Brics
é 'antiocidente'? Como se comporta o bloco
A Cúpula dos Brics começou neste
domingo, no Rio de Janeiro, em meio a repetidas manifestações de lideranças
americanas de que o bloco que reúne algumas das principais economias emergentes
do mundo seria, na verdade, um grupo antiocidental. A presença no bloco de
tradicionais adversários políticos dos Estados Unidos como a Rússia, China e, mais
recentemente, o Irã, é vista, por
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, como um dos elementos que ajudou a
criar essa visão de que o bloco seria contra o chamado "Ocidente". O
termo "Ocidente" é comumente utilizado por especialistas em Relações
Internacionais para designar um conjunto de países majoritariamente
democráticos, composto pelos Estados Unidos, Canadá, as nações da Europa Ocidental e o Japão e que, durante
a Guerra Fria, se opuseram ao bloco socialista liderado pela União Soviética.
Em
2024, o então senador e atual secretário de Estado americano, Marco Rubio,
escreveu um artigo descrevendo os Brics como uma ameaça aos Estados Unidos e ao
Ocidente. "Não vamos esquecer. Os Brics foram fundados em 2009 por
Vladimir Putin [presidente da Rússia] com o objetivo claro de derrubar os
Estados Unidos da sua posição de líder global", diz um trecho do artigo. "Agora,
efetivamente controlado por Pequim, os membros dos Brics juntam reservas
estrangeiras e emprestam bilhões em dinheiro fácil para colocar nações em
desenvolvimento contra os Estados Unidos e outros países ocidentais."
Em
novembro de 2024, antes de tomar posse, foi a vez de o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, fazer ameaças ao
bloco caso ele adotasse medidas para diminuir o uso do dólar em suas transações
comerciais. "Exigimos um compromisso destes países de que eles não criarão
uma nova moeda do Brics, nem apoiarão qualquer outra moeda para substituir o
poderoso dólar americano ou enfrentarão tarifas de 100% e deverão esperar dizer
adeus à venda para a maravilhosa economia dos EUA. Eles podem procurar outro
otário!", disse Trump em suas redes sociais.
Formado
atualmente por Brasil, Rússia, China, Índia, Irã, Arábia Saudita, Etiópia,
Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes
Unidos e Egito, o bloco representa quase a metade da população mundial e 40% da
riqueza produzida globalmente. Historicamente, o grupo vem defendendo reformas
nos sistemas de governança internacionais e maior voz dos países emergentes em
fóruns multilaterais. Desde 2009, os países vêm tentando coordenar suas
políticas econômicas e diplomáticas, encontrar novas alternativas para as
instituições financeiras e reduzir a dependência do dólar americano. Mas será
que isso, somado à presença de três adversários tradicionais dos Estados
Unidos, é suficiente para dizer que os Brics são contra o Ocidente?
Especialistas
entrevistados pela BBC News Brasil afirmam que a situação não é tão simples de
definir. Eles afirmam que, embora haja países claramente contra a hegemonia
ocidental liderada pelos Estados Unidos, como a Rússia, China e Irã, o bloco
também é formado por países com fortes vínculos com os americanos e com a
Europa Ocidental, entre eles o Brasil. Eles afirmam, no entanto, que eventos
recentes como uma suposta neutralidade do bloco em relação à invasão da Rússia
à Ucrânia, a inclusão do Irã
no grupo e condenação dos ataques de Israel e Estados Unidos ao país de maioria
persa vêm dando combustível para críticas nessa direção.
·
Antiocidente ou não-ocidente?
Em um
artigo recente na revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais
(Cebri), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, rechaçou a tese de
que os Brics seja um grupo antiocidental. "O absurdo do estereótipo,
derivado de análises apressadas ou interessadas, não resiste ao fato de que
nenhum bloco que reúna integrantes com a trajetória diplomática e o perfil de
países como o Brasil, a África do Sul e a Índia pode ser considerado contrário
ao Ocidente", disse o chefe da diplomacia brasileira. Em 2024, segundo a
Bloomberg, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, disse que o Brics
deveria ser "cuidadoso" em relação à sua imagem "para garantir
que esta organização não adquira a imagem de que ela está tentando substituir
as instituições globais".
Na
Cúpula dos Brics em Kazan, na Rússia, em 2024, Putin citou uma frase que teria
sido dita por Modi ao falar sobre a suposta posição contrária ao Ocidente do
Brics. "Os Brics nunca foi sobre ser contra ninguém. O primeiro-ministro
indiano tem dito que os Brics não são um grupo antiocidente. Ele é apenas um
grupo não-ocidental", disse o líder russo em uma entrevista coletiva.
A
professora Devika Misra, da Escola Assuntos Internacionais de Jindal, na Índia,
avalia que seria injusto afirmar que os Brics são um bloco contra o Ocidente. "No
bloco, há países como a Índia, Brasil e África do Sul que seriam bastante
contra algum sentimento antiocidental. O mesmo pode-se dizer dos novos membros
do grupo oriundos do Oriente Médio", afirma Misra. "Claro que Rússia,
China e Irã podem se posicionar contra o Ocidente em alguns momentos, mas essa
agenda antiocidental ficaria muito limitada dentro do grupo." A professora
cita o caso da Índia como exemplo de vínculos tanto com os Brics quanto com o
Ocidente representado pelos Estados Unidos. "Ao mesmo tempo em que nosso
primeiro-ministro [Narendra Modi] estará no Rio, durante os Brics, teremos
ministros visitando os Estados Unidos e tendo reuniões importantes lá."
O
professor do Departamento de Estudos de Defesa da universidade King's College,
de Londres, Zeno Leoni, também avalia que seria precipitado chamar os Brics de
antiocidental. "Sim, de um lado há países como a Rússia e a China, que são
forças claramente contra-hegemônicas. Mas do outro lado temos Brasil, Índia,
África do Sul, Indonésia e Emirados Árabes Unidos que não são forças contra o
ocidente. Claramente, eles são críticos do Ocidente, mas não são contra",
diz.
Para a
professora Ana Paula Garcia, no entanto, eventos recentes estariam dando
combustível para alegações de que os Brics seriam um bloco antiocidental. O
primeiro deles foi a invasão russa à Ucrânia. A hesitação de alguns países do
bloco em condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia e o apoio dado pelo bloco ao
Irã após os ataques aéreos coordenados por Israel e Estados Unidos, têm atraído
críticas sobre um suposto caráter antiocidental do grupo. "Neste sentido,
a gente vê o bloco apoiando um parceiro em uma postura mais antiocidental, como
no caso da Rússia", diz.
O outro
episódio foi a inclusão do Irã no bloco, decidida em 2023 e efetivada em 2024. Segundo
Garcia, o Irã entrou no bloco graças aos laços que o país mantém com a China e
com a Rússia e não por conta da sua economia, gravemente prejudicada pelas
sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Por isso, a chegada do Irã e
os recentes conflitos envolvendo o país adicionaram um novo elemento
geopolítico aos Brics. "Os Brics viraram um lugar atrativo para países que
querem entrar no bloco porque ele acaba representando um potencial apoio para o
enfrentamento a países como os Estados Unidos", diz a professora.
Há
grande expectativa entre os negociadores dos Brics sobre se ou como o bloco irá
se manifestar em relação aos ataques feitos ao Irã por Israel e Estados Unidos.
Há duas semanas, o bloco divulgou uma nota expressando "preocupação"
com os ataques, mas sem mencionar Israel ou Estados Unidos. A nota também
afirmou que os ataques violaram a soberania iraniana. Diplomatas iranianos, no
entanto, tentaram convencer os colegas dos demais países a reforçarem o tom
sobre os ataques na declaração final que deve ser divulgada entre domingo e
segunda-feira (7/6). Uma fonte do governo brasileiro que acompanha as
negociações afirmou à BBC News Brasil em caráter reservado que os negociadores
teriam contornado a resistência iraniana e fecharam o texto da declaração, mas
seu conteúdo ainda não foi divulgado.
·
Ausências e mudança de foco no horizonte?
Os três
países que mais atraem críticas sobre uma eventual agenda antiocidental dos
Brics não enviaram seus presidentes para a cúpula no Rio de Janeiro. Vladimir
Putin, da Rússia, não virá pois é alvo de um mandado de prisão expedido pelo
Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra no conflito na
Ucrânia. Ele deverá participar da cúpula por videoconferência. Xi Jinping, da
China, não chegou a anunciar oficialmente os motivos pelos quais não virá ao
Rio, mas, segundo o governo brasileiro, sua ausência é fruto de um conflito de
agenda. Ele será representado pelo primeiro-ministro chinês, Li Qiang. O
presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, também não virá. Nenhuma justificativa
oficial foi apresentada, mas membros do governo brasileiro afirmaram à BBC News
Brasil em caráter reservado que sua ausência é motivada pela crise de segurança
no país resultante dos ataques que o país vem recebendo de Israel nas últimas
semanas. Em seu lugar, está prevista a participação do chanceler Abbas
Araghchi.
Para
Devika Misra, a ausência do líder chinês é, provavelmente, boa para a imagem de
bloco antiocidente dos Brics. "Espero que a ausência de Xi Jinping, em
especial, dissipe a crítica sobre os Brics que vem dos Estados Unidos. Os
americanos saíram de uma postura em que os Brics não tinham importância alguma
para uma em que os Brics, agora, são perigosos". Por outro lado, a
professora avalia que a mesma ausência pode sinalizar algo diferente em relação
ao governo chinês: "A China pode estar diminuindo o valor que ela dá para
os Brics". Ana Paula Garcia avalia que o Brasil também fez movimentos para
evitar pontos de fricção com os Estados Unidos.
"A
cúpula de 2024, na Rússia, trouxe muitas propostas na área financeira e
monetária, e o Brasil não está entrando nessa proposta. Na verdade, o país
tirou bastante a pressão dessa agenda", diz. "O país está tirando o
foco da contestação [aos Estados Unidos] e está tomando cuidado com relação às
respostas que os Estados Unidos podem dar às ações dos Brics."
¨
Qual o lugar do BRICS na luta anti-imperialista? Por
Gibran Jordão
A
cúpula no Brasil aconteceu numa conjuntura internacional marcada pela ascensão
da extrema-direita no centro do imperialismo ocidental, com a posse de Donald
Trump em seu segundo mandato como presidente dos EUA, apresentando como
programa político prioritário a radicalização da disputa comercial e
tecnológica contra a China, a principal liderança econômica do BRICS. Chama
também bastante atenção, neste momento, a eclosão de conflitos militares que
colocam, em campos de batalha opostos, potências ocidentais e países membros do
BRICS. É o caso da Rússia, que já está há três anos numa guerra indireta contra
a OTAN, que tem usado covardemente a Ucrânia como proxy. Recentemente, vimos o
Irã se recusar a ficar de joelhos diante de um acordo desfavorável sobre o seu
programa nuclear e enfrentar um agressivo ataque militar de Israel, que também
tem, muitas vezes, atuado como proxy dos EUA na região do Oriente Médio. Embora
os americanos não só tenham apoiado diplomaticamente e militarmente o governo
de Netanyahu, desta vez tiveram uma participação direta na agressão
imperialista contra o país persa.
É
interessante observar que nem a Rússia, e muito menos o Irã — que provavelmente
devem ser hoje os países mais sancionados do mundo pelos EUA e aliados — jamais
teriam condições de enfrentar militarmente as potências ocidentais se não
tivessem construído articulações geopolíticas alternativas no último período.
Sendo o BRICS um dos principais espaços de cooperação diplomática, econômica e
tecnológica, criou condições materiais para que russos e iranianos não fossem
obliterados e humilhados pela ofensiva militar ocidental. Assim como a China
não vacilou, até agora, em enfrentar a duríssima guerra tarifária imposta por
Trump, demonstrando ao mundo que o chefe do imperialismo ocidental não tem
condições de quebrar a economia chinesa e retomar facilmente sua hegemonia
econômica absoluta de outrora, para “fazer a América grande novamente”. A
recente ampliação do bloco, que passou a levar o nome de BRICS Plus ou BRICS+,
é outro elemento que preocupa os interesses norte-americanos. Quais são os
motivos que explicam o fato de diferentes países do Sul Global aderirem como
membros oficiais ou parceiros desse “clube” liderado por inimigos declarados do
Ocidente? A resposta para essa pergunta repousa na evidente crise de hegemonia
que o sistema imperialista liderado pelos EUA atravessa neste momento. Estamos
na travessia de uma ordem unipolar para um mundo multipolar; o eixo
gravitacional da economia mundial se move para o Oriente, e o Ocidente coletivo
dá sinais cada vez mais agressivos na tentativa de evitar essa tendência.
Mas a
verdade é que o sistema imperialista acordado após a Segunda Guerra Mundial,
durante décadas, tem demonstrado cada vez mais não ser vantajoso para a
periferia do globo. A desigualdade social e a transferência de riqueza do Sul
para o Norte se ampliaram; o modelo de desenvolvimento econômico neoliberal
acelerou a crise climática, com custos maiores para os países mais pobres; o
dólar e o sistema de pagamentos SWIFT, controlados pelos EUA e utilizados por
todo o comércio mundial, transformaram-se numa arma perigosa de sanção e
destruição de economias de países considerados inimigos. As redes sociais,
controladas pelas Big Techs norte-americanas, transformaram-se em “máquinas de
caos”, instrumentos sofisticados de interferência e desfiguração do cotidiano
político-eleitoral de vários países, causando instabilidade e derrubando
governos. As grandes instituições do sistema financeiro mundial, como FMI e
Banco Mundial, passaram a ser conhecidas por sua ambição em interferir
diretamente no arcabouço jurídico e legislativo de muitos países que tiveram de
recorrer a empréstimos e apoio financeiro. A ONU e seus fóruns, como o próprio
Conselho de Segurança, são constantemente desrespeitados e desconsiderados
pelas ofensivas militares das potências ocidentais, que têm destruído países,
gerado ondas de milhões de refugiados e o horror das crises humanitárias. A
confiança na governança global liderada pelo Ocidente dá todos os sinais de
enfraquecimento, e muitos países, governados pelas mais diferentes forças ideológicas,
passaram a buscar articulações geopolíticas alternativas. Alguns por puro
pragmatismo e interesses econômicos, outros pela consciência de construir uma
articulação internacional que possa enfrentar efetivamente o imperialismo
ocidental.
Seja
como for, o BRICS surge como esse espaço que consegue atrair países que
apresentam diferenças políticas consolidadas com o Ocidente, como também
aqueles que sempre tiveram — e têm, atualmente — relações estáveis com EUA e
Europa, mas que passaram a sentir a necessidade de ampliar seu escopo de
parcerias para não depender única e exclusivamente de relações que podem, do
dia para a noite, se tornar perigosas e, muitas vezes, tóxicas com o
imperialismo norte-americano e seus aliados.
Portanto,
o BRICS não pode ser entendido como um bloco que possui um programa
anti-imperialista, muito menos como um tratado coeso entre nações que visam
substituir a atual ordem mundial de Estados liderada pelos EUA. Mas,
inevitavelmente, consegue enfraquecer a influência e as chantagens ocidentais,
pelo simples fato de ser, atualmente, uma articulação em torno de parcerias
econômicas em vários setores fundamentais para o desenvolvimento de projetos
estratégicos de diferentes países, passando por fora dos circuitos controlados
pelas forças imperialistas. Essa realidade é suficiente para causar cólicas nas
entranhas dos interesses americanos e europeus, que têm respondido com sanções
e guerras contra uma ala mais ideológica, e com cooptação e interferência
política entre os membros mais pendulares do bloco. Para cada fração do BRICS,
o imperialismo já tem desenvolvido uma política para implodir as parcerias e
articulações em curso — e são vários os exemplos: guerra tarifária e
retaliações agressivas contra a China; sanções infinitas e mobilização militar
contra a Rússia; agressão militar contra o Irã e seus aliados no Oriente Médio;
interferência política no Brasil; cooptação da Índia — e assim vai... Não há
espaço para dúvidas: todas essas hostilidades imperialistas são planos
conscientes, que colocam o BRICS, na atual conjuntura internacional, sob alta
pressão e ameaça permanente.
<><>
Menosprezar o BRICS é um erro grave na disputa geopolítica do século XXI
Há uma
parte da esquerda que menospreza completamente o papel tático que o BRICS vem
cumprindo na disputa geopolítica mundial, que, incontornavelmente, tende a
ganhar cada vez mais importância — principalmente pela predominância da
situação reacionária e ascensão de forças de extrema-direita que têm como
programa político uma ofensiva contra a soberania dos povos do mundo. Governos
de países africanos, latino-americanos ou asiáticos que necessitam de crédito
para financiamento de infraestrutura, cooperação técnica, parcerias comerciais
e acordos para áreas de inovação, pesquisa e desenvolvimento, mas, ao mesmo
tempo, não desejam passar por imposições, sanções ou chantagens, tendem a
ampliar suas parcerias para além da influência ocidental. Diante desse cenário,
as articulações alternativas, como o BRICS, ganham importância, tornando-se
inclusive um espaço para que as mais variadas forças progressistas que governam
países do Sul Global possam encontrar oportunidades de sobreviver. Trata-se de
um erro grave não perceber que, nessa tempestade do século XXI, pós-restauração
capitalista no Leste Europeu, é necessário atuar taticamente nas complexas
movimentações geopolíticas para encontrar caminhos que permitam criar condições
reais de enfraquecer a influência das ambições imperialistas.
O BRICS
tem conseguido tecer as primeiras peças de um mundo multipolar através de
projetos ousados, que envolvem o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o uso de
moedas locais e sistemas de pagamentos alternativos para o comércio entre
países — iniciativas que já estão desconectando parte do globo do controle
financeiro imperialista, baseado no dólar. São instrumentos que ainda se
encontram em estágio inicial, em processos de negociação gradual, com avanços
relativos e desiguais, mas que estão vivos e gerando consequências
contra-hegemônicas. Não podemos esquecer que o dólar, o controle das
principais instituições financeiras do planeta e dos sistemas de pagamentos são
um dos pilares de sustentação do poder econômico norte-americano. Cumpre, nos
dias de hoje, um papel ainda mais relevante, pelo fato de os EUA terem uma
relação dívida/PIB de 124%, com uma economia menos industrializada e mais
financeirizada. Quanto mais esses pilares se enfraquecerem, maior será a
dificuldade do imperialismo ocidental em sustentar seu complexo
industrial-militar e financiar suas guerras infinitas. Não será esse o motivo
de os EUA estarem obrigando os países europeus membros da OTAN a aumentarem
seus gastos militares? Não foi essa situação que mudou a postura dos EUA em
relação à Rússia e à guerra na Ucrânia? Ou ainda, não foi por esse motivo que o
governo Trump se dividiu sobre a possibilidade de guerra prolongada contra o
Irã, sendo obrigado a decretar um cessar-fogo após 12 dias de guerra? Como
podemos ver, é possível que o BRICS já esteja ajudando a erodir o poder do
imperialismo ocidental em resolver pela força as contendas geopolíticas de seu
interesse. Não estamos dizendo que esse bloco tem o objetivo de se tornar
uma aliança socialista internacional, e quem espera que ele seja isso está
completamente iludido. As contradições do BRICS são produto das limitações
impostas pela correlação de forças da época em que vivemos. Mas isso não
significa que devemos ignorar a realidade e abrir mão de operar politicamente
num espaço que já apresenta potencial de acumular forças estranhas aos
interesses imperialistas. Pior ainda seria fazer unidade de ação com os EUA
para ajudar a enfraquecer e desmantelar o BRICS como espaço de articulação do
Sul Global, ajudando o neocolonialismo a fortalecer sua trajetória ascendente
no mundo.
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O papel do Brasil na presidência do BRICS
Um dos
acertos mais importantes deste século, em relação ao posicionamento do Brasil
no cenário internacional, foi se colocar como um dos países membros fundadores
do BRICS, em 2009. Esse mérito é fruto das elaborações do Ministério das
Relações Exteriores em governos petistas, liderados por Lula e por Dilma, que
acabaram construindo uma importância real para o país, na qual, mesmo com o
golpe de 2016 e as administrações Temer e Bolsonaro — embora tenham dado menos
importância ao bloco — não foram capazes de tirar o Brasil da condição de
membro do BRICS, pois, nitidamente, havia muito a perder. O Brasil está
na atual presidência rotativa do BRICS, como também preside o Novo Banco de
Desenvolvimento (NBD), estando Dilma Rousseff em seu segundo mandato como
presidenta do banco. Sob a presidência brasileira, foi anunciado, em janeiro
deste ano, mais nove países parceiros do BRICS. São eles: Belarus, Bolívia,
Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Além da
Colômbia, que, em junho, aderiu ao banco do BRICS. Os países parceiros do
bloco, ou a adesão ao NBD, não dão a condição de membro efetivo, mas formam uma
categoria criada na cúpula de Kazan, na Rússia, que permite facilitar a
ampliação da influência do BRICS em meio às disputas e diferenças internas. Esses
acertos e avanços da política externa brasileira não podem esconder também seus
graves erros, que acabam prejudicando o desenvolvimento do bloco e precisam ser
reparados. O mais recente equívoco foi o veto do governo brasileiro em relação
à adesão da Venezuela, que hoje é um dos países mais atacados e sancionados na
América Latina. Essa política do governo brasileiro aprofundou as dificuldades
na integração regional e impediu que um país que tem cumprido um papel
destacado na luta anti-imperialista no continente ficasse de fora da mais
importante articulação do Sul Global. Independente das diferenças ou críticas
que se possa ter ao governo Maduro, trata-se de um erro importante trabalhar
para o isolamento da Venezuela, colocando seu povo à mercê das consequências do
limbo geopolítico no atual momento histórico. Existem ainda muitas críticas, de
vozes de autoridades importantes de dentro e fora do governo, sobre a atual
presidência do Brasil no BRICS. Nos parece que o excesso de cuidado da
diplomacia brasileira em não explodir pontes nas relações com os EUA e Europa
tem produzido uma política de contenção em relação ao bloco. Seja como for, a
cúpula do Rio de Janeiro tem o desafio de promover avanços num momento de alta
pressão. Inevitavelmente, quanto mais o BRICS avançar em sua influência,
maiores serão as disputas internas sobre o seu futuro — e maior será a pressão
externa imperialista pelo seu fracasso.
Fonte:
BBC News Brasil/Brasil 247

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