Gadelha
e Belluzzo apontam o que é preciso para o desenvolvimento real no Brasil
O
governo brasileiro em meio a uma crise da esquerda, da divulgação das políticas
bem-sucedidas, da busca pelo protagonismo econômico, e alvo de uma das mais
importantes pressões dos EUA, dois grandes economistas – Luiz Gonzaga Belluzzo
e Carlos Gadelha – defendem a reorganização, enfrentando os desafios e com uma
nova perspectiva para o desenvolvimento nacional.
Na
abertura do lançamento do Projeto Brasil, uma nova plataforma para
fomentar discussões de alto nível sobre políticas públicas e divulgação
científica [conheça mais aqui], Celso Gadelha
ressaltou a relevância da iniciativa no cenário atual e a necessidade de um
projeto de desenvolvimento nacional.
Ele
expressou a honra de participar do projeto, fazendo lembrar a sua vida dedicada
à perspectiva do desenvolvimento do Brasil e a trajetória de retomar o
pensamento desenvolvimentista brasileiro, deixado por inspirações como Celso
Furtado, em novas bases.
Para
isso, destacou a necessidade de se colocar a equidade e a desigualdade no
centro da estratégia de governo, e superar a ideia de que questões sociais,
ambientais e a própria desigualdade são elementos “naturais ou herdados” e que
teríamos que “nos conformar”.
“É
ao contrário, a grande agenda que o Brasil deve ao Brasil, que a classe
política, as universidades, o pensamento estratégico devem ao Brasil é
uma agenda de desenvolvimento voltada para a superação dos grandes
problemas brasileiros.”
Gadelha
apresentou dados comparativos chocantes: o Brasil, mesmo com um sistema de
saúde universal, o SUS, financia menos de 50% do gasto em saúde com recursos
públicos, enquanto a saúde, frequentemente vista como gasto, é a área que mais
gera empregos.
“Nos
Estados Unidos, 10% do emprego hoje gerado está no campo da saúde. Se eu somar
saúde, educação e mobilidade urbana, como nós estamos conversando aqui, a gente
está caminhando de uma visão que foi muito arraigada no campo da saúde para uma
visão mais ampla. A chave para o desenvolvimento é superar essa iniquidade
terrível que a gente tem no Brasil, e colocar a área social e a área
ambiental como os novos grandes vetores de uma estratégia de reindustrialização
e de inovação.”
O
especialista comparou os gastos em saúde, educação e
ciência/tecnologia/inovação, que são cerca de R$ 420 bilhões anuais, ao gasto
de R$ 946 bilhões em juros no ano anterior, enfatizando a necessidade de
inverter esse modelo.
“Não
apenas em um modelo – eu comecei aqui mostrando Celso Furtado – de a gente
retomar o desenvolvimento, mas dialogar intrinsecamente com a aposta de um novo
país. A gente precisa entregar um país digno da nossa própria população.”
Por
fim, Gadelha propôs “radicalizar, generalizar e ampliar a experiência
bem-sucedida da saúde”, onde o Sistema Único de Saúde (SUS), a inovação e a
produção industrial foram combinados. O objetivo é pensar em um projeto de país
e uma “política de desenvolvimento, industrial e de inovação que dialogue com
as demandas da sociedade brasileira”.
Em
participação especial no evento, o Professor Luiz Gonzaga Belluzzo também
trouxe diversas reflexões importantes, conectando-as à história econômica e
social do país, e ao cenário internacional.
Entre
as propostas apresentadas por Belluzzo, ele destacou o financiamento das
atividades de pesquisa e desenvolvimento, criticando a “grande ignorância” a
respeito de como o gasto do governo deve ser executado. Ele refutou a ideia de
que a dívida pública seja um problema intrínseco, explicando que os títulos da
dívida pública são instrumentos constitutivos dos mercados financeiros, e
expressou preocupação com discursos que distorcem essa realidade.
O
economista defendeu a criação de um sistema de financiamento “eficaz”,
tomando como exemplo a trajetória bem-sucedida da China nos últimos 30-40 anos,
com a articulação entre o Banco Central, os bancos públicos (que detêm 80%
do crédito), os bancos privados e as empresas públicas na China, que
subsidiam o setor privado e promovem um grande avanço do empreendedorismo. Ele
lamentou que essas questões não sejam debatidas no Brasil.
“Como
é que você não articula essas instituições econômicas e sociais, à semelhança
[do que é feito na China]? Eu diria que até o Brasil já teve alguns momentos em
que fez essa articulação”, disse, mencionando o papel decisivo que bancos
públicos como o BNDES tiveram na industrialização do país, em 1952. Ele
defendeu que o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda deveriam
promover essa articulação para dar possibilidade de crescimento à economia.
Em meio
aos recentes ataques de Donald Trump com a taxação ao Brasil e aos
BRICs, Belluzzo também afirmou a necessidade de manter as relações
internacionais como eixo central do desenvolvimento nacional.
O
economista criticou um “nacionalismo um pouco tosco” que ignora a importância
das relações internacionais. Ele afirmou que o capitalismo sempre foi
internacional e que um projeto de desenvolvimento não pode se realizar sem
levar em conta as relações internacionais, sejam elas financeiras, produtivas,
etc. E citou o exemplo do governo Juscelino Kubitschek, que soube aproveitar a
recuperação europeia para atrair investimento estrangeiro e empresas
importantes, como as automobilísticas.
“Nós
temos a oportunidade de reproduzir isso de outra forma, diante da aproximação
com os países dos BRICs, e no centro desse desse sistema está a segunda maior
economia do mundo [a China], interessada não só em preservar as suas
conquistas, mas também de ter uma participação internacional muito mais
pródiga, muito mais interessante”, completou.
Belluzzo
elogiou a iniciativa do Projeto Brasil, como uma ferramenta de reordenamento do
sistema de conhecimento e articulação entre as Universidades e de mobilização
social. Ele observou que as universidades brasileiras estão “muito
desarticuladas” e que essa articulação não acontecerá espontaneamente, mas
exige um programa que contemple pesquisa e avanços tecnológicos. Belluzzo usou
como exemplo propostas do governo como a “Nova Indústria Brasil”, que não
avançarão sem essa articulação e construção social.
¨
Projeto Brasil: O papel da engenharia no desenvolvimento
econômico e tecnológico do país
A live
de lançamento do Projeto Brasil, realizada na última quarta-feira (9), contou
ainda com a participação do ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação
Sergio Rezende, e do presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE), Fernando Rizzo, que falaram sobre os desafios que o Brasil enfrenta na
área de inovação.
Organizador
da 5ª Conferência 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª
CNCTI), Rezende elencou algumas das conclusões do evento sobre as diretrizes
que o país deve tomar para avançar na área.
As
conclusões foram divididas em quatro eixos. No primeiro deles, o ex-ministro
destacou a importância da recuperação do sistema nacional de tecnologia,
especialmente tendo em vista que o investimento público nas áreas de educação,
ciência e tecnologia transformou a China em uma das maiores economias do mundo.
Assim,
Rezende observa que ficou acordado na 5ª CNCTI o compromisso de aumentar o
investimento na área, a fim de que sejam investidos 1,6% do Produto Interno
Bruto (PIB) do país até 2028 e 2,5% até 2035.
No eixo
3, que se refere ao programa de estratégias nacionais, congressistas chegaram à
conclusão de que o Brasil deve investir nos setores de microeletrônica,
nanotecnologia, biotecnologia e biodiversidade, saúde, biomas brasileiros,
mudanças climáticas, energias renováveis, minerais estratégicos, entre outros.
Já no
eixo 4, o ex-ministro destacou a importância de políticas públicas voltadas
para o desenvolvimento social da população.
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Neoindustrialização
Fernando
Rizzo também deu sua contribuição ao explicar os pilares que devem nortear o
desenvolvimento do eixo 2 de atuação estratégica do país, voltado para a
neoindustrialização.
Um dos
principais pontos abordados foi o papel fundamental da engenharia nacional na
modernização da indústria brasileira. De acordo com o presidente do CGEE,
presente em todas as reuniões preparatórias da conferência, a engenharia foi
citada de forma recorrente como essencial para o avanço tecnológico e para a
implementação de tecnologias limpas e sustentáveis.
A
contribuição da engenharia também é vista como decisiva em experiências
internacionais de transição industrial, como as ocorridas na China, Coreia do
Sul e até mesmo na antiga União Soviética.
O
convidado ressaltou ainda que, apesar das boas iniciativas, há fragilidade na
conexão entre academia e setor produtivo, cuja integração é historicamente
limitada no Brasil, reflexo de uma indústria que se baseou por muito tempo em
processos de cópia e que, em grande parte, foi adquirida por empresas
estrangeiras.
Isso
gera uma dependência tecnológica de matrizes no exterior e compromete o
desenvolvimento de soluções próprias.
O caso
da indústria automobilística foi citado como exemplo: após um período
promissor, o setor voltou a ser dominado por multinacionais, enquanto países
asiáticos como Japão, Coreia e China avançaram com estratégias industriais
consistentes.
Outro
tema recorrente foi a falta de continuidade nas políticas públicas. Embora o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) disponha de
recursos, há preocupação constante com a ameaça de contingenciamento e
redirecionamento dos fundos. “Programas muito bons começam, mas são
descontinuados por diferentes razões”, afirmou o Rizzo, ressaltando a
importância de um apoio estrutural e de longo prazo para pesquisa, inovação e
infraestrutura.
A
modernização de laboratórios, centros de pesquisa e unidades de produção também
foi destacada como pontes cruciais para a inovação industrial.
A
descarbonização e a transição energética surgiram como eixos estratégicos para
esse novo momento da indústria, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS).
A
discussão se estendeu ao contexto internacional, com reflexões sobre o atual
cenário do Brics e as tensões geopolíticas envolvendo o bloco. Houve menção a
um evento previsto para outubro no CGEE, voltado para análise de tendências
futuras.
Rizzo
alertou ainda para um fenômeno global: o ataque à ciência, o aumento do
ceticismo e o surgimento de artigos científicos produzidos com o auxílio
indevido da inteligência artificial, levantando questões sobre a credibilidade
e os rumos da produção científica.
Nesse
contexto, enfatizou-se a necessidade de aproximar cada vez mais a ciência da
sociedade, por meio de esforços de interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade. A medicina translacional foi citada como exemplo
bem-sucedido dessa ponte, levando rapidamente os resultados da pesquisa para a
prática clínica.
Como
mensagem final, Fernando Rizzo defendeu o fortalecimento da ciência aplicada,
com foco nos impactos sociais da pesquisa. Segundo ele, o CEGEP pretende
realizar ainda este ano um evento específico para tratar de formas de aproximar
a ciência dos resultados concretos para a população.
“A
universidade precisa cada vez mais construir essa ponte entre o conhecimento e
os benefícios sociais. É uma responsabilidade que só cresce.”
Fonte:
Jornal GGN

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