sexta-feira, 30 de agosto de 2024

"Tenho doença rara que tem 100% de chances de virar câncer"

Após pai ser diagnosticado com câncer colorretal, Dryka Brenda Rodrigues descobre ter polipose adenomatosa familiar, doença rara que afeta cerca de 30 mil brasileiros.

Desde a infância, Dryka Brenda Rodrigues, de 21 anos, se recorda de sofrer com o intestino preso e ter dores abdominais frequentes, que sempre eram relacionadas a problemas intestinais. Situação que a jovem considerava normal, já que passou por diversos médicos, realizou vários exames de imagem e nenhum diagnóstico foi dado.

"Minha mãe conta que com uma semana de vida meu intestino já não funcionava muito bem e o pediatra receitou que ela me desse suco de laranja. E assim foi na minha infância e adolescência, eu sempre tive o intestino preso e tratamos com medicamento e cuidando da minha alimentação", relata Dryka. "Os médicos chegaram a relatar que poderia até mesmo ser um problema psicológico", acrescenta.

Em 2018, após sentir dores abdominais intensas, Dryka descobriu que tinha uma hérnia abdominal decorrente do esforço constante para ir ao banheiro e foi submetida a uma cirurgia. Porém mesmo após o procedimento, as dores e a dificuldade para ir ao banheiro continuavam.

Cinco anos mais tarde veio o susto. O pai da jovem foi diagnosticado com câncer colorretal, devido à polipose adenomatosa familiar – uma doença de origem genética dominante, ou seja, Dryka tinha 50% de chances de ter o gene que causa a patologia.

A polipose adenomatosa familiar (PAF) é uma condição genética causada por mutações hereditárias no gene APC (adenomatous polyposis coli), que desempenha um papel importante na regulação do crescimento celular. Quando não tratada, ela tem 100% de chances de se tornar um câncer.

"Demorou para cair a ficha de que meu pai estava doente porque ele sempre foi um homem muito forte e saudável. E após esse susto, veio a questão de ser uma doença genética que eu também poderia ter", conta.

•        Diagnóstico após câncer do pai

O diagnóstico do pai fez com que Dryka também passasse a receber acompanhamento médico com o objetivo de descobrir se ela possuía o gene que pode causar câncer. Após um exame de colonoscopia, mais de 60 pólipos foram encontrados no intestino grosso da jovem e veio a confirmação do diagnóstico de polipose adenomatosa familiar.

"Quatro meses depois refiz o exame e já eram mais de 100 pólipos, eles se multiplicam muito rápido", conta. O avanço da doença, fez com que a jovem tivesse dificuldade para se alimentar e ela precisou usar sonda, perdeu cerca de dez quilos e teve que usar cadeira de rodas para se locomover.

Para que a polipose adenomatosa familiar não evoluísse para um câncer colorretal, em março deste ano, Dryka passou por cirurgia para a retirada do intestino grosso. Por causa do tratamento, ela precisou trancar a faculdade de odontologia e segue uma rotina intensa de acompanhamento médico, precisando fazer exames a cada quatro meses.

"Mesmo tirando parte do intestino preciso fazer acompanhamento médico pelo resto da minha vida para ver se os pólipos não atingem outros órgãos e evoluam para um câncer. Por não ter parte do intestino sigo uma alimentação muito rigorosa, reponho vitaminas e preciso ter cuidado para não ficar desidratada", relata.

Aos poucos, a jovem relata que vai voltando a sua rotina de antes e conta que pretende voltar a estudar. "Agora quero fazer medicina", diz.

•        De pais para filhos

A polipose adenomatosa familiar é uma condição genética rara. Estima-se que uma a cada 8 mil pessoas no mundo tenham a doença e que no Brasil haja aproximadamente 30 mil indivíduos diagnosticados com PAF.

Essa alteração gera o crescimento desordenado das células do tecido de um órgão fazendo com inúmeros pólipos surjam principalmente no intestino grosso, mas eles também podem aparecer em outros órgãos do sistema digestivo como estômago, duodeno e pâncreas. Os pólipos são um crescimento anormal de tecido que podem variar em tamanho e forma. Geralmente, são benignos, mas alguns tipos têm o potencial de evoluir principalmente para câncer de cólon, também conhecido como intestino grosso.

O cólon tem papel importante em nosso organismo sendo responsável pela absorção de água e nutrientes, além de eliminar os resíduos do corpo. Alguns pólipos adenomatosos, se não tratados, elevam o risco em 100% de o paciente ter câncer colorretal antes dos 40 anos. A doença também aumenta o risco de neoplasias em pâncreas, tireoide, cérebro e fígado.

"Normalmente os primeiros sintomas surgem na adolescência ou já na fase adulta, por isso, quando uma pessoa é diagnosticada com a doença é importante que os filhos sejam acompanhados e façam o exame de colonoscopia regularmente mesmo que ainda não tenham sintomas", explica Samuel Aguiar Jr, líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais e vice-líder do Centro de Referência de Sarcomas e Tumores Ósseos do hospital AC. Camargo.

Normalmente a doença não tem sinais em sua fase inicial, sendo que os principais sintomas surgem quando o número de pólipos já é grande. Esses sintomas são: alteração nos hábitos intestinais (o intestino fica muito preso ou muito solto), dor abdominal, fezes com sangue, desidratação e anemia.

O diagnóstico é feito principalmente pelo exame de colonoscopia. Normalmente pessoas com a doença e que possuem filhos já recebem o alerta para iniciar o rastreamento nos descendentes desde a infância. "É possível fazer o teste genético que rastreia a doença nos filhos de pacientes que são diagnosticados com a doença. Esse teste pode ser feito pelo SUS [Sistema Único de Saúde] e os planos de saúde também são obrigados a oferecer", explica o proctologista Hélio Antônio Silva, diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.

•        Tratamento

O tratamento para a doença envolve a remoção do intestino grosso para prevenir o surgimento do câncer colorretal. Todo o tratamento, incluindo a cirurgia de remoção do órgão, é coberto pelo SUS.

O câncer colorretal, popularmente chamado de câncer de intestino, deve acometer quase 46 mil pessoas até 2025 no Brasil, segundo as estimativas mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Ele é o terceiro tipo de câncer mais comum no país, ficando atrás somente do câncer de mama e de próstata.

Apesar desse número, os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que apenas 1% dos casos de câncer colorretal registrados no país são devido a polipose adenomatosa familiar.

"Após a retirada do intestino grosso, o paciente pode levar uma vida praticamente normal, porém é importante seguir uma dieta alimentar, com nutrição específica. Além disso, o acompanhamento da doença é para a vida toda, já que podem surgir pólipos em outros órgãos", acrescenta Luis Roberto Nadal, médico cirurgião do grupo de Coloproctologia e supervisor da residência médica da cirurgia geral do Hospital Público Estadual de São Paulo (HSPE).

 

•        Por que as mortes por câncer de intestino estão diminuindo

Um novo estudo com dados da União Europeia (UE) e do Reino Unido indica que, em geral, as mortes por câncer colorretal, também conhecido como câncer de intestino, estão diminuindo. O levantamento, publicado na revista especializada Annals of Oncology, indica que a doença está ceifando menos vidas do que há 30 anos.

De acordo com os dados, 6,2 milhões de mortes por todos os tipos de câncer foram evitadas na UE desde 1988, e 1,3 milhão de mortes foram evitadas no Reino Unido. A pesquisa usou dados populacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) para prever as mortes relacionadas ao câncer para 2024 em todas as formas da enfermidade.

"A queda nas taxas de mortalidade por câncer colorretal foi de 4,8% em homens e 9,5% em mulheres. O motivo da queda é a diminuição das taxas de tabagismo, juntamente com um melhor diagnóstico e melhor tratamento para o câncer", disse à DW Carlo La Vecchia, da Università degli Studi di Milano, de Milão, Itália, que liderou o estudo.

As maiores reduções nas taxas de mortalidade por câncer colorretal são para pessoas com mais de 70 anos de idade. Mas há uma redução geral na incidência e mortalidade do câncer de intestino, constatação que La Vecchia descreveu como "motivo para otimismo".

"As taxas de mortalidade do câncer colorretal costumavam ser de 50% a 60%, mas agora caíram para 20% a 30%. Isso é uma grande conquista", comentou Michael Bretthauer, professor de medicina da Universidade de Oslo, Noruega.

A redução nas taxas de mortalidade se deve a melhores técnicas com uso de colonoscopia, em que o tecido canceroso no intestino inferior e no reto é removido cirurgicamente, assim como melhores medicamentos para o tratamento do câncer e melhores métodos de exame para detectar a doença mais cedo.

<><> Mortalidade cresceu na faixa etária abaixo dos 50

O estudo também constatou que as taxas de mortalidade por câncer colorretal estão aumentando em pessoas com menos de 50 anos de idade.

As taxas de mortalidade em pessoas mais jovens na Itália, Polônia e Espanha, para homens, e na Alemanha, para mulheres, aumentaram de 5% a 7%, enquanto as taxas no Reino Unido aumentaram 26%.

"Vemos uma reversão das tendências para pessoas com menos de 50 anos. Um crescimento maior no Reino Unido e também observado em outros países europeus. Podemos associar isso ao aumento do rastreamento de cânceres colorretais e a taxas mais altas de obesidade, que é um fator de risco", disse La Vecchia.

No entanto, Bretthauer ressalta que os números absolutos de pessoas com menos de 50 anos de idade que sofrem de câncer colorretal são extremamente baixos e não são motivo de preocupação.

"Tem havido muito alarde na mídia sobre o aumento do número de cânceres colorretais em jovens, mas se analisarmos o risco absoluto em vez do risco relativo, as taxas são muito baixas", ponderou Bretthauer.

As taxas de mortalidade em alemães com menos de 50 anos, por exemplo, são de 2,53 por 100 mil pessoas, em comparação com 164 por 100 mil pessoas com mais de 70 anos.

"O câncer colorretal é principalmente uma doença da terceira idade. É por isso que vemos incidências menores da doença em países em desenvolvimento com populações mais jovens", disse Bretthauer. "Se você tem 30 ou 40 anos de idade, o risco é muito baixo."

<><> O que causa o câncer colorretal?

Os cientistas entendem os "fatores de risco" que podem influenciar a doença, mas não completamente como eles causam o câncer, disse Bretthauer.

O tabagismo, a obesidade e a dieta são fatores de risco bem estabelecidos, por exemplo, mas não se sabe bem como eles afetam diretamente a doença.

"A obesidade é um fator de risco importante, mas não é tão alto quanto o tabagismo. A dieta também é fundamental, mas as evidências são muito variadas. Por exemplo, é provável que não haja associação entre carne vermelha e câncer colorretal. Mas não sabemos realmente os mecanismos por trás de como esses fatores podem causar cânceres colorretais", disse Bretthauer.

<><> Álcool é fator de risco

Parar de beber pode reduzir a probabilidade de ter câncer colorretal. Um relatório da OMS publicado em dezembro de 2023 concluiu que o consumo de álcool é um fator de risco para os câncer colorretal.

Beatrice Lauby-Secretan, que dirige a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) da OMS e liderou a realização do estudo, disse que há ligações diretas entre o consumo de álcool e o câncer colorretal.

"O etanol, o principal álcool das bebidas alcoólicas, é transformado em acetaldeído. O acetaldeído é genotóxico e causa danos ao DNA, levando a mutações carcinogênicas. O acetaldeído altera a composição do microbioma intestinal, o que leva à permeabilidade intestinal. Isso, por sua vez, desencadeia a inflamação, que é conhecida por aumentar o risco de câncer", disse Lauby-Secretan à DW por e-mail.

Reduzir ou interromper o consumo de álcool pode, então, reverter os efeitos de longo prazo do álcool sobre o corpo, principalmente pela diminuição dos danos ao DNA em poucos meses após a interrupção, disse Lauby-Secretan.

As taxas de câncer estão aumentando no mundo devido ao envelhecimento crescente da população. Lauby-Secretan disse que a maneira mais eficaz de combater o problema é por meio de mudanças no estilo de vida. "Evitar o fumo, reduzir o

As taxas de câncer estão aumentando no mundo devido ao envelhecimento crescente da população. Lauby-Secretan disse que a maneira mais eficaz de combater o problema é por meio de mudanças no estilo de vida. "Evitar o fumo, reduzir o consumo de álcool e manter um peso saudável, ajuda a reduzir o risco de desenvolvimento de câncer."

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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