“Nenhum
profissional de saúde pode se calar sobre Gaza”, expõe Mustafa Barghouti na
Unifesp
Desde 7
de outubro de 2023, a crescente agressão de Israel sobre os territórios
palestinos causou 132 mil feridos e mais de 55 mil mortos. Já são 20 meses de
genocídio na Palestina ocupada ilegalmente por Israel. Os números correspondem
a 10% de toda a população do enclave – proporcionalmente falando, seria como se
16 milhões de brasileiros ou 33 milhões de estadunidenses tivessem sido
atingidos. A comparação aterradora foi feita por Mustafa Barghouti, médico e
ativista político palestino, em sua participação na mesa “Sob fogo: a saúde da
população de Gaza”, que aconteceu nesta terça-feira (1º) na Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
Barghouti
fez uma ampla exposição do terror sofrido pelos palestinos. Além daqueles que
não conseguiram escapar aos bombardeios em massa e dos que foram “enterrados”
sob os escombros, há 2 milhões de palestinos em escassez prolongada de
alimentos; quase meio milhão de pessoas em situação catastrófica de fome,
desnutrição aguda, inanição, doenças e morte; 15 mil mulheres grávidas sem
acesso a qualquer tipo de procedimento pré-natal; e incontáveis pessoas sem
acesso a água para atender direitos básicos como saneamento básico ou,
simplesmente, se hidratar.
Em 20
meses, 94% de todos os hospitais da Faixa de Gaza foram danificados ou
destruídos, e cerca de 700 ataques a equipamento de saúde foram orquestrados
por Israel, de acordo com dados da OMS (dezenas de vídeos com imagens sobre os
serviços de saúde atacados em Gaza podem ser encontrados aqui). A falta de
suprimentos médicos, alimentos, água e combustível praticamente esgotaram um
sistema de saúde já com poucos recursos.
Ataques
nos territórios palestinos ocupados mataram e feriram profissionais de saúde e
pacientes – em sua grande maioria mulheres, idosos e crianças –, além de terem
danificado instalações de saúde e ambulâncias. Não há mais vacinas, e doenças
como a poliomielite, que havia sido erradicada há 30 anos, tornaram-se
epidemias. Aos hospitais que restaram, falta acesso, já que os palestinos
perderam inclusive seu direito de ir. Mas parece evidente que qualquer dano de
saúde irá parecer um mal menor perto do risco iminente de ser assassinado ao
buscar um saco de farinha…
O
evento que reuniu Mustafa Barghouti e Paulo Buss, médico e atual diretor do
Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, foi organizado pela
Cátedra Edward Saïd junto de estudantes, professores, técnicos da universidade
e participantes da Rede de Solidariedade ao Povo Palestino, o debate, com
mediação da professora Rosemarie Andreazza, da Escola Paulista de Medicina.
Ao
apresentar os fatos, Mustafa foi enfático: “O que Israel quer é tornar nosso
país inabitável, o que faz parte do projeto de limpeza étnica que começou com a
Nakba em 1948”. A cada minuto que passa, lembrou o médico, palestinos morrem
por bombardeios, fome e doenças. Enquanto isso, o Estado sionista de Israel se
aproveita da crise sanitária-humanitária para criar o que chamou de “pontos de
distribuição de ajuda humanitária”, que são, na verdade, campos de concentração
– como bem chamou Barghouti.
Diante
de tudo isso, o que tem feito o mundo além de observar a terra palestina
tornar-se um cemitério a céu aberto? Traçando um paralelo histórico, Barghouti
lembra que, na época do Holocausto, o mundo também se calou diante do genocído.
“Hoje, nós [palestinos] estamos enfrentando o mesmo nível de covardia – agora
das pessoas estão em silêncio sobre a Palestina”, disse ele.
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Como a saúde palestina resiste – e qual o papel do Brasil
Perguntado
sobre como têm se organizado as autoridades sanitárias na Palestina, Barghouti
enfatiza que tanto os médicos independentes como as organizações e o próprio
Ministério de Saúde local estão fazendo o possível. A Sociedade Palestina de
Assistência Médica (PMRS, na sigla em inglês), grupo de médicos e profissionais
de saúde, é um exemplo da resistência médica palestina, que não começou em
2023. Fundada em 1979, a organização busca complementar um sistema de saúde
deteriorado pelos mais de 75 anos de ocupação militar israelense, criando de
fato uma infraestrutura nacional de saúde. Entretanto, com a ampla destruição
de quase todos os equipamentos de saúde na Palestina ocupada, a PMRS não tem
conseguido trabalhar sozinha – contexto em que é extremamente importante
“organizar uma cooperação entre a saúde palestina e a saúde brasileira”,
segundo Mustafa.
“Contudo,
a coisa mais importante agora é impor sanções econômicas e cortar relações
diplomáticas com Israel”, disse o ativista palestino. Um relatório produzido
por Francesca Albanese, relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos
humanos nos territórios palestinos ocupados, divulgado em 30 de junho, aponta a
Petrobras como parte de uma vasta rede que financia o Estado de Israel. O
documento mostra que a empresa brasileira detém as maiores participações em
campos fornecedores de petróleo bruto, que abastecem, por sua vez, as duas
principais refinarias em Israel – sem mencionar que a empresa fornece
combustível para jatos militares.
O
Brasil, enquanto país signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos
da ONU, não pode seguir financiando o projeto racista e imperialista de um país
que se construiu e se consolidou a partir da colonização e destruição de outro.
Nesse contexto, a recomendação de Barghouti – que chegou a agradecer a
solidariedade brasileira, mas pediu ações concretas – torna-se um dever.
Em
suma, o mundo está assistindo aos crimes de guerra mais terríveis, e grande
parte deles são ataques diretos à saúde palestina. Portanto, como bem lembra
Barghouti, “nenhum profissional de saúde pode ficar calado diante do que está
acontecendo na Faixa de Gaza”. Enquanto a Palestina ocupada corre o risco de
não mais existir, de que lado estará o Brasil e a saúde brasileira: dos que
permaneceram calados ou dos que se revoltaram com o extermínio em tempo real de
todo um povo?
Fonte:
Por Luiza Brazuna, em Outra Saúde

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