PM
da ativa dribla regimento e comanda grupo de segurança privada em SP
O
subtenente Claudiano de Carvalho, de 50 anos, recebeu R$ 7,6 mil líquidos da
Polícia Militar do Estado de São Paulo em maio, mas essa não é sua única fonte
de renda como policial da ativa. Ele é sócio de ao menos cinco empresas, sendo
uma delas de segurança privada: a Domain Premium Segurança Ltda.
Apesar
de não ser ilegal que um PM de São Paulo seja sócio de uma empresa, desde que
não a gerencie ou administre, registros obtidos pelo Intercept
Brasil mostram que Carvalho é muito menos um investidor e, sim, um dos
responsáveis diretos pela Domain Premium Segurança.
O regimento disciplinar da corporação
proíbe que policiais militares da ativa prestem serviços como segurança
particular, mas permite que atuem como sócios de empresas – inclusive de
segurança privada.
Mas a
norma só libera policiais a serem acionistas (no caso de sociedades anônimas)
ou cotistas (em relação a empresas limitadas), ou seja, investidores das
empresas. Portanto, não podem fazer a gestão dos negócios nem tomar decisões na
administração.
“O que
você não pode, em tese, é ser uma figura ativa, trabalhar para ter atividade
remunerada, além de ser servidor público”, explica Yasser Gabriel, professor da
FGV Direito São Paulo, sobre o que prevê a legislação a respeito de
funcionários públicos serem sócios de empresas.
No caso
do subtenente, o grupo de empresas que participa – e inclui a Domain Premium
Segurança – faz referência a seu sobrenome: Grupo C. Carvalho ou Grupo Carvalho. O site do
conglomerado, inclusive, tem como titular do domínio o próprio Claudiano.
O
endereço indicado no portal como “Sede Central (Operacional e Administrativa do
Grupo)” é o mesmo que o policial Carvalho informou como sua residência em
documentos de registro na Junta Comercial das empresas Domain Premium Segurança
e Domain Premium Facilities. Os demais sócios informaram um endereço diferente.
Há três
meses, em março de 2025, Carvalho também postou, no perfil pessoal do LinkedIn,
que estava à procura de supervisor para atuar na “área de facilities”, ou seja,
dar suporte às atividades da empresa. Apesar de não mencionar o nome da
companhia contratante, ele compartilha um número de telefone que consta no site
do Grupo C. Carvalho.
Além
disso, em uma reclamação trabalhista feita em 2024 contra uma das empresas do
grupo que presta serviços terceirizados, Carvalho assina uma procuração a um
escritório de advocacia como “sócio administrador” e consta como o
representante que assina o termo de rescisão de contrato de uma auxiliar de
limpeza.
No site oficial, a Domain informa que o grupo, que também
detém controladores de acesso e porteiros, presta serviços para 27 condomínios,
entre residenciais e comerciais, e 16 empresas, entre elas a rede de
restaurantes Paris 6, a Carrera Chevrolet e a Cruz Vermelha Brasileira, entre
outros.
No
registro da empresa na Junta Comercial, Carvalho divide a metade das cotas
avaliadas em R$ 200 mil com o ex-soldado Daniel Amarins de Sá Mendes, de 39
anos, que pediu exoneração da PM em 2023 e consta como administrador da
empresa. Mendes chegou a ser aprovado novamente em concurso para
soldado da PM no
ano passado, mas não tomou posse.
Ambos
ingressaram na sociedade em 5 de dezembro de 2024, após a saída do então cabo
Reginaldo Araújo dos Santos, de 42 anos, que havia aberto a Domain em 2021,
como sócio-administrador, enquanto atuava na Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar, a Rota, tropa de elite da PM paulista.
Carvalho
e Mendes também ingressaram como sócios da Domain Premium Facilities Ltda., um
braço da Domain Segurança para monitoramento eletrônico, com cotas de R$ 4,25
mil cada um. Além deles, o cabo da ativa Deivid Maikon Pedrosa da Silva, de 32
anos, entrou na sociedade com uma porcentagem menor de cotas – 15%, o
equivalente a R$ 1,5 mil.
No ano
passado, Araújo concorreu – e não se elegeu – a vereador pelo PL em Taboão da
Serra, cidade na Grande São Paulo, com apoio do então deputado federal Coronel
Telhada, do PP de SP, hoje subprefeito do bairro da Lapa na capital paulista, e
do deputado estadual Capitão Telhada, do mesmo partido – pai e filho,
respectivamente.
Na
época, ele não informou na declaração de bens ao Tribunal
Regional Eleitoral, TRE, que tinha cotas em empresas. A assessoria do tribunal
disse ao Intercept que isso só seria analisado caso tivesse sido feita uma
representação contra Araújo. “Eventual irregularidade com relação à não
inclusão de determinado bem na declaração do candidato poderá ser objeto de
ação própria, não sendo a análise feita, a princípio, no processo de registro
de candidatura”, afirmou o TRE, em nota.
O cabo
pediu exoneração da Polícia Militar em fevereiro deste ano, segundo publicação do Diário Oficial. Mas, no perfil da
Domain Premium Segurança no Instagram, ele ainda aparece como CEO. O Intercept
tentou contato com Araújo, por e-mail, mas não teve retorno.
Procuramos
o Grupo C. Carvalho via WhatsApp, mas o atendente disse que “não há policiais
na gestão da empresa”. O Intercept insistiu para falar com os sócios e, em
seguida, recebemos a ligação de um número desconhecido em que um homem, que se
identificou como Daniel, disse ser o responsável pela empresa e que não seria
possível falar com Claudiano de Carvalho – em seguida, ele encerrou a ligação.
Já a PM
de São Paulo informou, após contato da reportagem, que vai investigar o
caso. A corporação disse que “abriu uma investigação interna” e informou que o
regulamento disciplinar da PM proíbe que militares da ativa atuem como
administradores ou gerentes em empresas de segurança privada. “Se forem
identificadas irregularidades, as punições serão aplicadas conforme a
legislação disciplinar da instituição”, garantiu a PM.
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Pesquisadores veem conflito de interesses em atuação privada
A
atuação de PMs em empresas de segurança privada não é um caminho incomum,
aponta Cleber Lopes, professor e coordenador do Laboratório de Estudos sobre
Governança e Segurança, LEGS, da Universidade Estadual de Londrina, a UEL.
“Às
vezes, eles começam no segundo emprego, se aproveitam do status que têm como
policiais, da rede de contatos, de uma série de circunstâncias que os favorecem
na competição dentro desse mercado, e, quando as coisas começam a dar certo e a
renda principal acaba resultando da empresa do negócio que eles abriram, eles
saem da polícia”, explica Lopes. “Mas, ainda assim, para eles é muito
importante ter um sócio, ou ter diretores, pessoas que ainda são vinculadas ao
setor de segurança pública, porque isso é fundamental para o funcionamento dos
negócios”.
O que
também facilita essa atuação privada é que cabe às corporações policiais
regulamentar e fiscalizar a presença de agentes no setor, uma vez que o Estatuto da Segurança Privada e da
Segurança das Instituições Financeiras, lei que rege os serviços de segurança
privado sancionada em 2024, não tem proibição expressa sobre o assunto. Além
disso, a norma ainda aguarda regulamentação.
A
Domain, empresa ligada a Carvalho que atua em segurança privada, por exemplo,
tem alvará de funcionamento expedido pela Polícia Federal, que é o órgão
responsável por fiscalizar empresas de segurança privada. À reportagem, a
assessoria da PF disse que cabe à PM de São Paulo “analisar e tomar as
providências impostas em seu Regimento Disciplinar às faltas cometidas por seus
pares”.
O
professor Lopes sinaliza que até houve discussão no projeto de lei do estatuto
para se penalizar integrantes das forças de segurança pública em empresas de
segurança privada, mas ocorreu “uma enorme reação do setor de segurança
pública, dos parlamentares que fazem a defesa dos policiais no Congresso, e
isso foi retirado da lei”.
Pós-doutorando
em Psicologia pela Universidade de São Paulo, USP, Adilson Paes de Souza é
tenente-coronel da reserva da PM paulista e afirma que já negou propostas de
trabalho em empresas de segurança privada por entender que há um conflito
ético.
“Se uma
pessoa oferece lucro com segurança privada é porque a segurança pública não é
boa. E, ao mesmo tempo, essa pessoa recebe do estado para promover segurança
pública. Eu vejo um conflito porque a segurança privada precisa de uma
segurança pública deficitária para prosperar”, afirma.
Os dois
pesquisadores avaliam que as polícias toleram a participação de policiais na
segurança privada por meio de uma normativa dúbia para se eximir de discutir
melhores condições de trabalho.
Lopes
menciona que a disposição da escala de trabalho de 12×36 – ou seja, 12 horas de
trabalho seguidas de 36 horas de descanso – facilita a busca por bicos para
complementação de renda. Ele ainda pontua que, em vez de aumentar salários, os
governos concedem incentivo oficial para policiais trabalharem no horário
de folga, como as diárias especiais por jornada extraordinária e as operações
delegadas, no caso de São Paulo.
“O bico
é encarado pelas forças de segurança pública como uma política de remuneração
de pessoal”, enfatiza Lopes. “O bico policial só se torna um problema para as
organizações de segurança pública quando escândalos eclodem, quando situações
de conflito de interesse se tornam muito evidentes, como, por exemplo, o caso
dos policiais que faziam a segurança daquele delator do PCC que foi assassinado em
Guarulhos”.
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Governo Tarcísio: privatismo e repressão policial. Por
José Manoel Gonçalves
Em São
Paulo, a locomotiva econômica do Brasil, o modelo de gestão atual revela um
viés cada vez mais nítido: um governo que pune a pobreza e premia o capital
privado. Essa contradição se escancara em duas frentes simultâneas: o avanço
feroz de uma política de privatizações com interesses empresariais
escancarados, e uma política de segurança pública violenta, dirigida por uma
figura sob suspeita de enriquecimento ilícito.
Ambas
as frentes têm algo em comum: desconsideram a população mais vulnerável. Por um
lado, a repressão policial é seletiva e sistemática, concentrando-se nas
periferias, sob o comando de um secretário cuja integridade está sob
questionamento. Por outro, projetos bilionários de infraestrutura ferroviária
se desenham sem qualquer conexão com a necessidade locomotiva do povo, nem o
desenvolvimento comercial e industrial dos pequenos.
Segundo
apuração da Agência iNFRA, o governo paulista planeja reutilizar trechos
ferroviários desativados, transferindo sua gestão à iniciativa privada, por
meio de parcerias com empresas do setor de transporte e construção pesada. O
pacote estimado em quase R$ 200 bilhões contempla linhas que conectam o
interior à capital e ao litoral — mas, à luz do modelo proposto, sua finalidade
está longe de atender aos interesses da maioria da população.
Ao
ignorar as reais demandas de mobilidade da população periférica e dos pequenos
comerciantes e industriais, o governo restringe o uso público da infraestrutura
ferroviária a grandes empreendimentos orientados por retorno financeiro, e não
por justiça social ou reequilíbrio regional. Trata-se de um movimento típico do
privatismo seletivo, no qual a “eficiência” serve apenas ao lucro de poucos.
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Segurança para quem?
Paralelamente,
São Paulo segue mergulhado em uma política de segurança truculenta, sob
liderança do secretário Guilherme Derrite — investigado pelo Ministério Público
por movimentações financeiras incompatíveis com seus rendimentos. A Polícia
Militar, sob sua gestão, tem protagonizado operações marcadas por mortes,
violações de direitos e ausência de transparência. Os alvos? Jovens negros,
pobres e moradores das franjas da metrópole.
Essa
repressão não ocorre por acaso. É parte de um projeto político que retira
direitos com uma mão e impõe medo com a outra. Ao transformar as periferias em
territórios de exceção e os centros urbanos em vitrines para investidores, o
governo constrói um estado policial para vigiar os pobres e um estado
corporativo para servir aos ricos.
O
discurso de modernização esconde o desmonte de um possível projeto nacional de
mobilidade e desenvolvimento regional inclusivo. As ferrovias — historicamente
instrumentos de interiorização do progresso — são agora moldadas como produtos
para investidores internacionais, ignorando que pequenas e médias empresas
respondem por mais de 70% dos empregos no estado, segundo dados do Sebrae-SP.
Não se
trata de ser contra a iniciativa privada. Mas de exigir que o interesse público
venha primeiro. Ferrovias devem servir ao povo, encurtando distâncias,
promovendo integração regional e impulsionando a economia real — aquela
construída por milhões de trabalhadores, empreendedores e comunidades
esquecidas.
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Qual projeto de estado queremos?
Entre
repressão e privatismo, o governo paulista mostra qual é seu verdadeiro norte:
conter e silenciar os pobres enquanto entrega o patrimônio público ao capital
privado. Se há R$ 200 bilhões disponíveis para projetos ferroviários, por que
não priorizar o transporte de massa nas periferias, o escoamento da produção
dos pequenos e o fortalecimento dos polos industriais regionais?
A
locomotiva de São Paulo poderia estar puxando o Brasil rumo a um futuro mais
justo e equilibrado. No entanto, escolheu trilhos que favorecem poucos e
excluem muitos.
Fonte:
Por Jeniffer Mendonça, em The Intercept/Jornal GGN

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