terça-feira, 8 de julho de 2025

A campanha “Congresso inimigo do povo!”/“Congresso da mamata!”: possibilidades e questões ao debate

Quem ainda não viu a campanha “Congresso inimigo do povo!” e as redes sociais inundadas de vídeos, montagens com “Hugo Não se Importa” e “Hugo Mamata” relativas ao presidente Hugo Motta. O apelido dele pelos corredores do Congresso recentemente era “bebê reborn do Lira”.

E a campanha tem início a partir da revogação do decreto do governo sobre IOF, de uma forma considerada “sorrateira”, pois Hugo Motta em meio ao São João e beber Whisky no gargalo vai às pressas para Brasília, comandar a sessão e fazer essa votação do PDL que sustou os efeitos do Decreto.

Enquanto a gente tenta pagar o arroz, a feira, a carne, o aluguel e o transporte, deputados(as) e senadores(as) estão ocupados(as) muitas vezes aprovando leis que beneficiam bancos, grandes empresários, ruralistas e setores religiosos conservadores. Só em 2023 e 2024, o Congresso tentou empurrar projetos que flexibilizam o uso de agrotóxicos, atacam direitos indígenas, dificultam o acesso ao aborto legal e sabotam a educação pública. Sobretudo com a justificativa de “crescimento econômico” ou “valores da família”.

É como se a gente pedisse a um encanador para arrumar um vazamento, e ele decidisse demolir a casa. E pior: com o nosso dinheiro. Esses(as) parlamentares(as) são pagos com o nosso imposto, mas trabalham como se fossem só representantes de bancos, latifundiários e lobbies empresariais, com exceções.

A campanha “Congresso inimigo do povo!”, encabeçada por movimentos sociais, redes de mídia alternativa que têm vínculo maior ou menor com setores governistas, do PT e Guilherme Boulos, denuncia justamente isso: que o Congresso se tornou um espaço onde o povo só entra como estatística. Onde a representatividade real é engolida pelo “centrão” — esse bloco que negocia apoio político em troca de cargos, verbas e emendas, sem compromisso em geral com pautas coletivas, que não sejam dos seus próprios interesses corporativos.

Sim, a campanha é uma ação legítima de um grupo político. E meritória no sentido de promover o debate público. Se por acaso ocorrerem manifestações de rua com certeza participarei. Considera-se que um dos principais méritos foi o “recibaço” passado no Jornal Nacional dia 03/07/2025, no qual a própria Globo apoiando o Centrão pede parcimônia à sociedade. Além disso, destaca-se a propulsão e o engajamento que a campanha ganhou nas redes sociais, coisa que as forças progressistas e de esquerda estavam com dificuldades de conseguir há algum tempo.

No entanto, não se pode estar desatento ou ser espontaneísta para não prestar atenção aos interesses de quem quer dirigir e hegemonizar esse processo de mobilização social.

Cabe perguntar: Por que a campanha “Congresso inimigo do povo!” não começou antes, considerando que o Congresso já vem há algum tempo votando medidas antipopulares? A mamata estava ocorrendo desde antes; por que agora a mamata seria pior que antes?

Alguns fatores precisam ser considerados, até para não entrarmos de “gaiato no navio”, como diria o “Melô do Marinheiro” do Paralamas do Sucesso. Cabe trazer à tona alguns aspectos factuais, para que consigamos ver a campanha como ela é em sua totalidade. Isto é, com suas possibilidades, limites e contradições.

A questão do IOF que gerou toda essa campanha é uma medida associada ao déficit zero imposto pelo próprio governo ao seu arcabouço fiscal que atende interesses do mercado financeiro para o pagamento de rentistas que têm partes da dívida pública. Dívida essa que consome boa parte do PIB. Ou seja, arrecadar mais no IOF não vai ser o fator que vai diminuir a desigualdade social que nos assola e nem a questão da injustiça fiscal.

O presidente Lula sancionou em dezembro de 2024 a lei que limita o reajuste do salário mínimo a 2,5% acima da inflação de 2025 a 2030. A medida faz parte do pacote de corte de gastos obrigatórios, proposto pelo governo federal e aprovado pelo Congresso Nacional com o objetivo de regular o reajuste do salário-mínimo aos limites definidos pelo novo arcabouço fiscal. Ou seja, para o(a) trabalhador(a), limite e fiscalização; para os rentistas e os ricos, o limite é o máximo de lucro e lei segue quando convém.

A reforma fiscal aprovada no Congresso e capitaneada pelo ministro da fazenda, Fernando Hadadd, manteve a cobrança de impostos, aliás que será a maior taxa do mundo, com a premissa da manutenção da carga tributária total sobre o consumo. O que pega em cheio ainda quem recebe entre 0 e 3 salários mínimos.

Outro aspecto. Quero “morder a língua” e estar enganado (desta vez), mas um clássico da galera lulista é fazer acordão a portas fechadas e depois deixar a base mobilizada com o “pincel na mão”. Desse modo, a tendência é que o governo Lula 3 siga com as medidas de austeridade econômica, com cortes na educação, saúde e em políticas sociais, bem como aumente os repasses de verba pública para a iniciativa privada. Assim, logo haverá um acórdão e a relação entre executivo e Congresso se ajustará, no máximo até o final do mês de julho. No entanto, a campanha e a narrativa de “ricos X pobres” continuará, devido ao seu potencial de mobilização, até as eleições de 2026. Afinal, a ideia é que se deve criar o imaginário de que, no próximo governo Lula 4, ele terá feições mais populares e por isso deve ser reeleito diante da ameaça da volta da extrema-direita com a iminente candidatura do protofascista Tarcísio de Freitas.

O orçamento secreto foi rebatizado, mas segue em operação entre legislativo e executivo. E tem também a questão das “remendas parlamentares” com a participação da SRI de Gleisi Hoffmann e do Ministério da Saúde de Alexandre Padilha. E as medidas de enfrentamento à fome, à desigualdade e à promoção do repasse de imensos montantes de verba pública para o setor privado estão longe de representar uma ruptura com a manutenção da desigualdade social e com o fim das mamatas para os mais ricos.

Isto é, mesmo que seja louvável a iniciativa da campanha, o PT e o governo Lula 3 também têm responsabilidade em relação às atitudes do bloco hegemônico que domina o Congresso (direita e extrema-direita, pois centrão é a direita). Mesmo a campanha denunciando os retrocessos do Congresso, o governo mantém e quer ainda alianças com esse mesmo centrão que aprova medidas antipopulares desde o primeiro ano do governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, segue influente, sendo contemplado com ministérios, cargos, emendas e acordos. E o Palácio do Planalto, em vez de confrontar a base conservadora, frequentemente a acomoda — com cargos, omissões, silêncios, recuos e alianças.

Portanto, o governo cedeu espaços estratégicos à direita e ao centrão no governo, os mesmos da mamata, preferindo manter a “governabilidade” mesmo que isso custe retrocessos sociais. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que denuncia o Congresso como inimigo, o governo negocia com ele como se fosse um aliado tático — e isso confunde, desmobiliza, despolitiza e desgasta a base social da esquerda.

É como fazer propaganda de Bet, mas pedir responsabilidade na hora de jogar. O governo Lula 3, ao não romper com esses tipos de práticas que configuram a sua governabilidade, enfraquece a própria força transformadora da campanha “Congresso inimigo do povo!”. Fica difícil convencer que o Congresso é um entrave se ministros(as) e o presidente estão sentados à mesa com os(as) “mamateiros(as)” em reuniões e jantares que não constam na agenda oficial e selando acordos dia sim, dia sim e às vezes com alguns desentendimentos.

Quando dizemos “Congresso inimigo do povo”, não estamos atacando a democracia. Pelo contrário. Estamos dizendo que democracia sem povo dentro, sem povo no comando, é fachada. É como um ônibus com ar-condicionado, mas sem motorista e sem freio — bonito por dentro, mas indo rumo a um acidente.

Essa campanha tem potencial de um grito coletivo por renovação, por responsabilidade e por representatividade da população injustiçada. É um desabafo contra um bloco que manda e desmanda no legislativo brasileiro e que barra pautas populares, mutila políticas públicas e coopta recursos e cargos para interesses privados.

Mas também é, sem rodeios, uma preparação para a eleição presidencial de 2026. E isso tem e terá muito a ver com a nossa vida. E quem de fato quer acabar com a mamata no Congresso, no executivo e no judiciário e quer combater a desigualdade social deve exigir centralidade na coordenação e nas decisões sobre a campanha. Precisa-se cobrar coerência e compromisso com as pautas populares, bem como enfrentar as suas próprias contradições.

Se o governo e o PT querem se dizer do lado do povo, precisam escolher um lado efetivamente. E se o povo é usado no discurso, mas não como sujeito, a campanha vira só retórica. Ou pior: vira ilusão eleitoral para 2026 e a busca de adesão para algo já definido, sem a participação efetiva e a politização do processo com a participação das pessoas.

•        "Congresso da Mamata" e o silêncio do STF diante da delação de que Hugo Motta recebeu 10% de propina. Por Joaquim de Carvalho

Em depoimento prestado em 2017, o empresário José Aloysio Machado da Costa Neto confessou que adquiriu contratos por meio da emenda do deputado Hugo Motta e que houve cobrança de uma propina de 10%, ou cerca de R$ 78 mil, sobre um contrato de aproximadamente R$ 780 mil para recapeamento de ruas no município de Malta (PB) .

O material da colaboração premiada foi anexado à sentença da Justiça Federal da Paraíba em 27 de fevereiro de 2025, mas só foi encaminhado ao STF posteriormente — sem homologação até o momento e sem que haja inquérito aberto formalmente contra o parlamentar, mesmo com o caso tramitando no Supremo .

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Apesar da seriedade da acusação, o caso permanece parado no STF. Não houve designação de relator, não foi homologada a colaboração e tampouco houve abertura de inquérito contra Hugo Motta. Assim, nenhuma etapa processual efetiva foi iniciada no Supremo.

Isso sustenta a percepção de impunidade associada ao foro privilegiado e à morosidade judicial. O caso permanece adormecido, sem qualquer avanço oficial.

A delação voltou à tona em momento em que explodiu na rede social a hashtag “Congresso da Mamata” — movimento que viralizou após a derrubada de nova alíquota do IOF para movimentações específicas em 25 de junho pelo Parlamento.

Aliado à extrema direita, o chamado Centrão, grupo parlamentar do qual Motta faz parte, quer forçar o governo a cortar gastos, mas sem reduzir o valor das emendas, o que, consequentemente, resultaria em menos verbas para programas sociais.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, passou a ser símbolo desse movimento da redes: aparece como “Hugo traidor” ou “Hugo nem-se-importa”, personificando as críticas de que o Legislativo estaria agindo em favor dos interesses privados e contra o povo.

A campanha “Congresso da Mamata” — que somou mais de 824 mil menções no X e outras redes entre 23 de junho e 4 de julho — reforça a insatisfação popular com o formato de atuação parlamentar.

Esse caso evidencia a distorção do modelo de gestão pública que admite as emendas impositivas. Para juristas como Walfrido Warde, são inconstitucionais por invadirem competência exclusiva do Executivo.

E servem como meio de pressão política — e de corrupção. Ao torná-las obrigatórias, o Legislativo passa a comandar o orçamento, ignorando critérios técnicos e abrindo espaço para práticas como a denunciada “comissão” de 10%.

Assim, reforça-se a necessidade de rediscutir e limitar as emendas impositivas, reavendo o equilíbrio institucional e evitando o desvirtuamento do orçamento público em favor de interesses políticos particulares.

A delação de 2017, a remessa dos autos em 2025 e a explosão da campanha “Congresso da Mamata” nas redes reiteram que é chegada a hora de confrontar práticas nocivas e restabelecer a integridade democrática na gestão do dinheiro público.

O STF não pode permanecer em silêncio.

•        Emendas parlamentares atendem a "interesses particulares" e "objetivos eleitorais", aponta estudo do Ipea

Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que as emendas parlamentares, utilizadas por deputados e senadores para direcionar recursos públicos, não apresentam conexão clara com políticas públicas estruturadas. A principal função desses repasses, segundo o instituto, tem sido garantir apoio eleitoral em determinadas regiões, servindo a interesses individuais dos parlamentares.

Segundo a Folha de S. Paulo, a informação está baseada em um estudo solicitado pelo deputado federal Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ). A pesquisa surge no contexto de tensão entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), em meio a debates sobre a legalidade e a transparência do chamado "orçamento secreto", mecanismo que ampliou o uso político das emendas a partir dos últimos anos.

De acordo com a análise do Ipea, há “evidência robusta” de que as emendas influenciam diretamente o comportamento eleitoral, beneficiando parlamentares que controlam a liberação de verbas públicas em seus redutos. No entanto, o estudo destaca que essas emendas não estão vinculadas a áreas específicas da política pública, como saúde, educação ou infraestrutura, o que compromete sua efetividade como instrumento de planejamento e desenvolvimento.

“O que se observa é o uso das emendas como uma forma de atender interesses particulares dos parlamentares, com foco no retorno eleitoral”, aponta o estudo. Tal constatação reforça críticas já recorrentes sobre o uso clientelista dos recursos públicos, muitas vezes alocados de maneira discricionária, sem critérios técnicos ou planejamento estratégico.

O debate sobre a função das emendas parlamentares ganhou força desde que o “orçamento secreto” — nome informal dado às emendas de relator (RP9) — veio à tona, revelando a falta de transparência na distribuição de recursos e favorecimento político em detrimento da gestão pública baseada em evidências.

A conclusão do estudo do Ipea pode impulsionar novas discussões sobre a reformulação do sistema orçamentário brasileiro, pressionando por mais controle, transparência e critérios técnicos na destinação de verbas via emendas parlamentares. A expectativa é de que o relatório fortaleça iniciativas que visam coibir o uso eleitoral desses recursos e contribuir para uma melhor governança pública.

 

Fonte: Por Sérgio Botton Barcellos, em Racismo Ambiental/Brasil 247

 

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