Colesterol alto causado por mutações do DNA
está entre as doenças genéticas mais comuns
Os médicos recomendam
que o LDL, o colesterol ruim, fique sempre abaixo de 130 miligramas por
decilitro (mg/dl) de sangue. Mas algumas pessoas chegam a apresentar níveis
acima de 800 ou 1.000 mg/dl — e não há dieta ou exercício que faça esses
números baixarem.
Estamos falando dos
portadores da hipercolesterolemia familiar (também conhecida pela sigla HF),
uma doença genética mais comum do que se imagina.
"Um colesterol
tão alto por um tempo prolongado chega a antecipar em 10 ou 15 anos quadros
como angina, infarto e até morte", explica o cardiologista Raul Santos,
presidente da Sociedade Internacional de Aterosclerose.
No Brasil, estima-se
que uma a cada 300 pessoas tenha a HF. Em números absolutos, isso significa que
quase 700 mil indivíduos em nosso país carregam mutações em seu DNA que fazem o
colesterol ir às alturas.
A título de
comparação, outras doenças genéticas mais conhecidas, como a Síndrome de Down e
a hemofilia, acometem uma a cada mil ou 5 mil pessoas, respectivamente.
"Infelizmente,
detectamos menos de 1% dos pacientes com HF no Brasil. A vasta maioria nem sabe
que têm essa doença", calcula Santos, que acompanha cerca de 1.500 pessoas
com esse problema em seu laboratório no Instituto do Coração (InCor), em São
Paulo.
A boa notícia é que,
feito o diagnóstico, o tratamento correto ajuda a baixar o colesterol e
minimiza bastante o risco de um ataque cardíaco.
• Uma simples troca de letras no DNA
O LDL, sigla em inglês
para lipoproteína de baixa densidade, é uma molécula responsável por carregar
através do sangue o colesterol produzido no fígado e entregá-lo a diversas
partes do corpo.
Ao contrário do que
muita gente pensa, o colesterol é essencial à vida. É ele que garante a
integridade da membrana de nossas células e permite o bom funcionamento do
cérebro, entre muitas outras funções.
O problema é a
quantidade: o excesso de colesterol LDL na circulação provoca lesões nas
paredes dos vasos sanguíneos, dando origem a trombos e coágulos. Essas
formações, por sua vez, crescem até entupir.
O bloqueio à passagem
de sangue é o estopim para o infarto ou o acidente vascular cerebral, entre
outras repercussões.
Em indivíduos com HF,
cujo colesterol fica muito acima da média, esse processo potencialmente fatal
acontece com mais frequência e de forma antecipada.
"Na população
geral, problemas cardíacos costumam aparecer na faixa dos 50 anos em homens e
dos 65 nas mulheres. Neste grupo específico, vemos casos graves na terceira ou
quarta década de vida, algumas vezes até antes disso", compara Santos, que
também faz estudos no Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, na
capital paulista.
A literatura médica
apresenta casos de portadores de HF que sofreram infarto aos 12 anos. Há
relatos de fetos que tiveram uma parada cardiovascular ainda na barriga da mãe,
durante a gestação.
Esses eventos, ainda
bem, são bastante raros. Eles acontecem na forma homozigótica da doença, quando
o indivíduo herda genes defeituosos da mãe e do pai. Esse tipo de HF só aparece
em um a cada 1 milhão de pessoas.
A forma
heterozigótica, em que os genes com mutações vêm só do lado materno ou do
paterno, é bem mais comum entre a população. "Quando detectamos um caso,
fazemos exames em todos os familiares próximos. A cada dois parentes
analisados, um apresenta a HF", conclui Santos.
Mas, afinal, como é
possível saber quem tem colesterol alto de origem genética?
• Flagra precoce
Nos últimos anos, o
conhecimento sobre a HF evoluiu muito. E foi justamente para atualizar os
conceitos que a Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou no final de 2020
um documento com orientações sobre o diagnóstico e o tratamento da doença.
"Resultados dos
exames que mostram um colesterol LDL acima dos 190 mg/dl já justificam uma
investigação mais profunda sobre a HF", resume a cardiologista Maria
Cristina Izar, professora da Universidade Federal de São Paulo uma das autoras
da nova diretriz nacional.
Um simples exame de
sangue já é suficiente para estimar o LDL, o colesterol ruim, e levantar a
suspeita de HF — Foto: WESTEND61/Getty Images via BBC
Nessa triagem
criteriosa, o médico afasta outras doenças relacionadas ao aumento do
colesterol, procura por mais sintomas sugestivos do quadro (como alterações na
pele e nos olhos) e pode até pedir um teste genético que avalia a presença de
alterações no DNA relacionadas ao problema — embora na maioria das vezes esse
exame, que ainda não está acessível para a maioria da população, não seja tão
relevante assim.
"Nós temos
critérios clínicos bem estabelecidos que nos permitem fechar o diagnóstico sem
a necessidade de métodos muito rebuscados", esclarece Izar.
O artigo, assinado por
25 especialistas brasileiros, também defende a necessidade de detectar a HF o
mais cedo possível. "Recomendamos que toda criança cujos pais ou avós
possuem histórico de doença cardiovascular tenham o colesterol medido entre os
2 e os 10 anos de vida", diz Izar.
Acima dos 10 anos, é
recomendável que todo mundo faça um exame desses, independentemente dos fatores
de risco familiares.
• O contra-ataque
Mas o fato de possuir
um diagnóstico de HF muda em alguma coisa o tratamento para baixar o LDL?
Em linhas gerais, os
remédios são parecidos. Mas nessas situações mais graves eles costumam ser
utilizados numa dosagem bem maior logo de cara.
O medicamento de
primeira escolha costuma ser da classe das estatinas, que é bastante segura e
está disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.
Se esses comprimidos
não dão conta do recado, os cardiologistas acrescentam uma segunda droga ao
regime farmacêutico: a ezetimiba. Ela não está disponível na rede pública, mas
seu preço costuma ser acessível.
Agora, se nem mesmo
essa dupla surtir efeito, resta apelar para os inibidores de PCSK9, um fármaco
injetável que foi aprovado recentemente. Por ser uma novidade no mercado, seu
preço costuma ser bem mais alto.
Os médicos costumam
adotar esquemas terapêuticos especiais e individualizados para crianças e
gestantes.
Em paralelo, mudanças
na alimentação e na prática de atividade física são fundamentais para garantir
bons resultados em todos os pacientes com HF.
Vale mencionar ainda
que as metas são bem audaciosas: a nova diretriz brasileira estabelece uma
redução de pelo menos 50% do LDL. Em alguns casos, o corte nos níveis desse
colesterol precisam ser ainda mais drásticos.
"Se o tratamento
é feito direitinho, conseguimos prevenir a maioria das complicações",
completa Santos, que também assina o documento recém-publicado.
• E quem não tem HF?
É importante destacar
que, na maioria das vezes, o colesterol elevado acontece mais por questões
relacionadas ao estilo de vida do que por falhas nos genes.
Sedentarismo e a dieta
desequilibrada são elementos decisivos para o descontrole nos níveis dessas
moléculas.
Uma pesquisa de 2017
feita pela Universidade de São Paulo em parceria com outras seis instituições
estima que 12,5% da população brasileira apresenta diagnóstico de colesterol
alto.
Junto com outros
fatores, como obesidade, diabetes e hipertensão, o excesso de LDL contribui
para o aparecimento de uma série de eventos debilitantes e potencialmente
fatais, como o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC).
E, por mais que
existam muitos remédios à disposição, uma vida saudável segue como a principal
recomendação para evitar esses problemas.
Fonte: BBC Saúde
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