sábado, 31 de agosto de 2024

Expectativas, realidades e pontos de atenção do uso de inteligência artificial na saúde

A inteligência artificial chega ao setor da saúde com o potencial de solucionar muitos dos problemas que são carregados ao longo dos anos. Sendo mais uma tecnologia que se torna aliada, a expectativa é que reduza custos, desperdícios e erros, colaborando com o suporte à gestão e ao cuidado médico. Este foi o contexto do primeiro evento promovido por Futuro da Saúde, que ocorreu na terça-feira, 27 de agosto, com transmissão ao vivo pelo YouTube. O encontro contou com a participação de importantes nomes do setor e abordou temas como regulação, interoperabilidade de dados, potenciais do uso de IA para melhor o sistema, além dos próximos passos e tendências que devemos observar nesse universo.

Na visão dos especialistas, a IA já é uma realidade e gradualmente tem ganhado espaço na saúde, seja em processos burocráticos, suporte à decisão clínica ou desenvolvimento de medicação. Apesar da empolgação do setor com o tema, é preciso incorporar tecnologias que resolvam problemas e tragam ganhos para o sistema.

“A saúde ainda tem problema de dados, de operação e logística, de experiência do usuário e engajamento. Tem desperdício e erro, o que custa 765 bilhões de dólares só nos Estados Unidos, tudo muito ligado à sobrecarga administrativa em cima dos humanos. Os erros no cuidado ainda são comuns e causados, em sua maioria, por problemas de comunicação entre as equipes nas transições do cuidado”, pontuou Mariana Perroni, Clinical Lead do Google, na palestra de abertura.

•        O papel da IA no cuidado à saúde

Utilizando um grande volume de dados, é possível criar regras e estabelecer critérios para que sistemas e algoritmos contribuam com a redução de erros. Nesse sentido, a IA pode contribuir com a saúde, com seus diferentes potenciais através de tecnologias como deep learning, machine learning, Large Language Models (LLM) e a IA generativa. Mas para isso o desenvolvimento requer uma equipe multidisciplinar. “Além dos cientistas de dados e dos especialistas em IA, é fundamental ter profissionais da saúde, designers de UX [experiência do usuário], especialistas em desenvolvimento de produto, ética e regulação”, explica Perroni.

A Clinical Lead do Google alertou que é preciso avaliar onde e quanto o uso da tecnologia pode contribuir, para além da vontade de querer usá-la. Também é necessário uma mudança cultural.

“Se a gente insistir em resolver os problemas de saúde do século XXI, com uma mentalidade do século XX, simplesmente jogando IA no que já fazemos e esperando que ela resolva os problemas crônicos do setor, o sistema vai continuar travando. Não conseguiremos ver o potencial se materializar e vamos continuar torcendo o nariz e falando que é hype”, afirma.

Para ela, é preciso haver parcerias com startups e o ecossistema de saúde para ter um intercâmbio de problemas e soluções, criando de forma conjunta seus programas, algoritmos e casos de uso que resolvam os problemas do setor. As big techs, como o caso do Google, podem contribuir neste sentido, com o avanço da tecnologia, como vem sendo o desenvolvimento do MedGemini, em testes pela companhia.

•        Valor agregado com o uso de IA

O primeiro painel de debate do evento teve as presenças de Giovanni Cerri, presidente do conselho do InovaHC, Guilherme Azevedo, cofundador da Alice, Jeane Tsutsui, CEO do Grupo Fleury, e Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein. Com o tema “IA e a entrega de valor ao ecossistema”, eles trouxeram cases de uso e visões sobre como empresas e governos devem encarar a adoção da tecnologia.

“A inteligência ‘ampliada’ é mais uma dessas tecnologias que vem ajudar o profissional de saúde, o médico ou qualquer outro profissional a ultrapassar a capacidade dele, enquanto um ser inteligente, para entregar resultados melhores. E para que isso, de fato, entregue resultados melhores, esse sistema vai ter que sempre estar sob vigilância, porque armadilhas e compreensões inadequadas existem”, afirmou Klajner.

O executivo trouxe um exemplo de uso da instituição, como uma solução desenvolvida em Manaus, capital do Amazonas, que utiliza a tecnologia para escutar e registrar consultas com gestantes na atenção primária, sugerindo ao médico perguntas que podem contribuir para a análise do quadro de saúde do paciente, buscando reduzir a mortalidade materna. O modelo foi treinado com mais de 2 mil artigos científicos de obstetrícia, e conta com apoio da Fundação Bill e Melinda Gates.

Na área de radiologia, uma das que têm avanços mais concretos, o Grupo Fleury tem utilizado IA para a captura de imagens de ressonância magnética, reduzindo em 50% o tempo gasto no procedimento. Ainda, tem utilizado em frentes como o atendimento ao cliente para melhorar a experiência do usuário. “A gente precisa investir menos em equipamentos e mais em tecnologias. Vemos diagnósticos mais claros e realmente situações em que salvamos a vida, como em tomografias, porque consegue identificar padrões, avisar o médico de que aquela determinada situação está acontecendo. Agora, certamente, a colaboração é algo fundamental”, explica Tsutsui.

Neste contexto, a formação e atualização dos profissionais também foi abordada pelos painelistas. Cerri, do InovaHC – o núcleo de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) – explica que o grupo está criando uma disciplina com foco em IA: “Acreditamos que é fundamental que o aluno da Faculdade de Medicina entenda a inteligência artificial para poder incorporar o uso na saúde, porque as novas gerações vão ajudar nessa incorporação mais rápida, já são gerações digitais.”

Já a operadora de planos de saúde Alice revelou que vêm utilizando IA na pré-triagem, triagem e atendimento médico. “100% dos casos estão usando uma interface com um sistema de LLM, que faz o registro clínico com base no texto, voz e arquivos que são colocados no canal de comunicação. A enfermeira, hoje, está gastando 70% menos tempo no registro clínico daquele caso. O que ela faz é ler a sugestão, editar a sugestão e validar, o que fica registrado em prontuário”, contou Azevedo.

•        O que falta para a IA se estabelecer na saúde?

Questões como regulação, parcerias, desenvolvimento e comprovação de casos de uso foram apontados pelos especialistas do segundo painel como alguns dos principais pontos que merecem atenção para que haja a ampliação do uso de IA na saúde. O debate teve as participações de Carlos Pedrotti, presidente da Saúde Digital Brasil, Lilian Hoffmann, diretora executiva de tecnologia da BP, Thiago Jorge, coordenador do Programa de Inovação em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e Victor Gadelha, head de Ensino, Pesquisa e Inovação da DASA.

Ainda sem regras definidas no Brasil, com um projeto de lei em tramitação no Congresso, existe uma apreensão para que a regulamentação não engesse o setor. “Existe uma zona cinzenta que fica muito difícil de classificar o risco. Isso por si só, quando entra na letra da lei, gera uma insegurança jurídica muito grande que inibe investimentos no setor e pode deixar o Brasil um pouco para trás. A discussão circula mais ou menos nesse aspecto”, explicou Pedrotti.

Para Gadelha, apesar do grande número de tecnologias, ainda há poucos casos que demonstram resultados positivos em desfechos clínicos, pela complexidade de desenvolver uma pesquisa do tipo. Por isso, observa que é preciso atenção ao tema: “Cabe a nós, como seres humanos, implementar essa tecnologia da melhor forma possível, regular sem restringir, e pegar o melhor caso de uso para mudar a sociedade, tentando aterrissar o mais rapidamente possível para que o mundo possa beneficiar disso.”

O oncologista Thiago Jorge trouxe uma visão semelhante. “A questão é aterrissar para casos mais práticos e de ganhos em curtíssimo prazo, para que a gente comece a adotar essa cultura, baseada em dados, de digitalização e assim por diante, para trazer os benefícios que já vemos com tecnologias mais avançadas”, observa o médico.

As parcerias entre empresas, pesquisadores e fontes pagadoras precisam estar na agenda das instituições para que haja diálogo e esforço para adoção de tecnologias utilizando IA. Hoffmann explica que se não houver engajamento, tais tecnologias sempre irão esbarrar na questão financeira: “A empresa precisa sentar e dizer, bom, eu quero usar para quê? Qual é a ambição que eu tenho? Assim como a gente cria ambição de planejamento estratégico para a empresa crescer, para atender diversas especialidades, definir os caminhos estratégicos que a empresa toma e como ela vai usar da tecnologia”.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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