terça-feira, 22 de julho de 2025

'Bullying de Trump contra Brasil está saindo pela culatra', diz jornal Washington Post

Um artigo do jornal americano The Washington Post publicado no domingo (21/07) afirma que o "bullying praticado por [Donald] Trump contra o Brasil está saindo pela culatra" — em referência ao anúncio de tarifas de 50% contra produtos brasileiros nos Estados Unidos feito em protesto contra o julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal brasileiro.

O artigo, que é assinado pelo colunista de assuntos internacionais do jornal Ishaan Tharoor, afirma que a demonstração de força do governo americano acabou fortalecendo o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vem ganhando popularidade com o episódio e até mesmo apoio de parte das elites do país.

Tharoor afirma que "as ameaças tarifárias de Trump levaram outros países da região a se curvarem a Washington", mas que "a economia brasileira é maior e mais diversificada do que a de seus vizinhos" e que Lula viu na crise uma oportunidade para travar um embate com os EUA.

Segundo o jornal americano, a disputa diplomática entre os EUA e o Brasil não está caminhando para um desfecho rápido, já que ambos os países estão aumentando a intensidade de suas medidas.

Na sexta-feira passada, sob ordens do ministro do STF Alexandre de Moraes, a Polícia Federal fez buscas em endereços de Jair Bolsonaro. O ex-presidente recebeu uma tornozeleira eletrônica e está impedido de deixar sua casa em determinados horários. Ele também não pode fazer contato com envolvidos nas investigações sobre suposto golpe de Estado ou com diplomatas de outros países.

Os EUA reagiram no mesmo dia suspendendo o visto de entrada no país de Moraes, alegando uma "caça às bruxas política" do STF contra Bolsonaro.

Fontes diplomáticas que falaram sob condição de anonimato ao Washington Post criticaram Trump pelas medidas contra o Brasil.

"É difícil conceber uma ação que o governo Trump possa tomar na relação EUA-Brasil que seja mais prejudicial à credibilidade dos EUA na promoção da democracia do que sancionar um juiz da Suprema Corte de um país estrangeiro por não gostarmos de suas posições jurídicas", disse uma autoridade do Departamento de Estado americano, segundo o Washington Post.

O jornal da capital americana também destaca o fortalecimento de Lula na crise com os EUA.

"Para Lula, cujos aliados de esquerda enfrentam uma eleição difícil em 2026, o momento é uma bênção. Pesquisas mostram um apoio renovado ao seu governo diante da intimidação americana provocada por Bolsonaro. As tarifas também prejudicam os interesses das elites empresariais, que costumam ser os maiores incentivadores da oposição conservadora a Lula", afirma o artigo do jornal americano.

O Washington Post também cita uma fonte diplomática brasileira que, sob anonimato, disse que "o Papai Noel chegou cedo para o presidente Lula, e o presente foi enviado por Trump por meio desse ataque atrapalhado à soberania do Brasil".

As tarifas anunciadas por Trump no dia 9 de julho devem entrar em vigor em 1º de agosto. Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e União Europeia.

Autoridades do governo brasileiro e analistas disseram à BBC News Brasil que, diante do agravamento da crise política entre os países, é pouco provável que o governo dos EUA recue nas tarifas — como foi feito em outros episódios recentes envolvendo ameaças tarifárias a outras nações.

¨      Imagem positiva dos Estados Unidos desaba no Brasil e no mundo

As decisões recentes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, provocaram uma deterioração acentuada da imagem norte-americana no Brasil e em diversos países ao redor do mundo. A reportagem do jornal O Globo, publicada nesta segunda-feira (21), mostra que o tarifaço imposto pelo governo Trump, que condicionou barreiras comerciais ao andamento de processos judiciais contra Jair Bolsonaro, colocou o Brasil no grupo das nações que rechaçam com veemência a postura da maior potência mundial.

No Brasil, o desgaste da imagem dos Estados Unidos acompanha uma reação popular clara, conforme revelam levantamentos da Genial/Quaest. Segundo a última pesquisa, 72% dos brasileiros consideram errada a imposição das tarifas vinculadas ao caso Bolsonaro e 79% temem que a medida afete diretamente sua qualidade de vida. Além disso, 63% rejeitam o argumento de Trump de que a relação comercial entre Brasil e EUA seria injusta.

O cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV EAESP, explicou o fenômeno à reportagem: “Sempre houve, no caso do Brasil, um antiamericanismo histórico, que tem a ver com intervenções diretas ou indiretas daquele país na política nacional. Mas isso nunca foi maior do que a admiração e até a espécie de modelo que os Estados Unidos representam para o Brasil em alguns estratos sociais, com a percepção de que lá é ‘o Brasil que deu certo’. Agora que viramos alvo específico, essa percepção vai naturalmente se degradar”.

Essa tendência não se limita ao Brasil. O Pew Research Center identificou uma queda acentuada da aprovação global dos Estados Unidos. Em 14 das 25 nações analisadas, a opinião favorável sobre o país caiu nos últimos doze meses. Países historicamente aliados, como Canadá e países da Europa Ocidental, passaram a enxergar os EUA mais como ameaça do que parceiro confiável. Apenas três países — Israel, Nigéria e Turquia — registraram melhora na percepção positiva.

No Brasil, mesmo antes do tarifaço, o desgaste era evidente: a aprovação positiva em relação aos EUA caiu de 64% para 56%, conforme pesquisa de junho. A queda já era notada em levantamentos anteriores, impulsionada por temas como deportações de imigrantes brasileiros. Entre março de 2024 e abril de 2025, os números da Quaest apontavam uma queda ainda mais acentuada, de 58% para 44%.

A ofensiva tarifária também gerou efeitos políticos internos. Segundo Antonio Lavareda, cientista político e fundador do Ipespe, o gesto de Trump contribuiu para unir o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em torno de uma retórica nacionalista. “Tem sido afetada a confiança dos demais países nos Estados Unidos, e a confiança é a base das relações políticas e diplomáticas. Há uma tendência de erosão substancial da confiança”, afirmou Lavareda. Ele também destacou que o tarifaço gerou no Brasil uma reação de “coalizão em torno da bandeira”, beneficiando diretamente o governo Lula.

Outro especialista ouvido, o professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, apontou que Trump ignora o impacto negativo de seus atos sobre o nacionalismo de países soberanos. “Trump parece não compreender muito bem a dinâmica do nacionalismo alheio e que esse tipo de postura gera uma resistência que se volta como uma ameaça à soberania”, disse Stuenkel.

A rejeição ao presidente dos Estados Unidos também se intensificou. Após o anúncio das tarifas, a pesquisa Atlas/Bloomberg revelou um salto na desaprovação de Trump no Brasil: de 52% para 63,2% em apenas seis meses.

O impacto global também é significativo. Levantamento do Pew Research Center mostra que, entre 2019 e 2025, aumentou significativamente o número de países que classificam os Estados Unidos como “a maior ameaça global”. No México, a desaprovação subiu de 56% para 68%, enquanto no Canadá o índice triplicou, passando de 20% para 59%. Em lugares como a Austrália e o Canadá, esse desgaste contribuiu até para a recuperação política de governos nacionais, beneficiados pelo discurso nacionalista em contraposição ao intervencionismo americano.

Internamente, o governo brasileiro tem apostado em um discurso fortemente nacionalista, resgatando símbolos como a bandeira verde e amarela, apropriados nos últimos anos pela direita bolsonarista. A frase “Meu partido é o Brasil”, antes associada a Jair Bolsonaro, voltou a circular em materiais produzidos por apoiadores do governo Lula, inclusive em bonés usados em eventos públicos.

O episódio evidencia uma mudança no equilíbrio geopolítico: ações agressivas do presidente Donald Trump vêm isolando os Estados Unidos e reconfigurando percepções no mundo todo, com impactos diretos na política brasileira. Além das tarifas, a tensão aumentou após a recente cassação de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal, medida anunciada pelo governo americano logo após a operação da Polícia Federal que impôs restrições a Jair Bolsonaro.

As consequências ainda estão sendo mensuradas, mas os dados indicam que a estratégia trumpista já causou efeitos colaterais: enfraqueceu seus aliados na oposição brasileira, fortaleceu a narrativa nacionalista no governo Lula e acelerou a erosão da imagem global dos Estados Unidos.

¨      Parem de se curvar a Trump: é hora de não cumprir a lei antecipadamente. Por David Kirp

Durante os primeiros 100 dias de sua presidência, Donald Trump fez o máximo para remodelar os EUA à sua imagem. Temendo o furacão Donald, uma série de universidades, escritórios de advocacia, jornais, escolas públicas e empresas da Fortune 500 se apressaram em atender às suas ordens, curvando-se antes mesmo que ele aparecesse. Outras instituições se encolhem, na esperança de passar despercebidas.

Mas esse comportamento, que os cientistas sociais chamam de "conformidade antecipatória", abre caminho para a autocracia, pois concede ao regime Trump poder ilimitado sem que ele precise mover um dedo. Deter a autocracia em seu curso exige uma contraestratégia – vamos chamá-la de não conformidade antecipatória .

Exemplos de conformidade antecipatória são inúmeros.

>>> Adeus, liberdade acadêmica: 

- Trump pretende impor sua ideologia anti-intelectual ao ensino superior. Ele está usando alegações não comprovadas de antissemitismo e alegações de programas discriminatórios de diversidade, equidade e inclusão (DEI) como desculpa para punir as principais universidades privadas – inicialmente a desafortunada Columbia, depois outras instituições, como Harvard, Princeton, Cornell e Northwestern – retendo bilhões de dólares em verbas federais. Minha própria universidade, a Universidade da Califórnia, Berkeley, prevê que será adicionada a essa lista quando Trump voltar sua atenção para universidades públicas de renome nacional.

"Tenham medo" é a mensagem para todas as universidades. As ameaças de reter fundos de escolas que usam linguagem "woke" levaram algumas, que nem sequer estão sob pressão, a se autocensurarem, eliminando palavras como "raça", "gênero", "classe" e "equidade" dos títulos dos cursos e currículos.

A conformidade antecipada também afeta as ações das escolas públicas. Preocupados com a possibilidade de, devido à sua suposta "consciência", perderem os recursos federais que fornecem ajuda extra para aqueles que mais precisam, os sistemas escolares alteraram seus currículos para encobrir o registro histórico e restringir a literatura disponível aos alunos. Adeus, Toni Morrison e Rosa Parks.

>>> Adeus, imprensa livre: 

- a Disney e a Meta desembolsaram um total de US$ 40 milhões para resolver processos infundados de difamação movidos por Trump, e a Paramount está negociando para fazer o processo espúrio de Trump no programa 60 Minutes desaparecer.

Às vésperas das eleições de 2024, Jeff Bezos, fundador da Amazon e dono do Washington Post, retirou um editorial apoiando Kamala Harris para permanecer nas boas graças de Trump. O mesmo fez o Los Angeles Times, cujo dono é um empresário bilionário.

>>> Adeus, representação legal: 

- nove escritórios de advocacia renomados sucumbiram à chantagem para se livrar das ordens executivas do presidente que puniam alguns escritórios por desagradá-lo. Juntos, eles concordaram em fornecer mais de US$ 1 bilhão em trabalho jurídico pro bono para causas escolhidas por Trump. Agora, eles estão sendo solicitados a defender a indústria do carvão e as tarifas, o que certamente não era o que esperavam.

Além disso, alguns escritórios de advocacia de primeira linha pararam de prestar serviços pro bono em processos de imigração e outras questões polêmicas. Em vez disso, estão colocando seus talentos à disposição de Trump, neutralizando-se enquanto a Casa Branca desvirtua o Estado de Direito.

>>> Olá, bajuladores: 

- Para ganhar favores e evitar o ridículo em um tuíte de Trump, dezenas de grandes empresas, desde a Amazon até a Pepsi , estão tratando o presidente como se ele fosse rei, reduzindo ou abandonando seus programas DEI sem serem especificamente ameaçadas.

Aqueles que se curvam racionalizam suas ações como se fossem apenas uma estratégia prudente de sobrevivência. Mas isso é ilusório, pois o registro histórico mostra que a obediência antecipada pavimenta o caminho para a autocracia. Valentões como Trump sempre exigem mais de seus suplicantes – mais dinheiro, mais abandono de princípios, mais comportamento de juramento de lealdade. A obediência antecipada alimenta a fera, mostrando aos autoritários o quanto eles podem se safar.

Aqui estão as boas notícias: o descumprimento antecipado está aumentando. Desafios às ações inconstitucionais de Trump surgiram no ensino superior e fundamental, na área jurídica e no mundo corporativo. A cidadania agora está fazendo sua voz ser ouvida.

Lideradas pela postura desafiadora de Harvard, um número crescente de faculdades e universidades está reagindo às exigências ultrajantes de Trump. Uma declaração recente de centenas de administradores universitários declarou: "Falamos em uníssono contra a interferência política e o excesso de poder governamental sem precedentes que agora colocam em risco o ensino superior americano". Senados docentes da Aliança Acadêmica Big 10 elaboraram um " pacto de defesa mútua "; nos bastidores, os reitores de cerca de 10 universidades privadas de elite estão decidindo quais limites não cruzarão.

Em vez de obedecer docilmente à exigência monárquica de Trump de que as escolas públicas eliminem as iniciativas DEI ou corram o risco de perder fundos federais, 19 estados foram aos tribunais, contestando a interpretação distorcida do governo sobre a lei dos direitos civis.

Os CEOs que reduziram os programas de diversidade de suas empresas interpretaram mal o mercado e sofreram as consequências. A diversidade é um objetivo popular que muitos investidores e consumidores levam em consideração em suas decisões. Quando a Target reverteu a política de diversidade e inclusão (DEI), a empresa teve que enfrentar um boicote dos consumidores e uma queda de 17% nas ações. Enquanto isso, empresas como Costco e Apple, que se mantiveram firmes, estão na lista de bons amigos de compradores e investidores.

Vários escritórios de advocacia se recusaram a ceder diante das táticas de chantagem de Trump, levando o governo à justiça . Isso não só é a coisa certa a fazer, como pode se tornar o caminho mais lucrativo. Os juízes estão inequivocamente do lado deles . E quando a Microsoft abandonou um escritório que se rendeu a Trump, assinando com um escritório que está levando o governo à justiça, sinalizou que a virtude pode ser recompensada financeiramente.

Após meses de quietude, com a população subjugada pelo tsunami de ultrajes, a oposição popular está emergindo. No Dia do Trabalho, dezenas de milhares de manifestantes participaram de quase 1.000 manifestações anti-Trump .

Restaurar a democracia não é tarefa fácil, pois é infinitamente mais fácil destruí-la do que reconstruí-la. Será uma luta de anos que empregará um arsenal de táticas, que vão desde manifestações em massa e boicotes de consumidores até litígios e organização política. É um trabalho extenuante, mas se a autocracia for derrotada, não há opção. "Nem tudo o que se enfrenta pode ser mudado; mas nada pode ser mudado até que seja enfrentado", observou James Baldwin em um artigo de 1962 no New York Times. Meio século depois, essa mensagem ainda soa verdadeira.

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil 247/The Guardian

 

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