sábado, 31 de agosto de 2024

Como regimes autoritários se beneficiam do conflito em Gaza

No final de semana, horas após Israel e a milícia libanesa Hezbollah trocarem uma série de mísseis em um novo e significativo atrito entre as duas partes, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi alertou um alto general dos Estados Unidos sobre o perigo de uma escalada do conflito em Gaza.

Os egípcios fazem parte, ao lado de americanos e catarianos, da equipe de mediadores que negocia um cessar-fogo na Faixa de Gaza. O território palestino é alvo de uma campanha militar israelense desde o ataque terrorista de 7 de outubro, perpetrado pelo grupo islamista Hamas, que controla a região.

Ao general Charles Quinton Brown, que estava de passagem pelo Egito, al-Sisi frisou que a comunidade internacional precisa "fazer todo o esforço e intensificar as pressões para neutralizar a tensão e deter a escalada que ameaça a segurança e a estabilidade de toda a região", segundo declaração publicada por seu gabinete.

As palavras de estadista ajudam al-Sisi a polir sua imagem, opina Hossam el-Hamalawy, pesquisador e ativista egípcio baseado na Alemanha. "E a guerra em Gaza basicamente ajudou a consolidar ainda mais seu regime", assinala.

Durante quase 11 meses de conflito em Gaza, a ideia de que o Egito — o país mais populoso do Oriente Médio, com cerca de 111 milhões de habitantes — é "grande demais para falhar" ganhou novo apelo.

A guerra estrangulou importantes fontes de renda do país árabe, como o turismo e a navegação pelo Canal de Suez. Isso agravou a crise econômica, que muitos apontam como resultado de anos de má gestão financeira por al-Sisi.

"Os europeus, americanos, o Fundo Monetário Internacional e outras potências internacionais estão basicamente todos correndo para resgatar [o Egito]", afirma el-Hamalawy, referindo-se a vários empréstimos recentes e acordos de investimento no valor de mais de 50 bilhões de dólares (R$ 278 bilhões), que ajudaram a evitar o colapso da libra egípcia.

"Sisi vai ao Ocidente e diz: 'Estou combatendo o terrorismo, sou essencial para a estabilidade regional'. Mas, ao mesmo tempo, ele está reprimindo a dissidência interna", critica o pesquisador. "Ele é simplesmente um hipócrita. Um dos presos recentes é Ashraf Omar, um chargista; por causa de suas charges, ele agora está preso sob acusação de terrorismo — como a maioria dos outros jornalistas e trabalhadores da imprensa egípcia que está atrás das grades."

  • Crises globais como oportunidade para consolidar domínio autoritário

Em um artigo recente para o think tank britânico Chatham House, pesquisadores afirmam que al-Sisi "parece estar esperando que a raiva popular se concentre em Israel e, em menor medida, nos EUA, por apoiarem suas ações em Gaza".

O governante autoritário do Egito não parece ser o único líder na região que conta com isso.

Nos últimos dois anos, governos na Argélia, Tunísia, Líbia e Marrocos souberam "explorar várias crises globais — incluindo guerras, migração e populismo crescente na Europa — para reviver seus governos vacilantes", analisaram os pesquisadores Alia Brahimi e Karim Mezran, do think tank americano Atlantic Council, em um texto publicado em julho.

A dupla analisou principalmente os impactos da guerra na Ucrânia e a ascensão de partidos de ultradireita na Europa, que priorizaram políticas de migração em detrimento dos direitos humanos ao financiar governos que dizem poder controlar a migração.

Mas o conflito em Gaza também teve um efeito, segundo argumentaram Brahimi e Mezran: ele permitiu que a Argélia usasse seu assento temporário no Conselho de Segurança das Nações Unidas para "mostrar suas credenciais nacionalistas árabes, bem como sua posição anticolonial histórica".

Ao mesmo tempo, ressaltaram os pesquisadores, as punições contra ativistas pró-democracia argelinos estão se tornando mais severas e organizações de direitos humanos estão sendo banidas do país.

  • Gaza como "distração" de problemas locais

Na Tunísia, ativistas dizem que seu chefe de Estado cada vez mais autoritário, Kais Saied, tem usado uma postura pró-palestinos para "distrair" os locais da crise econômica do país e da repressão à oposição tunisiana.

Gaza é uma constante nos discursos de Saied e nas redes sociais, afirmou a escritora tunisiana Tharwa Boulifi em um artigo de opinião para o The New Arab publicado em março. "Desde outubro, ativistas que protestam pela libertação de prisioneiros políticos se tornaram irrelevantes para a mídia local, que se concentra predominantemente nos protestos pró-Palestina", ela relatou.

Um projeto de lei apresentado em outubro de 2023, que poderia levar à suspensão de organizações não governamentais e da sociedade civil tunisianas ao classificá-las de "agentes estrangeiros", também está sendo promovido por políticos como uma reação ao conflito em Gaza.

O texto proíbe explicitamente qualquer entidade tunisiana de manter relações com o Estado de Israel. Mas, ao mesmo tempo, ativistas apontam que o instrumento também permitiria ao governo da Tunísia fechar organizações de defesa dos direitos humanos que recebam verbas do exterior.

¨      Conflito também pode ser faca de dois gumes

Apesar dos ganhos que alguns autoritários possam ter extraído da guerra em Gaza, a questão também pode ser uma faca de dois gumes. A causa palestina é cara à maioria das pessoas comuns no Oriente Médio. Muitos cidadãos têm se queixado de que, apesar da defesa retórica da causa dos palestinos, a maioria dos líderes árabes não fez o suficiente para viabilizar um cessar-fogo.

Mas as coisas não podem continuar assim, segundo argumentou Marc Lynch, professor de ciência política e relações internacionais na Universidade George Washington, em artigo publicado em abril na revista Foreign Affairs.

Os líderes árabes "estão entre os praticantes mais experientes de realpolitik no mundo, e eles têm um histórico de ignorar as preferências de seu povo", escreveu Lynch. "Eles frequentemente vendem até mesmo os movimentos mais descaradamente cínicos e interesseiros como sendo a serviço dos interesses dos palestinos ou em defesa da honra árabe."

O professor, porém, ponderou que os governantes podem em breve descobrir que os problemas do conflito em Gaza são maiores que quaisquer vantagens.

"Manter-se no poder (...) significa não apenas evitar protestos massivos que ameacem o regime, mas também estar atento a potenciais fontes de descontentamento", escreveu Lynch. "Com quase todos os países árabes fora do Golfo [Pérsico] sofrendo com problemas econômicos extremos e, consequentemente, exercendo repressão máxima, os regimes têm que ser ainda mais cautelosos ao responder a questões como o conflito israelo-palestino."

 

¨      ONU: “Situação em Gaza é mais do que desesperada”

A subsecretária-geral interina para os Assuntos Humanitários e coordenadora interina da ajuda de emergência, Joyce Msuya, afirmou esta quinta-feira que “a situação em Gaza é mais do que desesperada”.

Falando numa reunião de emergência do Conselho de Segurança, sobre a guerra em Gaza, e que decorria em Nova Iorque, EUA, à hora de edição desta notícia (às 21h00 de quinta-feira, hora de Lisboa), Joyce Msuya afirmou: “A nossa resposta humanitária está a enfrentar dificuldades sem precedentes.”

Desde o início da guerra, em outubro, mais de 40 000 pessoas foram mortas e mais de 93 000 ficaram feridas em Gaza, muitas das quais mulheres e crianças, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, e mais de 17 000 crianças palestinianas estão desacompanhadas ou separadas dos seus familiares e tutores. Além disso, multiplicam-se os relatos de maus tratos infligidos aos palestinianos detidos em Israel.

A responsável das Nações Unidas acrescentou que estão a ser envidados esforços para fornecer ajuda humanitária, incluindo as tão necessárias vacinas contra a poliomielite. 

“Só na semana passada, as nossas equipas foram deslocadas e alvejadas. Perdemos escritórios e armazéns, e os fornecimentos limitados continuaram a diminuir. Os colegas do Programa Alimentar Mundial (PAM) foram alvejados há dois dias no seu veículo identificado e sobreviveram por pura sorte”, apontou Joyce Msuya.

“Não podemos planear com mais de 24 horas de antecedência porque temos dificuldade em saber que mantimentos vamos ter, quando os vamos ter ou onde os vamos poder entregar”, afirmou. “A vida de 2,1 milhões de pessoas não pode depender apenas da sorte e da esperança.”

As ordens de evacuação emitidas pelas forças armadas israelitas aumentaram, com impactos devastadores para os civis, disse, referindo que até agora, só neste mês de agosto, foram emitidas 16 dessas ordens.

“Só entre 19 e 24 de agosto, foram emitidas cinco ordens deste tipo, o maior número de ordens emitidas numa única semana desde o início desta crise” em outubro de 2023, afirmou, acrescentando que estas ordens afetaram um quarto de milhão de pessoas em 33 bairros em Deir Al-Balah, Khan Younis e no norte de Gaza. 

O responsável da Organização Mundial de Saúde, Mike Ryan, disse por sua vez ao Conselho que a campanha contra a poliomielite deve “marcar uma mudança significativa” em todo o processo de distribuição de ajuda em Gaza, que deve ocorrer em “grande escala, a um ritmo muito mais rápido e sem qualquer obstáculo”. 

A reunião surge na sequência da escalada da violência dos colonos na Cisjordânia ocupada e de um ataque contra uma equipa do PAM em Gaza, que levou a agência a suspender as suas operações no enclave devastado pela guerra até nova ordem.

 

¨      Quem usa escudos humanos na guerra de Gaza? Por Luiz Eça

“O exército de Israel não atira em civis”, pelo menos é o que asseguram seus chefes. “Não é nossa culpa que o Hamas os use como escudos”. Essa acusação jamais foi provada. Os líderes israelenses preferem seguir a lição do estridente Joseph Goebbels: “a mentira repetida mil vezes se torna verdade”.

E assim é. Todo o aparato de comunicação dos governos sionistas, ecoado pela mídia e pelos políticos dos EUA e liderados, por anos e anos, convenceu centenas de milhões de habitantes do planeta de que os grupos inimigos de Israel obrigavam seus próprios conterrâneos civis a virarem escudos para proteção dos milicianos.

Isso é negado pelos defensores das causas palestinas. Na verdade, existem fatos comprovando que escudos humanos existem, sim. Só que os responsáveis pelo uso de civis inocentes como escudos não é o Hamas ou congêneres, é o próprio exército israelense.

O Breaking The Silence – ONG israelense formada por veteranos de guerras para desmascarar violências e outros abusos praticados pelos militares sionistas – ouviu dezenas de comandantes e soldados que contaram a história toda.

Por sua vez, o jornal Haaretz realizou uma investigação do assunto, cuja conclusão é igual à do Breaking The Silence: O exército de Israel vem sistematicamente usando civis palestinos como escudos humanos durante a guerra de Gaza.

Os relatórios das duas ONGs chegaram a essa conclusão porque foram ouvir soldados de diferentes unidades militares e regiões, que deram as mesmas opiniões sobre os fatos aqui destacados.

A coisa funciona desse modo. Inicialmente, soldados israelenses detêm palestinos (não terroristas), especialmente velhos e menores de idade, os quais, em seguida, são vestidos com uniformes militares. Colocam uma câmera no peito dessas vítimas, e amarram suas mãos com fitas de plástico, atrás das costas.

E aí são obrigados a penetrar em tuneis ou casas semidestruídas. Antes lhes era informado: “Faça uma missão e você está livre.” O que nem sempre acontecia. Às vezes, o palestino era obrigado a ficar na unidade militar 24 horas e até dois dias ou mesmo uma semana.

Caso haja guerreiros do Hamas escondidos, não perderão tempo em atirar para matar aqueles supostos militares judeus. Se houver explosivos no caminho, só atingirão os civis palestinos, sendo os soldados israelenses protegidos pelos corpos dos inocentes.

Essas cruéis operações são, em geral, conhecidas e mesmo conduzidas por comandantes de campo. No entanto, disse um dos soldados informantes, até o General Halevi, chefe do estado-maior das forças armadas, está por dentro, assim como o comandante do Sul, o general Yarom Fikelmam, conforme fontes. E, segundo o relatório da investigação do Haaretz (13/8/2024), a maioria dos oficiais de alto nível já ouviu falar dessas barbaridades.

Nenhum deles tomou qualquer iniciativa para dar um basta nesta ação que provavelmente os princípios judaicos rejeitam. Trata-se, sem dúvida, de uma tática eficiente para enfrentar e eliminar inimigos sem perder vidas, a não ser as dos “colaboradores” palestinos. Mas isso não conta, afinal como ensinou o general Gallant, Chefe do Estado-Maior das Forças israelenses, “´palestinos são animais”. Assim sendo, não é pecado, nem crime forçar animais a fazerem o perigoso trabalho dos soldados.

Alguns soldados rasos tiveram a coragem de protestar. Um deles testemunhou ao Breaking The Silence. Ponderou a seu comandante que estavam possivelmente condenando à morte pessoas que nenhum mal lhes fizera.

O enfático comandante lhe respondeu: você não concorda que as vidas dos seus amigos são muito mais importantes do que as vidas desses caras? E não é melhor que seus amigos vivam e não sejam explodidos por um engenho mortífero e que sejam esses caras os explodidos?

Em outros depoimentos, soldados de diversos batalhões contaram que essa frase “Nossas vidas são mais importantes do que as deles” era repetida por superiores e colegas em variadas situações.

Na verdade, até as vidas dos cachorros eram mais importantes. Os militares israelenses os usavam para diversos fins.

Nos raids, para averiguar a possível presença de inimigos, os cães eram instigados a entrar em túneis abrigos, hospitais e casas de palestinos. Os animais eram ainda açulados para atacar, assustar e morder palestinos detidos nas prisões de Israel ou no fim dos raids, mesmo sem serem suspeitos.

Muitos desses palestinos que sofreram mordidas, algumas graves, contaram suas agruras à equipe do site Euro-Med Monitor.

Disse Al-Tanani, atacado em 14 de maio por um cão do exército de Israel, que invadiu seu lar em 14 de maio tendo uma câmera amarrada nas costas”. Em uma questão de segundos, atacou meu corpo, mordendo meus ombros e procurando atingir meus ossos com suas presas. E ele me arrastou para fora. Enquanto eu gritava fortemente, soldados riam e não me ofereceram socorro. (EURO-MED MONITOR 27/6/24)”.

Um militar informou ao Haaretz que, como estavam morrendo muitos cães, o comandante resolveu substitui-los pelos escudos humanos palestinos.

Não custavam nada e havia abundância desse produto no mercado. O uso de escudos humanos é proibido pelo Protocolo 1 das Convenções de Genebra e é considerado um crime de guerra, assim como uma violação das leis humanitária.

O exército de Israel informou que fará uma investigação a respeito. Providências serão tomadas. Acredite se quiser.

Quem usa escudos humanos na guerra de Gaza?

ONG de veteranos de guerra de Israel comprova que país faz aquilo que costuma imputar a seus inimigos.

 

Fonte: Deutsche Welle/7 Margens/Correio da Cidadania

 

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