"Tenho doença rara que tem 100% de
chances de virar câncer"
Após pai ser
diagnosticado com câncer colorretal, Dryka Brenda Rodrigues descobre ter
polipose adenomatosa familiar, doença rara que afeta cerca de 30 mil
brasileiros.
Desde a infância,
Dryka Brenda Rodrigues, de 21 anos, se recorda de sofrer com o intestino preso
e ter dores abdominais frequentes, que sempre eram relacionadas a problemas
intestinais. Situação que a jovem considerava normal, já que passou por
diversos médicos, realizou vários exames de imagem e nenhum diagnóstico foi
dado.
"Minha mãe conta
que com uma semana de vida meu intestino já não funcionava muito bem e o
pediatra receitou que ela me desse suco de laranja. E assim foi na minha
infância e adolescência, eu sempre tive o intestino preso e tratamos com
medicamento e cuidando da minha alimentação", relata Dryka. "Os
médicos chegaram a relatar que poderia até mesmo ser um problema
psicológico", acrescenta.
Em 2018, após sentir
dores abdominais intensas, Dryka descobriu que tinha uma hérnia abdominal
decorrente do esforço constante para ir ao banheiro e foi submetida a uma
cirurgia. Porém mesmo após o procedimento, as dores e a dificuldade para ir ao
banheiro continuavam.
Cinco anos mais tarde
veio o susto. O pai da jovem foi diagnosticado com câncer colorretal, devido à
polipose adenomatosa familiar – uma doença de origem genética dominante, ou
seja, Dryka tinha 50% de chances de ter o gene que causa a patologia.
A polipose adenomatosa
familiar (PAF) é uma condição genética causada por mutações hereditárias no
gene APC (adenomatous polyposis coli), que desempenha um papel importante na
regulação do crescimento celular. Quando não tratada, ela tem 100% de chances de
se tornar um câncer.
"Demorou para
cair a ficha de que meu pai estava doente porque ele sempre foi um homem muito
forte e saudável. E após esse susto, veio a questão de ser uma doença genética
que eu também poderia ter", conta.
• Diagnóstico após câncer do pai
O diagnóstico do pai
fez com que Dryka também passasse a receber acompanhamento médico com o
objetivo de descobrir se ela possuía o gene que pode causar câncer. Após um
exame de colonoscopia, mais de 60 pólipos foram encontrados no intestino grosso
da jovem e veio a confirmação do diagnóstico de polipose adenomatosa familiar.
"Quatro meses
depois refiz o exame e já eram mais de 100 pólipos, eles se multiplicam muito
rápido", conta. O avanço da doença, fez com que a jovem tivesse
dificuldade para se alimentar e ela precisou usar sonda, perdeu cerca de dez
quilos e teve que usar cadeira de rodas para se locomover.
Para que a polipose
adenomatosa familiar não evoluísse para um câncer colorretal, em março deste
ano, Dryka passou por cirurgia para a retirada do intestino grosso. Por causa
do tratamento, ela precisou trancar a faculdade de odontologia e segue uma rotina
intensa de acompanhamento médico, precisando fazer exames a cada quatro meses.
"Mesmo tirando
parte do intestino preciso fazer acompanhamento médico pelo resto da minha vida
para ver se os pólipos não atingem outros órgãos e evoluam para um câncer. Por
não ter parte do intestino sigo uma alimentação muito rigorosa, reponho vitaminas
e preciso ter cuidado para não ficar desidratada", relata.
Aos poucos, a jovem
relata que vai voltando a sua rotina de antes e conta que pretende voltar a
estudar. "Agora quero fazer medicina", diz.
• De pais para filhos
A polipose adenomatosa
familiar é uma condição genética rara. Estima-se que uma a cada 8 mil pessoas
no mundo tenham a doença e que no Brasil haja aproximadamente 30 mil indivíduos
diagnosticados com PAF.
Essa alteração gera o
crescimento desordenado das células do tecido de um órgão fazendo com inúmeros
pólipos surjam principalmente no intestino grosso, mas eles também podem
aparecer em outros órgãos do sistema digestivo como estômago, duodeno e
pâncreas. Os pólipos são um crescimento anormal de tecido que podem variar em
tamanho e forma. Geralmente, são benignos, mas alguns tipos têm o potencial de
evoluir principalmente para câncer de cólon, também conhecido como intestino
grosso.
O cólon tem papel
importante em nosso organismo sendo responsável pela absorção de água e
nutrientes, além de eliminar os resíduos do corpo. Alguns pólipos adenomatosos,
se não tratados, elevam o risco em 100% de o paciente ter câncer colorretal
antes dos 40 anos. A doença também aumenta o risco de neoplasias em pâncreas,
tireoide, cérebro e fígado.
"Normalmente os
primeiros sintomas surgem na adolescência ou já na fase adulta, por isso,
quando uma pessoa é diagnosticada com a doença é importante que os filhos sejam
acompanhados e façam o exame de colonoscopia regularmente mesmo que ainda não tenham
sintomas", explica Samuel Aguiar Jr, líder do Centro de Referência de
Tumores Colorretais e vice-líder do Centro de Referência de Sarcomas e Tumores
Ósseos do hospital AC. Camargo.
Normalmente a doença
não tem sinais em sua fase inicial, sendo que os principais sintomas surgem
quando o número de pólipos já é grande. Esses sintomas são: alteração nos
hábitos intestinais (o intestino fica muito preso ou muito solto), dor
abdominal, fezes com sangue, desidratação e anemia.
O diagnóstico é feito
principalmente pelo exame de colonoscopia. Normalmente pessoas com a doença e
que possuem filhos já recebem o alerta para iniciar o rastreamento nos
descendentes desde a infância. "É possível fazer o teste genético que
rastreia a doença nos filhos de pacientes que são diagnosticados com a doença.
Esse teste pode ser feito pelo SUS [Sistema Único de Saúde] e os planos de
saúde também são obrigados a oferecer", explica o proctologista Hélio
Antônio Silva, diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de
Coloproctologia.
• Tratamento
O tratamento para a
doença envolve a remoção do intestino grosso para prevenir o surgimento do
câncer colorretal. Todo o tratamento, incluindo a cirurgia de remoção do órgão,
é coberto pelo SUS.
O câncer colorretal,
popularmente chamado de câncer de intestino, deve acometer quase 46 mil pessoas
até 2025 no Brasil, segundo as estimativas mais recentes do Instituto Nacional
de Câncer (Inca). Ele é o terceiro tipo de câncer mais comum no país, ficando
atrás somente do câncer de mama e de próstata.
Apesar desse número,
os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que apenas 1% dos casos de
câncer colorretal registrados no país são devido a polipose adenomatosa
familiar.
"Após a retirada
do intestino grosso, o paciente pode levar uma vida praticamente normal, porém
é importante seguir uma dieta alimentar, com nutrição específica. Além disso, o
acompanhamento da doença é para a vida toda, já que podem surgir pólipos em
outros órgãos", acrescenta Luis Roberto Nadal, médico cirurgião do grupo
de Coloproctologia e supervisor da residência médica da cirurgia geral do
Hospital Público Estadual de São Paulo (HSPE).
• Por que as mortes por câncer de
intestino estão diminuindo
Um novo estudo com
dados da União Europeia (UE) e do Reino Unido indica que, em geral, as mortes
por câncer colorretal, também conhecido como câncer de intestino, estão
diminuindo. O levantamento, publicado na revista especializada Annals of
Oncology, indica que a doença está ceifando menos vidas do que há 30 anos.
De acordo com os
dados, 6,2 milhões de mortes por todos os tipos de câncer foram evitadas na UE
desde 1988, e 1,3 milhão de mortes foram evitadas no Reino Unido. A pesquisa
usou dados populacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) para prever as
mortes relacionadas ao câncer para 2024 em todas as formas da enfermidade.
"A queda nas
taxas de mortalidade por câncer colorretal foi de 4,8% em homens e 9,5% em
mulheres. O motivo da queda é a diminuição das taxas de tabagismo, juntamente
com um melhor diagnóstico e melhor tratamento para o câncer", disse à DW
Carlo La Vecchia, da Università degli Studi di Milano, de Milão, Itália, que
liderou o estudo.
As maiores reduções
nas taxas de mortalidade por câncer colorretal são para pessoas com mais de 70
anos de idade. Mas há uma redução geral na incidência e mortalidade do câncer
de intestino, constatação que La Vecchia descreveu como "motivo para otimismo".
"As taxas de
mortalidade do câncer colorretal costumavam ser de 50% a 60%, mas agora caíram
para 20% a 30%. Isso é uma grande conquista", comentou Michael Bretthauer,
professor de medicina da Universidade de Oslo, Noruega.
A redução nas taxas de
mortalidade se deve a melhores técnicas com uso de colonoscopia, em que o
tecido canceroso no intestino inferior e no reto é removido cirurgicamente,
assim como melhores medicamentos para o tratamento do câncer e melhores métodos
de exame para detectar a doença mais cedo.
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Mortalidade cresceu na faixa etária abaixo dos 50
O estudo também
constatou que as taxas de mortalidade por câncer colorretal estão aumentando em
pessoas com menos de 50 anos de idade.
As taxas de
mortalidade em pessoas mais jovens na Itália, Polônia e Espanha, para homens, e
na Alemanha, para mulheres, aumentaram de 5% a 7%, enquanto as taxas no Reino
Unido aumentaram 26%.
"Vemos uma
reversão das tendências para pessoas com menos de 50 anos. Um crescimento maior
no Reino Unido e também observado em outros países europeus. Podemos associar
isso ao aumento do rastreamento de cânceres colorretais e a taxas mais altas de
obesidade, que é um fator de risco", disse La Vecchia.
No entanto, Bretthauer
ressalta que os números absolutos de pessoas com menos de 50 anos de idade que
sofrem de câncer colorretal são extremamente baixos e não são motivo de
preocupação.
"Tem havido muito
alarde na mídia sobre o aumento do número de cânceres colorretais em jovens,
mas se analisarmos o risco absoluto em vez do risco relativo, as taxas são
muito baixas", ponderou Bretthauer.
As taxas de
mortalidade em alemães com menos de 50 anos, por exemplo, são de 2,53 por 100
mil pessoas, em comparação com 164 por 100 mil pessoas com mais de 70 anos.
"O câncer
colorretal é principalmente uma doença da terceira idade. É por isso que vemos
incidências menores da doença em países em desenvolvimento com populações mais
jovens", disse Bretthauer. "Se você tem 30 ou 40 anos de idade, o
risco é muito baixo."
<><> O que
causa o câncer colorretal?
Os cientistas entendem
os "fatores de risco" que podem influenciar a doença, mas não
completamente como eles causam o câncer, disse Bretthauer.
O tabagismo, a
obesidade e a dieta são fatores de risco bem estabelecidos, por exemplo, mas
não se sabe bem como eles afetam diretamente a doença.
"A obesidade é um
fator de risco importante, mas não é tão alto quanto o tabagismo. A dieta
também é fundamental, mas as evidências são muito variadas. Por exemplo, é
provável que não haja associação entre carne vermelha e câncer colorretal. Mas
não sabemos realmente os mecanismos por trás de como esses fatores podem causar
cânceres colorretais", disse Bretthauer.
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Álcool é fator de risco
Parar de beber pode
reduzir a probabilidade de ter câncer colorretal. Um relatório da OMS publicado
em dezembro de 2023 concluiu que o consumo de álcool é um fator de risco para
os câncer colorretal.
Beatrice
Lauby-Secretan, que dirige a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC,
na sigla em inglês) da OMS e liderou a realização do estudo, disse que há
ligações diretas entre o consumo de álcool e o câncer colorretal.
"O etanol, o
principal álcool das bebidas alcoólicas, é transformado em acetaldeído. O
acetaldeído é genotóxico e causa danos ao DNA, levando a mutações
carcinogênicas. O acetaldeído altera a composição do microbioma intestinal, o
que leva à permeabilidade intestinal. Isso, por sua vez, desencadeia a
inflamação, que é conhecida por aumentar o risco de câncer", disse
Lauby-Secretan à DW por e-mail.
Reduzir ou interromper
o consumo de álcool pode, então, reverter os efeitos de longo prazo do álcool
sobre o corpo, principalmente pela diminuição dos danos ao DNA em poucos meses
após a interrupção, disse Lauby-Secretan.
As taxas de câncer
estão aumentando no mundo devido ao envelhecimento crescente da população.
Lauby-Secretan disse que a maneira mais eficaz de combater o problema é por
meio de mudanças no estilo de vida. "Evitar o fumo, reduzir o
As taxas de câncer
estão aumentando no mundo devido ao envelhecimento crescente da população.
Lauby-Secretan disse que a maneira mais eficaz de combater o problema é por
meio de mudanças no estilo de vida. "Evitar o fumo, reduzir o consumo de
álcool e manter um peso saudável, ajuda a reduzir o risco de desenvolvimento de
câncer."
Fonte: Deutsche Welle
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