosso território. Hoje, já não vivo dentro de casa, me ocupo de espalhar aos
quatro ventos como essas promessas são falsas. Já fui à Assembleia Legislativa
da Bahia e denunciei, sem medo, o tanto de mentira que nos contaram. Já viajei
até para fora do país pra contar a toda gente o quanto este projeto é perverso…
Sabe,
enquanto eu tiver vida, esse projeto não vai ter paz! Vou seguir organizando
meu povo, as mulheres os jovens e, juntos, a gente vai denunciar que esses
projetos chegam com um monte de promessas e mentiras, mas que, na verdade, só
espalham morte, destruição e saque! Lutaremos juntos e incansavelmente pela
soberania popular na mineração e na condução de nosso país!
Fonte:
Racismo Ambiental/Página do MST

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