Desvendando Pablo Marçal: as técnicas de
coach e a mentira sobre uso de cocaína
De um lado, um grupo
de pessoas representam a equipe Garcia. De outro, os "adversários" se
enfileiram para representar o time Rowan. Na arena, montada com cadeiras, o
objetivo é um só: vencer os debates "tête-à-tête"" desestabilizando
emocionalmente o "inimigo". Para isso, vale tudo: mentiras, acusações
levianas de cunho pessoal, ataques baixos e desdém quando o adversário
argumenta.
A única regra: não se
pode chegar às vias de fato. A verdade é tratada apenas como um detalhe,
desprezível, que é ignorada solenemente pelos participantes.
A dinâmica baseada no
ensaio Mensagem à Garcia, escrito em 1899 pelo filósofo e escritor
estadunidense Elbert Green Hubbard, virou febre em cursos de coach e
Programação Neurolinguística, a PNL, como aqueles propostos por Pablo Marçal,
candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo, que vem desconcertando adversários
em debates e jornalistas em entrevistas.
Vistas com desdém por
parte da comunidade científica e pelo campo progressista na política, as
técnicas usadas por Marçal têm origem no Behavorismo, estudo do comportamento
humano que surgiu no início do século XX e ganhou força a partir dos anos 1970
nos estudos conduzidos pelo antropólogo, cientista social, linguista e
semiólogo inglês Gregory Bateson no Instituto de Pesquisa Mental em Palo Alto,
na Califórnia.
Inicialmente usadas em
terapias para tratar transtornos mentais e comportamentais - como autismo,
fobias e abuso de drogas, entre outros -, as técnicas da Neurolinguística foram
adaptadas para o universo corporativo nos EUA e disseminadas entre executivos e
funcionários de empresas do mundo todo em cursos de coach ou com nomes
semelhantes.
Na dinâmica dos
debates, por exemplo, usa-se a técnica da dissociação, quando o participante
treina para se dissociar das emoções durante o combate com o oponente.
Ao mesmo tempo, ele é
treinado para deixar o adversário "à flor da pele", associado às
emoções, inibindo respostas racionais às provocações e incitando reações
enérgicas - ou mesmo agressões -, fazendo com que perca a batalha.
Essa desestabilização
do adversário pode ser facilmente detectada pelos chamados movimentos corporais
inconscientes - os MCRIs, na linguagem da PNL - como a vermelhidão no rosto, a
mudança no tom de voz e outras reações inconscientes que foram analisadas em
décadas de estudos.
Dessa forma, pode-se
calibrar o discurso aumentando ou diminuindo o tom e, principalmente,
detectando quais temas mais desestabilizam o oponente para que sejam repetidos.
• Das corporações para a política e as
igrejas
Eficaz em terapias cognitivo-comportamentais
e no mundo empresarial - especialmente para negociações que exijam
racionalidade -, a partir dos anos 1990, os estudos comportamentais começaram a
ser levados para os palanques políticos e para os púlpitos das igrejas,
especialmente nos EUA.
As estratégias, que
buscam conhecer e mudar comportamentos indesejados, foram apropriadas pela
ultradireita neofascista e por uma parcela de pastores neopentecostais para
manipular de forma inescrupulosa o comportamento do eleitorado e dos fiéis e,
assim, acumular poder e riqueza.
No Brasil, um dos
principais expoentes na propagação dessas técnicas na esfera política foi
justamente Olavo de Carvalho.
O guru do clã
Bolsonaro incluiu técnicas de PNL para cooptar doutrinados e induzi-los a um
conflito na política e na sociedade (a chamada "guerra cultural")
tendo como principal "inimigo" o fantasma do "comunismo" -
personagem que faz parte do inconsciente coletivo após décadas de narrativa
distorcida da mídia liberal.
A candidatura de Pablo
Marçal nas eleições municipais em São Paulo marca a entrada definitiva dessas
estratégias de manipulação do comportamento do eleitorado nas campanhas
eleitorais.
Com um aditivo: as
técnicas são amplificadas nas redes sociais por meio da contratação de uma
milícia digital, que recebe premiação em dinheiro para disseminar mentiras e
discursos de ódio regurgitados por Pablo Marçal.
Segundo o juiz Antonio
Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral da capital paulista, o ex-coach montou
na rede Discord "uma arquitetura aprofundada e consistente" que está
sendo usada nas eleições com o abuso de poder econômico.
"Atente-se que a
postura do requerido Pablo fideliza e desafia seguidores, que o seguem numa
desenfreada busca de 'likes' em troca de vantagens econômicas. Diz o requerido
que 'ensina a ganhar' dinheiro ao usuário, mas a sua imagem e 'cortes' chegam a
um sem número de pessoas, num espantoso movimento multiplicador e sem
fim", diz o magistrado na decisão em que derrubou os perfis nas redes
sociais - e que não foi cumprida pelo bilionário neofascista Elon Musk, dono do
X.
• Usuário de cocaína?
Tendo ao lado aliados
com ligação estreita com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC,
e o tráfico de cocaína - entre eles, o influencer Renato Cariani, o presidente
nacional do PRTB Leonardo Avalanche, e os assessores Tarcísio Escobar de Almeida
e Júlio César Pereira, o Gordão, que trocaram carros de luxo por cocaína,
segundo investigação da Polícia Civil de São Paulo -, Pablo Marçal desencadeou
a estratégia inescrupulosa logo no primeiro debate, na Band, no dia 9 de
agosto.
Após disseminar por
meio da milícia digital que teria provas que dois dos adversários seriam
usuários de droga, Marçal fez o gesto de cheirar acusando Guilherme Boulos
(PSOL) de usuário da droga.
O gesto de colocar o
dedo no nariz e cheirar - assim como fazer o M com as mãos - é mais uma técnica
comportamental, de propagar a linguagem não verbal, e foi repetido dezenas de
vezes pelo ex-coach e ganhou as redes sociais.
A falsa acusação foi
compartilhada milhões de vezes nas redes pelas milícias paga e espontânea,
cooptada pelo ex-coach, e turbinou Marçal nas pesquisas de intenção de votos.
A mentira
inescrupulosa foi desnudada na quinta-feira (28) pela Folha de S.Paulo. Em
pesquisa no Google, o ex-coach encontrou um processo por posse de droga de um
homônimo de seu adversário.
Empresário e candidato
a vereador pelo Solidariedade, partido que apoia Ricardo Nunes (MDB), Guilherme
Bardauil Boulos consta como réu em um processo que correu na Justiça há 23
anos, quando foi flagrado com uma pequena quantidade de maconha na época da faculdade.
Marçal, que diz ser
formado em Direito, não pode alegar ignorância ou que houve confusão na
pesquisa na internet.
A mentira contra
Guilherme Castro Boulos, verdadeiro nome do adversário, foi construída de forma
ardilosa. O próprio Marçal diz que só revelaria o documento no debate da TV
Globo, marcado para as 22h do dia 3 de outubro, às vésperas do primeiro turno
das eleições e no último dia da campanha eleitoral.
O ex-coach sabia que
seria desmentido e poderia alegar que se confundiu com os nomes. Mas, o estrago
já estaria feito e não haveria tempo hábil - e nem meios de comunicação - para
que a fake news fosse desmentida.
Marçal poderia, no
máximo, ser acusado de mentiroso. Mas, como ele bem sabe, a verdade é apenas um
detalhe, desprezível, que pode ser ignorado no combate contra o inimigo.
• Marçal pesquisou no Google sobre usuário
de cocaína e acusação é contra homônimo de Boulos
Pablo Marçal (PRTB)
pode responder criminalmente após a incessante acusação de uso de drogas contra
o adversário, Guilherme Boulos (PSOL). O ex-coach tem reiterado a acusação
dizendo ter documento como prova, mas o dossiê que ele diz ter se refere, no entanto,
a um empresário homônimo do candidato do PSOL.
Segundo apuração da
Folha, para fazer a acusação a campanha de Marçal teria usado os termos
"Guilherme" e "Boulos" para buscar no Google os processos
envolvendo o deputado e ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST).
No resultado, um dos
processos traz como assunto "posse de drogas para consumo pessoal".
No entanto, o processo
em questão é referente ao empresário Guilherme Bardauil Boulo, empresário
homônimo do candidato à prefeito de São Paulo que disputa uma vaga na Câmara
Municipal pelo Solidariedade.
"Houve esse
incidente quando eu tinha 21 anos e foi um ato imprudente que ocorreu na minha
juventude na época de faculdade. Mas isso é coisa do passado, que aconteceu há
23 anos", confirmou o empresário em mensagem enviada ao jornal.
A assessoria de
Guilherme Boulos, do PSOL, que estuda quais medidas serão tomadas contra
Marçal.
• Kakay sobre “outro Boulos” em caso da
cocaína: “Marçal fez com dolo, tem que responder”
Depois de repetir
inúmeras vezes em debates televisivos e nas redes sociais, inclusive afirmando
possuir um “dossiê” com provas, que o adversário Guilherme Boulos (PSOL) era
usuário de cocaína, o coach Pablo Marçal (PRTB), um condenado pela Justiça por
integrar uma quadrilha de fraude a bancos que disputa a prefeitura da maior
cidade do país, terá que voltar a responder a uma acusação criminal. O jornal
Folha de S.Paulo revelou nesta quarta (28) que o tal processo a que Marçal teve
acesso “provando” a grave acusação que fazia era, na verdade, de um homônimo do
postulante que lidera a corrida eleitoral.
O caso de prisão por
porte de drogas em 2001 ocorreu com um homem chamado Guilherme Bardauil Boulos,
que coincidentemente disputa uma vaga de vereador na capital paulista nas
eleições deste ano, pelo Solidariedade. O nome completo do candidato do PSOL ao
Palácio do Anhangabaú é Guilherme Castro Boulos. Ou seja, a campanha de Marçal
deliberadamente utilizou um homônimo para espalhar uma grave acusação contra o
candidato da frente ampla de esquerda.
Para falar da questão
legal que envolve tal expediente espúrio do candidato de extrema direita, a
Fórum ouviu o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais
influentes e respeitados juristas brasileiros e figura de grande relevo no universo
do direito brasileiro. Para Kakay é inequívoco que a atitude de Marçal e de
seus assessores foi proposital, o que consiste em pelo menos dois crimes.
“Evidentemente que ele
fez isso de forma dolosa, ele sabia que não era o Boulos candidato, então ele
incorreu em pelo menos dois crimes: cometeu o crime de calúnia e cometeu o
crime de injúria. A questão criminal, às vezes as pessoas não levam a sério, mas
o Boulos deveria representar contra ele, porque além de ser um crime, é uma
tentativa de burlar o interesse do eleitor. Ele tem que responder por isso. Eu
venho discutindo muito isso e eu acho que, especialmente o Pablo Marçal, é um
homem absolutamente sem limites, sem critério e sem escrúpulo nenhum. É muito
difícil você fazer um debate com uma pessoa que não tem nenhum critério, que
não tem nenhum apreço à verdade. Ele fala o que quer, ele faz insinuações
colocando o dedo no nariz de forma jocosa, e isso faz com que o debate perca a
credibilidade, pois o debate é um instrumento muito interessante no Brasil, que
sempre o usou muito bem. Nós já tivemos gente como aquele padre Kelmon, um
farsante, que faz as coisas por esses meios, porque sabem que existe um nicho,
sobretudo nos movimentos de ultradireita, em que esses atos absolutamente sem
limites e que privilegiam a mentira têm espaço”, disse o advogado.
Kakay falou ainda para
os impactos deste comportamento criminoso, que vão muito além do universo
jurídico, interferindo nos processos político e democrático, já que se tornou,
desde a ascensão de Jair Bolsonaro (PL), uma conduta reiterada e estratégica.
“Ele não aumentou só
incrivelmente o seu espaço político e os seguidores, como também aproveita pra
ganhar dinheiro, pra monetizar nas redes dele. Tudo isso é muito grave e eu
penso que se as televisões e as rádios não colocarem limites muito rígidos nos
debates, vai acabar afastando os candidatos, e vão continuar aí esses
candidatos que não têm escrúpulos, que não têm limite, que não têm vergonha do
ridículo. Em síntese é isso, ele cometeu um crime contra o Boulos e,
politicamente, o que a gente vê é gente que se utiliza da mentira como
estratégia política”, concluiu o jurista.
• Boulos expõe fake news de Marçal sobre
cocaína na GloboNews e muda estratégia contra ex-coach
O desmascaramento da
fake news criada por Pablo Marçal (PRTB) sobre uso de cocaína marcou uma virada
na campanha de Guilherme Boulos (PSOL), que deve aumentar o tom contra o
ex-coach, além de estudar medidas judiciais tanto na esfera eleitoral, quanto
na criminal.
Logo na abertura da
entrevista à Globonews, na noite desta quarta-feira (28), Boulos fez questão de
desmontar a farsa propagada por Marçal desde o debate na Band, que projetou a
subida do ex-coach sobre Ricardo Nunes (MDB) nas pesquisas de intenção de votos.
"Natuza, vou
responder sua questão de forma integral, só me permita fazer uma colocação
inicial porque hoje foi desmontada uma farsa, a partir de uma reportagem da
Folha de S.Paulo, de que eu fui vítima nos últimos 10 dias. Tem um outro
candidato, o Pablo Marçal, fez uma série de afirmações sobre uso de drogas
relacionado a mim. Esse candidato recebeu 7 decisões judiciais para retirar
conteúdos da rede e mesmo assim insistiu. Hoje, um trabalho jornalístico bem
feito mostrou qual foi o mérito dessa fake News. Simplesmente, o Pablo Marçal -
eu não acredito que por ingenuidade ou desconhecimento, e deve ter feito isso
de má fé - pegou um cidadão que é homônimo meu, meu nome é Guilherme Castro
Boulos, ele pegou um cidadão chamado Guilherme Bardauil Boulos - que, por
coincidência, é candidato a vereador na chapa do prefeito Ricardo Nunes e não
tem nada a ver comigo - que teve uma condenação por porte de drogas. Ele queria
jogar com essa confusão", explicou Boulos.
O candidato do PSOL
ainda desmontou a estratégia do ex-coach que, desafiado a apresentar provas
sobre a mentira, disse que só mostraria no debate da Globo, marcado para as 22h
do dia 3 de outubro, às vésperas do primeiro turno das eleições e no último dia
da campanha eleitoral.
"Quando eu o
desafiei a apresentar provas, ele disse que soltaria no debate da TV Globo,
dois dias antes das eleições. E queria fazê-lo no debate da Globo logicamente
para não dar tempo, para jogar com a confusão, com a desinformação e isso
impactar o resultado eleitoral", disse.
"Felizmente esse
método de estelionato, de baixaria, hoje foi desmascarado pelo bom jornalismo e
esse ataque à honra, à reputação pessoal com mentiras baixas fracassou nessas
eleições", emendou.
Em outro momento, ao
falar dos projetos que aprovou em menos de dois anos como deputado federal,
Boulos voltou a mirar o ex-coach, que foi condenado por participar de uma
quadrilha de roubo de dados para praticar estelionato.
"Em um ano
aprovei três projetos: o das cozinhas solidárias, uma política pública
nacional, o do golpe do consignado, que é golpe dado em aposentados e
servidores. Aliás, ai vale uma diferença, né? Enquanto um dos meus adversários
aqui, o Pablo Marçal, foi preso por dar golpe em aposentado, eu aprovei como
deputado um projeto para combater golpe contra aposentado", disse.
<><>
Mudança de estratégia
O desmascaramento da
mentira propagada por Marçal sobre uso de cocaína marcou uma virada na campanha
de Boulos, que agora anunciou que vai comparecer a todos os debates marcados
para o primeiro turno. O próximo acontece neste domingo (1º) na TV Gazeta.
Boulos deve usar a
mentira, cunhada por uma pesquisa no Google, para mostrar que o ex-coach é uma
continuidade ainda pior que Bolsonaro.
Além de ações na
justiça, o candidato do PSOL quer colocar a pecha de mentiroso - além de
bandido e charlatão - no adversário, propagando que ele agiu de "má
fé", intencionalmente, ao criar a mentira para se promover nas eleições.
Essa tese deve se
estender a tudo que Marçal propões, que partiria de pesquisas rasas no Google
para enganar eleitores e atingir um projeto pessoal de poder.
Boulos pretende apenas
dimensionar o tom contra Marçal - e Nunes, por tabela. Há dúvidas se ele deve
sair definitivamente da linha paz e amor.
Essa mudança deve ser
medida nas pesquisas após o debate da TV Gazeta, quando deve intercalar as
declarações para desmascarar Marçal com propostas que tem para sua gestão na
capital paulista.
A aposta é que,
desmentido de algo tão sério, Marçal perca a credibilidade em meio a um
eleitorado menos radical, que passou a apoiá-lo como uma alternativa à política
tradicional e à polarização entre Lula e Bolsonaro.
Fonte: Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário