'Nós,
jovens, precisamos mudar nossas expectativas. O momento econômico perfeito
nunca mais se repetirá'
Ser
jovem hoje em dia não é fácil. Vejo isso quando converso com meus filhos e os
amigos deles.
Muitos
enviam centenas de currículos e são rejeitados pelos algoritmos. Comprar uma
casa é insustentável – e o custo de ter filhos parece ainda maior.
Recentemente,
venho relembrando minha época de jovem adulta.
Eu me
formei na universidade em 1988 e saí direto para um emprego, com um bom
salário.
No ano
seguinte, eu já tinha economizado o suficiente para dar de entrada na minha
primeira casa. E, antes de completar 30 anos, tive meu primeiro filho.
Quando
olho para as experiências dos jovens de hoje, às vezes acho que cresci em outro
planeta, não em outra geração.
De quem
é a culpa por construir a vida ter ficado tão difícil?
Venho
fazendo esta pergunta com frequência. E entrei em contato com Kyla Scanlon para
ter algumas respostas.
Scanlon
é uma escritora americana especializada em economia e criadora de conteúdo com
enorme presença nas redes sociais. Ela tem 27 anos de idade e fundou sua
própria empresa de educação sobre finanças pessoais, chamada Bread.
Em
2022, ela cunhou o termo vibecession, em inglês, para definir o estado da
economia americana durante o governo do ex-presidente Joe Biden (2021-2025).
Muitos
dos seus seguidores são jovens que buscam respostas sobre suas finanças. Seu livro mais recente é In this Economy? How Money & Markets Really
Work ("Nesta economia? Como o dinheiro e os mercados realmente funcionam",
em tradução livre).
Nossa
conversa abordou justamente a questão de como a vida ficou tão insustentável
para os jovens, financeiramente falando – especialmente nos Estados Unidos. E
se existe uma resposta clara sobre os motivos e o que pode ser feito para
resolver esta situação.
Se você
é jovem, ou se tem um jovem na sua vida, você precisa ler nossa conversa
abaixo, que foi editada por motivos de concisão e clareza.
• Katty Kay (BBC): Vamos começar com o que
parece ser uma espécie de tensão entre as pessoas sobre como a economia
funciona para cada uma delas. Este é o quadro: tenho 60 anos de idade. Você não
tem 60 anos. Eu me formei na universidade em 1988. Saí direto da universidade
para um emprego com um salário razoavelmente bom, no serviço público britânico.
Com 29 anos, tive meu primeiro filho. Na época, não pensei 'meu Deus, nunca vou
conseguir sustentá-lo'. Mas, quando olho para os meus filhos e os amigos deles,
é quase outro planeta.
Kyla
Scanlon: Tenho 27 anos e me formei basicamente na pandemia.
O que
você está contando parece muito distante de mim e das pessoas que conheço.
Para as
pessoas com mais idade, havia meio que uma equação a seguir. As casas eram
muito mais baratas. A educação tinha um retorno mais previsível. Não era tudo
tão caro.
É claro
que cada geração tem seus próprios desafios, mas a geração mais jovem de agora,
com menos de 30 anos, enfrenta uma imensa batalha em termos de comprar uma
casa, de economizar, do mercado de trabalho, de inflação, de uma pandemia
global que prejudicou muitos jovens adultos.
Por
isso, acho que tem sido um desafio.
• Kay: Você olha para o que eu tive e
pensa 'como assim? vocês simplesmente ficaram com tudo?'
Será
que nós fomos a geração que tomou tudo para si e meio que deixou vocês sem
nada? Nós fizemos algo deliberadamente para prejudicar vocês?
Scanlon:
Esta é uma generalização – 43% dos baby boomers [nascidos entre 1946 e 1964]
não têm economias para a aposentadoria, certo?
Se eu
chegar e disser 'oh, todos os boomers ficaram com todo o dinheiro', não [é
verdade]!
Alguns
deles fizeram isso. Eles tiveram uma bela alta no mercado de ações, os custos
da moradia provavelmente aumentaram quatro, talvez cinco vezes, nas últimas
duas décadas e eles se recusam a vender aquelas casas.
A
quantidade de baby boomers donos de três quartos é maior que o número de
millennials [nascidos entre 1981 e 1995] que têm três quartos. E seria de se
imaginar que os millennials fossem donos dessas casas, pois eles precisam delas
para ter famílias, filhos e espaço.
Todos
vocês também enfrentaram enormes batalhas, mas vocês começaram a vida,
basicamente, em uma época perfeita que talvez nunca vejamos de novo na
história. Vocês simplesmente tiveram muita, muita sorte.
Por
isso, acho que precisamos mudar nossas expectativas e perceber que aquilo
talvez não seja o futuro. Não podemos culpar os boomers por terem aproveitado a
ocasião.
• Kay: Então, a minha geração é a
anomalia? Aquele período do pós-guerra simplesmente produziu um crescimento
extraordinário e nós fomos os beneficiários – seja a geração dos meus pais ou a
minha?
Scanlon:
Sim, e também a mobilidade social ascendente.
[A
economista francesa] Stefanie Stantcheva em Harvard fez uma ótima pesquisa
sobre a mobilidade ascendente e ela simplesmente não existe na forma em que
costumávamos observar.
Este é
o sonho americano: comprar uma casa, ter filhos, ter um emprego e viver – e
acho que isso desapareceu, principalmente, porque, agora, a economia está
sofrendo as repercussões reais da expansão do pós-guerra, que beneficiou os
baby boomers.
• Kay: Kyla, houve um momento em que tudo
começou a piorar? Houve algo que os governantes fizeram ou deixaram de fazer
para exacerbar esta mudança?
Scanlon:
O que aconteceu, do lado político, é que os boomers votam e, como detêm alta
representação na política, eles acabam projetando políticas que beneficiam a
eles próprios.
É
simplesmente este ciclo de décadas em que os que estão no poder querem
permanecer – e estes são os incentivos colocados à sua frente. Eles irão
projetar as coisas para que sejam desta forma.
Eles
irão combater a moradia [a preços acessíveis] porque não querem que suas casas
sejam desvalorizadas de alguma maneira.
Talvez
eles não se aposentem com a idade que esperaríamos, para não perder sua posição
de liderança. Eles simplesmente irão permanecer e isso cria um elemento de
estagnação para quem tenta herdar o que vem depois.
Os baby
boomers detêm cerca de 73 a 75% de toda a riqueza nos Estados Unidos. Eles
simplesmente ainda não passaram o bastão.
Existem
também muitas regulamentações e muitos entraves burocráticos, de forma que não
podemos simplesmente colocar a culpa nos boomers por muitas coisas.
Mas,
quando você olha para os Estados Unidos e realmente analisa [o PIB], este é o
país mais rico do mundo e, às vezes, ele se recusa a ajudar seus cidadãos.
De
fato, vimos muito apoio durante a pandemia, em termos de ajudar as pessoas com
tolerância em relação aos aluguéis e suspender os pagamentos dos empréstimos
estudantis.
Mas,
nos Estados Unidos, existe uma luta mortal sobre como os cidadãos devem viver.
E parte disso certamente vem de políticas que foram criadas pela população com
mais idade.
Isso
não é causado apenas pelos boomers, mas tem um grande impacto sobre como as
pessoas enfrentam a economia.
• Kay: Isso faz com que você e a sua
geração queiram rever o sistema? Isso produz um grau de cinismo que, você acha,
corre o risco de se tornar permanente?
Scanlon:
Existe uma expressão chamada niilismo financeiro. Basicamente, é a ideia de que
as pessoas desistiram totalmente de economizar para a aposentadoria.
Elas
desistiram de avançar na sua carreira, por não acharem que haja um futuro para
elas.
Isso me
preocupa muito. Se perdermos a esperança, o que vem depois? O que você faz para
que as pessoas a recuperem?
O que
você pode dar a elas para que tenham esperança, se o sistema não fornece as
oportunidades que elas esperavam?
[O
jornalista e escritor americano] David Brooks publicou um ótimo artigo no The
New York Times sobre a economia da rejeição – e a rejeição sem fim, dos
aplicativos de namoro, das faculdades e dos empregos.
Simplesmente,
a rejeição constante e a carga cognitiva que ela traz. E como ela realmente
pode eliminar qualquer sentido de esperança nas pessoas.
Eu me
preocupo muito com isso.
• Kay: Existe algum país no mundo que
esteja agindo certo – ou pelo menos lidando melhor com a situação – e que
poderíamos usar como exemplo?
Scanlon:
Podemos aprender com todo tipo de países.
Acho
que os Estados Unidos realmente precisam rever sua rede de segurança social e a
Europa é um exemplo relativamente bom neste campo.
Muitos
países enfrentam problemas para definir o que fazer com seus jovens, pois todos
atualmente vivem por muito mais tempo nos países desenvolvidos.
A
Áustria fez um trabalho muito bom na construção de moradias. Eles têm moradias
sociais, apenas isso. Será que nós poderíamos simplesmente ajudar as pessoas a
conseguir suas casas?
• Kay: Quando você examina o que poderia
mudar em termos de políticas, o que você gostaria de indicar?
Scanlon:
É uma resposta simples, mas definir o zoneamento e a habitação. É preciso
construir casas. Esta é apenas uma das formas de sairmos disso.
Outra
questão são os custos das creches, que realmente dispararam nos Estados Unidos.
É muito
difícil imaginar como cobrir estes custos, mas este é um ponto importante. Se
quisermos incentivar as pessoas a ter filhos e continuar construindo suas vidas
nos Estados Unidos, precisamos resolver a questão dos custos das creches.
Outra
questão são os custos de assistência aos idosos. Cuidar de uma pessoa idosa
[nos Estados Unidos] custa em média, eu acho, cerca de US$ 10 mil [cerca de R$
55,5 mil] por mês. Também é muito difícil imaginar como bancar isso.
Se
pensarmos simplesmente em meio que estabilizar a população, precisamos dar a
elas um lugar para morar, ajudá-las a ter filhos e cuidar da nossa população de
idosos, enquanto as pessoas caminham rumo ao que quer que venha depois disso.
Eu me concentraria nestes três pontos.
Fonte:
BBC Worklife

Nenhum comentário:
Postar um comentário