terça-feira, 8 de julho de 2025

Marcelo Zero: Brasil conduz bem o BRICS

A tentação de ver o mundo sob a lógica belicosa e restritiva da nova “Guerra Fria”, da grande disputa pelo poder global, é grande. 

A divisão do mundo entre “democracias” e “autocracias”, entre o suposto “Bem” e o suposto “Mal”, é propalada pelo chamado Ocidente e pela direita e extrema-direita mundial e brasileira, de forma constante e sistemática.

Há, de fato, uma pressão geopolítica muito grande para que os países do assim denominado Sul Global “escolham” o lado supostamente “correto” e “democrático” da nova Guerra Fria, e se alinhem aos EUA e aliados, em sua luta contra o crescente protagonismo de nações como a China, a Rússia etc.   

Não faltam também os membros da “quinta-coluna” interna, cada vez mais assanhados e verborrágicos. Em posições comprometedoras para a soberania nacional, abundam.

Ademais, especialmente com a ascensão de Trump, há uma forte degradação das instituições multilaterais e dos princípios do multilateralismo e do direito internacional público. 

Em 1935, Bertold Brecht escreveu um texto intitulado “O Fascismo é a Verdadeira Face do Capitalismo”, no qual argumentava que o fascismo não era um desvio do capitalismo, mas sim sua nova e verdadeira face.

Creio que, no mesmo sentido, Trump é o “Império desnudado”. O Império, em curva descendente, sem as máscaras ideológicas que sempre o buscaram legitimar. Trump está tentando criar uma ordem mundial hobbesiana, sem freios e medidas, na qual os interesses são impostos unicamente pela força do Big Stick, financeiro, comercial e militar.

Pois bem, nesse contexto mundial muito delicado, difícil e belicoso, acredito que a diplomacia brasileira se conduz muito bem na presidência do BRICS.

Ao contrário de alguns, não vejo tibieza ou dubiedade do Brasil, na sua inserção no BRICS e na sua decidida defesa da multipolaridade e do multilateralismo.

O Brasil e o BRICS não devem tomar parte na nova Guerra Fria. Ao contrário, devem contribuir para desmontar essa verdadeira arapuca geopolítica.

Não creio que países como China e Rússia tenham algum interesse em uma ofensiva “anti-Ocidente”, ou algo que o valha. A postura estratégica desses países sempre me pareceu meramente defensiva. Apenas reagem às agressões. 

Putin, lembre-se, queria, no início deste século, integrar a Rússia à União Europeia e até mesmo à Otan. Nunca teve interesse algum em voltar a dividir o mundo em novas áreas de influência exclusiva.

Acabou sendo forçado a intervir na Ucrânia porque estava sendo sufocado estrategicamente pela geopolítica muito agressiva dos EUA e aliados.

A China também sempre procurou ter boas relações com os EUA e a Europa. Mas virou a grande “inimiga estratégica” simplesmente porque teve a “audácia” de crescer muito, se industrializar bastante e rivalizar em ciência e tecnologia com os EUA e aliados.

No plano internacional, esses países, denominados de “autocráticos”, sempre evitaram intervir nos assuntos internos de outras nações. Em geral, buscaram a cooperação pacífica e investiram em multilateralismo e multipolaridade. Isso significa ser democrático, nas relações internacionais. 

Quem costuma ser autocrático e autoritário nas relações mundiais são justamente as “democracias” dos EUA e aliados, que promovem, com alarmante frequência, guerras e sanções econômicas em todos os países que julgam que interferem negativamente em seus interesses. Sanções e guerras que já mataram centenas de milhares de pessoas. Mortos, observe-se, não são portadores de direitos.

Por certo, não é do interesse do Brasil seguir a lógica obtusa e obsoleta de uma Guerra Fria. Do jogo de soma zero imposto pelo Império. 

É do interesse do Brasil seguir um caminho estratégico que invista na multipolaridade, no multilateralismo, na paz e no desenvolvimento sustentável. Esse é o verdadeiro interesse do Sul Global.

Acabar com a pobreza, com a fome, com as doenças, com as assimetrias e investir fortemente em desenvolvimento sustentável e em uma ordem mundial mais cooperativa e pacífica, baseada em regras claras e críveis que beneficiem a todos, e em uma governança global efetiva.  

Para atingir esses objetivos não é necessário ser “antiocidental”. Basta ser pró-humanidade.  

Em suma, a posição do Brasil de “não-alinhamento” me parece correta. Como afirmou Lula em seu discurso “a Conferência de Bandung refutou a divisão do mundo em zonas de influência e avançou na luta por uma ordem internacional multipolar. O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado.”

Além de ser correto como estratégia, o não-alinhamento permite mediar melhor os interesses diversos dos diferentes países do grupo, nem sempre coincidentes. Temos de buscar os consensos possíveis.  E temos de observar nossos limites de potência média e essencialmente desarmada.

Não obstante, a bem da verdade é o próprio Ocidente é que está reduzindo seu protagonismo mundial e, com isso, aumentando o protagonismo de países como a China e de grupos como o BRICS. 

Os EUA, há bastante tempo, reduzem sua presença no mundo, especialmente em investimentos e cooperação. 

Hoje, Trump está investindo fortemente numa atitude isolacionista. O “Make America Great Again” parece ser mais um chamado para um “Make America The Only One Country.” Ou, pelo menos, o único país de real importância no mundo.  Ao resto, mesmo aos antigos aliados, caberia apenas uma rasa vassalagem.

Por isso, o BRICS, um BRICS inclusivo, cooperativo e pacífico, é cada vez mais necessário.

Claro está que gostaríamos de ver certos processos avançando mais rapidamente.

O uso de moedas locais para compensação comercial e a desdolarização poderiam caminhar mais rapidamente, ainda mais em um momento tão brutalmente protecionista e unilateralista. 

Porém, esse é um processo inevitável que vai se acelerar cada vez mais, em razão do uso do dólar como instrumento geopolítico e pela crescente ascensão da China e de outros países nos fluxos comerciais internacionais. A tendência ao aumento exagerado da dívida dos EUA, recentemente agravada pela aprovação da Big, Beautiful Bill, é outro fator que tende a acelerar a desdolarização.

Há, contudo, algumas iniciativas que poderiam ser aceleradas com simples decisões políticas.

Por exemplo, o Brasil, liderando o Mercosul, poderia fazer fechar logo um acordo de livre comércio com a União Econômica Euroasiática (bloco formado por Rússia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão e Armênia). O Memorando de Cooperação Econômica e Comercial entre o MERCOSUL e a União Econômica Euroasiática (UEE) foi assinado já em 2018, abrindo caminho para um possível acordo de livre comércio entre os dois blocos. Basta negociá-lo. 

Poderíamos também avançar mais rapidamente em áreas sensíveis de cooperação, como energia nuclear e tecnologia aeroespacial. Alcântara bem que poderia ser uma base de lançamentos aberta ao BRICS.

Mas, no geral, a diplomacia brasileira me parece ter o norte correto, que é o da inserção cada vez maior no Sul Global, fundamentada na integração regional e em uma aposta racional e necessária no multilateralismo renovado.

Não-alinhado não significa ser indiferente ante as agressões cada vez mais brutais do Império em desespero, que percebe seu inevitável apequenamento. Não-alinhado não significa também não ousar defender seus interesses próprios. 

Significa simplesmente, como diria meu amigo Paulo Nogueira Batista Júnior, não caber no quintal de ninguém.

Não caber no quintal de ninguém, mas, de outro lado, fazer caber os interesses de todos, principalmente dos mais fracos, numa ordem mundial mais simétrica, justa, fraterna e pacífica.

E isso o Brasil sabe fazer bem. Temos considerável soft power, uma diplomacia profissional e eficiente e um líder único no mundo: Lula.

Dá samba. 

¨      Pioneirismo em uma nova era para promover uma comunidade global de saúde para todos. Por Yuying Zhang

A próxima cúpula do BRICS de 2025, no Rio de Janeiro, marca um ponto de virada histórico para o bloco, com a entrada do Vietnã no âmbito ampliado da parceria “11+10”. Essa coalizão mais ampla — que agora representa quase metade da população mundial, um terço da produção econômica global e mais de 50% do crescimento econômico — detém um potencial sem precedentes para redefinir a governança global, em especial na área da saúde.

<><> Lacunas sistêmicas exigem soluções sistêmicas

A cooperação em saúde global figura entre as seis principais prioridades da cúpula, evidenciando a necessidade urgente de enfrentar desigualdades estruturais expostas pela COVID-19. A pandemia revelou falhas gritantes, principalmente na distribuição de vacinas.

Um documento das Nações Unidas mostra que, até meados de 2022, a taxa de vacinação na África havia estagnado em apenas 4,1%, enquanto países de alta renda acumulavam doses por meio de compras premium. Hoje, em meio a tensões geopolíticas — desde o conflito Rússia-Ucrânia até crises no Oriente Médio — o mundo já não pode mais tolerar respostas tardias.

<><> Da visão à ação: o BRICS impulsiona a inovação

Na Terceira Reunião dos Sherpas do BRICS, em 30 de junho, os membros propuseram medidas transformadoras, incluindo uma “parceria para eliminação de doenças socialmente determinadas” como forma de combater desigualdades em saúde vinculadas à pobreza.

Lacunas regulatórias na saúde mediada por inteligência artificial também foram identificadas como uma área prioritária para o estabelecimento conjunto de padrões, ressaltando o compromisso do BRICS com uma colaboração orientada para o futuro.

<><> O papel da China: além da ajuda, a cooperação sistêmica

Como a maior economia do BRICS, a China passou de uma política de auxílio unilateral em vacinas para a construção de parcerias sistêmicas — uma mudança ilustrada por sua cooperação com o Brasil.

Desde 2018, o Instituto Fiocruz do Brasil tem trabalhado de forma estreita com parceiros chineses na promoção de um Centro de Pesquisa e Prevenção de Doenças Infecciosas, além do avanço de pesquisas conjuntas, transferências de tecnologia e intercâmbios acadêmicos.

Em 2019, a Fiocruz integrou tecnologia de ponta em sequenciamento genômico, fornecida pela gigante chinesa BGI Genomics, treinando especialistas brasileiros para fortalecer a capacidade local de resposta a pandemias.

Uma iniciativa paralela com o Instituto Butantan e a empresa chinesa Sinovac, lançada em junho de 2020, mostrou-se igualmente transformadora. Essa cooperação, que envolveu etapas críticas como ensaios clínicos de Fase III de vacinas contra a COVID-19, licenciamento de tecnologia, autorização de mercado e comercialização — representa uma ruptura com a monopolização tecnológica praticada por algumas farmacêuticas ocidentais.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que a transferência de tecnologia da Sinovac teve início em 2021. Essa decisão não apenas permitiu a produção doméstica de vacinas, mas também ofereceu um modelo replicável para capacitar outros países em desenvolvimento.

Essas iniciativas materializam o apelo do presidente Xi Jinping por uma “comunidade global de saúde para todos”.

Um novo paradigma para a saúde global

O BRICS está redefinindo a governança em saúde ao promover inclusão, equidade tecnológica e cooperação Sul-Sul. Essa coalizão acelera uma mudança transformadora, demonstrando que soluções sustentáveis não surgem da divisão, mas sim da ação coletiva que preenche lacunas e alinha prioridades.

¨      Xi Jinping não veio, mas a China é aqui! Por Hildegard Angel

Nesses dias de BRICS, o que mais encontro no Rio de Janeiro são chineses. Com sua tradicional gentileza, eles mudaram a paisagem dos eventos cariocas. Ontem, no coquetel trilíngue (mandarim, inglês, português) em casa do advogado Roberto Bertholdo, entre a geometria vibrante das telas de Eduardo Sued e as intensas mulatas de Di Cavalcanti, circulavam chineses risonhos, cordiais, atenciosos. Naquele exato tempo e momento, a China era ali, diante de uma Praia de Copacabana restrita às sirenes e aos pisca-piscas vermelhos das comitivas estrangeiras, que retornavam do encontro, no MAM, e tinham as pistas da Av. Atlântica todinhas para elas.

Chineses de expressão, como Li Bo, editor especial do Guancha ("Observador"), jornal da mídia privada focado na geopolítica, sediado em Xangai, e Helen Hua, fundadora do Beijing Club for International Understanding, de Pequim, promotora de encontros de alto nível para diálogo internacional e diplomacia informal.

Li e Helen estão NA FOTO com Leonardo Attuch, editor-chefe do Brasil 247 e anfitrião do encontro juntamente com o Guancha e com Bertholdo, uma "joint venture" de boas intenções, recheada com jornalistas nacionais e do exterior, economistas, como Paulo Nogueira Batista Filho, scholars, como o professor Evandro Carvalho, FGV/UFF, instituições, como o Clube de Engenharia do Brasil, e mais champagne rosé, risotos de camarão, quadradinhos de legumes e bolinhos de bacalhau do Demar, enfim, uma apoteose saborosa do soft power sino-brasileiro. Mais refinado impossível.

Li chegara da China, naquela tarde, e Helen retornará a ela amanhã.

A avaliação geral desta Cúpula do BRICS, nas rodinhas de conversas, era positiva, até mesmo entusiasmada, com elogios ao documento final, que reafirmou o compromisso com o multilateralismo e a reforma da governança global.

Aliás, se eu fosse fazer pesquisa sobre o assunto mais falado, daria empate entre o apoio incisivo da Cúpula à solução de dois Estados para palestinos e israelenses, incluindo a adesão plena da Palestina às Nações Unidas, e as condenações aos ataques a Gaza e ao Irã, e as críticas a tarifas unilaterais, com restrições comerciais.

¨      BRICS encara o dólar no duelo Trump-Xi Jinping. Por Cesar Fonseca

O BRICS constata em sua 17ª internacional que no cenário geoeconômico e político global, a distribuição mais acelerada de mercadorias chinesas no mundo, com ênfase no Sul Global, em vantagem competitiva relativamente ao dólar, cria sinuca de bico.

Na prática, a supremacia comercial americana desdolariza relativamente à economia e abre nova era nas relações de troca: comércio em moedas locais, com o fortalecimento relativo da moeda chinesa.

Esse é o discurso da China que aposta todas as suas fichas no BRICS como estratégia comercial para ditar a valorização da moeda chinesa na circulação de trocas.

É a guerra monetária!

A China, conforme a lei do monopólio, quer ampliar a acumulação chinesa em escala maior que a americana, porém, direcionando para estratégia global cooperativa, não agressiva, como intensifica Trump nesse sentido.

A supremacia comercial dita o valor relativo da moeda, que reage à expansão comercial chinesa como vantagem comparativa aos Estados Unidos.

O BRICS determina o maior volume de comércio global, de transações financeiras e se transforma em referência de mercado, pelo aval da China, como diz Xi Jinping, no Global Time.

A China está vencendo a concorrência e, consequentemente, impondo os novos termos dos contratos, ditando os preços no mercado de bens.

Economia de projetamento em ação, como diz o economista Elias Jabour, da UFRJ e conselheiro do BNDES.

Os chineses acumulam mais poupança advinda da maior competitividade, dada pela maior produtividade, criando margem de lucro maior - eficiência marginal do capital chinês - por conta do aumento das forças produtivas chinesas a custo mais baixo que amplia o mercado de consumo para as mercadorias chinesas.

CAPITALISMO AMERICANO DANÇA

O presidente Trump insiste na modalidade do trabalho que eleva a mais valia absoluta(baixo salário em subemprego), perdendo competitividade para a China, ao mesmo tempo que também aumenta a mais valia relativa, que lança trabalhadores na rua com redução do tempo de trabalho, combinado com aumento do desemprego.

A contradição está exposta.

A estratégia chinesa é oposta: redução do tempo de trabalho, com redução de jornada e valorização da grandeza do valor-trabalho, que eleva o coeficiente da riqueza social, por conta do princípio social de que trabalho é valor que se valoriza.

PROPOSTA CHINESA NOS BRICS

Essa é a dialética do modelo chinês de desenvolvimento exposta no BRICS, como solução para o desenvolvimentismo do Sul-Global, pautado nas relações de troca em moeda nacional.

É uma declaração de guerra ao dólar.

A moeda imperial, nesse cenário, vai perdendo utilidade relativa, porque sua força se relaciona com a estrutura produtiva e ocupacional geradora de concentração de renda, na guerra, de um lado, e exclusão social, de outro.

Sintetizando: guerra aos trabalhadores, escravizados pelo salário marginal, considerado custo e não renda.

A mídia conservadora centra sua atenção em lances laterais, desviando do principal.

Lula, como presidente do BRICS, em 2025, estaria, diz o poder midiático conservador pró-Trump, esvaziado politicamente; desvio de atenção para as ausências dos presidentes chinês e o presidente russo.

Lula contrariaria Xi e Putin quanto ao entendimento dos BRICS como nova força política e econômica global, ou as razões são outras?

Putin e Jinping querem Lula mais asiático e menos americano, no entendimento geopolítico de ambos.

Trump, ao contrário, força afastamento de Lula dos BRICS.

COMPROMISSO MAIOR CHINÊS

Xi Jinping, segundo o Global Times, disse que a reunião dos BRICS é a reafirmação da estratégia de superação da estrutura produtiva e ocupacional, acumuladora de renda e de exclusão social, à moda ocidental, pela nova lógica da cooperação que a China lança por meio da Rota da Seda, envolvendo a economia mundial em rede de intercomunicação, monitorada pela tecnologia da informação e da inteligência artificial.

O documento do MST encaminhado ao BRICS está na linha Xi Jinping: foca nessa contradição entre ocidente e oriente como uma nova plataforma econômica global.

O recado do BRICS, no Rio de Janeiro, é o grito de independência do Sul-Global ao Norte Global cuja prioridade é a guerra.

Essa é a síntese do encontro no Rio que marca virada na geopolítica sul americana na sua aproximação inevitável com a China em expansão para a Ásia, como priorizou o novo Mercosul.

É a saída para fugir das garras do imperialismo que impõe sua política expansionista e agressiva, em contraposição total ao modelo chinês, exposto na reunião do BRICS, comandada pelo presidente Lula, que pauta uma nova cooperação global.

 

Fonte: Brasil 247

 

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