'Bullying
de Trump contra Brasil está saindo pela culatra', diz jornal Washington Post
Um
artigo do jornal americano The Washington Post publicado no domingo (21/07)
afirma que o "bullying praticado por [Donald] Trump contra o Brasil está
saindo pela culatra" — em referência ao anúncio de tarifas de 50% contra
produtos brasileiros nos Estados Unidos feito em protesto contra o julgamento
de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal brasileiro.
O
artigo, que é assinado pelo colunista de assuntos internacionais do jornal
Ishaan Tharoor, afirma que a demonstração de força do governo americano acabou
fortalecendo o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que
vem ganhando popularidade com o episódio e até mesmo
apoio de parte das elites do país.
Tharoor
afirma que "as ameaças tarifárias de Trump levaram outros países da região
a se curvarem a Washington", mas que "a economia brasileira é maior e
mais diversificada do que a de seus vizinhos" e que Lula viu na crise uma oportunidade
para travar um embate com os EUA.
Segundo
o jornal americano, a disputa diplomática entre os EUA e o Brasil não está
caminhando para um desfecho rápido, já que ambos os países estão aumentando a
intensidade de suas medidas.
Na
sexta-feira passada, sob ordens do ministro do STF
Alexandre de Moraes, a
Polícia Federal fez buscas em endereços de Jair Bolsonaro. O ex-presidente
recebeu uma tornozeleira eletrônica e está impedido
de deixar sua casa em determinados horários. Ele também não pode fazer contato
com envolvidos nas investigações sobre suposto golpe de Estado ou com
diplomatas de outros países.
Os EUA
reagiram no mesmo dia suspendendo o visto de entrada no
país de Moraes,
alegando uma "caça às bruxas política" do STF contra Bolsonaro.
Fontes
diplomáticas que falaram sob condição de anonimato ao Washington Post
criticaram Trump pelas medidas contra o Brasil.
"É
difícil conceber uma ação que o governo Trump possa tomar na relação EUA-Brasil
que seja mais prejudicial à credibilidade dos EUA na promoção da democracia do
que sancionar um juiz da Suprema Corte de um país estrangeiro por não gostarmos
de suas posições jurídicas", disse uma autoridade do Departamento de
Estado americano, segundo o Washington Post.
O
jornal da capital americana também destaca o fortalecimento de Lula na crise
com os EUA.
"Para
Lula, cujos aliados de esquerda enfrentam uma eleição difícil em 2026, o
momento é uma bênção. Pesquisas mostram um apoio renovado ao seu governo diante
da intimidação americana provocada por Bolsonaro. As tarifas também prejudicam
os interesses das elites empresariais, que costumam ser os maiores
incentivadores da oposição conservadora a Lula", afirma o artigo do jornal
americano.
O
Washington Post também cita uma fonte diplomática brasileira que, sob
anonimato, disse que "o Papai Noel chegou cedo para o presidente Lula, e o
presente foi enviado por Trump por meio desse ataque atrapalhado à soberania do
Brasil".
As
tarifas anunciadas por Trump no dia 9 de julho devem entrar em vigor em 1º de
agosto. Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial do
Brasil,
atrás apenas de China e União Europeia.
Autoridades
do governo brasileiro e analistas disseram à BBC News Brasil que, diante do
agravamento da crise política entre os países, é pouco provável que o governo dos
EUA recue nas tarifas —
como foi feito em outros episódios recentes envolvendo
ameaças tarifárias a outras nações.
¨
Imagem positiva dos Estados Unidos desaba no Brasil e no
mundo
As
decisões recentes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, provocaram
uma deterioração acentuada da imagem norte-americana no Brasil e em diversos
países ao redor do mundo. A reportagem do jornal O
Globo, publicada nesta segunda-feira (21), mostra que o tarifaço imposto
pelo governo Trump, que condicionou barreiras comerciais ao andamento de
processos judiciais contra Jair Bolsonaro, colocou o Brasil no grupo das nações
que rechaçam com veemência a postura da maior potência mundial.
No
Brasil, o desgaste da imagem dos Estados Unidos acompanha uma reação popular
clara, conforme revelam levantamentos da Genial/Quaest. Segundo a última
pesquisa, 72% dos brasileiros consideram errada a imposição das tarifas
vinculadas ao caso Bolsonaro e 79% temem que a medida afete diretamente sua
qualidade de vida. Além disso, 63% rejeitam o argumento de Trump de que a
relação comercial entre Brasil e EUA seria injusta.
O
cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV EAESP, explicou o
fenômeno à reportagem: “Sempre houve, no caso do Brasil, um antiamericanismo
histórico, que tem a ver com intervenções diretas ou indiretas daquele país na
política nacional. Mas isso nunca foi maior do que a admiração e até a espécie
de modelo que os Estados Unidos representam para o Brasil em alguns estratos
sociais, com a percepção de que lá é ‘o Brasil que deu certo’. Agora que
viramos alvo específico, essa percepção vai naturalmente se degradar”.
Essa
tendência não se limita ao Brasil. O Pew Research Center identificou uma queda
acentuada da aprovação global dos Estados Unidos. Em 14 das 25 nações
analisadas, a opinião favorável sobre o país caiu nos últimos doze meses.
Países historicamente aliados, como Canadá e países da Europa Ocidental,
passaram a enxergar os EUA mais como ameaça do que parceiro confiável. Apenas
três países — Israel, Nigéria e Turquia — registraram melhora na percepção
positiva.
No
Brasil, mesmo antes do tarifaço, o desgaste era evidente: a aprovação positiva
em relação aos EUA caiu de 64% para 56%, conforme pesquisa de junho. A queda já
era notada em levantamentos anteriores, impulsionada por temas como deportações
de imigrantes brasileiros. Entre março de 2024 e abril de 2025, os números da
Quaest apontavam uma queda ainda mais acentuada, de 58% para 44%.
A
ofensiva tarifária também gerou efeitos políticos internos. Segundo Antonio
Lavareda, cientista político e fundador do Ipespe, o gesto de Trump contribuiu
para unir o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em torno de uma
retórica nacionalista. “Tem sido afetada a confiança dos demais países nos
Estados Unidos, e a confiança é a base das relações políticas e diplomáticas.
Há uma tendência de erosão substancial da confiança”, afirmou Lavareda. Ele
também destacou que o tarifaço gerou no Brasil uma reação de “coalizão em torno
da bandeira”, beneficiando diretamente o governo Lula.
Outro
especialista ouvido, o professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver
Stuenkel, apontou que Trump ignora o impacto negativo de seus atos sobre o
nacionalismo de países soberanos. “Trump parece não compreender muito bem a
dinâmica do nacionalismo alheio e que esse tipo de postura gera uma resistência
que se volta como uma ameaça à soberania”, disse Stuenkel.
A
rejeição ao presidente dos Estados Unidos também se intensificou. Após o
anúncio das tarifas, a pesquisa Atlas/Bloomberg revelou um salto na
desaprovação de Trump no Brasil: de 52% para 63,2% em apenas seis meses.
O
impacto global também é significativo. Levantamento do Pew Research Center
mostra que, entre 2019 e 2025, aumentou significativamente o número de países
que classificam os Estados Unidos como “a maior ameaça global”. No México, a
desaprovação subiu de 56% para 68%, enquanto no Canadá o índice triplicou,
passando de 20% para 59%. Em lugares como a Austrália e o Canadá, esse desgaste
contribuiu até para a recuperação política de governos nacionais, beneficiados
pelo discurso nacionalista em contraposição ao intervencionismo americano.
Internamente,
o governo brasileiro tem apostado em um discurso fortemente nacionalista,
resgatando símbolos como a bandeira verde e amarela, apropriados nos últimos
anos pela direita bolsonarista. A frase “Meu partido é o Brasil”, antes
associada a Jair Bolsonaro, voltou a circular em materiais produzidos por
apoiadores do governo Lula, inclusive em bonés usados em eventos públicos.
O
episódio evidencia uma mudança no equilíbrio geopolítico: ações agressivas do
presidente Donald Trump vêm isolando os Estados Unidos e reconfigurando
percepções no mundo todo, com impactos diretos na política brasileira. Além das
tarifas, a tensão aumentou após a recente cassação de vistos de ministros do
Supremo Tribunal Federal, medida anunciada pelo governo americano logo após a
operação da Polícia Federal que impôs restrições a Jair Bolsonaro.
As
consequências ainda estão sendo mensuradas, mas os dados indicam que a
estratégia trumpista já causou efeitos colaterais: enfraqueceu seus aliados na
oposição brasileira, fortaleceu a narrativa nacionalista no governo Lula e
acelerou a erosão da imagem global dos Estados Unidos.
¨ Parem de se curvar a
Trump: é hora de não cumprir a lei antecipadamente. Por David Kirp
Durante
os primeiros 100 dias de sua presidência, Donald Trump fez o máximo para remodelar os EUA à
sua imagem. Temendo o furacão Donald, uma série de universidades, escritórios
de advocacia, jornais, escolas públicas e empresas da Fortune 500 se apressaram
em atender às suas ordens, curvando-se antes mesmo que ele aparecesse. Outras
instituições se encolhem, na esperança de passar despercebidas.
Mas
esse comportamento, que os cientistas sociais chamam de "conformidade
antecipatória", abre caminho para a autocracia, pois concede ao regime
Trump poder ilimitado sem que ele precise mover um dedo. Deter a autocracia em
seu curso exige uma contraestratégia – vamos chamá-la de não
conformidade antecipatória .
Exemplos
de conformidade antecipatória são inúmeros.
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Adeus, liberdade acadêmica:
- Trump
pretende impor sua ideologia anti-intelectual ao ensino superior. Ele está
usando alegações não comprovadas de antissemitismo e alegações de programas
discriminatórios de diversidade, equidade e inclusão (DEI) como desculpa para
punir as principais universidades privadas – inicialmente a desafortunada
Columbia, depois outras instituições, como Harvard, Princeton, Cornell e
Northwestern – retendo bilhões de dólares em verbas federais. Minha própria
universidade, a Universidade da Califórnia, Berkeley, prevê que será adicionada
a essa lista quando Trump voltar sua atenção para universidades públicas de
renome nacional.
"Tenham
medo" é a mensagem para todas as universidades. As ameaças de reter fundos
de escolas que usam linguagem "woke" levaram algumas, que nem sequer
estão sob pressão, a se autocensurarem, eliminando palavras como
"raça", "gênero", "classe" e "equidade"
dos títulos dos cursos e currículos.
A
conformidade antecipada também afeta as ações das escolas públicas. Preocupados
com a possibilidade de, devido à sua suposta "consciência", perderem
os recursos federais que fornecem ajuda extra para aqueles que mais precisam,
os sistemas escolares alteraram seus currículos para encobrir o registro
histórico e restringir a literatura disponível aos alunos. Adeus, Toni Morrison
e Rosa Parks.
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Adeus, imprensa livre:
- a
Disney e a Meta desembolsaram um total de US$ 40 milhões para resolver
processos infundados de difamação movidos por Trump, e a Paramount está
negociando para fazer o processo espúrio de Trump no programa 60 Minutes
desaparecer.
Às
vésperas das eleições de 2024, Jeff Bezos, fundador da Amazon e dono do
Washington Post, retirou um editorial apoiando Kamala Harris para permanecer
nas boas graças de Trump. O mesmo fez o Los Angeles Times, cujo dono é um empresário
bilionário.
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Adeus, representação legal:
- nove escritórios de advocacia
renomados sucumbiram
à chantagem para se livrar das ordens executivas do presidente que puniam
alguns escritórios por desagradá-lo. Juntos, eles concordaram em fornecer mais
de US$ 1 bilhão em trabalho jurídico pro bono para causas escolhidas por Trump.
Agora, eles estão sendo solicitados a defender a indústria do carvão e as
tarifas, o que certamente não era o que esperavam.
Além
disso, alguns escritórios de advocacia de primeira linha pararam de prestar
serviços pro bono em processos de imigração e outras questões polêmicas. Em vez
disso, estão colocando seus talentos à disposição de Trump, neutralizando-se
enquanto a Casa Branca desvirtua o Estado de Direito.
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Olá, bajuladores:
- Para
ganhar favores e evitar o ridículo em um tuíte de Trump, dezenas de grandes
empresas, desde a Amazon até a
Pepsi , estão tratando o presidente como se ele fosse rei,
reduzindo ou abandonando seus programas DEI sem serem especificamente
ameaçadas.
Aqueles
que se curvam racionalizam suas ações como se fossem apenas uma estratégia
prudente de sobrevivência. Mas isso é ilusório, pois o registro histórico
mostra que a obediência antecipada pavimenta o caminho para a autocracia.
Valentões como Trump sempre exigem mais de seus suplicantes – mais dinheiro,
mais abandono de princípios, mais comportamento de juramento de lealdade. A
obediência antecipada alimenta a fera, mostrando aos autoritários o quanto eles
podem se safar.
Aqui
estão as boas notícias: o descumprimento antecipado está aumentando. Desafios
às ações inconstitucionais de Trump surgiram no ensino superior e fundamental,
na área jurídica e no mundo corporativo. A cidadania agora está fazendo sua voz
ser ouvida.
Lideradas
pela postura desafiadora de Harvard, um número crescente de faculdades e
universidades está reagindo às exigências ultrajantes de Trump. Uma declaração recente de centenas de
administradores universitários declarou: "Falamos em uníssono contra a
interferência política e o excesso de poder governamental sem precedentes que
agora colocam em risco o ensino superior americano". Senados docentes da Aliança
Acadêmica Big 10 elaboraram um " pacto de defesa mútua "; nos
bastidores, os reitores de cerca de 10 universidades privadas de elite estão decidindo
quais limites não cruzarão.
Em vez
de obedecer docilmente à exigência monárquica de Trump de que as escolas
públicas eliminem as iniciativas DEI ou corram o risco de perder fundos
federais, 19 estados foram aos tribunais, contestando a interpretação
distorcida do governo sobre a lei dos direitos civis.
Os CEOs
que reduziram os programas de diversidade de suas empresas interpretaram mal o
mercado e sofreram as consequências. A diversidade é um objetivo popular que
muitos investidores e consumidores levam em consideração em suas decisões.
Quando a Target reverteu a política de diversidade e inclusão (DEI), a empresa
teve que enfrentar um boicote dos consumidores e uma queda de 17% nas ações.
Enquanto isso, empresas como Costco e Apple, que se mantiveram firmes, estão na
lista de bons amigos de compradores e investidores.
Vários escritórios de advocacia se
recusaram a ceder diante
das táticas de chantagem de Trump, levando o governo à justiça . Isso não só é
a coisa certa a fazer, como pode se tornar o caminho mais lucrativo. Os juízes
estão inequivocamente do lado deles . E quando a
Microsoft abandonou um escritório que se rendeu a Trump, assinando com um
escritório que está levando o governo à justiça, sinalizou que a virtude pode
ser recompensada financeiramente.
Após
meses de quietude, com a população subjugada pelo tsunami de ultrajes, a
oposição popular está emergindo. No Dia do Trabalho, dezenas de milhares de
manifestantes participaram de quase 1.000 manifestações anti-Trump .
Restaurar
a democracia não é tarefa fácil, pois é infinitamente mais fácil destruí-la do
que reconstruí-la. Será uma luta de anos que empregará um arsenal de táticas,
que vão desde manifestações em massa e boicotes de consumidores até litígios e
organização política. É um trabalho extenuante, mas se a autocracia for
derrotada, não há opção. "Nem tudo o que se enfrenta pode ser mudado; mas
nada pode ser mudado até que seja enfrentado", observou James Baldwin em
um artigo de 1962 no New York Times. Meio século depois, essa mensagem ainda
soa verdadeira.
Fonte:
BBC News Brasil/Brasil 247/The Guardian

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