O
que aprendeu a jornalista que criou experimento para mudar sua personalidade e
ser mais feliz
A
jornalista Olga Khazan se dedicava a escrever sobre temas relacionados ao
bem-estar, saúde mental e ciências. Mas, no seu interior, ela não se sentia
bem.
Depois
de pesquisar como a nossa personalidade afeta nossas vidas para o seu trabalho
na revista digital The Atlantic, sua curiosidade a levou a projetar um
experimento para verificar se conseguiria mudar e ser mais feliz.
"Eu
tinha uma capacidade única de encontrar sofrimento, até nas melhores
circunstâncias", conta ela.
A
escritora de 38 anos já colaborou com jornais como The New York Times, Los
Angeles Times e The Washington Post. Ela conta como seus sentimentos de
ansiedade e irritação tiravam seus dias facilmente dos trilhos.
Situações
cotidianas, como ficar parada no trânsito, um corte de cabelo mal feito ou um
comentário do seu chefe a deixavam totalmente aborrecida.
"Eu
sabia que era menos vítima das circunstâncias do que de mim mesma",
relembra Khazan.
Sua
mente era sua pior inimiga. Ela gerava reações e sentimentos negativos. A
situação chegou ao ponto de Khazan se questionar se sua forma de ser permitiria
que ela fosse capaz de criar filhos.
Mesmo
sabendo que, em parte, a personalidade é determinada pela genética, Khazan
defende que isso não significa que ela não possa ser modificada de alguma
forma.
Por
isso, ela decidiu colocar à prova algumas das coisas que ela havia lido e
projetar seu próprio experimento, para avaliar os resultados.
Por um
ano, ela se comprometeu a testar diversas atividades inspiradas em estudos
científicos e conversou com psicólogos sobre seu projeto.
No seu
último livro, Me, But Better: The Science and Promise of Personality Change
("Eu, só que melhor: a ciência e a promessa da mudança de
personalidade", em tradução livre), Khazan conta como foi sua experiência
pessoal. Ela reflete sobre até que ponto a personalidade é flexível e explica o
que dizem os especialistas a respeito.
Baseada
em um modelo amplamente aceito de que a personalidade inclui cinco grandes
traços característicos, Khazan fez regularmente testes elaborados por um
psicólogo especializado em mudanças de personalidade. Assim, ela pôde avaliar
seu progresso em relação a cada um desses traços.
A BBC
News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — conversou com Olga Khazan sobre seu
livro e o que ela aprendeu após um ano tentando mudar de personalidade.
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Confira abaixo a entrevista.
• O seu livro trata da personalidade. O
que se entende como personalidade? É algo que podemos mudar?
Olga
Khazan: A personalidade é composta por pensamentos, sentimentos e
comportamentos que nos surgem por reflexo.
Os
especialistas que estudam as mudanças de personalidade acrescentariam algo
mais: ela também nos ajuda a conseguir o que queremos na vida. Os traços de
personalidade nos ajudam a atingir nossos objetivos.
Se
tivermos como meta ter mais amigos ou amizades melhores, a amabilidade pode nos
ajudar. Se quisermos conseguir uma promoção no trabalho ou fazer mais coisas
durante o dia, a conscienciosidade nos ajuda a conseguir.
Normalmente,
a personalidade permanece estável ao longo da nossa vida adulta. Mas ela também
muda com o passar do tempo, em função das situações que vivemos e das nossas
experiências.
O tema
do meu livro é como podemos tentar mudar intencionalmente certos traços da
nossa personalidade em um curto espaço de tempo.
• Você mudou sua compreensão da
personalidade a partir do livro?
Khazan:
Sim.
Antes
de começar a pesquisar sobre a personalidade, eu pensava que ela se tratasse
mais dos gostos e desgostos de uma pessoa. Como, por exemplo, alguém que diz
'não gosto de festas, mas gosto de costurar'...
Mas o
que me pareceu interessante foi observar que a personalidade é muito mais do
que isso, pois ela afeta grande parte dos nossos comportamentos e o tipo de
coisas que fazemos.
Também
observei que ela é mais flexível do que eu pensava. Isso faz sentido se você
pensar em como você agia em outras etapas da vida, por exemplo, na escola, na
universidade ou no seu primeiro emprego, em comparação com agora, e ver como
você muda com o passar do tempo.
Saber
que podemos mudar a nós mesmos é genial.
O
modelo dos cinco grandes traços da personalidade apresenta as principais
dimensões das diferenças individuais sobre a personalidade:
• Abertura: o nível de abertura a novas
experiências estéticas, culturais ou intelectuais.
• Conscienciosidade: o nível de
organização, responsabilidade e a tendência à dedicação.
• Extroversão: este traço é caracterizado
pela orientação dos interesses e energia em direção ao mundo exterior e às
outras pessoas.
• Amabilidade: a tendência a agir de forma
cooperativa e não egoísta.
• Neuroticismo: a tendência à baixa
estabilidade emocional e a experimentar facilmente emoções como ira, ansiedade
e/ou depressão, que aumentam o sofrimento psicológico.
Fonte:
Associação Americana de Psicologia
• Por que você escreveu este livro?
Khazan:
Percebi que havia coisas na minha vida que me deixavam infeliz.
Eu
realmente me aborrecia com coisas pequenas que aconteciam, pequenos
inconvenientes que muitas pessoas enfrentam com calma, mas que, para mim,
realmente arruinavam o meu dia ou a semana.
Isso me
fez repensar a minha vida, se deveria ter filhos, este tipo de coisa. E também
percebi que eu me sentia muito sozinha, que era muito introvertida e passava
muito tempo isolada.
Eu me
sentia como se não tivesse nenhum apoio ou conexões sociais.
Tudo
isso está arraigado na personalidade. Muitas das coisas que nos afetam e que
sentimos que não são ideais nas nossas vidas estão relacionadas aos traços da
personalidade.
• O que mais perturbava você na sua
personalidade e que você queria mudar?
Khazan:
Eu queria ser menos ansiosa e ficar menos estressada o tempo todo, ou seja, ser
menos neurótica.
O
neuroticismo é um dos cinco traços da personalidade. Ele avalia a tendência a
ter pensamentos ansiosos e depressivos.
Existem
evidências de que, quando atingimos níveis muito altos ou baixos na escala de
alguns destes traços de personalidade, começa o que poderia ser considerado um
transtorno. Muitas das chamadas doenças mentais estão relacionadas a extremos
dos traços de personalidade.
Os
extremos mais altos de neuroticismo, por exemplo, onde eu me encontrava, estão
relacionados aos transtornos de ansiedade ou depressão.
Eu
também queria ter mais amigos, o que seria um aumento do traço de extroversão.
E também queria me relacionar melhor com as pessoas da minha vida, o que
exigiria um aumento do traço da amabilidade.
[O
estudo mencionado por Khazan foi publicado em 2006 por autores afiliados ao
Departamento de Saúde Mental e Pesquisa sobre o Álcool do Instituto Nacional de
Saúde Pública de Helsinque, na Finlândia.]
• Você fala do seu processo como um
"experimento" e contou com grande respaldo de estudos acadêmicos e
pesquisas científicas. Até que ponto o seu experimento pode ser reproduzido por
outras pessoas?
Khazan:
Existem diversos pesquisadores que reproduziram este processo de diferentes
formas.
O que
eu fiz foi baseado em vários estudos, especialmente um do pesquisador Nathan
Hudson, que faz muitos estudos sobre mudanças de personalidade em Dallas, nos
Estados Unidos. E também em outro estudo similar de Mirjam Stieger, na Suíça.
Se
outra pessoa tentar fazer algo similar, eu diria que irá depender da quantidade
de tempo que ela dedicar ao processo.
Eu
dediquei muitíssimo tempo a isso, de forma que eu diria à outra pessoa que
identifique e priorize os traços que deseja trabalhar. E, depois, que escolha
comportamentos relacionados a estes traços de personalidade.
A
maioria das pesquisas indica que você pode começar a observar mudanças após
poucos meses.
O
importante é manter o comportamento e a constância com esses novos hábitos,
para atingir mudanças duradouras. Acredito que outras pessoas poderão
reproduzir versões deste processo.
[Nathan
Hudson tem doutorado em Psicologia e se especializou em como se pode mudar
intencionalmente a personalidade. Atualmente, ele é acadêmico da Universidade
Metodista do Sul no Texas, EUA, e projetou o teste de personalidade utilizado
por Khazan. Mirjam Stieger tem doutorado em Psicologia e estuda mudanças de
comportamento e personalidade na Universidade de Ciências Aplicadas e Artes de
Lucerna, na Suíça.]
• Como você elaborou seu projeto de
mudança de personalidade?
Khazan:
Algumas das estratégias básicas que usei vieram diretamente do estudo de Hudson
— como, por exemplo, cumprimentar desconhecidos. Depois, acrescentei outros
desafios que eu quis tentar.
Mas
existem diversas medidas que você pode tomar sobre qualquer um dos traços de
personalidade. E não precisa ser exatamente o que eu fiz nem o que qualquer
outra pessoa adotou.
Paralelamente,
realizei autoavaliações de personalidade com frequência, em um site
desenvolvido por Hudson, para observar como minha personalidade se alterava.
• Quais você acredita que sejam os motivos
que levam as pessoas a quererem mudar sua personalidade?
Khazan:
Existem muitas razões pelas quais alguém poderia desejar mudar sua
personalidade.
Se você
se sentir deprimido ou ansioso, por exemplo, esta poderia ser uma razão para
querer mudar sua personalidade, para reduzir o seu nível de depressão e
ansiedade.
Algumas
das pessoas com quem conversei sentiam que não conseguiam fazer muitas coisas
ou que suas casas estavam realmente em desordem e elas nunca conseguiam
encontrar nada.
Outras
queriam empreender um negócio, mas não conseguiam se organizar. Ainda outras
haviam conseguido um novo emprego que exigia que elas falassem muito em
público, o que exigiria aumento da extroversão para que elas pudessem ter bom
desempenho no novo cargo.
• Você experimentou muitas atividades
diferentes, como surfe, festas, viagens, terapia para controle da raiva e
outras. Como você se saiu e quais delas você diria que funcionaram melhor?
Khazan:
Em relação à extroversão, eu diria que o que funcionou melhor foram as aulas de
improvisação de comédia e tentar fazer amizade com pessoas com quem eu já
tivesse algo em comum, por meio de atividades do meu interesse.
O que
não funcionou tão bem para mim foi comparecer a eventos com uma porção de
estranhos ou fazer longas caminhadas com desconhecidos. Para mim, era muito
difícil me relacionar com pessoas que eu não conhecia e com quem não tinha nada
em comum.
• Depois de concluir o experimento, qual
você diria que foi a maior mudança? Houve algo que você queria mudar, mas não
conseguiu?
Khazan:
A maior mudança que observei foi a extroversão. Eu me tornei muito mais
extrovertida e também muito menos neurótica.
Eu
teria gostado de poder aumentar ainda mais a minha amabilidade. Mas, na
verdade, é algo muito difícil de mudar, pois exige alterar a forma com que você
pensa e se relaciona com as outras pessoas.
• Você explica no seu livro que a
personalidade também muda naturalmente ao longo do tempo. Mas, quando se faz de
propósito, como no seu caso, você acredita que podemos chegar a mudar nossa
personalidade a longo prazo? E o que dizem os especialistas sobre os resultados
duradouros?
Khazan:
Sabemos que as mudanças nesses estudos em que as pessoas tentam mudar sua
personalidade duram pelo menos alguns meses após a intervenção. Mas a razão por
que não sabemos se elas duram mais tempo é que não há estudos de acompanhamento
por vários anos.
Eu
imagino que sim, se você der prosseguimento a essas novas mudanças.
Conversei
com pessoas que mudaram sua personalidade a longo prazo, mas é um daqueles
pontos sobre os quais não temos dados.
Por
isso, não me sinto à vontade para dizer, mas acredito que, se uma pessoa
mantiver os hábitos que alteram este traço de personalidade, sim, ela veria
mudanças de longo prazo.
• Você comenta no seu livro alguns dos
seus temores em relação a ter filhos, especialmente se a sua personalidade
poderia fazer com que você não fosse uma boa mãe. Como este experimento ajudou
você a tomar a decisão de formar família?
Khazan:
Acredito que ele me ajudou a reduzir meu neuroticismo. Eu tinha muito medo de
ser mãe, não tinha certeza de que seria o certo, mas comecei a me sentir melhor
comigo mesma e ter mais autoconfiança.
Minhas
aulas de meditação me ajudaram a observar a incerteza de forma diferente.
Acredito que isso tenha me impulsionado, pois meu problema era a ansiedade
sobre o futuro. Eu não sabia se seria capaz de fazer.
Acredito
que eu precisava mentalmente chegar ao ponto a que cheguei para ficar em paz
com o fato de não saber como tudo iria sair.
• Como você acredita que o fato de ser
imigrante afetou sua personalidade?
Khazan:
Acredito que isso definitivamente me afetou, especialmente em relação ao meu
nível de extroversão.
Não
tenho como saber com certeza, mas, se eu tivesse sido criada na União Soviética,
onde nasci (hoje, Rússia), talvez fosse mais extrovertida, pois não acredito
que eu seja introvertida por natureza.
Acredito
que fiquei assim porque sofri muito assédio quando era criança nos Estados
Unidos, onde cresci. E aprendi que, se não falasse com ninguém, ninguém poderia
me aborrecer.
Creio
que tenha sido uma reação aprendida devido ao assédio na escola e, talvez, se
eu não fosse imigrante ou, pelo menos, não tivesse sido criada onde cresci, não
teria sofrido assédio de forma tão agressiva e minha extroversão natural teria
saído antes.
• Você menciona no seu livro que, para
poder mudar, é preciso querer fazer, mas que você sentiu resistência muitas
vezes. Como você superou esta situação?
Khazan:
Isso é comum entre muitas pessoas que dizem que querem mudar, mas não fazem.
No meu
caso, ocorreu principalmente quando eu tentava reduzir minha ansiedade.
Ser
menos ansiosa exigia que eu me relaxasse e não tentasse controlar tudo. Minha
impressão era que um pouco de ansiedade seria útil e me ajudava no trabalho e,
por isso, não estava certa se eu queria perder esta parte.
Eu
superei isso com as aulas de meditação, para não me pressionar a tentar ser
menos ansiosa, mas apenas meditar sem ter expectativas.
Algo
estava agindo em segundo plano para diminuir meu neuroticismo, sem que eu
tentasse ativamente fazer isso, porque acredito que eu não ficava lutando
contra isso intelectualmente o tempo todo.
• Algumas pessoas ficam obcecadas por
textos de autoajuda, o que pode se transformar em uma busca sem fim pela
melhoria.
Como
conseguir o equilíbrio entre a autoaceitação e tentar "consertar" a
si mesma, sem chegar a um extremo que não fosse saudável?
Khazan:
Um ponto que me ajudou muito é o conceito budista de que a vida tem estações.
Pode
haver temporadas em que você não trabalha muito em si mesmo porque tem outras
obrigações, e aceitei que existem coisas que não faço mais porque não tenho
tempo.
No meu
caso, eu tive um bebê. Mas outra pessoa talvez esteja muito ocupada com o
trabalho, uma nova mudança ou o que quer que seja.
E, por
isso, você realmente não prioriza tentar ser extrovertido ou praticar
atividades novas naquele momento. E acho que está tudo bem.
Está
tudo bem aceitar que você não irá se concentrar neste problema, mas sim em
outra necessidade mais urgente. E, quando as coisas se acalmarem, talvez você
possa voltar a tentar fazer mais amigos ou o que você desejar fazer.
Este
tem sido um ritmo mais administrável para mim, sem achar que estou atrasada
para resolver tudo de uma vez neste momento.
• E como você se sente hoje, depois de
encerrar o experimento e publicar o livro?
Khazan:
Eu me sinto bem, mas preciso dizer que o pós-parto realmente muda tudo.
Fiz o
teste de personalidade outra vez durante o pós-parto e todas as minhas
pontuações se desarranjaram — nada de extroversão e alto neuroticismo.
Sabe,
seus hormônios ficam malucos, você não está socializando e este é um momento de
loucura.
Por
isso, insisto que as pessoas não devem ser duras demais consigo mesmas, se
estiverem em um período da vida em que elas não podem trabalhar em algum traço
de personalidade específico. O livro mostra apenas um caminho parra atingir
estes objetivos, no momento adequado.
Acredito
que podemos frequentemente ficar estagnados, pensando que a nossa vida precisa
ser de certa maneira só porque somos um certo tipo de pessoa. E o que achei
realmente libertador foi descobrir que isso não é verdade.
Você
tem a capacidade de mudar sua vida a qualquer momento, com hábitos simples e
comportamentos diferentes.
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NOTA:
Esta
reportagem não deve substituir o conselho de um profissional de saúde. A BBC
não se responsabiliza por nenhum diagnóstico realizado por um usuário com base
no conteúdo desta reportagem. Se você tiver qualquer preocupação com sua saúde
mental, consulte um especialista.
Fonte:
BBC News Mundo

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