sábado, 31 de agosto de 2024

Desvendando Pablo Marçal: as técnicas de coach e a mentira sobre uso de cocaína

De um lado, um grupo de pessoas representam a equipe Garcia. De outro, os "adversários" se enfileiram para representar o time Rowan. Na arena, montada com cadeiras, o objetivo é um só: vencer os debates "tête-à-tête"" desestabilizando emocionalmente o "inimigo". Para isso, vale tudo: mentiras, acusações levianas de cunho pessoal, ataques baixos e desdém quando o adversário argumenta.

A única regra: não se pode chegar às vias de fato. A verdade é tratada apenas como um detalhe, desprezível, que é ignorada solenemente pelos participantes.

A dinâmica baseada no ensaio Mensagem à Garcia, escrito em 1899 pelo filósofo e escritor estadunidense Elbert Green Hubbard, virou febre em cursos de coach e Programação Neurolinguística, a PNL, como aqueles propostos por Pablo Marçal, candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo, que vem desconcertando adversários em debates e jornalistas em entrevistas.

Vistas com desdém por parte da comunidade científica e pelo campo progressista na política, as técnicas usadas por Marçal têm origem no Behavorismo, estudo do comportamento humano que surgiu no início do século XX e ganhou força a partir dos anos 1970 nos estudos conduzidos pelo antropólogo, cientista social, linguista e semiólogo inglês Gregory Bateson no Instituto de Pesquisa Mental em Palo Alto, na Califórnia.

Inicialmente usadas em terapias para tratar transtornos mentais e comportamentais - como autismo, fobias e abuso de drogas, entre outros -, as técnicas da Neurolinguística foram adaptadas para o universo corporativo nos EUA e disseminadas entre executivos e funcionários de empresas do mundo todo em cursos de coach ou com nomes semelhantes.

Na dinâmica dos debates, por exemplo, usa-se a técnica da dissociação, quando o participante treina para se dissociar das emoções durante o combate com o oponente.

Ao mesmo tempo, ele é treinado para deixar o adversário "à flor da pele", associado às emoções, inibindo respostas racionais às provocações e incitando reações enérgicas - ou mesmo agressões -, fazendo com que perca a batalha.

Essa desestabilização do adversário pode ser facilmente detectada pelos chamados movimentos corporais inconscientes - os MCRIs, na linguagem da PNL - como a vermelhidão no rosto, a mudança no tom de voz e outras reações inconscientes que foram analisadas em décadas de estudos.

Dessa forma, pode-se calibrar o discurso aumentando ou diminuindo o tom e, principalmente, detectando quais temas mais desestabilizam o oponente para que sejam repetidos.

•        Das corporações para a política e as igrejas

Eficaz em terapias cognitivo-comportamentais e no mundo empresarial - especialmente para negociações que exijam racionalidade -, a partir dos anos 1990, os estudos comportamentais começaram a ser levados para os palanques políticos e para os púlpitos das igrejas, especialmente nos EUA.

As estratégias, que buscam conhecer e mudar comportamentos indesejados, foram apropriadas pela ultradireita neofascista e por uma parcela de pastores neopentecostais para manipular de forma inescrupulosa o comportamento do eleitorado e dos fiéis e, assim, acumular poder e riqueza.

No Brasil, um dos principais expoentes na propagação dessas técnicas na esfera política foi justamente Olavo de Carvalho.

O guru do clã Bolsonaro incluiu técnicas de PNL para cooptar doutrinados e induzi-los a um conflito na política e na sociedade (a chamada "guerra cultural") tendo como principal "inimigo" o fantasma do "comunismo" - personagem que faz parte do inconsciente coletivo após décadas de narrativa distorcida da mídia liberal.

A candidatura de Pablo Marçal nas eleições municipais em São Paulo marca a entrada definitiva dessas estratégias de manipulação do comportamento do eleitorado nas campanhas eleitorais.

Com um aditivo: as técnicas são amplificadas nas redes sociais por meio da contratação de uma milícia digital, que recebe premiação em dinheiro para disseminar mentiras e discursos de ódio regurgitados por Pablo Marçal.

Segundo o juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral da capital paulista, o ex-coach montou na rede Discord "uma arquitetura aprofundada e consistente" que está sendo usada nas eleições com o abuso de poder econômico.

"Atente-se que a postura do requerido Pablo fideliza e desafia seguidores, que o seguem numa desenfreada busca de 'likes' em troca de vantagens econômicas. Diz o requerido que 'ensina a ganhar' dinheiro ao usuário, mas a sua imagem e 'cortes' chegam a um sem número de pessoas, num espantoso movimento multiplicador e sem fim", diz o magistrado na decisão em que derrubou os perfis nas redes sociais - e que não foi cumprida pelo bilionário neofascista Elon Musk, dono do X.

•        Usuário de cocaína?

Tendo ao lado aliados com ligação estreita com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC, e o tráfico de cocaína - entre eles, o influencer Renato Cariani, o presidente nacional do PRTB Leonardo Avalanche, e os assessores Tarcísio Escobar de Almeida e Júlio César Pereira, o Gordão, que trocaram carros de luxo por cocaína, segundo investigação da Polícia Civil de São Paulo -, Pablo Marçal desencadeou a estratégia inescrupulosa logo no primeiro debate, na Band, no dia 9 de agosto.

Após disseminar por meio da milícia digital que teria provas que dois dos adversários seriam usuários de droga, Marçal fez o gesto de cheirar acusando Guilherme Boulos (PSOL) de usuário da droga.

O gesto de colocar o dedo no nariz e cheirar - assim como fazer o M com as mãos - é mais uma técnica comportamental, de propagar a linguagem não verbal, e foi repetido dezenas de vezes pelo ex-coach e ganhou as redes sociais.

A falsa acusação foi compartilhada milhões de vezes nas redes pelas milícias paga e espontânea, cooptada pelo ex-coach, e turbinou Marçal nas pesquisas de intenção de votos.

A mentira inescrupulosa foi desnudada na quinta-feira (28) pela Folha de S.Paulo. Em pesquisa no Google, o ex-coach encontrou um processo por posse de droga de um homônimo de seu adversário.

Empresário e candidato a vereador pelo Solidariedade, partido que apoia Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Bardauil Boulos consta como réu em um processo que correu na Justiça há 23 anos, quando foi flagrado com uma pequena quantidade de maconha na época da faculdade.

Marçal, que diz ser formado em Direito, não pode alegar ignorância ou que houve confusão na pesquisa na internet.

A mentira contra Guilherme Castro Boulos, verdadeiro nome do adversário, foi construída de forma ardilosa. O próprio Marçal diz que só revelaria o documento no debate da TV Globo, marcado para as 22h do dia 3 de outubro, às vésperas do primeiro turno das eleições e no último dia da campanha eleitoral.

O ex-coach sabia que seria desmentido e poderia alegar que se confundiu com os nomes. Mas, o estrago já estaria feito e não haveria tempo hábil - e nem meios de comunicação - para que a fake news fosse desmentida.

Marçal poderia, no máximo, ser acusado de mentiroso. Mas, como ele bem sabe, a verdade é apenas um detalhe, desprezível, que pode ser ignorado no combate contra o inimigo.

 

•        Marçal pesquisou no Google sobre usuário de cocaína e acusação é contra homônimo de Boulos

Pablo Marçal (PRTB) pode responder criminalmente após a incessante acusação de uso de drogas contra o adversário, Guilherme Boulos (PSOL). O ex-coach tem reiterado a acusação dizendo ter documento como prova, mas o dossiê que ele diz ter se refere, no entanto, a um empresário homônimo do candidato do PSOL.

Segundo apuração da Folha, para fazer a acusação a campanha de Marçal teria usado os termos "Guilherme" e "Boulos" para buscar no Google os processos envolvendo o deputado e ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

No resultado, um dos processos traz como assunto "posse de drogas para consumo pessoal".

No entanto, o processo em questão é referente ao empresário Guilherme Bardauil Boulo, empresário homônimo do candidato à prefeito de São Paulo que disputa uma vaga na Câmara Municipal pelo Solidariedade.

"Houve esse incidente quando eu tinha 21 anos e foi um ato imprudente que ocorreu na minha juventude na época de faculdade. Mas isso é coisa do passado, que aconteceu há 23 anos", confirmou o empresário em mensagem enviada ao jornal.

A assessoria de Guilherme Boulos, do PSOL, que estuda quais medidas serão tomadas contra Marçal.

 

•        Kakay sobre “outro Boulos” em caso da cocaína: “Marçal fez com dolo, tem que responder”

Depois de repetir inúmeras vezes em debates televisivos e nas redes sociais, inclusive afirmando possuir um “dossiê” com provas, que o adversário Guilherme Boulos (PSOL) era usuário de cocaína, o coach Pablo Marçal (PRTB), um condenado pela Justiça por integrar uma quadrilha de fraude a bancos que disputa a prefeitura da maior cidade do país, terá que voltar a responder a uma acusação criminal. O jornal Folha de S.Paulo revelou nesta quarta (28) que o tal processo a que Marçal teve acesso “provando” a grave acusação que fazia era, na verdade, de um homônimo do postulante que lidera a corrida eleitoral.

O caso de prisão por porte de drogas em 2001 ocorreu com um homem chamado Guilherme Bardauil Boulos, que coincidentemente disputa uma vaga de vereador na capital paulista nas eleições deste ano, pelo Solidariedade. O nome completo do candidato do PSOL ao Palácio do Anhangabaú é Guilherme Castro Boulos. Ou seja, a campanha de Marçal deliberadamente utilizou um homônimo para espalhar uma grave acusação contra o candidato da frente ampla de esquerda.

Para falar da questão legal que envolve tal expediente espúrio do candidato de extrema direita, a Fórum ouviu o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais influentes e respeitados juristas brasileiros e figura de grande relevo no universo do direito brasileiro. Para Kakay é inequívoco que a atitude de Marçal e de seus assessores foi proposital, o que consiste em pelo menos dois crimes.

“Evidentemente que ele fez isso de forma dolosa, ele sabia que não era o Boulos candidato, então ele incorreu em pelo menos dois crimes: cometeu o crime de calúnia e cometeu o crime de injúria. A questão criminal, às vezes as pessoas não levam a sério, mas o Boulos deveria representar contra ele, porque além de ser um crime, é uma tentativa de burlar o interesse do eleitor. Ele tem que responder por isso. Eu venho discutindo muito isso e eu acho que, especialmente o Pablo Marçal, é um homem absolutamente sem limites, sem critério e sem escrúpulo nenhum. É muito difícil você fazer um debate com uma pessoa que não tem nenhum critério, que não tem nenhum apreço à verdade. Ele fala o que quer, ele faz insinuações colocando o dedo no nariz de forma jocosa, e isso faz com que o debate perca a credibilidade, pois o debate é um instrumento muito interessante no Brasil, que sempre o usou muito bem. Nós já tivemos gente como aquele padre Kelmon, um farsante, que faz as coisas por esses meios, porque sabem que existe um nicho, sobretudo nos movimentos de ultradireita, em que esses atos absolutamente sem limites e que privilegiam a mentira têm espaço”, disse o advogado.

Kakay falou ainda para os impactos deste comportamento criminoso, que vão muito além do universo jurídico, interferindo nos processos político e democrático, já que se tornou, desde a ascensão de Jair Bolsonaro (PL), uma conduta reiterada e estratégica.

“Ele não aumentou só incrivelmente o seu espaço político e os seguidores, como também aproveita pra ganhar dinheiro, pra monetizar nas redes dele. Tudo isso é muito grave e eu penso que se as televisões e as rádios não colocarem limites muito rígidos nos debates, vai acabar afastando os candidatos, e vão continuar aí esses candidatos que não têm escrúpulos, que não têm limite, que não têm vergonha do ridículo. Em síntese é isso, ele cometeu um crime contra o Boulos e, politicamente, o que a gente vê é gente que se utiliza da mentira como estratégia política”, concluiu o jurista.

 

•        Boulos expõe fake news de Marçal sobre cocaína na GloboNews e muda estratégia contra ex-coach

O desmascaramento da fake news criada por Pablo Marçal (PRTB) sobre uso de cocaína marcou uma virada na campanha de Guilherme Boulos (PSOL), que deve aumentar o tom contra o ex-coach, além de estudar medidas judiciais tanto na esfera eleitoral, quanto na criminal.

Logo na abertura da entrevista à Globonews, na noite desta quarta-feira (28), Boulos fez questão de desmontar a farsa propagada por Marçal desde o debate na Band, que projetou a subida do ex-coach sobre Ricardo Nunes (MDB) nas pesquisas de intenção de votos.

"Natuza, vou responder sua questão de forma integral, só me permita fazer uma colocação inicial porque hoje foi desmontada uma farsa, a partir de uma reportagem da Folha de S.Paulo, de que eu fui vítima nos últimos 10 dias. Tem um outro candidato, o Pablo Marçal, fez uma série de afirmações sobre uso de drogas relacionado a mim. Esse candidato recebeu 7 decisões judiciais para retirar conteúdos da rede e mesmo assim insistiu. Hoje, um trabalho jornalístico bem feito mostrou qual foi o mérito dessa fake News. Simplesmente, o Pablo Marçal - eu não acredito que por ingenuidade ou desconhecimento, e deve ter feito isso de má fé - pegou um cidadão que é homônimo meu, meu nome é Guilherme Castro Boulos, ele pegou um cidadão chamado Guilherme Bardauil Boulos - que, por coincidência, é candidato a vereador na chapa do prefeito Ricardo Nunes e não tem nada a ver comigo - que teve uma condenação por porte de drogas. Ele queria jogar com essa confusão", explicou Boulos.

O candidato do PSOL ainda desmontou a estratégia do ex-coach que, desafiado a apresentar provas sobre a mentira, disse que só mostraria no debate da Globo, marcado para as 22h do dia 3 de outubro, às vésperas do primeiro turno das eleições e no último dia da campanha eleitoral.

"Quando eu o desafiei a apresentar provas, ele disse que soltaria no debate da TV Globo, dois dias antes das eleições. E queria fazê-lo no debate da Globo logicamente para não dar tempo, para jogar com a confusão, com a desinformação e isso impactar o resultado eleitoral", disse.

"Felizmente esse método de estelionato, de baixaria, hoje foi desmascarado pelo bom jornalismo e esse ataque à honra, à reputação pessoal com mentiras baixas fracassou nessas eleições", emendou.

Em outro momento, ao falar dos projetos que aprovou em menos de dois anos como deputado federal, Boulos voltou a mirar o ex-coach, que foi condenado por participar de uma quadrilha de roubo de dados para praticar estelionato.

"Em um ano aprovei três projetos: o das cozinhas solidárias, uma política pública nacional, o do golpe do consignado, que é golpe dado em aposentados e servidores. Aliás, ai vale uma diferença, né? Enquanto um dos meus adversários aqui, o Pablo Marçal, foi preso por dar golpe em aposentado, eu aprovei como deputado um projeto para combater golpe contra aposentado", disse.

<><> Mudança de estratégia

O desmascaramento da mentira propagada por Marçal sobre uso de cocaína marcou uma virada na campanha de Boulos, que agora anunciou que vai comparecer a todos os debates marcados para o primeiro turno. O próximo acontece neste domingo (1º) na TV Gazeta.

Boulos deve usar a mentira, cunhada por uma pesquisa no Google, para mostrar que o ex-coach é uma continuidade ainda pior que Bolsonaro.

Além de ações na justiça, o candidato do PSOL quer colocar a pecha de mentiroso - além de bandido e charlatão - no adversário, propagando que ele agiu de "má fé", intencionalmente, ao criar a mentira para se promover nas eleições.

Essa tese deve se estender a tudo que Marçal propões, que partiria de pesquisas rasas no Google para enganar eleitores e atingir um projeto pessoal de poder.

Boulos pretende apenas dimensionar o tom contra Marçal - e Nunes, por tabela. Há dúvidas se ele deve sair definitivamente da linha paz e amor.

Essa mudança deve ser medida nas pesquisas após o debate da TV Gazeta, quando deve intercalar as declarações para desmascarar Marçal com propostas que tem para sua gestão na capital paulista.

A aposta é que, desmentido de algo tão sério, Marçal perca a credibilidade em meio a um eleitorado menos radical, que passou a apoiá-lo como uma alternativa à política tradicional e à polarização entre Lula e Bolsonaro.

 

Fonte: Fórum

 

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