sexta-feira, 11 de julho de 2025

Qual o impacto para a América Latina do novo imposto sobre transferências bancárias aprovado nos EUA

O dinheiro enviado pelos migrantes significa o pão de cada dia nas casas de centenas de milhares de famílias na América Latina.

Estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam que oito em cada 10 migrantes latino-americanos enviam dinheiro para os entes queridos nos seus países de origem. Eles pagam despesas com alimentação, moradia, transporte e também se encarregam de gastos maiores de curto e longo prazo, como intervenções médicas e a educação dos filhos.

Em 2024, as remessas financeiras para a América Latina somaram cerca de US$ 160 bilhões (cerca de R$ 881 bilhões) e o principal país de origem desse dinheiro acaba de aprovar um imposto de 1% sobre as transferências em espécie: os Estados Unidos.

Este novo imposto foi significativamente reduzido durante as negociações para sua aprovação no Congresso americano — inicialmente, ele seria de 5%. E também será aplicado apenas aos pagamentos em espécie, não a todos os tipos de remessa, como se previa originalmente.

Mas o fato de que, para cada US$ 1 mil enviados pelos migrantes, US$ 10 se destinem a pagar este imposto significará que os migrantes precisarão trabalhar mais para fazer os pagamentos.

O novo imposto entrará em vigor em janeiro de 2026.

Especialistas alertam que, embora este imposto diminua a receita das famílias, um ponto percentual não é uma cifra que possa causar problemas aos países que mais dependem das remessas, como El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Neles, quase 25% do Produto Interno Bruto (PIB) provêm das transferências feitas pelos migrantes que vivem nos Estados Unidos.

O novo imposto "não representa nenhum tipo de risco macroeconômico para os países, mesmo para os que dependem muito [das transferências] na América Central", explica Mario Campa, especialista em política econômica e finanças internacionais da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.

"O que ocorre é que ele reduz um pouco o valor das remessas, [um impacto] que precisará ser absorvido pelo remetente ou pelo destinatário", segundo ele.

Uma análise do think tank (centro de pesquisa e debates) Centro para o Desenvolvimento Global (CDG), com sede em Washington e Londres, alerta que o imposto de 1% terá "impacto significativo" sobre a quantidade de remessas recebidas pelos diferentes países, vários deles na América Latina.

Mas os especialistas consultados pela BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) destacam que a lei aprovada pelo Congresso americano na semana passada deixa abertas várias opções para que os migrantes possam evitar o imposto — incluindo os sem documentos, que têm poucas opções de uso do sistema financeiro normal dos Estados Unidos.

"Eles podem falar com um amigo que seja cidadão, que tenha acesso ao banco. Estas pessoas vão pedir favores para outras e isso pode encarecer as remessas", afirma o diretor do Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais, Ricardo Barrientos.

"Mas, enquanto eles permanecerem trabalhando nos Estados Unidos, haverá remessas. Pode ocorrer uma redução, mas dificilmente uma queda catastrófica", explica ele.

<><> Os países que mais recebem dinheiro

Em relação ao volume total de remessas de dinheiro, o México é, de longe, o principal país de destino das transferências enviadas para a América Latina.

O país recebeu cerca de US$ 65 bilhões (cerca de R$ 358 bilhões) no ano passado e o BID indica que 96% destes recursos provêm dos Estados Unidos.

Mas, como percentual do PIB mexicano (3,2%), a cifra não representa uma fonte de receita tão significativa quanto para quatro países da América Central.

Os números de 2024 indicam que a Nicarágua (27,6%), Honduras (25,9%), El Salvador (23,5%) e Guatemala (19,5%) são os países que mais dependem desta receita estrangeira, proporcionalmente ao PIB nacional.

Nestes países, a origem das remessas é mais diversificada do que no caso do México. Ainda assim, 75% das transferências provêm dos Estados Unidos.

Já os países sul-americanos recebem menos de 5% do seu PIB em remessas do exterior. Sua origem se divide entre os países europeus, principalmente a Espanha e Portugal, e os envios dos Estados Unidos. Por isso, o impacto do imposto de 1% aprovado por Washington é muito menor que nos países da América Central.

Os cálculos do CDG indicam que o México poderá ser o país que mais irá perder com o novo imposto em valores líquidos: pouco mais de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 8,3 bilhões) por ano.

A Guatemala perderia cerca de US$ 415 milhões (R$ 2,3 bilhões); El Salvador, quase US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão); e Honduras, US$ 175 milhões (R$ 963 milhões).

A República Dominicana teria um impacto maior, de cerca de US$ 234 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão), segundo esta projeção.

Na América do Sul, o país que mais recebe dinheiro é a Colômbia. Em 2024, foram cerca de US$ 11,83 bilhões (cerca de R$ 65,1 bilhões). A metade destes fundos vem dos Estados Unidos.

Por isso, o país sul-americano pode sofrer uma redução de fluxo de US$ 66 milhões (cerca de R$ 363 milhões), segundo uma análise do centro de pesquisa colombiano Fedesarrollo.

O Brasil recebeu, em 2024, cerca de US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 23,1 bilhões). O valor representa 0,2% do PIB brasileiro, segundo os dados do BID.

Mas Campa acredita que, no caso do México, o total dos recursos que o país deixará de receber pode ser muito menor — "cerca de US$ 600 milhões (R$ 3,3 bilhões), devido à evasão, fraudes e transferências digitais".

A legislação aprovada em Washington aplica o imposto apenas aos remetentes que pagarem as remessas em espécie (papel-moeda, cheques ou outros instrumentos financeiros físicos). O envio via internet, bancos ou serviços eletrônicos de remessa não estará sujeito à cobrança de imposto.

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, também considerou que as transferências dos cidadãos mexicanos não sofrerão a cobrança de 1% porque, segundo o Banco do México, quase 100% delas são realizadas por meios eletrônicos e ficarão livres do imposto.

No caso da Guatemala, o Banco Central do país calculou que as remessas seriam reduzidas em até US$ 225 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão).

Barrientos explica que, na Guatemala, de alguns anos para cá, o valor das remessas superou o próprio orçamento do governo. Por isso, qualquer perturbação neste fluxo é motivo de preocupação.

Os valores "são maiores que todo o orçamento do Estado, que é de cerca de 14% do PIB", explica ele.

"Por isso, as remessas superam todos os impostos recolhidos no país, todo o valor gasto em infraestrutura, em serviços sociais, e este fator é o que mantém o saldo da conta-corrente há quatro anos."

Mas o imposto de 1%, por enquanto, não teria isoladamente o potencial de gerar problemas macroeconômicos para a Guatemala, nem para os demais países centro-americanos.

"Os migrantes são os verdadeiros heróis nacionais da Guatemala, Honduras e El Salvador", destaca Barrientos.

"São pessoas jovens que enfrentaram riscos de violação, sequestro e morte, mas chegaram aos Estados Unidos e irão encontrar ali uma forma [de viver]. O imposto é uma dificuldade a mais que estas pessoas precisarão superar. São sobreviventes."

<><> Evitando o imposto

Desde que os Estados Unidos apresentaram o imposto sobre as remessas, com taxa inicial de 5% (depois reduzida para 3,5% e, por fim, para 1%), os especialistas destacaram que os migrantes ainda teriam opções para evitar a cobrança.

Diferentemente do que ocorria com frequência nas últimas décadas, quando as remessas eram realizadas em dinheiro, em lojas ou agências bancárias, os migrantes atualmente costumam usar mais as transferências eletrônicas e aplicativos de empresas de remessas para enviar dinheiro aos seus países. E este procedimento permitirá que eles evitem o imposto de 1%.

Campa e Barrientos concordam que aqueles que não detêm acesso ao sistema financeiro, como migrantes recém-chegados ou sem documentos, podem pedir a familiares e amigos que façam as transferências. Outra alternativa pode ser o uso de cartões bancários pré-pagos ou até de meios de pagamento mais novos, como as criptomoedas.

Em última análise, Barrientos opina que os migrantes estariam até dispostos a custear a alíquota de 1%.

"Se, das remessas, depender a vida da minha mãe, porque ela compra medicamentos, e, em vez de pagar US$ 15, vou pagar US$ 16, é claro que vou pagar", explica ele.

Os especialistas destacam que as próprias comissões das empresas de remessas ou o tipo de câmbio que elas oferecem chegam a representar, em alguns casos, mais do que 1%.

A análise do CDG indica que pode ocorrer evasão do imposto pelo uso de vias alternativas, mas também destaca que um possível efeito é o desestímulo ao envio de remessas, em até 1,6%.

<><> Outra mensagem contra os imigrantes

O objetivo inicial da iniciativa do presidente americano Donald Trump era que o imposto sobre as remessas de dinheiro gerasse uma arrecadação de US$ 26 bilhões (cerca de R$ 143 bilhões) em 10 anos.

As remessas também têm grande incidência sobre outros países fora da América Latina, principalmente a Índia e a China.

O imposto fazia parte do seu recém-aprovado "grande e belo projeto de lei", que fez com que o Departamento de Segurança Nacional e outras agências migratórias, como o ICE (Serviço de Imigração e Alfândega, na sigla em inglês), conseguissem um orçamento recorde para cumprir com seus objetivos de deter e deportar migrantes sem documentos, além de fazer avançar a construção do muro na fronteira sul do país.

Mas a redução do imposto para 1% significa que a receita fiscal a ser gerada será muito menor que o esperado.

O CDG indica que, na melhor das hipóteses, a receita do país seria de US$ 4,6 bilhões (cerca de R$ 25,3 bilhões), já que a lei aprovada incluiu os remetentes de remessas por qualquer motivo, incluindo os cidadãos americanos — não apenas os imigrantes originários de outros países, como foi proposto inicialmente.

Mas este valor está muito longe dos mais de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 550 bilhões) que o ICE irá receber nos próximos quatro anos. O organismo é responsável por realizar as detenções e deportações de migrantes sem documentos.

Para Mario Campa, o imposto é mais uma mensagem do governo Trump na sua iniciativa contra os imigrantes sem documentos.

"É um jogo de sinais para mostrar rigor contra os migrantes", explica ele. "Estão tentando vender a ideia de que o orçamento adicional para o Departamento de Segurança Nacional virá de um pagamento dos migrantes, quando, na verdade, a arrecadação será baixa."

Como ocorre com as tarifas de importação, Trump e seus aliados no Congresso podem ter usado o imposto sobre as remessas nas suas negociações com os países latino-americanos, "porque houve lobby entre os governos para que não se impusesse este imposto sobre as remessas", segundo Campa.

O que, sim, poderia gerar maior efeito sobre as remessas são as perseguições de migrantes, segundo os analistas. Elas vêm causando faltas ao trabalho, desde que Trump iniciou sua ofensiva.

"E, com menos receita disponível, diminuem as transferências", explica Campa. "E tem havido menos migração e mais deportações nos últimos meses, o que reduz o montante das remessas."

Barrientos também considera que a tendência de alta nas remessas para os diferentes países pode se desacelerar.

Alternativamente, a medida poderá gerar mais receio entre os trabalhadores, se a aplicação do imposto for associada a algum tipo de registro que exponha a presença de imigrantes sem documentos.

Ainda assim, o especialista acredita que os migrantes continuarão enviando dinheiro para suas famílias. Afinal, este é o objetivo que os levou a sair dos seus países.

"Para a vida do migrante, cada mês é um ciclo de vida", conclui Barrientos.

¨      Consumidores dos EUA sentem o calor da guerra comercial de Trump: 'os preços estão subindo'

Consumidores dos EUA sentem o calor da guerra comercial de Trump: 'os preços estão subindo'

Em um shopping lotado de Nova York, os clientes dizem que estão pagando mais, já que as tarifas aumentam os custos de produtos como camisetas

Com o aumento das temperaturas em um dia escaldante de julho na cidade de Nova York , os compradores do maior shopping do Queens disseram que estavam sentindo o calor do aumento dos preços.

“Camisetas, camisetas básicas, roupas íntimas, artigos de primeira necessidade — os preços estão subindo”, disse Clarence Johnson, 48, que estava visitando a Macy's no shopping Queen Center para pegar camisetas que havia encomendado online.

À medida que Donald Trump avança com suas guerras comerciais , os varejistas têm repassado aumentos de preços aos consumidores. As lojas de departamento – que dependem de uma variedade de produtos e materiais importados, de sapatos a camisetas – têm se esforçado especialmente para lidar com a flutuação dos preços.

Na Macy's, cartazes anunciando promoções de até 60% de desconto nos preços originais estavam espalhados pela loja – até mesmo ao lado de colares incrustados de diamantes, trancados em vitrines na seção de joias. Mas, para alguns clientes, os preços ainda eram altos demais.

Nydia Olvera, de 61 anos, disse que comprar na Macy's costuma estar fora do seu orçamento, mas ela ainda vai à loja para conferir a seção de liquidação. "Lembro que costumavam ter essas camisetas por três dólares. Agora, não mais", disse Olvera. "Agora pago de US$ 7 a US$ 9 por uma camiseta."

Um estudo recente da empresa de análise DataWeave mostrou que os preços de calçados, vestuário e bolsas aumentaram significativamente de janeiro a junho. Os calçados subiram até 4% e as roupas, quase 2% nos últimos seis meses.

E não está claro quanto mais os preços podem subir. A Casa Branca ainda está em negociações com dezenas de países que podem enfrentar novas tarifas de até 40%. Essas tarifas propostas devem entrar em vigor em 1º de agosto, após Trump ter adiado o prazo inicial de negociações, que era 9 de julho.

Na semana passada, o governo Trump anunciou que um acordo foi fechado com o Vietnã, que é o segundo maior fabricante de vestuário, calçados e acessórios — a maior parte do que é vendido em lojas de departamento — depois da China.

De acordo com o acordo , as exportações do Vietnã sofrerão tarifas de 20% – metade da taxa proposta de 46% anunciada por Trump em abril. Produtos fabricados em outros países, como a China, e enviados do Vietnã sofrerão uma tarifa de 40%.

Embora executivos do varejo tenham afirmado que o acordo é melhor do que as tarifas iniciais anunciadas, ele ainda aumentará os custos para os varejistas. A Macy's recentemente reduziu sua previsão de lucros, citando incertezas em relação às tarifas. O preço das ações da empresa caiu 25% este ano.

O CEO da Macy's, Tony Spring, disse à CNBC , a rede de notícias financeiras, em maio, que alguns preços permanecerão os mesmos, mas outros serão mais caros, o que significa que a empresa terá que repassar parte dos impostos aos clientes. Outros executivos, incluindo líderes da Nike, Target, Best Buy e Walmart, também disseram que terão que repassar os custos.

Mas os varejistas também estão absorvendo custos. O diretor financeiro da Macy's, Adrian Mitchell, disse durante a teleconferência de resultados da empresa em maio que, embora a empresa tenha conseguido alguns descontos com fornecedores, "também estamos absorvendo parte desse preço".

Os varejistas devem decidir quanto do aumento de custos eles podem repassar aos consumidores, sem perder clientes fiéis.

O cenário é difícil, especialmente para lojas de departamento, que perderam clientes para varejistas online ao longo dos anos. As vendas em lojas de departamento representaram apenas 2,6% das vendas no varejo em 2023, em comparação com 14,1% em 1993, antes do surgimento das compras online.

No Queens Center, alguns clientes da Macy's disseram que ainda não notaram nenhum aumento de preços, especialmente ao usar cupons que a empresa normalmente emite.

“A diferença não é grande; é um pouquinho maior”, disse Raphaelina Garcia, 33, que estava comprando um vestido para usar em um casamento que se aproximava. “Quando você tem o cupom, o preço é o mesmo [de antes].”

 

Fonte: BBC News Mundo/The Guardian

 

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