Lobistas e empresários têm acesso ‘sigiloso’
ao Ministério da Agricultura
A ACTION é uma das
principais consultorias de “relações governamentais” em Brasília e representa
setores importantes do agronegócio – como soja, madeira e biodiesel – no lobby
com o poder público.
Dois sócios da empresa
são também as pessoas que mais acessaram a cúpula do Ministério da Agricultura
por meio de uma portaria privativa, controlada por uma lista escrita à mão,
cujos dados não são públicos.
A maior parte desses
encontros também não aparece nas agendas oficiais dos gestores da pasta,
disponíveis para consulta na internet. Segundo especialistas ouvidos pela
Repórter Brasil, a falta de transparência contraria a lei federal 12.813/2013,
criada para evitar “conflitos de interesses”.
A reportagem teve
acesso com exclusividade a cerca de 4.200 registros, manuscritos em 381
páginas, de pessoas que passaram por essa portaria exclusiva. As informações se
referem ao período entre janeiro e novembro de 2023, e foram originalmente
obtidas pela organização especializada em transparência pública Fiquem Sabendo,
por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Para filtrar os nomes, a
reportagem contou com a parceria da Human Rights Watch, responsável pela
digitalização e organização dos arquivos. Acesse a lista escrita à mão ou os
dados digitalizados.
A Repórter Brasil
mapeou o top 10 dos visitantes que mais utilizaram a portaria privativa do
Ministério da Agricultura. Mais da metade das 108 entradas realizadas por esse
grupo tinha como destino os gabinetes do ministro Carlos Fávaro (PSD) e do
secretário-executivo da pasta, Irajá Rezende de Lacerda. Apenas 7 dos 108
compromissos aparecem nas agendas do ministro e de seus subordinados.
Além dos sócios da
Action, o top 10 conta ainda com um empresário com interesses na Ferrogrão –
projeto de linha de trem de 933 km que pretende ligar municípios produtores de
soja e milho no Mato Grosso a portos fluviais no Pará – e nomes ligados a importantes
associações do agronegócio.
“Esse é um cenário
muito grave”, afirma Marina Atoji, diretora de programas da Transparência
Brasil. Segundo ela, a Lei de Conflito de Interesses e o decreto federal que a
regulamenta obrigam o registro dessas entradas no e-agendas, sistema eletrônico
do poder executivo.
Ainda de acordo com
Atoji, a falta de informações pode atrapalhar a descoberta de eventuais
favorecimentos a grupos com acesso privilegiado a pessoas com poder de decisão
em órgãos públicos.
Embora entrar no órgão
não seja ilegal, acessar repetidamente o prédio por uma entrada exclusiva pode
indicar quem influencia os rumos do agronegócio no Brasil, avalia Bruno
Morassutti, advogado da Fiquem Sabendo. “Quanto mais próximo você está do
ministro, mais valorizado é seu passe”, complementa.
Procurado, o
Ministério da Agricultura apontou “falhas humanas” e “equívocos dos
colaboradores” como motivo para não haver informações nas planilhas à mão sobre
o destino dos convidados no ministério. “As orientações para anotar os
registros tanto na portaria principal e privativa são repassadas aos
funcionários durante o treinamento inicial e em reciclagens”.
A pasta, porém, não
explicou por que os nomes não aparecem na agenda oficial dos servidores.
<><> Lobby
entre ‘amigos’
A lista é encabeçada
por dois sócios da Action: Gustavo Carneiro e João Henrique Hummel. Eles somam
14 e 12 visitas pela portaria privativa, respectivamente. Assim como o ministro
Fávaro, Hummel é um dos fundadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA),
braço institucional da chamada “bancada ruralista”. A FPA é a maior e mais
influente força do Congresso, com 340 parlamentares.
Ele também foi
responsável pela criação do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), em 2011. O
think tank presta assessoria técnica à bancada ruralista e conta com o
investimento de 57 organizações do agronegócio. Em 2018, Hummel fundou a
consultoria Action.
Carneiro também já
ocupou cargo no IPA, como diretor-geral. Hoje ele também é consultor da
Associação de Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat).
Apesar de ser uma
figura frequente no Ministério da Agricultura, o nome de Hummel aparece em
apenas uma agenda oficial. Em 20 de junho de 2023, ele se encontrou com o
ministro para discutir o Plano Nacional do Biodiesel – Hummel também é
diretor-executivo da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio). Neste dia,
porém, não há registro da entrada do lobista.
“Você não visita seus
amigos?”, respondeu Hummel, após ser questionado pela reportagem sobre as
visitas.
Hummel já foi também
assessor especial no Ministério da Agricultura durante o primeiro e o segundo
mandatos do presidente Lula. Porém, conflitos de interesse o levaram a perder o
posto.
Isso ocorreu após o
lobista assumir, em 2005, o cargo de consultor da Aprosoja-MT, uma das maiores
associações dos produtores de soja do país. Três anos depois, o então ministro
da Agricultura, Reinhold Stephanes, considerou que Hummel utilizava-se do cargo
para benefício próprio, dentre outras infrações, e destituiu-o do cargo.
Questionado pela
reportagem, Hummel afirmou que esteve no Ministério da Agricultura na maior
parte das vezes em nome da FPBio e que mal tem contato com o ministro. “Só para
você ter uma ideia, eu não falo com o Fávaro tem anos”, alegou.
<><> Poder
da bancada ruralista
Outro convidado
assíduo na lista revela a proximidade da cúpula do ministério com a Action e o
Instituto Pensar Agropecuária. Eduardo Lourenço, consultor tributário do IPA,
usou a portaria privativa em nove ocasiões. Apenas uma aparece em agenda
oficial.
Lourenço é sócio da
Maneira Advogados, cliente da Action, e também é advogado da União Nacional do
Etanol de Milho (Unem).
Seu nome aparece como
representante da Unem em duas reuniões com Fávaro, segundo a agenda oficial do
ministro. Porém, nesses dias não há registros de sua entrada nas portarias.
A Unem tem entre os
seus membros a Aprosoja-MT, a Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores
de Milho e Sorgo) e a Aprosmat, da qual Gustavo Carneiro é consultor. A
Aprosmat já teve como presidente o atual assessor especial do Mapa, Carlos
Ernesto Augustin.
Outro representante do
agro no top 10 é Ronaldo Troncha, presidente executivo da Associação Brasileira
de Sementes e Mudas (Abrasem). Ele entrou nove vezes pela portaria privativa.
Apenas duas visitas aparecem em agendas oficiais.
Troncha disse, por
meio da assessoria, que os encontros se deram “com servidores relacionados a
áreas do ministério que tratam de temas afeitos aos interesses da Abrasem”.
Lourenço foi procurado, mas não respondeu.
O empresário e
engenheiro Guilherme Quintella entrou 12 vezes no ministério e também figura na
lista dos mais assíduos da porta privativa.
Ele é CEO da Estação
da Luz Participações (EDLP). A empresa é responsável pela elaboração do projeto
da Ferrogrão, linha de trem de 933 km que pretende ligar Sinop (MT) a Itaituba
(PA) para escoar os grãos colhidos no Mato Grosso, maior produtor de soja do
país.
O projeto é um dos
mais cobiçados pelo agronegócio, mas enfrenta resistência por causa dos
possíveis impactos a áreas de preservação ambiental, terras indígenas e
comunidades tradicionais.
Nenhuma das 12
entradas de Quintella aparece em agendas oficiais do ministério. Mas, segundo
os registros feitos à mão, em seis ocasiões o destino foi o gabinete do
ministro, marcado pela sigla “GM”.
Procurado pela
reportagem, Quintella não respondeu aos questionamentos. A matéria será
atualizada caso um posicionamento seja enviado.
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Veja quem mais acessou o Ministério da Agricultura em 2023:
<><> 1º
lugar – Gustavo Carneiro teve 14 entradas pela portaria privativa. Sócio de
Hummel na Action Relações Governamentais, foi diretor-geral do IPA e também é
consultor da Associação de Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat).
<><> 2º
lugar – João Henrique Hummel Vieira, com 12 entradas, ex-funcionário do
Ministério da Agricultura, é um dos fundadores da bancada ruralista e do IPA.
Atualmente é sócio-diretor da Action e diretor-executivo da Frente Parlamentar
Mista do Biodiesel (FPBio).
<><> 3º
lugar – Jonatas Geziel Nishimura, com 12 acessos. Presidente do Instituto
Brasileiro de Gemas, Ensaios e Testes e sócio da GYB Brazil, empresa de
agenciamento de serviços e negócios. Pelos registros de entrada, é possível
saber o destino de apenas um dos encontros: o gabinete do ministro Fávaro.
De acordo com o Mapa,
Nishimura esteve no órgão para discutir “soluções tecnológicas para os
representantes do Mapa” por meio da sua empresa Nishimura Tecnologia de
Informação. A empresa, porém, está inapta para a atividade por omissão de
declarações, segundo dados da Receita Federal. Nishimura não respondeu às
ligações e aos e-mails enviados pela Repórter Brasil.
<><> 4º
lugar – Adenir Teixeira tem 12 entradas. Advogado e juiz do Tribunal Estadual
Eleitoral de Goiás, é amigo há mais de 15 anos de Irajá Rezende de Lacerda,
secretário-executivo do Mapa. “Eu fico esperando na ante sala ali da entrada
privativa, às vezes eu tomo um café lá em cima, mas não tenho e nunca tive
nenhuma agenda institucional no ministério”, afirmou o advogado, em ligação.
“Eu não conheço o ministro Fávaro”.
<><> 5º
lugar – Guilherme Quintella entrou 12 vezes no Mapa pela portaria privativa.
CEO da Estação da Luz Participações (EDLP), desenvolvedora do projeto da
Ferrogrão. Esse projeto é um dos mais desejados pelo agronegócio, porém
enfrenta grande resistência por ser visto como ameaça a povos e comunidades
tradicionais que vivem ao longo do trajeto e não fazem parte da economia da
soja.
Apesar de nenhuma das
entradas de Quintella aparecem em agendas oficiais, é possível identificar que,
em ao menos seis visitas, ele foi em direção ao gabinete do ministro, já que
havia a indicação “G.M” nos registros da portaria privativa.
<><> 6º
lugar – Antônio Brito, com dez acessos. Líder do PSD na Câmara e colega de
partido do ministro Carlos Fávaro. Por telefone, Hermes Sampaio, chefe de
gabinete do deputado Antonio Brito (PSD-BA), afirmou que algumas das agendas
foram realizadas com o ministro da pesca André de Paula, que também é do PSD.
“A entrada é a mesma”, explica Sampaio. Segundo ele, por ser líder do partido
na Câmara, era natural visitar os ministérios para apresentar parlamentares que
estavam em primeiro mandato e alinhar a agenda do partido. “Muitas reuniões não
aparecem porque ele e o Fávaro já se conhecem há anos, uma ligação já marcaram.
Não precisava ser algo formal”.
<><> 7º
lugar – O presidente executivo da Associação Brasileira de Sementes e Mudas
(Abrasem), Ronaldo Troncha, entrou nove vezes pela portaria privativa e outras
25 vezes pela principal. Do total, apenas cinco visitas aparecem em agendas oficiais.
Antes de ser
presidente da Abrasem, Troncha foi assessor do deputado federal Sérgio Souza
(PMDB-PR) e alvo da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, por ter
demonstrado “ligação próxima” ao ex-superintendente regional do Mapa no Paraná,
apontado como líder do esquema de fraudes revelado pela PF.
De acordo com a
assessoria de imprensa da Abrasem, todas as visitas se referiram a “encontros
com servidores relacionados a áreas do ministério que tratam de temas afeitos
aos interesses da Abrasem”. Em relação à investigação, informou que o
Ministério Público constatou que Troncha não tinha envolvimento direto com os
fatos investigados e recomendou a retirada de seu nome dos autos,”o que foi
acatado pelo juiz do processo”.
<><> 8º
lugar – Eduardo Lourenço. Consultor tributário do IPA, ele é sócio da Maneira
Advogados, cliente da Action. Ele também é advogado representante da União
Nacional do Etanol de Milho (Unem).
Lourenço esteve no
Mapa nove vezes pela entrada privativa e oito pela principal. Em apenas uma das
17 visitas seu nome aparece em uma reunião oficial.
No entanto, pode ser
que Lourenço também tenha passado pelas portarias do prédio sem nenhum
registro. Isso porque seu nome aparece em duas reuniões da Unem que aconteceram
no gabinete do ministro, em datas sem registro de sua entrada.
A Unem tem entre os
seus membros a Aprosoja-MT, a Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores
de Milho e Sorgo) e a Aprosmat, da qual Gustavo Carneiro é consultor.
<><> 9º
lugar – João Borges teve nove entradas no Mapa. Apesar de suas entradas
indicarem que se direcionou ao gabinete do ministro, nenhuma de suas visitas
aparece em agendas oficiais.
Borges é o único
proprietário da Enpa Engenharia, empresa que está em recuperação judicial desde
2016 e foi fundada por Lázaro Queiroz Borges, que, entre 2017 e 2018, foi
assessor especial do então ministro da Agricultura Blairo Maggi.
De acordo com
reportagem publicada no UOL, a empresa faz parte do consórcio Agroestradas, que
realiza pavimentações em Mato Grosso e é suspeita de favorecimento de
licitações. Obras realizadas em Canarana e Querência em 2023 foram avaliadas em
R$ 42 milhões e financiadas pelo Ministério da Agricultura. Segundo a matéria,
as licitações limitaram a competição, resultando em descontos mínimos nos
contratos. As obras ocorreram no reduto eleitoral do ministro Fávaro.
A Repórter Brasil
enviou e-mail e ligou para a Enpa Engenharia, mas não obteve resposta.
<><> 10º
lugar – Flavinha Rodrigues esteve nove vezes no Mapa. Vereadora de Colíder (MT)
e terceira suplente do deputado Juarez Costa (MDB-MT), Flavinha ficou no cargo
por quatro meses em 2023. “Na época em que era deputada federal, realizei várias
visitas ao Ministério da Agricultura. O objetivo era seguir o meu compromisso
de trazer recursos e maquinários para o estado de Mato Grosso, para minha
região e para minha cidade”. De acordo com planilha enviada à Repórter Brasil,
foram mais de R$ 11 milhões com envios de maquinários e “implementos agrícolas”
a 14 cidades do estado que representava.
Fonte: Reporter Brasil
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