A
campanha “Congresso inimigo do povo!”/“Congresso da mamata!”: possibilidades e
questões ao debate
Quem
ainda não viu a campanha “Congresso inimigo do povo!” e as redes sociais
inundadas de vídeos, montagens com “Hugo Não se Importa” e “Hugo Mamata”
relativas ao presidente Hugo Motta. O apelido dele pelos corredores do
Congresso recentemente era “bebê reborn do Lira”.
E a
campanha tem início a partir da revogação do decreto do governo sobre IOF, de
uma forma considerada “sorrateira”, pois Hugo Motta em meio ao São João e beber
Whisky no gargalo vai às pressas para Brasília, comandar a sessão e fazer essa
votação do PDL que sustou os efeitos do Decreto.
Enquanto
a gente tenta pagar o arroz, a feira, a carne, o aluguel e o transporte,
deputados(as) e senadores(as) estão ocupados(as) muitas vezes aprovando leis
que beneficiam bancos, grandes empresários, ruralistas e setores religiosos
conservadores. Só em 2023 e 2024, o Congresso tentou empurrar projetos que
flexibilizam o uso de agrotóxicos, atacam direitos indígenas, dificultam o
acesso ao aborto legal e sabotam a educação pública. Sobretudo com a
justificativa de “crescimento econômico” ou “valores da família”.
É como
se a gente pedisse a um encanador para arrumar um vazamento, e ele decidisse
demolir a casa. E pior: com o nosso dinheiro. Esses(as) parlamentares(as) são
pagos com o nosso imposto, mas trabalham como se fossem só representantes de
bancos, latifundiários e lobbies empresariais, com exceções.
A
campanha “Congresso inimigo do povo!”, encabeçada por movimentos sociais, redes
de mídia alternativa que têm vínculo maior ou menor com setores governistas, do
PT e Guilherme Boulos, denuncia justamente isso: que o Congresso se tornou um
espaço onde o povo só entra como estatística. Onde a representatividade real é
engolida pelo “centrão” — esse bloco que negocia apoio político em troca de
cargos, verbas e emendas, sem compromisso em geral com pautas coletivas, que
não sejam dos seus próprios interesses corporativos.
Sim, a
campanha é uma ação legítima de um grupo político. E meritória no sentido de
promover o debate público. Se por acaso ocorrerem manifestações de rua com
certeza participarei. Considera-se que um dos principais méritos foi o
“recibaço” passado no Jornal Nacional dia 03/07/2025, no qual a própria Globo
apoiando o Centrão pede parcimônia à sociedade. Além disso, destaca-se a
propulsão e o engajamento que a campanha ganhou nas redes sociais, coisa que as
forças progressistas e de esquerda estavam com dificuldades de conseguir há
algum tempo.
No
entanto, não se pode estar desatento ou ser espontaneísta para não prestar
atenção aos interesses de quem quer dirigir e hegemonizar esse processo de
mobilização social.
Cabe
perguntar: Por que a campanha “Congresso inimigo do povo!” não começou antes,
considerando que o Congresso já vem há algum tempo votando medidas
antipopulares? A mamata estava ocorrendo desde antes; por que agora a mamata
seria pior que antes?
Alguns
fatores precisam ser considerados, até para não entrarmos de “gaiato no navio”,
como diria o “Melô do Marinheiro” do Paralamas do Sucesso. Cabe trazer à tona
alguns aspectos factuais, para que consigamos ver a campanha como ela é em sua
totalidade. Isto é, com suas possibilidades, limites e contradições.
A
questão do IOF que gerou toda essa campanha é uma medida associada ao déficit
zero imposto pelo próprio governo ao seu arcabouço fiscal que atende interesses
do mercado financeiro para o pagamento de rentistas que têm partes da dívida
pública. Dívida essa que consome boa parte do PIB. Ou seja, arrecadar mais no
IOF não vai ser o fator que vai diminuir a desigualdade social que nos assola e
nem a questão da injustiça fiscal.
O
presidente Lula sancionou em dezembro de 2024 a lei que limita o reajuste do
salário mínimo a 2,5% acima da inflação de 2025 a 2030. A medida faz parte do
pacote de corte de gastos obrigatórios, proposto pelo governo federal e
aprovado pelo Congresso Nacional com o objetivo de regular o reajuste do
salário-mínimo aos limites definidos pelo novo arcabouço fiscal. Ou seja, para
o(a) trabalhador(a), limite e fiscalização; para os rentistas e os ricos, o
limite é o máximo de lucro e lei segue quando convém.
A
reforma fiscal aprovada no Congresso e capitaneada pelo ministro da fazenda,
Fernando Hadadd, manteve a cobrança de impostos, aliás que será a maior taxa do
mundo, com a premissa da manutenção da carga tributária total sobre o consumo.
O que pega em cheio ainda quem recebe entre 0 e 3 salários mínimos.
Outro
aspecto. Quero “morder a língua” e estar enganado (desta vez), mas um clássico
da galera lulista é fazer acordão a portas fechadas e depois deixar a base
mobilizada com o “pincel na mão”. Desse modo, a tendência é que o governo Lula
3 siga com as medidas de austeridade econômica, com cortes na educação, saúde e
em políticas sociais, bem como aumente os repasses de verba pública para a
iniciativa privada. Assim, logo haverá um acórdão e a relação entre executivo e
Congresso se ajustará, no máximo até o final do mês de julho. No entanto, a
campanha e a narrativa de “ricos X pobres” continuará, devido ao seu potencial
de mobilização, até as eleições de 2026. Afinal, a ideia é que se deve criar o
imaginário de que, no próximo governo Lula 4, ele terá feições mais populares e
por isso deve ser reeleito diante da ameaça da volta da extrema-direita com a
iminente candidatura do protofascista Tarcísio de Freitas.
O
orçamento secreto foi rebatizado, mas segue em operação entre legislativo e
executivo. E tem também a questão das “remendas parlamentares” com a
participação da SRI de Gleisi Hoffmann e do Ministério da Saúde de Alexandre
Padilha. E as medidas de enfrentamento à fome, à desigualdade e à promoção do
repasse de imensos montantes de verba pública para o setor privado estão longe
de representar uma ruptura com a manutenção da desigualdade social e com o fim
das mamatas para os mais ricos.
Isto é,
mesmo que seja louvável a iniciativa da campanha, o PT e o governo Lula 3
também têm responsabilidade em relação às atitudes do bloco hegemônico que
domina o Congresso (direita e extrema-direita, pois centrão é a direita). Mesmo
a campanha denunciando os retrocessos do Congresso, o governo mantém e quer
ainda alianças com esse mesmo centrão que aprova medidas antipopulares desde o
primeiro ano do governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, segue influente,
sendo contemplado com ministérios, cargos, emendas e acordos. E o Palácio do
Planalto, em vez de confrontar a base conservadora, frequentemente a acomoda —
com cargos, omissões, silêncios, recuos e alianças.
Portanto,
o governo cedeu espaços estratégicos à direita e ao centrão no governo, os
mesmos da mamata, preferindo manter a “governabilidade” mesmo que isso custe
retrocessos sociais. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que denuncia o
Congresso como inimigo, o governo negocia com ele como se fosse um aliado
tático — e isso confunde, desmobiliza, despolitiza e desgasta a base social da
esquerda.
É como
fazer propaganda de Bet, mas pedir responsabilidade na hora de jogar. O governo
Lula 3, ao não romper com esses tipos de práticas que configuram a sua
governabilidade, enfraquece a própria força transformadora da campanha
“Congresso inimigo do povo!”. Fica difícil convencer que o Congresso é um
entrave se ministros(as) e o presidente estão sentados à mesa com os(as)
“mamateiros(as)” em reuniões e jantares que não constam na agenda oficial e
selando acordos dia sim, dia sim e às vezes com alguns desentendimentos.
Quando
dizemos “Congresso inimigo do povo”, não estamos atacando a democracia. Pelo
contrário. Estamos dizendo que democracia sem povo dentro, sem povo no comando,
é fachada. É como um ônibus com ar-condicionado, mas sem motorista e sem freio
— bonito por dentro, mas indo rumo a um acidente.
Essa
campanha tem potencial de um grito coletivo por renovação, por responsabilidade
e por representatividade da população injustiçada. É um desabafo contra um
bloco que manda e desmanda no legislativo brasileiro e que barra pautas
populares, mutila políticas públicas e coopta recursos e cargos para interesses
privados.
Mas
também é, sem rodeios, uma preparação para a eleição presidencial de 2026. E
isso tem e terá muito a ver com a nossa vida. E quem de fato quer acabar com a
mamata no Congresso, no executivo e no judiciário e quer combater a
desigualdade social deve exigir centralidade na coordenação e nas decisões
sobre a campanha. Precisa-se cobrar coerência e compromisso com as pautas
populares, bem como enfrentar as suas próprias contradições.
Se o
governo e o PT querem se dizer do lado do povo, precisam escolher um lado
efetivamente. E se o povo é usado no discurso, mas não como sujeito, a campanha
vira só retórica. Ou pior: vira ilusão eleitoral para 2026 e a busca de adesão
para algo já definido, sem a participação efetiva e a politização do processo
com a participação das pessoas.
• "Congresso da Mamata" e o
silêncio do STF diante da delação de que Hugo Motta recebeu 10% de propina. Por
Joaquim de Carvalho
Em
depoimento prestado em 2017, o empresário José Aloysio Machado da Costa Neto
confessou que adquiriu contratos por meio da emenda do deputado Hugo Motta e
que houve cobrança de uma propina de 10%, ou cerca de R$ 78 mil, sobre um
contrato de aproximadamente R$ 780 mil para recapeamento de ruas no município
de Malta (PB) .
O
material da colaboração premiada foi anexado à sentença da Justiça Federal da
Paraíba em 27 de fevereiro de 2025, mas só foi encaminhado ao STF
posteriormente — sem homologação até o momento e sem que haja inquérito aberto
formalmente contra o parlamentar, mesmo com o caso tramitando no Supremo .
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Apesar
da seriedade da acusação, o caso permanece parado no STF. Não houve designação
de relator, não foi homologada a colaboração e tampouco houve abertura de
inquérito contra Hugo Motta. Assim, nenhuma etapa processual efetiva foi
iniciada no Supremo.
Isso
sustenta a percepção de impunidade associada ao foro privilegiado e à
morosidade judicial. O caso permanece adormecido, sem qualquer avanço oficial.
A
delação voltou à tona em momento em que explodiu na rede social a hashtag
“Congresso da Mamata” — movimento que viralizou após a derrubada de nova
alíquota do IOF para movimentações específicas em 25 de junho pelo Parlamento.
Aliado
à extrema direita, o chamado Centrão, grupo parlamentar do qual Motta faz
parte, quer forçar o governo a cortar gastos, mas sem reduzir o valor das
emendas, o que, consequentemente, resultaria em menos verbas para programas
sociais.
O
presidente da Câmara, Hugo Motta, passou a ser símbolo desse movimento da
redes: aparece como “Hugo traidor” ou “Hugo nem-se-importa”, personificando as
críticas de que o Legislativo estaria agindo em favor dos interesses privados e
contra o povo.
A
campanha “Congresso da Mamata” — que somou mais de 824 mil menções no X e
outras redes entre 23 de junho e 4 de julho — reforça a insatisfação popular
com o formato de atuação parlamentar.
Esse
caso evidencia a distorção do modelo de gestão pública que admite as emendas
impositivas. Para juristas como Walfrido Warde, são inconstitucionais por
invadirem competência exclusiva do Executivo.
E
servem como meio de pressão política — e de corrupção. Ao torná-las
obrigatórias, o Legislativo passa a comandar o orçamento, ignorando critérios
técnicos e abrindo espaço para práticas como a denunciada “comissão” de 10%.
Assim,
reforça-se a necessidade de rediscutir e limitar as emendas impositivas,
reavendo o equilíbrio institucional e evitando o desvirtuamento do orçamento
público em favor de interesses políticos particulares.
A
delação de 2017, a remessa dos autos em 2025 e a explosão da campanha
“Congresso da Mamata” nas redes reiteram que é chegada a hora de confrontar
práticas nocivas e restabelecer a integridade democrática na gestão do dinheiro
público.
O STF
não pode permanecer em silêncio.
• Emendas parlamentares atendem a
"interesses particulares" e "objetivos eleitorais", aponta
estudo do Ipea
Um
levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que as
emendas parlamentares, utilizadas por deputados e senadores para direcionar
recursos públicos, não apresentam conexão clara com políticas públicas
estruturadas. A principal função desses repasses, segundo o instituto, tem sido
garantir apoio eleitoral em determinadas regiões, servindo a interesses
individuais dos parlamentares.
Segundo
a Folha de S. Paulo, a informação está baseada em um estudo solicitado pelo
deputado federal Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ). A pesquisa surge no
contexto de tensão entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal
(STF), em meio a debates sobre a legalidade e a transparência do chamado
"orçamento secreto", mecanismo que ampliou o uso político das emendas
a partir dos últimos anos.
De
acordo com a análise do Ipea, há “evidência robusta” de que as emendas
influenciam diretamente o comportamento eleitoral, beneficiando parlamentares
que controlam a liberação de verbas públicas em seus redutos. No entanto, o
estudo destaca que essas emendas não estão vinculadas a áreas específicas da
política pública, como saúde, educação ou infraestrutura, o que compromete sua
efetividade como instrumento de planejamento e desenvolvimento.
“O que
se observa é o uso das emendas como uma forma de atender interesses
particulares dos parlamentares, com foco no retorno eleitoral”, aponta o
estudo. Tal constatação reforça críticas já recorrentes sobre o uso
clientelista dos recursos públicos, muitas vezes alocados de maneira
discricionária, sem critérios técnicos ou planejamento estratégico.
O
debate sobre a função das emendas parlamentares ganhou força desde que o
“orçamento secreto” — nome informal dado às emendas de relator (RP9) — veio à
tona, revelando a falta de transparência na distribuição de recursos e
favorecimento político em detrimento da gestão pública baseada em evidências.
A
conclusão do estudo do Ipea pode impulsionar novas discussões sobre a
reformulação do sistema orçamentário brasileiro, pressionando por mais
controle, transparência e critérios técnicos na destinação de verbas via
emendas parlamentares. A expectativa é de que o relatório fortaleça iniciativas
que visam coibir o uso eleitoral desses recursos e contribuir para uma melhor
governança pública.
Fonte:
Por Sérgio Botton Barcellos, em Racismo Ambiental/Brasil 247

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