O que Los Angeles vai fazer com sua
'cracolândia' para Olimpíada de 2028?
Visitantes do mundo
inteiro chegarão à cidade americana de Los Angeles em 2028 para acompanhar os
Jogos Olímpicos.
Em meio aos
preparativos para o evento, um dos principais desafios será solucionar a crise
de falta de moradia que faz com que a cidade tenha uma das maiores populações
em situação de rua dos Estados Unidos.
Em 2017, quando Los
Angeles foi escolhida como sede da Olimpíada de 2028, cerca de 25 mil pessoas
viviam em suas ruas.
O então prefeito, Eric
Garcetti, disse que iria reduzir esse número pela metade em cinco anos e que,
até a data do evento, a questão teria sido totalmente solucionada.
No entanto, hoje quase
30 mil pessoas vivem nas ruas da cidade. Quando incluídos aqueles em abrigos ou
moradias temporárias, o número chega a 45 mil pessoas.
Um dos locais onde a
crise é mais visível é a região conhecida como Skid Row, área de 50 quarteirões
no centro de Los Angeles onde mais de 4 mil pessoas vivem em situação de rua e
que também reúne abrigos e outros serviços para essa população.
Às vezes comparada à Cracolândia de São Paulo, a Skid Row é conhecida há décadas por ter uma das maiores
concentrações de moradores de rua dos Estados Unidos e pelo consumo de drogas
como crack e heroína a céu aberto.
Em todo o Condado de
Los Angeles, subdivisão administrativa que engloba 88 cidades — entre as quais
Inglewood e Long Beach, que também irão abrigar competições olímpicas —, mais
de 55 mil pessoas vivem nas ruas e outras 20 mil em abrigos ou moradias temporárias.
Em entrevistas à
imprensa americana durante a Olimpíada de Paris, a prefeita de Los Angeles,
Karen Bass, disse que esperava "poder usar toda a energia dos Jogos para
resolver alguns dos nossos problemas" e citou especialmente a crise de
falta de moradia.
"Queremos
garantir que todos tenham moradia, porque não queremos que o mundo venha a Los
Angeles e veja pessoas morando em nossas ruas", afirmou, sem dar detalhes
de como isso seria feito.
·
'Olimpíadas
intensificam desigualdades'
Críticos consideram
pouco provável que a cidade resolva a crise de falta de moradia até 2028.
"Toda Olimpíada
vem com essas sugestões ridículas de que todos os problemas serão solucionados,
que vão consertar isso e aquilo, e que tudo estará maravilhoso quando os Jogos
chegarem", diz à BBC News Brasil um dos integrantes da coalizão NOlympics
LA, Eric Sheehan.
"E em todas as
Olimpíadas se comprova que isso não é verdade", afirma Sheehan, cujo
movimento foi lançado em 2017 com o objetivo de impedir a realização da
Olimpíada em Los Angeles.
O temor, dizem
críticos, é que os Jogos agravem ainda mais o problema, acelerando a
gentrificação e a especulação imobiliária e prejudicando as parcelas mais
pobres e vulneráveis da população.
"As Olimpíadas
intensificam as desigualdades que já existem em uma sociedade", diz à BBC
News Brasil o cientista político Jules Boykoff, professor da Pacific
University, no Estado do Oregon, e autor de seis livros sobre os Jogos
Olímpicos.
"E as Olimpíadas
são muito duras para os moradores de rua. Quando a imprensa global chega à
cidade-sede, as autoridades não querem ser constrangidas por terem pessoas
vivendo nas ruas", afirma.
Sem solucionar o
problema a tempo, muitas cidades acabam tentando escondê-lo dos visitantes.
Edições recentes, incluindo em Paris, neste ano, e no Rio, em 2016, foram
marcadas por críticas sobre a maneira como sem-teto e moradores de áreas mais
pobres foram deslocados.
"Isso acontece em
todas as Olimpíadas. Não é um problema específico de Los Angeles, de Paris ou
do Rio de Janeiro", diz Boykoff.
·
O exemplo de 1984
Muitos citam o exemplo
da Olimpíada de 1984, também em Los Angeles. Na época, a cidade se preparava
para receber a competição pela segunda vez, após ter sido sede dos Jogos em
1932.
Assim como atualmente,
a grande população sem-teto era uma preocupação, com pelo menos 36 mil pessoas
em situação de rua no Condado de Los Angeles.
As autoridades não
queriam que os turistas ficassem com a imagem de uma cidade com ruas ocupadas
por sem-teto, mas as medidas adotadas focaram mais em esconder essa população
do que em resolver o problema da falta de habitação.
Alguns anos antes do
evento, já começaram a ser implementadas leis que proibiam morar nas ruas ou em
veículos estacionados.
Nos dias que
antecederam a cerimônia de abertura, dezenas de policiais, incluindo cerca de
30 a cavalo, foram enviados à Skid Row para dispersar os moradores de rua.
"Estamos tentando
higienizar a área", disse um capitão de polícia ao jornal Los Angeles
Times.
"Os Jogos de 1984
foram terríveis para muita gente [em Los Angeles]", afirma Sheehan, do
NOlympics. “E os Jogos de 2028 também serão."
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'Ser sem-teto não é
crime'
Nas quatro décadas
desde que Los Angeles abrigou os Jogos de 1984, o número de acampamentos de
sem-teto proliferou.
O problema se repete
em várias partes dos Estados Unidos e é resultado de fatores como falta de
habitação a preços acessíveis, desigualdade de renda, dificuldades de acesso a
tratamento de saúde mental e dependência de drogas.
Em muitas cidades
americanas é comum ver pessoas dormindo nas calçadas, dentro de carros ou em
barracas improvisadas em locais públicos.
Em alguns casos, se
recusam a ir para abrigos, mas muitas vezes não há vagas suficientes. Em Los
Angeles, segundo dados de 2023, há somente 16 mil vagas em abrigos.
Mesmo diante da crise,
as autoridades prometem que desta vez os preparativos para os Jogos não vão
incluir a expulsão de moradores de rua.
O governo da
Califórnia vem pressionando cidades a desmontar acampamentos de sem-teto,
depois que a Suprema Corte do país garantiu aos governos locais mais autoridade
para multar e prender pessoas dormindo em espaços públicos.
No entanto, o Conselho
de Supervisores do Condado de Los Angeles, órgão governante formado por cinco
membros, aprovou uma resolução afirmando que pessoas que vivem nas ruas não
serão criminalizadas, a não ser que realmente cometam algum crime.
"Ser sem-teto não
é crime", enfatizou o xerife do Condado, Robert Luna.
Neste mês, porém, a
organização de direitos humanos Human Rights Watch publicou um relatório
criticando a "criminalização cruel e ineficaz de pessoas sem moradia em
Los Angeles".
·
O plano de Los Angeles
O principal plano de
Los Angeles para enfrentar a crise é o programa Inside Safe, lançado em 2022,
que envolve transferir moradores de rua para abrigos temporários, geralmente em
quartos de hotéis, e posteriormente para moradias permanentes.
Segundo a prefeitura,
o programa já chegou a mais de 50 acampamentos de sem-teto, abrigou quase 3 mil
pessoas e transferiu mais de 600 para habitações permanentes.
"O Inside Safe é
um dos componentes de uma estratégia abrangente que já trouxe mais de 21 mil
pessoas para dentro [de moradias ou abrigos temporários] durante o primeiro ano
da prefeita no cargo", diz a prefeitura.
Desde o início do
programa, a população sem-teto diminuiu pela primeira vez em seis anos. No
entanto, quase 30% das pessoas abrigadas temporariamente acabaram voltando para
as ruas, segundo o governo municipal.
Boykoff reconhece que
as atuais medidas estão conseguindo diminuir o número de pessoas vivendo nas
ruas. No entanto, mesmo se o ritmo de queda for mantido, será insuficiente para
acabar com a crise até 2028.
"O temor é que,
então, adotem medidas mais drásticas, como as que vimos em Paris. Como colocar
os sem-teto em ônibus no meio da noite e levá-los para outras partes do
Estado", diz Boykoff.
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Epicentro da crise
No epicentro da crise,
em Skid Row, uma parceria entre o Departamento de Serviços de Saúde do Condado
de Los Angeles, a prefeitura e a comunidade local pretende oferecer moradia
permanente a 2,5 mil pessoas, equivalente a mais da metade dos moradores de rua
da área.
Estão previstas
centenas de vagas em hotéis de baixo custo, que servirão como moradia
temporária, para que as pessoas possam deixar os acampamentos nas ruas enquanto
aguardam a transição para habitações permanentes.
A iniciativa também
busca melhorar a oferta de serviços de saúde e tratamento de dependência de
drogas em Skid Row, que tem a maior taxa de mortes por overdose no condado.
Segundo balanço
divulgado em agosto, 1.975 moradores de rua de Skid Row já foram transferidos
para moradias temporárias e 990 para habitações permanentes.
De acordo com os
idealizadores, desde o início do projeto houve redução de 14% na população em
situação de rua em Skid Row e de 22% no número dos que dormem ao relento. Mas,
apesar dos avanços, ainda falta muito para transformar a região.
"Sabemos que são
necessários mais recursos para ajudar a superar as consequências de
desigualdades estruturais e sistêmicas", disse Hilda Solis, membro do
Conselho de Supervisores do Condado de Los Angeles cujo distrito inclui Skid
Row, no anúncio dos resultados.
Críticos dizem que as
medidas atuais não atacam o foco do problema, que é o alto custo da moradia em
Los Angeles.
"Quando as
pessoas não podem pagar por moradia, ficam sem-teto", afirma Sheehan.
Fonte: BBC News Brasil
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