quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Como presidente da Câmara se fortalece na polarização entre Bolsonaro e Lula

O novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), surpreendeu o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com falas simpáticas a pautas bolsonaristas dias após ser eleito com amplo apoio da base do governo e da oposição.

Após evitar se posicionar sobre temas que dividem os dois lados, ele rechaçou os ataques do 8 de janeiro de 2023, mas disse que não considerava a invasão dos edifícios dos Três Poderes em Brasília como um golpe de Estado e criticou supostas penas excessivas dos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

As falas, em entrevista a uma rádio da Paraíba no dia 7 de fevereiro, incomodaram o Palácio do Planalto e deixaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados mais animados sobre a possibilidade de aprovar no Congresso uma controversa anistia para os envolvidos nos ataques às instituições democráticas.

Isso poderia, em tese, favorecer o próprio Bolsonaro, que foi indiciado pela Polícia Federal como mentor do suposto golpe e enfrenta a ameaça de um processo criminal. O ex-presidente nega qualquer crime.

Na mesma entrevista, Motta deixou a votação da proposta em aberto: "Não posso chegar aqui e dizer que vou pautar a anistia semana que vem, ou não vamos pautar. Será um tema que vamos analisando, digerindo".

Apesar dessas declarações, a probabilidade de a proposta de anistia ir à votação ainda é considerada baixa por cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

Os motivos, avaliam, é a oposição do governo e do STF, além da falta de apoio popular.

Pesquisa Datafolha do final de 2024 apontou que 62% da população são contra a proposta, enquanto 33% é a favor, e o restante não opinou.

Ambos também não veem os recentes gestos de Motta à base bolsonarista como um sinal de que ele escolheu o lado do ex-presidente e se afastou do Palácio do Planalto.

Na verdade, os especialistas ouvidos avaliam que Motta — um político de apenas 35 anos, mas já no seu quarto mandato de deputado — tem se equilibrado entre os dois campos.

Eles citam como gestos à esquerda seu discurso de posse com enfática defesa da democracia — em que fez referência ao filme Ainda Estou Aqui, sobre o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva pela ditadura militar — e o encontro com Lula no Palácio do Planalto logo após sua eleição para comandar a Câmara, junto com Davi Alcolumbre (União-AP), novo presidente do Senado.

Os dois voltaram a se reunir com o presidente na residência da Granja do Torto, na noite de 12 de fevereiro.

"Foi uma conversa amistosa, falamos um pouco sobre economia. Combinamos de ficar sempre conversando a partir de agora", disse Motta a jornalistas no dia seguinte, sem detalhar a conversa.

O encontro ocorreu em meio a discussões sobre um possível reforma ministerial para acomodar mais indicações do Centrão — classificação que abarca partidos predominantemente conservadores, mas que costumam apoiar governos de diferentes tendências políticas em troca de cargos e acesso a verbas públicas.

As negociações acontecem em um momento de fragilidade do governo, com a popularidade de Lula em queda acentuada.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira (14/2), a aprovação do presidente recuou de 35% para 24% em dois meses, pior nível já registrado pelo petista em todos os seus mandatos. A reprovação também é recorde, subindo de 34% a 41%.

Para Creomar de Souza, da consultoria Dharma, a postura de Motta, de manter um diálogo aberto com o governo enquanto faz acenos para o bolsonarismo é uma estratégia para se fortalecer em meio à polarização.

"A impressão dos primeiros dias do Hugo Motta é que ele vem com um pé em cada canoa, o que significa dizer que ele tá com o pé na canoa dele", nota o analista.

"Vemos de maneira muito clara uma continuidade dessa tentativa de atores do Centrão de se utilizarem de instrumentos de polarização para defenderem suas próprias agendas", continua.

"E quais são essas agendas? A manutenção das emendas orçamentárias e dessa espécie de consórcio [de partidos do Centrão] que, sob a mentoria intelectual do Eduardo Cunha, mantém controle da Câmara dos Deputados, praticamente durante toda a última década", diz ainda, em referência ao ex-presidente da Câmara que ampliou a autonomia da Casa em relação ao governo e autorizou o início do processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff em 2016.

O cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Consultoria, também considera que Motta "está tentando se posicionar como um cara que flutua entre todos os campos políticos".

Quanto às falas de Motta sobre o 8 de janeiro, Aragão lembra que outra pesquisa Datafolha, de março de 2024, mostrou que 65% da população consideram que aqueles ataques foram vandalismo e que apenas 30% avaliaram os atos como uma tentativa de golpe.

Ou seja, ressalta o analista, Motta se alinhou à opinião pública majoritária, mas isso não significa que vai articular politicamente para votar e aprovar uma anistia.

"Ele mostrou disposição em falar de temas sensíveis, como a anistia, mas ele joga a responsabilidade por construir o consenso [para aprovação] para quem tem interesse no tema", ressalta Aragão.

Outro exemplo disso, acrescenta o cientista político, foi a fala de Motta à emissora CNN Brasil na semana passada, quando o deputado se alinhou a críticas ao prazo de oito anos de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa, que classificou de "um tempo extenso".

Nesta frente, aliados de Bolsonaro tentam articular a redução do prazo para dois anos, o que liberaria o ex-presidente — hoje inelegível devido a uma condenação no Tribunal Superior Eleitoral — a concorrer na eleição de 2026.

Motta, porém, também não manifestou um compromisso imediato com a apreciação da pauta.

Disse na mesma entrevista que não havia dialogado ainda com os líderes dos partidos na Câmara "para sentir o ambiente sobre a necessidade ou não de uma mudança na Lei da Ficha Limpa".

Para Aragão, alterar a Ficha Lima não é algo simples, pois a medida costuma ser vista como uma agenda a favor de corruptos, gerando reação da sociedade.

Além do equilíbrio entre as principais forças políticas, Aragão diz que Motta também chamou atenção nos primeiros dias da sua gestão com uma comunicação forte nas redes sociais, em que aproveita o comando da Câmara para se tornar mais conhecido nacionalmente.

Com assessoria do publicitário Chico Zaidan Mendez, adotou uma linguagem leve e dinâmica nas suas contas, com mensagens didáticas sobre o funcionamento da Câmara, focadas em um público menos especializado em política.

No primeiro vídeo após a eleição, que soma mais de 600 mil visualizações no seu Instagram, ele explica como "a direita e a esquerda caminharam juntas na eleição da Câmara" e brinca com a ideia de um novo buscador de informações, o Hoogle, um trocadilho entre seu nome e o Google.

"Não me lembro de um presidente da Câmara que tenha utilizado as redes sociais de maneira tão direta", nota Aragão, destacando que Motta é um político jovem, de 35 anos.

"Se ele conseguir criar essa linha de comunicação direta [com a população], isso fortalece não só ele com a base de voto dele na Paraíba, mas ele com o Congresso. O que eleva a autonomia dele, seu capital político."

Sem votos para aprovar anistia, bolsonaristas tentam humanizar pauta

Nome importante do bolsonarismo na Câmara, a deputada Bia Kicis (PL-DF), disse à reportagem que a pauta prioritária do grupo é a anistia.

No entanto, ela reconhece que não há previsão para votação da proposta, nem votos para aprová-la no momento.

"Vamos votar quando a gente tiver certeza da vitória", afirmou Kicis.

"Estamos trabalhando [para isso]. Eu acho que essa pauta traz muito apelo. Muita gente que não é apoiador do Bolsonaro, mas que apoia uma anistia humanitária."

A deputada também celebra as declarações de Motta a respeito do assunto.

"Recebemos com bastante confiança a fala dele, uma fala equilibrada. Uma fala de alguém que não é do núcleo do Bolsonaro", reforçou.

A reportagem conversou com a deputada após uma coletiva promovida no Congresso pela base bolsonarista com Vanessa Vieira, esposa de Ezequiel Ferreira Luís, condenado a 14 anos de prisão por participação no 8 de janeiro, acusado de crimes como golpe de Estado e associação criminosa armada.

Com o marido foragido, Vieira compareceu à Câmara com seis filhos, alegou que seu marido foi condenado sem provas e pediu "misericórdia" a Hugo Motta, que depois a recebeu em seu gabinete, em reunião fechada.

Para Creomar de Souza, a possibilidade de a anistia entrar em votação dependerá da evolução da aprovação do governo Lula.

"Uma eventual votação da anistia no Congresso tem muito mais a ver com a capacidade que o governo terá de reverter a tendência de queda de popularidade e das percepções econômicas [negativas da população] do que pela força que o bolsonarismo efetivamente tem de colocar a pauta para aprovação."

'Mandato de Motta vai ser um no cravo, outro na ferradura'

Apesar do desconforto dentro do Palácio do Planalto e do PT com as falas iniciais de Motta, a base governista tem minimizado o impacto das declarações.

Para o secretário de Comunicação do PT, o deputado federal Jilmar Tatto (SP), é preciso esperar para ver como ele vai agir na prática na condução da Casa.

Os trabalhos na Casa só devem ganhar mais fôlego depois do Carnaval, quando as comissões temáticas serão instaladas, após a negociação entre os partidos.

"O mandato do presidente Hugo Motta vai ser um no cravo, outro na ferradura. Ele ora vai agradar à esquerda, ora vai agradar à direita", disse Tatto à BBC News Brasil.

"Ele fez uma declaração infeliz sobre o 8 de janeiro. Temos que ver qual vai ser o conteúdo [da sua gestão]. Independente das falas dele, é o comportamento dele como presidente da Câmara [que importa]."

O governo apresentou ao Senado e à Câmara suas prioridades para os próximos dois anos no Congresso, dando especial ênfase à proposta de isentar o Imposto de Renda até R$ 5 mil e elevar o imposto sobre rendas de mais de R$ 50 mil.

"Queremos que seja aprovada ainda este ano para que esteja valendo já em 2026", disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a jornalistas, após se reunir com Motta na quinta-feira passada (12/02)

A reforma do Imposto de Renda, porém, ainda não foi enviada ao Congresso, já que o Ministério da Fazenda ainda fecha os detalhes da proposta, para garantir que a arrecadação maior sobre os mais ricos vai cobrir integralmente a desoneração dos que ganham até R$ 5 mil.

A avaliação é que não há espaço fiscal para o governo abrir mão de receitas sem que haja aumento da dívida pública, algo que pode pressionar a cotação do dólar, a inflação e os juros no país.

Motta já deu declarações favoráveis à proposta, mas também tem criticado o governo por aumentar impostos, cobrando mais cortes de gastos.

"Não conheço o que o ministro vai nos trazer", disse Motta na semana passada antes de se reunir com Haddad.

"O projeto da isenção do Imposto de Renda é um projeto simpático. Quem é que não gostaria de aprovar um projeto que ajuda as pessoas que têm uma faixa de renda menor, que é a larga maioria da população brasileira?", comentou.

"Mas temos que ter muito equilíbrio para que uma medida como essa não venha a ter um efeito ruim do ponto de vista econômico, já que temos hoje uma alta taxa de juros, o dólar chegando a níveis máximos, e isso traz efeito no que diz respeito à inflação."

¨      PEC da Blindagem é escárnio com a população e evidencia espírito corporativo do Congresso

Em um momento em que o Brasil enfrenta desafios econômicos e sociais urgentes, como a alta no preço dos alimentos, a crise na saúde e os problemas de segurança pública, o Congresso Nacional escolhe dar prioridade a um tema que não interessa à população: a própria proteção contra investigações criminais.

A chamada "PEC da Blindagem" é uma proposta ainda informal, sem pontos definidos. Mas serviria para limitar ações policiais contra parlamentares e restringir buscas no Congresso.

A discussão, já ventilada em outros momentos, ressurge em resposta direta às recentes operações da Polícia Federal, que miram o desvio de recursos de emendas parlamentares e trouxeram à tona um esquema de corrupção que envolvia até celulares escondidos em forros e dinheiro guardado em buracos secretos.

A proposta de emenda à Constituição preveria, por exemplo, que, caso haja um pedido de prisão contra parlamentares em exercício, eles ficariam detidos dentro das dependências do Congresso, criando uma espécie de "área de confinamento" para deputados e senadores acusados de crimes.

Congressistas também falam em eventual autorização das direções de Senado e Câmara para operações serem feitas no parlamento.

Na prática, a medida impediria que investigações avançassem de forma efetiva e dificultaria a aplicação de punições concretas. Isso ocorre em um contexto onde já existe um Conselho de Ética que opera de forma lenta e raramente impõe penalidades significativas a parlamentares envolvidos em escândalos.

O Congresso deveria estar preocupado em debater soluções para o país, como maneiras de aliviar o custo de vida da população e fortalecer o combate à corrupção.

No entanto, o foco parece ser, mais uma vez, a autopreservação. Com as recentes investigações envolvendo assessores e gabinetes, e com a perspectiva de que novas apurações sobre emendas parlamentares avancem, o Parlamento se mobiliza para criar barreiras e dificultar punições.

A proposta, se aprovada, representaria um retrocesso e um claro desrespeito à expectativa da sociedade, que deseja ver políticos sendo responsabilizados por seus atos, e não protegidos por mecanismos criados sob medida para garantir impunidade.

O avanço dessa PEC só reforça o espírito de corpo do Congresso, colocando os interesses dos parlamentares acima dos anseios da população.

¨      Enquanto vota projetos de menor repercussão, Câmara discute nos bastidores emendas, reforma ministerial e anistia

Nestes primeiros dias do ano Legislativo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu votar projetos de consenso e sem polêmica. É a chamada pauta "light". Mas essa atitude não mostra o que realmente importa para os deputados e está sendo discutido nos bastidores:

·        liberação das emendas parlamentares nos moldes defendidos pelo Congresso

·        comando dos ministérios

·        disputa pelas comissões temáticas na Câmara

·        anistia aos golpistas do 8 de janeiro

Esses temas devem aparecer nas discussões públicas depois do Carnaval, segundo líderes partidários. Até lá, o ritmo do Congresso seguirá morno.

Emendas para 2025

O Orçamento deveria ter sido votado no final do ano passado, mas os parlamentares estavam (e continuam) insatisfeitos com o ritmo de liberação das emendas, o que travou o acordo para a análise do projeto.

Líderes da oposição e mesmo da base governista afirmam que não há disposição em suas bancadas partidárias para tratar de projetos de maior impacto enquanto não ficar claro como será o ritmo de pagamento de emendas.

“Temos que sentar e conversar com Dino [Flávio Dino ministro do STF]. Uma coisa [votar o Orçamento] está atrelada à outra [emendas]”, afirmou o deputado e líder do Republicano Gilberto Abramo (MG).

Outro ponto que incomoda sobre as emendas são as regras impostas por Dino. Parlamentares dizem concordar com a “transparência” na indicação e execução das verbas, mas querem um “ajuste fino” nas determinações do ministro.

<><> Reforma ministerial

Neste início de ano, mais um ingrediente entrou na conta para a votação do Orçamento: a reforma ministerial do governo Lula, que promete abrir mais espaço para partidos de centro na Esplanada, mas que ainda não saiu do papel.

O tema da reforma ministerial tem sido colocado em debate por presidentes e líderes de partido sedentos por maior representatividade no governo.

A bancada do PSD na Câmara quer trocar o Ministério da Pesca por uma pasta de mais expressão e orçamento. Uma pasta cobiçada pelo grupo é a do Turismo, que está nas mãos do União Brasil. O partido, por sua vez, já manifestou a vontade de manter o comando do ministério, chefiado por Celso Sabino.

O PDT e o PSB também cobram mais espaço no governo sob argumento de fidelidade nas votações.

As discussões têm mobilizado os parlamentares. Na semana passada, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, participou de um jantar com deputados do PDT.

<><> Comissões

Outra discussão que tem movimentado os bastidores da Câmara é a definição sobre as presidências das comissões temáticas.

A mais importante delas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é cobiçada por União Brasil e MDB, que tinham a expectativa de assumir o colegiado por conta de um acordo fechado ainda durante a gestão de Arthur Lira (PP-AL). Mas o PL não quer abrir mão do seu direito à CCJ por ter a maior bancada de deputados da Câmara.

Segundo o líder do partido na Casa, Sóstenes Cavalcante (SP), o PL só abrirá mão de presidir o colegiado se receber uma contrapartida a altura. “Nossos gestos já se esgotaram", disse.

A bancada do PL também tem conflitos internos. Os deputados mais à direita da sigla buscam o comando de comissões consideradas mais ideológicas ou mais alinhadas aos interesses do grupo, como a Comissão de Relações Exteriores.

O PSD quer as comissões de Turismo e Minas e Energia. O PDT avalia que ficará com a Comissão de Indústria.

Os partidos, no entanto, ainda aguardam as definições de PL e PT. Por terem as maiores bancadas, as duas siglas podem escolher as primeiras comissões é só então os demais devem definir as pedidas.

“Enquanto PL e PT não se ajustarem lá em cima, é difícil a gente se ajustar lá embaixo”, afirmou Abramo. O Republicanos, por enquanto, tem o interesse de manter as comissões de Comunicação e Viação e Transporte, mas pode reivindicar outro a posto e depender dos acordos costurados entre as legendas.

Anistia aos golpistas

Sobre o tema, o impasse persiste. O PL articula formas de o projeto ser mais palatável a mais deputados e, assim, angariar votos suficientes para sua aprovação.

A opção analisada no momento é buscar a anistia aos presos do 8 de janeiro pelos três principais crimes a que foram acusados (associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado), mas mantendo as condenações por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, cujas penas são apenas de detenção, não de prisão.

A oposição insiste que nunca será possível estabelecer um acordo na Casa para votação da pauta e que, por isso, o projeto deve ir ao plenário e ser decidido no voto.

A base governista resiste à ideia e é contrária a qualquer possibilidade de o projeto sequer entrar em votação.

 

Fonte: BBC News Brasil/g1

 

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