China corteja adesão do Brasil à Nova Rota
da Seda e deixa o país em posição de vantagem
À Sputnik Brasil,
analistas afirmam que o grande interesse de Pequim em integrar o Brasil à
iniciativa pode ser um instrumento de barganha de investimentos, e que a adesão
deve vir com uma "lista de exigências" para evitar que o país fique
em uma posição subalterna de mero "chão de fábrica".
Lançada em 2013, a
iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda engloba 150 países e tem como objetivo
não apenas ampliar o poder econômico da China, mas também a influência
geopolítica do país.
Neste mês, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que seu governo elabora uma
proposta para aderir à Nova Rota da Seda, que tem forte rejeição da Europa e
dos Estados Unidos, a quem Pequim acusa de difundir desinformação no intuito de
minar a iniciativa.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, especialistas analisam por que o Brasil levou tanto tempo para
iniciar as tratativas para integrar a iniciativa e como ela pode beneficiar o
país.
Alexandre Coelho,
professor de relações internacionais na Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (FESPSP) e coordenador do Núcleo de Geopolítica da
Observa China, afirma que, para integrar a Nova Rota da Seda, o Brasil terá o
importante desafio de manter uma política externa equilibrada,
"aproveitando a cooperação com múltiplos parceiros para maximizar seus
benefícios econômicos sem se alinhar exclusivamente a um bloco".
Segundo ele, esse
equilíbrio é necessário porque a iniciativa chinesa tem forte rejeição dos EUA
e de países europeus.
"A adesão do
Brasil à Nova Rota da Seda pode, de fato, criar desafios diplomáticos,
especialmente com os EUA e países europeus que têm expressado preocupações
sobre a crescente influência chinesa. A participação na iniciativa pode ser
vista como um alinhamento mais próximo com a China, potencialmente impactando
as relações do Brasil com esses parceiros ocidentais", explica o
especialista.
Ele acrescenta que o
momento histórico pede cautela, pois o mundo vive um período muito instável do
ponto de vista geopolítico, no qual as relações entre Washington e Pequim estão
muito tensas.
Questionado se — nesse
contexto de instabilidade global, a escalada de tensão entre Argentina e China,
alimentada pelo governo do presidente argentino — Javier Milei também poderia
beneficiar o Brasil, Coelho afirma que isso ocorreria "apenas se a China
redirecionar alguns de seus investimentos ou buscar diversificar suas parcerias
na região devido a tensões ou instabilidade na Argentina".
"O Brasil pode se
tornar um destino alternativo atrativo para esses investimentos [caso ocorra
esse redirecionamento]. A estabilidade e a importância do Brasil como parceiro
econômico na região podem ser fatores decisivos nesse contexto."
Isabela Nogueira,
professora adjunta do Instituto de Economia e do Programa de Pós-Graduação em
Economia Política Internacional (PEPI) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), afirma que o interesse em integrar o Brasil à Nova Rota da Seda
parte mais da China do que do Brasil.
"Na verdade, quem
está se movimentando são os chineses. A pressão vem deles para que haja essa
adesão do Brasil à Nova Rota da Seda. Vem já há algum tempo, na verdade, e é
possível ou provável que se consolide agora, na visita de Xi Jinping ao Brasil,
por conta da reunião do G20" em novembro, afirma a especialista.
Ela destaca que hoje,
a grande ausência no memorando de entendimento da Nova Rota da Seda é a do
Brasil, do ponto de vista de países que são alinhados diplomaticamente com
Pequim.
"Para a China, do
ponto de vista do seu poder simbólico, é importante a adesão brasileira porque
isso traz um endosso, um respaldo, um reconhecimento da importância e da
validade política da Nova Rota da Seda enquanto instrumento de política externa.
Isso valida a Nova Rota da Seda enquanto seu empreendimento de política
externa."
Isabela afirma que é
muito importante ressaltar que o Brasil já "é, de longe, o maior receptor
de investimento estrangeiro direto [IED] chinês na América Latina".
"Se a gente olha
os dados do acumulado até 2022, o Brasil recebe quase metade de todo o
investimento, de todo o IED chinês, que vem aqui para a América Latina. […]
está disparado na frente dos demais membros. O México, por exemplo, recebeu só
3% no mesmo período. Então o Brasil já é um parceiro econômico prioritário para
a China, já recebe volumes expressivos de IED aqui", afirma.
·
Interesse chinês abre leque de
oportunidades de barganha ao Brasil
Alexandre Coelho
afirma que o momento para discutir a adesão do Brasil à Nova Rota da Seda se
tornou propício por conta da recente intensificação dos diálogos diplomáticos e
comerciais, incluindo visitas de alto nível e o 50º aniversário das relações
diplomáticas entre os dois países.
Ele ressalta que o
Brasil, mesmo não estando atrelado à Nova Rota da Seda, já vem "se
beneficiando enormemente dos investimentos chineses", sobretudo no setor
de geração e transmissão de energia, e considera possível que a adesão à
iniciativa possa se consolidar ainda este ano.
"Dada a
proximidade dos eventos, como a visita do presidente Xi Jinping ao Brasil para
a Cúpula do G20 em novembro e o recente aumento das relações bilaterais, é
possível que o Brasil faça um movimento concreto em direção à adesão à Nova
Rota da Seda ainda em 2024. No entanto, a decisão final dependerá de
negociações e considerações estratégicas mais amplas."
Entretanto, Coelho
enfatiza que "a adesão do Brasil, se ocorrer, deve vir combinada com
contrapartidas importantes do ponto de vista estratégico para o Brasil".
"Para tanto, o
país deve agir de forma mais ativa nas negociações junto à China para que possa
aderir à iniciativa da Nova Rota da Seda com ganhos no que se refere a
investimentos chineses, particularmente em áreas que envolvam inteligência
artificial, aeronaves brasileiras e construção de ferrovias, não só para ligar
o país ao Pacífico, mas também para dinamizar a infraestrutura ferroviária no
Brasil, que ainda é muito pequena e não atende à capacidade de produção que o
Brasil possui na área agrícola, por exemplo."
Segundo Coelho, caso
haja adesão à iniciativa, os setores mais beneficiados seriam: indústria e
tecnologia, com a colaboração em projetos de tecnologia avançada, como a
produção de veículos elétricos e o desenvolvimento de tecnologias de
informação; energia, com investimentos em energias renováveis, como solar e
eólica, aproveitando o potencial natural do Brasil; agronegócio, com acesso
ampliado ao mercado chinês para produtos agrícolas, fortalecendo o agronegócio
brasileiro; e infraestrutura e construção civil, com o desenvolvimento de
ferrovias e portos, cruciais para o desenvolvimento econômico sustentável do
Brasil, além de outras infraestruturas críticas.
Ademais, ele afirma
que a adesão à Nova Rota da Seda pode expandir as exportações brasileiras,
facilitando o acesso ao mercado chinês para produtos como carne, café, frutas e
produtos de maior valor agregado como aviões e também o acesso a outros mercados
participantes da iniciativa, "potencializando as exportações brasileiras,
especialmente de produtos agrícolas e minerais". Outro setor beneficiado
seria o de educação e pesquisa, com cooperação em programas de intercâmbio
acadêmico e desenvolvimento de capacidades.
Isabela Nogueira, por
sua vez, afirma ser importante que a adesão do Brasil venha acompanhada
"de uma lista de exigências" a Pequim.
"A gente precisa
negociar bem, precisa ter acordos que incluam transferência de tecnologia
desses investimentos que estão sendo feitos, adensamento das cadeias produtivas
brasileiras, participação de empresas brasileiras no fornecimento de peças, componentes,
partes dessa indústria, que haja uma nacionalização de parte das cadeias que
estão sendo trazidas para cá, seja de painéis solares, seja de carros
elétricos, seja de trem de alta velocidade."
Ela acrescenta que
essa barganha é importante para que o Brasil "não fique em uma posição
subalterna, de mero montador de peças, mero chão de fábrica". Segundo ela,
o investimento chinês que virá com a iniciativa pode contribuir para a reindustrialização
brasileira.
"Isso precisa ser
negociado pelo governo brasileiro. É papel do governo brasileiro fazer uma
negociação competente, alinhada com a política industrial e tecnológica,
alinhada com a ideia de que a gente precisa de desenvolvimento tecnológico e
produção doméstica com tecnologias brasileiras, com firmas brasileiras
envolvidas nessa produção, que a gente não seja só um lugar de montagem, em que
a BYD se instale em Camaçari e simplesmente fique lá, brincando de Lego,
montando peças que vêm direto da China sem nenhum tipo de agregação de valor
aqui."
Ela afirma que essa
barganha é crucial para que o Brasil não reproduza a dependência que
caracterizou os investimentos feitos pelos EUA e pela Europa, que colocaram o
país em posição subalterna.
"Para que a gente
tenha efetivamente possibilidades de galgar cadeias globais de valor via
conteúdo local, via produção local, […] para que a gente não seja só montadores
de painéis solares chineses ou montadores de carros elétricos chineses", conclui.
¨ África do Sul busca UE para negociar imposto de carbono que
prejudica países do BRICS
Pretória abordará a
União Europeia para discutir seu imposto planejado sobre importações intensivas
em carbono, dizendo que isso prejudicará as economias dos países do BRICS,
relata a Bloomberg.
O Mecanismo de Ajuste
de Fronteira de Carbono (CBAM, na sigla em inglês) do bloco europeu — um
imposto sobre produtos como fertilizantes, cimento, ferro, aço e alumínio que
entram no bloco — entrará em vigor em 2026.
Embora a medida tenha
como objetivo alegado incentivar as empresas a adotarem melhores tecnologias de
energia limpa e desencorajar a produção desses produtos fora da UE, nações como
a África do Sul argumentam que ela transfere o ônus da ação climática para
regiões mais pobres.
De acordo com a mídia,
a África do Sul — que é a 14ª maior fonte de emissões de gases de efeito estufa
do mundo e cujas exportações incluem carvão — diz que o imposto pode violar as
regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que os países precisam
compartilhar a responsabilidade pelo processo de ajuste climático.
Na semana passada, em
uma reunião do BRICS, os ministros do Comércio estavam "unidos sobre a
necessidade de ter uma conversa sobre a reconsideração do CBAM", disse o
ministro do Comércio sul-africano, Parks Tau, a repórteres na Cidade do Cabo na
terça-feira (30).
"A ação
unilateral nessa frente não ajuda. Não podemos simplesmente acordar um dia e
dizer: 'OK, esses [produtos] não estão chegando porque você está prejudicando
totalmente o mundo em desenvolvimento'", disse Tau, citado pela mídia.
Para cumprir com o
novo imposto, alguns clientes europeus estão dando às empresas sul-africanas
metas para reduzir o teor de carbono nos produtos que enviam para a UE, de
acordo com a CEO da Business Leadership South Africa, Busisiwe Mavuso.
Elas estão se
mostrando difíceis de cumprir, dado que o país deriva a maior parte de sua
eletricidade do carvão, disse Mavuso, citada pela Bloomberg.
Fonte: Sputnik Brasil
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