sexta-feira, 11 de julho de 2025

Gadelha e Belluzzo apontam o que é preciso para o desenvolvimento real no Brasil

O governo brasileiro em meio a uma crise da esquerda, da divulgação das políticas bem-sucedidas, da busca pelo protagonismo econômico, e alvo de uma das mais importantes pressões dos EUA, dois grandes economistas – Luiz Gonzaga Belluzzo e Carlos Gadelha – defendem a reorganização, enfrentando os desafios e com uma nova perspectiva para o desenvolvimento nacional.

Na abertura do lançamento do Projeto Brasil, uma nova plataforma para fomentar discussões de alto nível sobre políticas públicas e divulgação científica [conheça mais aqui], Celso Gadelha ressaltou a relevância da iniciativa no cenário atual e a necessidade de um projeto de desenvolvimento nacional.

Ele expressou a honra de participar do projeto, fazendo lembrar a sua vida dedicada à perspectiva do desenvolvimento do Brasil e a trajetória de retomar o pensamento desenvolvimentista brasileiro, deixado por inspirações como Celso Furtado, em novas bases.

Para isso, destacou a necessidade de se colocar a equidade e a desigualdade no centro da estratégia de governo, e superar a ideia de que questões sociais, ambientais e a própria desigualdade são elementos “naturais ou herdados” e que teríamos que “nos conformar”.

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“É ao contrário, a grande agenda que o Brasil deve ao Brasil, que a classe política, as universidades, o pensamento estratégico devem ao Brasil é uma agenda de desenvolvimento voltada para a superação dos grandes problemas brasileiros.”

Gadelha apresentou dados comparativos chocantes: o Brasil, mesmo com um sistema de saúde universal, o SUS, financia menos de 50% do gasto em saúde com recursos públicos, enquanto a saúde, frequentemente vista como gasto, é a área que mais gera empregos.

“Nos Estados Unidos, 10% do emprego hoje gerado está no campo da saúde. Se eu somar saúde, educação e mobilidade urbana, como nós estamos conversando aqui, a gente está caminhando de uma visão que foi muito arraigada no campo da saúde para uma visão mais ampla. A chave para o desenvolvimento é superar essa iniquidade terrível que a gente tem no Brasil, e colocar a área social e a área ambiental como os novos grandes vetores de uma estratégia de reindustrialização e de inovação.”

O especialista comparou os gastos em saúde, educação e ciência/tecnologia/inovação, que são cerca de R$ 420 bilhões anuais, ao gasto de R$ 946 bilhões em juros no ano anterior, enfatizando a necessidade de inverter esse modelo.

“Não apenas em um modelo – eu comecei aqui mostrando Celso Furtado – de a gente retomar o desenvolvimento, mas dialogar intrinsecamente com a aposta de um novo país. A gente precisa entregar um país digno da nossa própria população.”

Por fim, Gadelha propôs “radicalizar, generalizar e ampliar a experiência bem-sucedida da saúde”, onde o Sistema Único de Saúde (SUS), a inovação e a produção industrial foram combinados. O objetivo é pensar em um projeto de país e uma “política de desenvolvimento, industrial e de inovação que dialogue com as demandas da sociedade brasileira”.

Em participação especial no evento, o Professor Luiz Gonzaga Belluzzo também trouxe diversas reflexões importantes, conectando-as à história econômica e social do país, e ao cenário internacional.

Entre as propostas apresentadas por Belluzzo, ele destacou o financiamento das atividades de pesquisa e desenvolvimento, criticando a “grande ignorância” a respeito de como o gasto do governo deve ser executado. Ele refutou a ideia de que a dívida pública seja um problema intrínseco, explicando que os títulos da dívida pública são instrumentos constitutivos dos mercados financeiros, e expressou preocupação com discursos que distorcem essa realidade.

O economista defendeu a criação de um sistema de financiamento “eficaz”, tomando como exemplo a trajetória bem-sucedida da China nos últimos 30-40 anos, com a articulação entre o Banco Central, os bancos públicos (que detêm 80% do crédito), os bancos privados e as empresas públicas na China, que subsidiam o setor privado e promovem um grande avanço do empreendedorismo. Ele lamentou que essas questões não sejam debatidas no Brasil.

“Como é que você não articula essas instituições econômicas e sociais, à semelhança [do que é feito na China]? Eu diria que até o Brasil já teve alguns momentos em que fez essa articulação”, disse, mencionando o papel decisivo que bancos públicos como o BNDES tiveram na industrialização do país, em 1952. Ele defendeu que o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda deveriam promover essa articulação para dar possibilidade de crescimento à economia.

Em meio aos recentes ataques de Donald Trump com a taxação ao Brasil e aos BRICs, Belluzzo também afirmou a necessidade de manter as relações internacionais como eixo central do desenvolvimento nacional.

O economista criticou um “nacionalismo um pouco tosco” que ignora a importância das relações internacionais. Ele afirmou que o capitalismo sempre foi internacional e que um projeto de desenvolvimento não pode se realizar sem levar em conta as relações internacionais, sejam elas financeiras, produtivas, etc. E citou o exemplo do governo Juscelino Kubitschek, que soube aproveitar a recuperação europeia para atrair investimento estrangeiro e empresas importantes, como as automobilísticas.

“Nós temos a oportunidade de reproduzir isso de outra forma, diante da aproximação com os países dos BRICs, e no centro desse desse sistema está a segunda maior economia do mundo [a China], interessada não só em preservar as suas conquistas, mas também de ter uma participação internacional muito mais pródiga, muito mais interessante”, completou.

Belluzzo elogiou a iniciativa do Projeto Brasil, como uma ferramenta de reordenamento do sistema de conhecimento e articulação entre as Universidades e de mobilização social. Ele observou que as universidades brasileiras estão “muito desarticuladas” e que essa articulação não acontecerá espontaneamente, mas exige um programa que contemple pesquisa e avanços tecnológicos. Belluzzo usou como exemplo propostas do governo como a “Nova Indústria Brasil”, que não avançarão sem essa articulação e construção social.

¨      Projeto Brasil: O papel da engenharia no desenvolvimento econômico e tecnológico do país

A live de lançamento do Projeto Brasil, realizada na última quarta-feira (9), contou ainda com a participação do ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Sergio Rezende, e do presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Fernando Rizzo, que falaram sobre os desafios que o Brasil enfrenta na área de inovação.

Organizador da 5ª Conferência 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), Rezende elencou algumas das conclusões do evento sobre as diretrizes que o país deve tomar para avançar na área.

As conclusões foram divididas em quatro eixos. No primeiro deles, o ex-ministro destacou a importância da recuperação do sistema nacional de tecnologia, especialmente tendo em vista que o investimento público nas áreas de educação, ciência e tecnologia transformou a China em uma das maiores economias do mundo.

Assim, Rezende observa que ficou acordado na 5ª CNCTI o compromisso de aumentar o investimento na área, a fim de que sejam investidos 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país até 2028 e 2,5% até 2035.

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No eixo 3, que se refere ao programa de estratégias nacionais, congressistas chegaram à conclusão de que o Brasil deve investir nos setores de microeletrônica, nanotecnologia, biotecnologia e biodiversidade, saúde, biomas brasileiros, mudanças climáticas, energias renováveis, minerais estratégicos, entre outros.

Já no eixo 4, o ex-ministro destacou a importância de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social da população.

<><> Neoindustrialização

Fernando Rizzo também deu sua contribuição ao explicar os pilares que devem nortear o desenvolvimento do eixo 2 de atuação estratégica do país, voltado para a neoindustrialização.

Um dos principais pontos abordados foi o papel fundamental da engenharia nacional na modernização da indústria brasileira. De acordo com o presidente do CGEE, presente em todas as reuniões preparatórias da conferência, a engenharia foi citada de forma recorrente como essencial para o avanço tecnológico e para a implementação de tecnologias limpas e sustentáveis.

A contribuição da engenharia também é vista como decisiva em experiências internacionais de transição industrial, como as ocorridas na China, Coreia do Sul e até mesmo na antiga União Soviética.

O convidado ressaltou ainda que, apesar das boas iniciativas, há fragilidade na conexão entre academia e setor produtivo, cuja integração é historicamente limitada no Brasil, reflexo de uma indústria que se baseou por muito tempo em processos de cópia e que, em grande parte, foi adquirida por empresas estrangeiras.

Isso gera uma dependência tecnológica de matrizes no exterior e compromete o desenvolvimento de soluções próprias.

O caso da indústria automobilística foi citado como exemplo: após um período promissor, o setor voltou a ser dominado por multinacionais, enquanto países asiáticos como Japão, Coreia e China avançaram com estratégias industriais consistentes.

Outro tema recorrente foi a falta de continuidade nas políticas públicas. Embora o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) disponha de recursos, há preocupação constante com a ameaça de contingenciamento e redirecionamento dos fundos. “Programas muito bons começam, mas são descontinuados por diferentes razões”, afirmou o Rizzo, ressaltando a importância de um apoio estrutural e de longo prazo para pesquisa, inovação e infraestrutura.

A modernização de laboratórios, centros de pesquisa e unidades de produção também foi destacada como pontes cruciais para a inovação industrial.

A descarbonização e a transição energética surgiram como eixos estratégicos para esse novo momento da indústria, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A discussão se estendeu ao contexto internacional, com reflexões sobre o atual cenário do Brics e as tensões geopolíticas envolvendo o bloco. Houve menção a um evento previsto para outubro no CGEE, voltado para análise de tendências futuras.

Rizzo alertou ainda para um fenômeno global: o ataque à ciência, o aumento do ceticismo e o surgimento de artigos científicos produzidos com o auxílio indevido da inteligência artificial, levantando questões sobre a credibilidade e os rumos da produção científica.

Nesse contexto, enfatizou-se a necessidade de aproximar cada vez mais a ciência da sociedade, por meio de esforços de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. A medicina translacional foi citada como exemplo bem-sucedido dessa ponte, levando rapidamente os resultados da pesquisa para a prática clínica.

Como mensagem final, Fernando Rizzo defendeu o fortalecimento da ciência aplicada, com foco nos impactos sociais da pesquisa. Segundo ele, o CEGEP pretende realizar ainda este ano um evento específico para tratar de formas de aproximar a ciência dos resultados concretos para a população.

“A universidade precisa cada vez mais construir essa ponte entre o conhecimento e os benefícios sociais. É uma responsabilidade que só cresce.”

 

Fonte: Jornal GGN

 

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