Militarização
da educação pública: ideologia acima de tudo, lucro acima de todos
Inicialmente,
é preciso esclarecer aos leitores e leitoras que uma escola cívico-militar não
é uma escola militar. As escolas militares são instituições de ensino
vinculadas ao Ministério da Defesa e, em geral, voltadas para a formação de
futuros oficiais das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). O
ingresso nessas escolas é garantido, prioritariamente, aos filhos de militares,
sendo que as vagas excedentes são preenchidas por meio de processos de seleção
que envolvem provas e entrevistas. O corpo docente é composto por militares e
professores civis concursados e o currículo escolar contempla os componentes
curriculares da Formação Geral Básica (Arte, Biologia, Educação Física,
Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Estrangeira, Língua Portuguesa,
Matemática, Química e Sociologia), além de disciplinas voltadas à formação
militar.
Já as
escolas cívico-militares são escolas públicas estaduais ou municipais, que
recebem “apoio” de militares da reserva (aposentados) ou da ativa das Forças
Auxiliares (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Guarda Municipal) para
auxiliar em funções administrativas e disciplinares. O ingresso de estudantes é
realizado de diferentes formas, seja com vagas reservadas para filhos de
militares (que não necessitam passar por processos de seleção), sorteio,
entrevistas e análise curricular. Neste ponto, chamo a atenção para a
frequência com que estudantes matriculados em escolas que foram militarizadas
são transferidos compulsoriamente para unidades de ensino não militarizadas.
Esses estudantes “transferidos” apresentam um perfil comum: são oriundos de
famílias de baixa renda, estão fora do fluxo escolar regular (com trajetórias
educacionais marcadas por abandono ou reprovação), participam ativamente de
movimentos estudantis ou sociais (como grêmios escolares) ou possuem
deficiências físicas ou problemas de saúde mental. Os currículos dessas escolas
contemplam os componentes da Formação Geral Básica e, em alguns casos, nos
Itinerários Formativos próprios, são ofertadas disciplinas voltadas à
disciplinarização, à moralidade e ao civismo.No primeiro semestre de 2025
presenciamos a intensificação do projeto de militarização de escolas públicas,
também chamadas de escolas cívico-militares, em ao menos três estados: Mato
Grosso, Minas Gerais e São Paulo. Não por coincidência, são estados cujos
governadores, por convicção ideológica ou oportunismo eleitoral, alinharam-se
com a extrema direita. Cumpre-nos destacar que o processo de militarização das
escolas não se restringe a esses três estados, assim como ressaltamos que este
tipo de escola tem encontrado grande se pelos municípios brasileiros.
Mas
quais são os motivos que levariam governos estaduais e municipais a investirem
em um tipo de instituição educacional que não encontra amparo legal na Lei nº
9.394/1996, também conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), não apresenta qualquer evidência científica de melhoria da
qualidade do ensino ofertado – o que pode ser comprovado pelos dados do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) –, não consegue demonstrar que
seriam instituições mais seguras, com menos conflitos ou casos de violência que
as demais, e, além disso, custam aos cofres públicos muito mais do que uma
escola que não passou pelo processo de militarização?
Além do
caráter ideológico desse tipo de instituição, que se estende aos demais
aspectos da vida social das pessoas, as escolas cívico-militares tornaram-se
uma grande fonte de lucro para um seleto grupo de pessoas – que não são os
professores e professoras. Além dos militares alocados nessas escolas, que
recebem pagamentos extras (acumulados aos seus salários) – valores muito
superiores ao Piso Nacional do Magistério, que sequer é pago por diversos
estados e municípios – para desempenhar funções pouco claras, existe também um
pequeno grupo de empresários que tem lucrado com contratos de consultoria para
a implementação das escolas cívico-militares. Esses empresários ainda oferecem
uma gama de serviços, tais como uniformes, materiais didáticos, terceirização
de mão de obra, reforma e manutenção da estrutura física dessas instituições.
Afinal, assim como os quartéis, as escolas cívico-militares precisam aparentar
rigor, ordem e disciplina – ainda que apenas na estética –, o que demanda
investimentos constantes em fardamento, padronização visual, infraestrutura e
vigilância, transformando essas instituições em vitrines simbólicas de um
projeto autoritário de educação, altamente custoso para os cofres públicos e
desvinculado das reais necessidades pedagógicas da escola pública brasileira.
Mas
ainda existe um outro espaço no qual esse empresariado alinhado à extrema
direita – por ideologia ou por lucro fácil – está de olho e que pode
multiplicar ainda mais seus ganhos: a gestão escolar das unidades de ensino.
Levando em consideração que tanto a implementação quanto o modelo de gestão das
escolas cívico-militares são bastante diversos, em algumas dessas unidades
apenas a gestão pedagógica permanece sob responsabilidade dos profissionais da
educação. As demais áreas da escola passam a ser geridas por profissionais
externos ao sistema educacional; em certos casos, um militar assume a função de
gestor administrativo, tornando-se responsável pela administração dos recursos
financeiros da unidade escolar. Isso inclui o controle de compras que vão desde
itens como canetas e fotocópias até papel higiênico e merenda escolar.
Com
isso, os profissionais da educação – professoras, professores e demais
servidores – deixam de participar da gestão escolar. Em um contexto de avanço
da privatização da educação, como observado recentemente no estado do Paraná,
as escolas cívico-militares têm se configurado como um imenso laboratório para
a gestão privada do ensino público em nosso país.
Quando
consideramos que a militarização das escolas públicas pode representar uma
etapa de um processo mais amplo — cujo desfecho é a privatização das unidades
escolares —, compreendemos melhor o plano do governador Romeu Zema (Novo).
Apontado pela mídia hegemônica e comercial como um grande gestor público, Zema
governa um estado onde 80% do quadro docente da rede estadual é composto por
professores contratados temporariamente, sem vínculo empregatício e sem
direitos trabalhistas. Além disso, Minas Gerais paga um dos menores salários do
país à categoria docente e apresenta um dos piores índices do Ideb. Ainda
assim, o governador pretende militarizar 700 escolas estaduais.
E para
aqueles que acreditam estar a salvo: após a implementação nas redes estaduais e
municipais, nada garante que a rede federal de ensino estará imune ao processo
de militarização.
Fonte:
Por Tiago Esteves, em Brasil 247

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