Reforma
trabalhista na Colômbia mostra que ‘resistência’ das elites é um mito, diz
ministra
Na
última quarta-feira (25), na Colômbia, o presidente do país, Gustavo Petro,
sancionou a reforma trabalhista proposta por seu governo. Nesta entrevista, a
ex-ministra do Trabalho Gloria Inés Ramírez reflete, reconstrói a história
recente e explica o papel de cada ator, em especial do povo e do mandatário,
nessa conquista. Ramírez também identifica as lições aprendidas e convida a não
baixar a guarda na luta e na mobilização.
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Confira a entrevista:
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Vimos de uma longa luta popular pela justiça social na
Colômbia. Na sua perspectiva, poderia nos contar onde e como começa a história
recente dessa luta?
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Gloria
Inés Ramírez Ríos – O primeiro dia do governo da mudança marcou, sem dúvida, um
dos momentos mais representativos da história política recente da Colômbia. Não
apenas pelo enraizamento nos movimentos populares, sociais e sindicais, mas
também pela conotação política de seus líderes: o presidente Gustavo Petro
Urrego e a vice-presidente Francia Márquez. Ambos chegaram com legitimidade
democrática, ancorada em mais de 11 milhões de votos que abriram as portas para
as transformações sociais ansiadas pelo povo.
O
próprio presidente Petro, em seu discurso de posse, recordou a importância dos
direitos dos trabalhadores e ratificou seu compromisso de recuperar tudo aquilo
que a direita institucional e as classes políticas tradicionais arrebataram do
povo:
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“Só se
produzirmos seremos ricos e prósperos como sociedade. A riqueza está no
trabalho, e o trabalho é cada vez mais da inteligência.”
Surgia
à luz a ideia de uma reforma trabalhista sob uma nova perspectiva, contra a
desigualdade e a pobreza, apoiada em uma economia baseada na produção, no
trabalho e no conhecimento.
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Começou o trabalho
·
A quais setores era dirigida essa proposta?
No
centro da proposta estavam as mulheres, os jovens, os informais, as pessoas com
deficiência, os artistas, os transportadores, o campesinato e, em geral, todos
aqueles que vivem em relações de trabalho baseadas na exploração ou na
precarização. Também estava o movimento sindical, que exigia ser
reconhecido coletivamente como sujeito político e como vítima de um extermínio
reconhecido pela Comissão da Verdade.
Começava
a se tornar realidade um diálogo tripartite, no qual empresários e sindicatos
poderiam participar de forma equilibrada da discussão e construção da proposta
de reforma que seria apresentada ao Congresso da República.
·
Esse diálogo tripartite de que fala se concretizou?
O
diálogo tripartite na Colômbia — que antes se caracterizava por ignorar ou
estigmatizar o sindicalismo — teve pela primeira vez uma Comissão de
Concertação de Políticas Salariais e Trabalhistas, com vozes diversas e
plurais do mundo do trabalho.
A
diferença, então, está no fato de que o Governo reconhecia o valor da
representatividade sindical, mas, sobretudo, atribuía-lhe importância e
expressava uma vontade real diante de um desafio institucional: a
modernização das relações de trabalho a partir de uma abordagem de direitos
humanos e de gênero.
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O
sindicalismo, representado pelas centrais CUT, CGT e CTC, compreendeu isso
e fez importantes contribuições técnicas ao governo da mudança na
denominada Conferência Nacional do Trabalho.
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O método tripartite
·
Que metodologia foi adotada para conduzir o processo?
Em 24
de outubro de 2022, foi criada a subcomissão técnica da reforma trabalhista
tripartite (Governo, sindicatos e empresários), encarregada da elaboração do
projeto de lei. Essa subcomissão trabalhou durante quatro meses em sessões
semanais, nas quais recebeu insumos técnicos territoriais oriundos das mesas de
trabalho que serviram como antessala para a elaboração do Plano Nacional de
Desenvolvimento.
A
partir dessas mesas, de forma temática, também se ampliou a discussão sobre
temas relevantes no direito do trabalho, como a regulamentação das plataformas
digitais de entrega, a proteção social e os direitos trabalhistas a favor do
campesinato, a formalização de artistas, esportistas e transportadores.
·
Isso significa que é possível alcançar um acordo entre o
Governo, os empresários e os trabalhadores?
O
trabalho tripartite de elaboração do texto da reforma trabalhista é hoje um
exemplo para o mundo, valorizado pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), por organismos internacionais de direitos humanos como a Comissão
Interamericana e por outros governos que acompanharam o processo técnico, como
Espanha, México, Chile, Estados Unidos e Canadá, entre outros.
·
Que dificuldades surgiram no processo? Por que nem tudo
foi uma ‘lua de mel’. Ou estou enganado?
Sem
dúvida, o caminho traçado não foi fácil quando, particularmente, as vozes
conservadoras e hegemônicas do empresariado viram na reforma trabalhista a
perda de suas comodidades. Por isso, em 16 de março de 2023, o presidente da
República, Gustavo Petro, apresentou, em um discurso público ─ antes da
apresentação do primeiro texto que o Governo levou ao Congresso ─ e diante de
milhares de trabalhadores e trabalhadoras reunidos na praça de armas da Casa de
Nariño:
“Este
projeto (…) deve permitir que o salário real possa crescer na Colômbia para que
o país se industrialize, para que as pessoas sejam mais felizes nesta sociedade
e possam desfrutar de mais tempo livre. Deve permitir que o conjunto de
trabalhadores e trabalhadoras possa se organizar para discutir de igual para
igual com o mundo empresarial.”
Nos
meses seguintes, os líderes do empresariado tradicional não cessaram de
desqualificar a reforma trabalhista e recorreram a centros de pensamento
que se autoapresentam como acadêmicos ou independentes, mas que, na verdade,
pretendiam confundir a população com a mensagem negativa de que a reforma
trabalhista supostamente afetaria a geração de empregos.
·
De que maneira respondeu o Governo ─ e a senhora em
particular ─ a essa visão histórica antissindical do grande empresariado?
A visão
antissindical representou um dos grandes obstáculos que tivemos que enfrentar.
Particularmente quando a Comissão Sétima da Câmara suprimiu cerca de 20 artigos
que constituíam a essência da modernização do direito coletivo do trabalho e
que fortaleciam os espaços de negociação coletiva, promovendo o sindicalismo
forte como uma opção democrática: isso foi, infelizmente, eliminado.
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Derrubando mitos
·
Quais foram os mitos divulgados e que hoje já não se
sustentam?
Os
excelentes resultados, consequência de políticas integrais de emprego
promovidas a partir do Plano Nacional de Desenvolvimento, conseguiram derrubar
o mito de que a lei provocaria mais desemprego. Os números são contundentes:
segundo o DANE, no mês de abril de 2025, a taxa de desemprego no país foi de
8,8%, o que representou uma redução de 1,9% em relação ao mesmo mês de 2024
(10,6%), indicando que a política de desenvolvimento defendida pelo Governo é
bem-sucedida.
“Ao
lado do povo, conseguimos superar o bloqueio institucional e avançar para
termos a lei trabalhista que hoje temos”, afirma Gloria Ramirez (à direita). À
esquerda, o Presidente da Colômbia, Gustavo Petro, durante sanção da Reforma
Trabalhista em 25 de junho (Montagem: Diálogos do Sul Global*)
O
desemprego continua caindo, os trabalhadores seguem aumentando seu poder
aquisitivo, dentro de uma nova noção de bem-estar social, na qual os aumentos
promovidos por decretos no salário mínimo e no auxílio-transporte (por três
anos consecutivos) enchem de esperança mais de um 1,2 milhão de famílias que
saíram da pobreza extrema.
·
O que aconteceu depois de terem sido superados os
obstáculos e mitos?
Um
primeiro êxito foi a aprovação da reforma trabalhista na plenária da Câmara de
Representantes, em outubro de 2024. O presidente Gustavo Petro valorizou esse
avanço político: “Estamos um passo mais perto de construir um sistema
trabalhista justo, focado em proteger os direitos dos trabalhadores.”
A calma
durou pouco. Com a antessala de abertura do terceiro debate, já em dezembro de
2024, os partidos de oposição ao Governo começaram a impor obstáculos, a ponto
de arrastar tudo até março de 2025. Foi então que, de forma arbitrária, oito
senadores decidiram enterrar a reforma trabalhista, diante dos olhos da classe
trabalhadora. Frente à gravidade dos fatos, amplos setores se concentraram e se
mobilizaram ativamente como um ato de protesto social pacífico.
[IMAGEM]
Mobilização em favor da reforma trabalhista, em Bogotá. Foto: Presidência da
República
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Vencendo obstáculos e manobras
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O país lembra com indignação dos oito senadores que
frustraram a reforma. Que explicação a senhora dá para esse fato?
Não
podemos esquecer que a estratégia de enterrar a reforma trabalhista na Comissão
Sétima do Senado da República, liderada por esses oito senadores, tinha um
propósito político claro: eliminar a possibilidade de que o povo trabalhador
conquistasse novos direitos humanos trabalhistas, mas também, sob a premissa de
que isso afetaria a governabilidade do presidente Petro.
No
entanto, esses senadores não consideraram que a vontade popular seria receptiva
à nova ação política de um presidente comprometido com a classe trabalhadora. O
anúncio realizado em 12 de março de 2025, que convocou uma consulta
popular, reativou uma das mobilizações sociais mais importantes dos últimos
anos e evidenciou o enraizamento popular de um governo social.
·
Qual era o objetivo do presidente ao fazer essa
convocação?
O
objetivo do mandatário foi romper o bloqueio institucional. Ele disse: “A
consulta popular começa já com a mobilização nas ruas. O povo é a
base da soberania, o povo é a base da institucionalidade, o povo é a base da
democracia, diz a Constituição Política da Colômbia, e estamos
obedecendo à Constituição.” O resultado foi que, ao lado do
povo, conseguimos superar esse bloqueio institucional e avançar para
termos a lei trabalhista que hoje temos.
·
Mas a resposta do Senado da República foi reacionária e
antidireitos. Como foi enfrentado esse novo desafio?
Em 14
de maio de 2025, a plenária do Senado realizou uma votação que rejeitava a
consulta popular como opção democrática de um povo que, perfeitamente de acordo
com a Constituição Política, pode decidir diretamente seus destinos
democráticos.
As
perguntas da consulta eram, em termos gerais, uma via para a validação política
e jurídica da importância de que o Congresso cumprisse suas funções e
legislasse a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras; o que se negava era a
possibilidade de avançar em direitos trabalhistas.
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Consulta, lutas e conquistas
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Mas o poder tradicional persistia em sua negação de
direitos. Como o Governo se movimentou nesse tabuleiro de xadrez?
O
presidente definiu da seguinte forma: “Não foi a consulta popular que caiu. Ela
foi derrubada por fraude.” Essa nova manobra da direita motivou o movimento
popular e sindical a analisar o novo cenário e propor a greve geral, que
levaria o Congresso a compreender que a exigência pela reforma trabalhista não
cessaria.
Em meio
a esse debate, surge a iniciativa de ressuscitar a reforma trabalhista por meio
de um recurso de apelação que permitiu remeter o texto — que os oito senadores
da Comissão Sétima jamais discutiram — a uma nova Comissão do Senado.
A
decisão favorável do Senado agora colocava o jogo político em sua Comissão
Quarta, onde a representatividade do Pacto Histórico, embora minoritária,
desempenharia um papel fundamental para que a reforma encontrasse equilíbrio em
uma nova proposta alternativa, que defendia novamente pontos importantes como a
jornada diurna das seis da manhã às seis da tarde, além de restaurar artigos
sobre o direito coletivo do trabalho.
Embora
a plenária do Senado tenha rejeitado essa proposta alternativa, isso não
impediu o Pacto Histórico de promover uma defesa firme da essência da reforma;
por isso, o triunfo político de aprovar um texto garantista é significativo
para a democracia colombiana.
·
Conte-nos agora como ficou a lei e quais são seus
aspectos mais relevantes.
O país
recebe novas regras a favor da estabilidade no emprego, com contratos por tempo
indeterminado como regra geral, garantias para processos disciplinares com
critérios de avaliação objetivos, uma nova jornada diurna que vai das 6h às
19h, e o reconhecimento do pagamento integral (100%) dos adicionais por
trabalho em dias de descanso obrigatório ou feriados (de forma gradual).
Além
disso, foram reforçadas medidas de proteção a trabalhadores em temas relevantes
como licenças, ações afirmativas para mulheres, proteção contra a
discriminação, e mecanismos voltados para as novas realidades como a
automatização, a descarbonização e o trabalho por meio de plataformas digitais
de entrega.
Também
foram conquistados direitos importantes em temas e setores sociais que
receberam atenção do governo da mudança, como as trabalhadoras domésticas,
trabalhadores de plataformas digitais, o campesinato, mulheres, artistas,
esportistas, pessoas com deficiência e as micro, pequenas e médias empresas.
·
Os e as jovens estudantes aprendizes e os trabalhadores
do Sindicato do Sena (Sindicato dos Funcionários Públicos do Serviço Nacional
de Aprendizagem) lutaram muito. O que conseguiram, afinal?
A luta
do Sena foi muito
importante. Como resultado, recuperaram um contrato de trabalho que reconhecerá
seus direitos durante a fase de aprendizagem. Junto a isso, surgiram novas
políticas voltadas à proteção do trabalho feminino, rural e campesino.
Também
foram adotadas medidas em favor das trabalhadoras domésticas, em consonância
com a Convenção 189 da OIT, e medidas de fortalecimento do aparato produtivo,
que está majoritariamente nas microempresas, as quais poderão realizar
contribuições à seguridade social de forma proporcional à jornada, em
conformidade com a reforma previdenciária.
·
Quanto ao enfoque de gênero, o que se pode destacar?
As mães
comunitárias serão reconhecidas como trabalhadoras oficiais perante o Instituto
Colombiano de Bem-estar Familiar (ICBF). Foram estabelecidas medidas para que o
sindicalismo promova, em seu interior, a representação paritária das mulheres
trabalhadoras. Essas e muitas outras medidas fazem parte da nova reforma
trabalhista.
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O que ainda falta
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É claro que nem tudo foi conquistado. Falemos disso.
Nem
tudo o que foi proposto entrou na reforma aprovada. O Congresso da República
permanece em dívida com os transportadores de carga e passageiros, aos quais o
Governo havia prometido apresentar uma proposta favorável aos seus direitos
dentro da reforma trabalhista — promessa essa que pouco importou aos partidos
tradicionais.
·
E o campesinato?
Situação
semelhante enfrentou o campesinato, que mais uma vez recebe a mensagem de que
suas relações laborais continuarão na informalidade, com a rejeição do contrato
agropecuário e da diária como opções legítimas para a formalização e a proteção
social. O Governo implementará um programa para promover a formalização do
trabalho rural e começará a construir uma política pública voltada aos
trabalhadores rurais e agropecuários, com o objetivo de eliminar as
desigualdades no setor.
·
Que direitos das mulheres ficaram fora da reforma?
O
Senado diz às mulheres que não é possível aprovar uma licença por endometriose,
sem falar da eliminação da licença-paternidade, que seria uma forma de
contribuir com os direitos das mulheres e com sua participação no trabalho de
cuidado. É inacreditável que algo tão natural e evidente como uma licença
menstrual tenha sido negado.
Ganhamos,
avançamos e a luta continua
·
A senhora considera que, como país, avançamos, ainda que
com sacrifícios no processo?
Apesar
dos aspectos que ficaram de fora, a Colômbia, em um fato histórico, contará com
novas regras trabalhistas que melhorarão a vida de milhões de cidadãs e
cidadãos. Um governo como o do Pacto Histórico, com um programa de mudanças
rumo à justiça social, liderado pelo presidente Gustavo Petro, abraçado pelo
movimento social, sindical e étnico popular, conseguiu a aprovação da reforma
trabalhista mais garantista de direitos, que aprofunda e avança na justiça
social.
Ficou
claro que sem mobilização não há direitos e que, embora em alguns setores do
poder tenha prevalecido o bom senso, a resistência das elites empresariais, com
seus negócios e seus argumentos, não passa de um mito do neoliberalismo que
pode ser vencido.
·
O que acontece agora?
Esperamos
a sanção e promulgação por parte do presidente Gustavo Petro, que a fará como
deve ser: diante do povo que lutou por ela nas ruas. Finalmente, o
trabalho digno e decente será o elemento unificador da classe trabalhadora e do
sindicalismo.
Uma
nova visão do direito do trabalho chega aos lares, às empresas e ao
relacionamento institucional. Além disso, fica a satisfação de que uma
abordagem de direitos e de gênero estabelece uma nova narrativa de
exigibilidade, que será fortalecida de forma complementar com a lei
recém-aprovada que permitiu a ratificação do Convênio 190 da OIT sobre
violência e assédio no local de trabalho.
·
Por fim, uma mensagem ao povo, ao Governo e aos leitores
e leitoras do VOZ.
Restam
muitos aprendizados sobre a prática política no curto prazo. Busca-se também
uma nova rota para tornar efetivo aquilo que hoje o governo da mudança entrega
ao país. Nosso compromisso está intacto: tornar realidade o bem-estar social,
com trabalho digno e decente na Colômbia — mais um dos grandes legados que
entregamos à classe trabalhadora.
A
Colômbia avança rumo aos direitos trabalhistas e sociais em meio à luta e à
mobilização. As elites, seguem com a mais feroz oposição contra o presidente
Gustavo Petro, o Governo e o sindicalismo.
Ao
Semanário VOZ, meu reconhecimento pelo papel educativo e orientador que
continua exercendo nas lutas do povo colombiano, latino-americano e do mundo.
Não
podemos baixar a guarda porque mal começamos a florescer. Agora vem a tarefa de
regulamentar uma das reformas mais importantes que um presidente já entregou ao
país e à classe trabalhadora.
Fonte:
Diálogo Sul

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