Os
surpreendentes benefícios pessoais da vaidade, segundo pensadores Adam Smith e
Rousseau
Você é
vaidoso?
Se acha
que não, provavelmente deveria pensar de novo.
A
vaidade é um dos vícios modernos mais evidentes. Criticamos quem pensa demais
sobre si mesmo, quem se preocupa em excesso com a aparência ou com que os
outros pensam.
Mas a
verdade é que a maioria de nós se importa com a opinião alheia. E não apenas em
relação à aparência física.
A
vaidade não é só uma preocupação estética, mas de comos nos vemos diante de
outras pessoas. É o famoso 'o que o mundo pensa de mim?'.
Para
Jean-Jacques Rousseau, filósofo suíço do século 18, nós só nos tornamos
verdadeiramente humanos modernos quando nos tornamos vaidosos.
Foi daí
que nasceu a nossa autoestima: fruto exclusivo do valor que os outros depositam
em nós.
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Dois tipos de amor
Rousseau
fez distinção entre dois tipos de amor:
O
L'amour de soi (amor por si mesmo, na tradução livre para o português) é uma
preocupação natural com a própria sobrevivência. Já o l'amour propre (amor
próprio) é a necessidade desesperada de se destacar aos olhos das outras
pessoas. Ou, em outras palavras, a vaidade.
Sob
essa perspectiva, a vaidade seria um produto de uma vida em sociedade.
Segundo
Rousseau, à medida que as sociedades se desenvolveram, em algum momento entre
os tempos dos caçadores-coletores e o período do Iluminismo, os seres humanos
passaram a depender cada vez mais da opinião alheia para viver.
"De
tanto se verem, chegaram ao ponto de não conseguir mais deixar de se ver",
escreveu em seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.
Esse
processo, segundo Rousseau, é semelhante ao que acontece quando uma criança se
torna adulta.
Ao
passar pela adolescência, ela, de repente, se dá conta de que ocupa uma posição
ou status dentro da sociedade.
O mesmo
teria acontecido com a humanidade em geral. À medida que fomos nos
socializando, passamos a nos preocupar cada vez mais como os outros nos viam.
Com isso, os seres humanos se tornaram progressivamente mais vaidosos e
incapazes de se autoavaliar de maneira independente.
Rosseau
se angustiava com o fato das pessoas passarem o tempo todo observando os outros
e desejando serem notadas.
Aquele
que cantava ou dançava melhor, o mais bonito, o mais forte, o mais habilidoso
ou o mais eloquente acabava sendo o mais admirado. Até que passamos a valorizar
mais a opinião que as pessoas tinham de nós do que as nossas próprias
habilidades ou virtudes.
O
filósofo observou que, no fundo, não é a sua eloquência, sua beleza ou sua
força que importa: mas o que os outros veem como eloquente, bonito e forte.
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Uma outra perspectiva
O
filósofo escocês Adam Smith, amigo de Rousseau, via a questão da vaidade sob
uma ótica um pouco diferente.
Para
ele, Rousseau provavelmente tinha razão ao dizer que a vaidade era a
característica principal dos seres humanos modernos, mas via nisso algo
necessário e fonte da nossa redenção.
Em A
teoria dos sentimentos morais, Smith pergunta: "Para que servem nossas
aflições e inquietações neste mundo?"
E
responde: para "sermos vistos, notados, tratados com simpatia, agrado e
aprovação".
"É
a vaidade, não o conforto ou o prazer que realmente nos interessa."
Para
Rousseau, o amor próprio é uma característica inevitável do ser humano moderno.
Também é a fonte da desigualdade social.
Em
sociedades onde a aparência é mais importante do que a realidade, parecer
virtuoso acaba substituindo o ser virtuoso como nossa principal motivação.
Nesse cenário, passamos a buscar a riqueza e o poder para parecermos
importantes.
Mas
Smith pensava que esse suposto vício era, na verdade, a base da nossa
sociabilidade e da nossa moralidade.
Somos
vaidosos, e a sociedade reforça essa vaidade. Mas é justamente ela que permite
que a vida em sociedade funcione. Nos importamos com o que os outros pensam de
nós e, por isso, ajustamos o nosso comportamento.
Queremos
ser vistos como responsáveis, por isso nos comportamos de maneira responsável.
Queremos ser vistos como generosos, por isso agimos de forma generosa. Queremos
ser vistos como pessoas gentis, por isso temos atos de gentileza.
Rousseau
via a vaidade como algo que nos afasta da moralidade e nos preende ao status.
Ela nos faz cuidar mais da máscara do que do rosto que está debaixo dela. Para
ele, a vaidade nos deixa vivendo presos em um salão de espelhos.
Já
Smith defendia que nenhuma sociedade poderia existir sem essa máscara, porque
ela é o que torna possível a interação social e moral.
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Ser elogiado e digno do elogio
Ver a
si mesmo através dos olhos dos outros é se submeter ao julgamento da
humanidade, segundo a visão de Smith. É a nossa vaidade que nos torna
responsáveis diante das outras pessoas.
Mas,
para o filósofo escocês, a vaidade não é simplesmente uma máscara.
"Existe
felicidade maior do que ser amado e saber que merecemos esse amor? E há
desgraça maior do que ser odiado e saber que meremos isso?", escreveu.
"O
ser humano deseja não apenas ser amado, mas também ser amável, ou seja, ser
alguém que é alvo natural do amor. Naturalmente, teme não apenas ser odiado,
mas também ser odiável, ou seja, ser alguém que naturalmente desperta ódio. Não
deseja apenas o elogio, mas ser louvável ou legítimo para a admiração, ainda
que, na prática, ninguém o elogie. E não só o assusta a reprovação, mas também
o ser reprovável, ou ser um alvo natural para a reprovação, ainda que ninguém o
reprove."
Queremos
não apenas ser elogiados, mas dignos desse elogio. E, assim, nossa vaidade nos
obriga a conquistar o elogio dos outros: precisamos merecer nosso status
social.
Ao
contrário de Rousseau, Smith não pensava que a vaidade era o resultado ou causa
da corrupção moral. Para ele, sem vaidade não haveria moralidade e nem
sociedade.
E aí,
você é vaidoso?
Espero
que sim. Porque ser social, e portanto, ser humano, é ser vaidoso.
Como
escreveu o romancista Kurt Vonnegut: "Somos o que fingimos ser, então
devemos ter cuidado com o que fingimos ser."
Fonte:
Por Nat Rutherford, teórico político, para BBC Reel

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