terça-feira, 8 de julho de 2025

Brics é 'antiocidente'? Como se comporta o bloco

Cúpula dos Brics começou neste domingo, no Rio de Janeiro, em meio a repetidas manifestações de lideranças americanas de que o bloco que reúne algumas das principais economias emergentes do mundo seria, na verdade, um grupo antiocidental. A presença no bloco de tradicionais adversários políticos dos Estados Unidos como a RússiaChina e, mais recentemente, o Irã, é vista, por especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, como um dos elementos que ajudou a criar essa visão de que o bloco seria contra o chamado "Ocidente". O termo "Ocidente" é comumente utilizado por especialistas em Relações Internacionais para designar um conjunto de países majoritariamente democráticos, composto pelos Estados Unidos, Canadá, as nações da Europa Ocidental e o Japão e que, durante a Guerra Fria, se opuseram ao bloco socialista liderado pela União Soviética.

Em 2024, o então senador e atual secretário de Estado americano, Marco Rubio, escreveu um artigo descrevendo os Brics como uma ameaça aos Estados Unidos e ao Ocidente. "Não vamos esquecer. Os Brics foram fundados em 2009 por Vladimir Putin [presidente da Rússia] com o objetivo claro de derrubar os Estados Unidos da sua posição de líder global", diz um trecho do artigo. "Agora, efetivamente controlado por Pequim, os membros dos Brics juntam reservas estrangeiras e emprestam bilhões em dinheiro fácil para colocar nações em desenvolvimento contra os Estados Unidos e outros países ocidentais."

Em novembro de 2024, antes de tomar posse, foi a vez de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fazer ameaças ao bloco caso ele adotasse medidas para diminuir o uso do dólar em suas transações comerciais. "Exigimos um compromisso destes países de que eles não criarão uma nova moeda do Brics, nem apoiarão qualquer outra moeda para substituir o poderoso dólar americano ou enfrentarão tarifas de 100% e deverão esperar dizer adeus à venda para a maravilhosa economia dos EUA. Eles podem procurar outro otário!", disse Trump em suas redes sociais.

Formado atualmente por Brasil, Rússia, China, Índia, Irã, Arábia Saudita, Etiópia, Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Egito, o bloco representa quase a metade da população mundial e 40% da riqueza produzida globalmente. Historicamente, o grupo vem defendendo reformas nos sistemas de governança internacionais e maior voz dos países emergentes em fóruns multilaterais. Desde 2009, os países vêm tentando coordenar suas políticas econômicas e diplomáticas, encontrar novas alternativas para as instituições financeiras e reduzir a dependência do dólar americano. Mas será que isso, somado à presença de três adversários tradicionais dos Estados Unidos, é suficiente para dizer que os Brics são contra o Ocidente?

Especialistas entrevistados pela BBC News Brasil afirmam que a situação não é tão simples de definir. Eles afirmam que, embora haja países claramente contra a hegemonia ocidental liderada pelos Estados Unidos, como a Rússia, China e Irã, o bloco também é formado por países com fortes vínculos com os americanos e com a Europa Ocidental, entre eles o Brasil. Eles afirmam, no entanto, que eventos recentes como uma suposta neutralidade do bloco em relação à invasão da Rússia à Ucrânia, a inclusão do Irã no grupo e condenação dos ataques de Israel e Estados Unidos ao país de maioria persa vêm dando combustível para críticas nessa direção.

·        Antiocidente ou não-ocidente?

Em um artigo recente na revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, rechaçou a tese de que os Brics seja um grupo antiocidental. "O absurdo do estereótipo, derivado de análises apressadas ou interessadas, não resiste ao fato de que nenhum bloco que reúna integrantes com a trajetória diplomática e o perfil de países como o Brasil, a África do Sul e a Índia pode ser considerado contrário ao Ocidente", disse o chefe da diplomacia brasileira. Em 2024, segundo a Bloomberg, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, disse que o Brics deveria ser "cuidadoso" em relação à sua imagem "para garantir que esta organização não adquira a imagem de que ela está tentando substituir as instituições globais".

Na Cúpula dos Brics em Kazan, na Rússia, em 2024, Putin citou uma frase que teria sido dita por Modi ao falar sobre a suposta posição contrária ao Ocidente do Brics. "Os Brics nunca foi sobre ser contra ninguém. O primeiro-ministro indiano tem dito que os Brics não são um grupo antiocidente. Ele é apenas um grupo não-ocidental", disse o líder russo em uma entrevista coletiva.

A professora Devika Misra, da Escola Assuntos Internacionais de Jindal, na Índia, avalia que seria injusto afirmar que os Brics são um bloco contra o Ocidente. "No bloco, há países como a Índia, Brasil e África do Sul que seriam bastante contra algum sentimento antiocidental. O mesmo pode-se dizer dos novos membros do grupo oriundos do Oriente Médio", afirma Misra. "Claro que Rússia, China e Irã podem se posicionar contra o Ocidente em alguns momentos, mas essa agenda antiocidental ficaria muito limitada dentro do grupo." A professora cita o caso da Índia como exemplo de vínculos tanto com os Brics quanto com o Ocidente representado pelos Estados Unidos. "Ao mesmo tempo em que nosso primeiro-ministro [Narendra Modi] estará no Rio, durante os Brics, teremos ministros visitando os Estados Unidos e tendo reuniões importantes lá."

O professor do Departamento de Estudos de Defesa da universidade King's College, de Londres, Zeno Leoni, também avalia que seria precipitado chamar os Brics de antiocidental. "Sim, de um lado há países como a Rússia e a China, que são forças claramente contra-hegemônicas. Mas do outro lado temos Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia e Emirados Árabes Unidos que não são forças contra o ocidente. Claramente, eles são críticos do Ocidente, mas não são contra", diz.

Para a professora Ana Paula Garcia, no entanto, eventos recentes estariam dando combustível para alegações de que os Brics seriam um bloco antiocidental. O primeiro deles foi a invasão russa à Ucrânia. A hesitação de alguns países do bloco em condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia e o apoio dado pelo bloco ao Irã após os ataques aéreos coordenados por Israel e Estados Unidos, têm atraído críticas sobre um suposto caráter antiocidental do grupo. "Neste sentido, a gente vê o bloco apoiando um parceiro em uma postura mais antiocidental, como no caso da Rússia", diz.

O outro episódio foi a inclusão do Irã no bloco, decidida em 2023 e efetivada em 2024. Segundo Garcia, o Irã entrou no bloco graças aos laços que o país mantém com a China e com a Rússia e não por conta da sua economia, gravemente prejudicada pelas sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Por isso, a chegada do Irã e os recentes conflitos envolvendo o país adicionaram um novo elemento geopolítico aos Brics. "Os Brics viraram um lugar atrativo para países que querem entrar no bloco porque ele acaba representando um potencial apoio para o enfrentamento a países como os Estados Unidos", diz a professora.

Há grande expectativa entre os negociadores dos Brics sobre se ou como o bloco irá se manifestar em relação aos ataques feitos ao Irã por Israel e Estados Unidos. Há duas semanas, o bloco divulgou uma nota expressando "preocupação" com os ataques, mas sem mencionar Israel ou Estados Unidos. A nota também afirmou que os ataques violaram a soberania iraniana. Diplomatas iranianos, no entanto, tentaram convencer os colegas dos demais países a reforçarem o tom sobre os ataques na declaração final que deve ser divulgada entre domingo e segunda-feira (7/6). Uma fonte do governo brasileiro que acompanha as negociações afirmou à BBC News Brasil em caráter reservado que os negociadores teriam contornado a resistência iraniana e fecharam o texto da declaração, mas seu conteúdo ainda não foi divulgado.

·        Ausências e mudança de foco no horizonte?

Os três países que mais atraem críticas sobre uma eventual agenda antiocidental dos Brics não enviaram seus presidentes para a cúpula no Rio de Janeiro. Vladimir Putin, da Rússia, não virá pois é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional por supostos crimes de guerra no conflito na Ucrânia. Ele deverá participar da cúpula por videoconferência. Xi Jinping, da China, não chegou a anunciar oficialmente os motivos pelos quais não virá ao Rio, mas, segundo o governo brasileiro, sua ausência é fruto de um conflito de agenda. Ele será representado pelo primeiro-ministro chinês, Li Qiang. O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, também não virá. Nenhuma justificativa oficial foi apresentada, mas membros do governo brasileiro afirmaram à BBC News Brasil em caráter reservado que sua ausência é motivada pela crise de segurança no país resultante dos ataques que o país vem recebendo de Israel nas últimas semanas. Em seu lugar, está prevista a participação do chanceler Abbas Araghchi.

Para Devika Misra, a ausência do líder chinês é, provavelmente, boa para a imagem de bloco antiocidente dos Brics. "Espero que a ausência de Xi Jinping, em especial, dissipe a crítica sobre os Brics que vem dos Estados Unidos. Os americanos saíram de uma postura em que os Brics não tinham importância alguma para uma em que os Brics, agora, são perigosos". Por outro lado, a professora avalia que a mesma ausência pode sinalizar algo diferente em relação ao governo chinês: "A China pode estar diminuindo o valor que ela dá para os Brics". Ana Paula Garcia avalia que o Brasil também fez movimentos para evitar pontos de fricção com os Estados Unidos.

"A cúpula de 2024, na Rússia, trouxe muitas propostas na área financeira e monetária, e o Brasil não está entrando nessa proposta. Na verdade, o país tirou bastante a pressão dessa agenda", diz. "O país está tirando o foco da contestação [aos Estados Unidos] e está tomando cuidado com relação às respostas que os Estados Unidos podem dar às ações dos Brics."

¨      Qual o lugar do BRICS na luta anti-imperialista? Por Gibran Jordão

A cúpula no Brasil aconteceu numa conjuntura internacional marcada pela ascensão da extrema-direita no centro do imperialismo ocidental, com a posse de Donald Trump em seu segundo mandato como presidente dos EUA, apresentando como programa político prioritário a radicalização da disputa comercial e tecnológica contra a China, a principal liderança econômica do BRICS. Chama também bastante atenção, neste momento, a eclosão de conflitos militares que colocam, em campos de batalha opostos, potências ocidentais e países membros do BRICS. É o caso da Rússia, que já está há três anos numa guerra indireta contra a OTAN, que tem usado covardemente a Ucrânia como proxy. Recentemente, vimos o Irã se recusar a ficar de joelhos diante de um acordo desfavorável sobre o seu programa nuclear e enfrentar um agressivo ataque militar de Israel, que também tem, muitas vezes, atuado como proxy dos EUA na região do Oriente Médio. Embora os americanos não só tenham apoiado diplomaticamente e militarmente o governo de Netanyahu, desta vez tiveram uma participação direta na agressão imperialista contra o país persa.

É interessante observar que nem a Rússia, e muito menos o Irã — que provavelmente devem ser hoje os países mais sancionados do mundo pelos EUA e aliados — jamais teriam condições de enfrentar militarmente as potências ocidentais se não tivessem construído articulações geopolíticas alternativas no último período. Sendo o BRICS um dos principais espaços de cooperação diplomática, econômica e tecnológica, criou condições materiais para que russos e iranianos não fossem obliterados e humilhados pela ofensiva militar ocidental. Assim como a China não vacilou, até agora, em enfrentar a duríssima guerra tarifária imposta por Trump, demonstrando ao mundo que o chefe do imperialismo ocidental não tem condições de quebrar a economia chinesa e retomar facilmente sua hegemonia econômica absoluta de outrora, para “fazer a América grande novamente”.  A recente ampliação do bloco, que passou a levar o nome de BRICS Plus ou BRICS+, é outro elemento que preocupa os interesses norte-americanos. Quais são os motivos que explicam o fato de diferentes países do Sul Global aderirem como membros oficiais ou parceiros desse “clube” liderado por inimigos declarados do Ocidente? A resposta para essa pergunta repousa na evidente crise de hegemonia que o sistema imperialista liderado pelos EUA atravessa neste momento. Estamos na travessia de uma ordem unipolar para um mundo multipolar; o eixo gravitacional da economia mundial se move para o Oriente, e o Ocidente coletivo dá sinais cada vez mais agressivos na tentativa de evitar essa tendência.

Mas a verdade é que o sistema imperialista acordado após a Segunda Guerra Mundial, durante décadas, tem demonstrado cada vez mais não ser vantajoso para a periferia do globo. A desigualdade social e a transferência de riqueza do Sul para o Norte se ampliaram; o modelo de desenvolvimento econômico neoliberal acelerou a crise climática, com custos maiores para os países mais pobres; o dólar e o sistema de pagamentos SWIFT, controlados pelos EUA e utilizados por todo o comércio mundial, transformaram-se numa arma perigosa de sanção e destruição de economias de países considerados inimigos. As redes sociais, controladas pelas Big Techs norte-americanas, transformaram-se em “máquinas de caos”, instrumentos sofisticados de interferência e desfiguração do cotidiano político-eleitoral de vários países, causando instabilidade e derrubando governos. As grandes instituições do sistema financeiro mundial, como FMI e Banco Mundial, passaram a ser conhecidas por sua ambição em interferir diretamente no arcabouço jurídico e legislativo de muitos países que tiveram de recorrer a empréstimos e apoio financeiro. A ONU e seus fóruns, como o próprio Conselho de Segurança, são constantemente desrespeitados e desconsiderados pelas ofensivas militares das potências ocidentais, que têm destruído países, gerado ondas de milhões de refugiados e o horror das crises humanitárias. A confiança na governança global liderada pelo Ocidente dá todos os sinais de enfraquecimento, e muitos países, governados pelas mais diferentes forças ideológicas, passaram a buscar articulações geopolíticas alternativas. Alguns por puro pragmatismo e interesses econômicos, outros pela consciência de construir uma articulação internacional que possa enfrentar efetivamente o imperialismo ocidental. 

Seja como for, o BRICS surge como esse espaço que consegue atrair países que apresentam diferenças políticas consolidadas com o Ocidente, como também aqueles que sempre tiveram — e têm, atualmente — relações estáveis com EUA e Europa, mas que passaram a sentir a necessidade de ampliar seu escopo de parcerias para não depender única e exclusivamente de relações que podem, do dia para a noite, se tornar perigosas e, muitas vezes, tóxicas com o imperialismo norte-americano e seus aliados.

Portanto, o BRICS não pode ser entendido como um bloco que possui um programa anti-imperialista, muito menos como um tratado coeso entre nações que visam substituir a atual ordem mundial de Estados liderada pelos EUA. Mas, inevitavelmente, consegue enfraquecer a influência e as chantagens ocidentais, pelo simples fato de ser, atualmente, uma articulação em torno de parcerias econômicas em vários setores fundamentais para o desenvolvimento de projetos estratégicos de diferentes países, passando por fora dos circuitos controlados pelas forças imperialistas. Essa realidade é suficiente para causar cólicas nas entranhas dos interesses americanos e europeus, que têm respondido com sanções e guerras contra uma ala mais ideológica, e com cooptação e interferência política entre os membros mais pendulares do bloco. Para cada fração do BRICS, o imperialismo já tem desenvolvido uma política para implodir as parcerias e articulações em curso — e são vários os exemplos: guerra tarifária e retaliações agressivas contra a China; sanções infinitas e mobilização militar contra a Rússia; agressão militar contra o Irã e seus aliados no Oriente Médio; interferência política no Brasil; cooptação da Índia — e assim vai... Não há espaço para dúvidas: todas essas hostilidades imperialistas são planos conscientes, que colocam o BRICS, na atual conjuntura internacional, sob alta pressão e ameaça permanente.

<><> Menosprezar o BRICS é um erro grave na disputa geopolítica do século XXI

Há uma parte da esquerda que menospreza completamente o papel tático que o BRICS vem cumprindo na disputa geopolítica mundial, que, incontornavelmente, tende a ganhar cada vez mais importância — principalmente pela predominância da situação reacionária e ascensão de forças de extrema-direita que têm como programa político uma ofensiva contra a soberania dos povos do mundo. Governos de países africanos, latino-americanos ou asiáticos que necessitam de crédito para financiamento de infraestrutura, cooperação técnica, parcerias comerciais e acordos para áreas de inovação, pesquisa e desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, não desejam passar por imposições, sanções ou chantagens, tendem a ampliar suas parcerias para além da influência ocidental. Diante desse cenário, as articulações alternativas, como o BRICS, ganham importância, tornando-se inclusive um espaço para que as mais variadas forças progressistas que governam países do Sul Global possam encontrar oportunidades de sobreviver. Trata-se de um erro grave não perceber que, nessa tempestade do século XXI, pós-restauração capitalista no Leste Europeu, é necessário atuar taticamente nas complexas movimentações geopolíticas para encontrar caminhos que permitam criar condições reais de enfraquecer a influência das ambições imperialistas. 

O BRICS tem conseguido tecer as primeiras peças de um mundo multipolar através de projetos ousados, que envolvem o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o uso de moedas locais e sistemas de pagamentos alternativos para o comércio entre países — iniciativas que já estão desconectando parte do globo do controle financeiro imperialista, baseado no dólar. São instrumentos que ainda se encontram em estágio inicial, em processos de negociação gradual, com avanços relativos e desiguais, mas que estão vivos e gerando consequências contra-hegemônicas.  Não podemos esquecer que o dólar, o controle das principais instituições financeiras do planeta e dos sistemas de pagamentos são um dos pilares de sustentação do poder econômico norte-americano. Cumpre, nos dias de hoje, um papel ainda mais relevante, pelo fato de os EUA terem uma relação dívida/PIB de 124%, com uma economia menos industrializada e mais financeirizada. Quanto mais esses pilares se enfraquecerem, maior será a dificuldade do imperialismo ocidental em sustentar seu complexo industrial-militar e financiar suas guerras infinitas. Não será esse o motivo de os EUA estarem obrigando os países europeus membros da OTAN a aumentarem seus gastos militares? Não foi essa situação que mudou a postura dos EUA em relação à Rússia e à guerra na Ucrânia? Ou ainda, não foi por esse motivo que o governo Trump se dividiu sobre a possibilidade de guerra prolongada contra o Irã, sendo obrigado a decretar um cessar-fogo após 12 dias de guerra? Como podemos ver, é possível que o BRICS já esteja ajudando a erodir o poder do imperialismo ocidental em resolver pela força as contendas geopolíticas de seu interesse.  Não estamos dizendo que esse bloco tem o objetivo de se tornar uma aliança socialista internacional, e quem espera que ele seja isso está completamente iludido. As contradições do BRICS são produto das limitações impostas pela correlação de forças da época em que vivemos. Mas isso não significa que devemos ignorar a realidade e abrir mão de operar politicamente num espaço que já apresenta potencial de acumular forças estranhas aos interesses imperialistas. Pior ainda seria fazer unidade de ação com os EUA para ajudar a enfraquecer e desmantelar o BRICS como espaço de articulação do Sul Global, ajudando o neocolonialismo a fortalecer sua trajetória ascendente no mundo. 

<><> O papel do Brasil na presidência do BRICS

Um dos acertos mais importantes deste século, em relação ao posicionamento do Brasil no cenário internacional, foi se colocar como um dos países membros fundadores do BRICS, em 2009. Esse mérito é fruto das elaborações do Ministério das Relações Exteriores em governos petistas, liderados por Lula e por Dilma, que acabaram construindo uma importância real para o país, na qual, mesmo com o golpe de 2016 e as administrações Temer e Bolsonaro — embora tenham dado menos importância ao bloco — não foram capazes de tirar o Brasil da condição de membro do BRICS, pois, nitidamente, havia muito a perder.  O Brasil está na atual presidência rotativa do BRICS, como também preside o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), estando Dilma Rousseff em seu segundo mandato como presidenta do banco. Sob a presidência brasileira, foi anunciado, em janeiro deste ano, mais nove países parceiros do BRICS. São eles: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Além da Colômbia, que, em junho, aderiu ao banco do BRICS. Os países parceiros do bloco, ou a adesão ao NBD, não dão a condição de membro efetivo, mas formam uma categoria criada na cúpula de Kazan, na Rússia, que permite facilitar a ampliação da influência do BRICS em meio às disputas e diferenças internas. Esses acertos e avanços da política externa brasileira não podem esconder também seus graves erros, que acabam prejudicando o desenvolvimento do bloco e precisam ser reparados. O mais recente equívoco foi o veto do governo brasileiro em relação à adesão da Venezuela, que hoje é um dos países mais atacados e sancionados na América Latina. Essa política do governo brasileiro aprofundou as dificuldades na integração regional e impediu que um país que tem cumprido um papel destacado na luta anti-imperialista no continente ficasse de fora da mais importante articulação do Sul Global. Independente das diferenças ou críticas que se possa ter ao governo Maduro, trata-se de um erro importante trabalhar para o isolamento da Venezuela, colocando seu povo à mercê das consequências do limbo geopolítico no atual momento histórico. Existem ainda muitas críticas, de vozes de autoridades importantes de dentro e fora do governo, sobre a atual presidência do Brasil no BRICS. Nos parece que o excesso de cuidado da diplomacia brasileira em não explodir pontes nas relações com os EUA e Europa tem produzido uma política de contenção em relação ao bloco. Seja como for, a cúpula do Rio de Janeiro tem o desafio de promover avanços num momento de alta pressão. Inevitavelmente, quanto mais o BRICS avançar em sua influência, maiores serão as disputas internas sobre o seu futuro — e maior será a pressão externa imperialista pelo seu fracasso.

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil 247 

 

Nenhum comentário: