Brasil e China: caminho para a transição
energética?
As mudanças climáticas
e a necessidade de transição energética tornaram-se questões de extrema
importância no século XXI. Soluções para a descarbonização e o desenvolvimento
de tecnologias verdes estão cada vez mais inseridas nos acordos internacionais,
nas negociações comerciais e nos fluxos de investimento externo. A transição
energética, portanto, tornou-se um dos pilares na relação entre Brasil e China,
uma vez que o país asiático está comprometido a se transformar em um líder em
suprimentos de energias renováveis, ao participar de todas as etapas da cadeia
de forma vertical, principalmente nas tecnologias da economia de baixo carbono.
Para o Brasil, fica o desafio de usar a transição energética nas relações com a
China de forma a auxiliar seus objetivos de neoindustrialização.
• A transição energética para a China e o
Brasil
O 14º Plano de
Desenvolvimento Chinês, aprovado
para o período
de 2021 a
2025, atribui importância significativa ao desenvolvimento de novas
fontes de energias de baixo carbono com os investimentos financeiramente
sustentáveis em países parceiros. Nesse sentido, diversos são os investimentos
chineses nos setores eólico e solar. A liderança chinesa nos setores de energia
eólica e solar e sua capacidade de investimento externo é explicada em grande
parte pela mão-de-obra especializada e o desenvolvimento de tecnologia na
produção de equipamentos para tais setores, resultado de políticas públicas
formuladas para criar as condições para que o país assumisse a vanguarda dessas
tecnologias.
Diante desse panorama,
o Brasil tem se destacado como um destino significativo para o investimento
estrangeiro chinês, conforme relatado pelo portal Diálogo Chino (2019), com as
empresas chinesas dominando quase um quinto da capacidade solar e eólica do Brasil.
Conforme dados do China Global Investment Tracker, entre 2010 e 2020, 74% dos
investimentos da China no Brasil se concentraram no setor de energia, o que
corresponde a US$ 42,3 bilhões. Contudo, apenas uma porção menor foi para os
setores eólico e solar, apesar da perspectiva futura ser de crescimento.
Neste contexto, em
2014, a Three Gorges Corporation (CTG) adquiriu 49% da participação de onze
campos de energia eólica em diferentes estados brasileiros, a BYD anunciou, em
2015, seu segundo investimento no Brasil para uma unidade de montagem de
painéis solares, enquanto a State Power Investment Corporation of China (SPIC),
investiu R$780 milhões de reais na construção de dois novos parques eólicos no
Nordeste.
Se tornando o maior
investidor em energias renováveis em nível global, segundo o Conselho
Empresarial Brasil-China, a China passou a ocupar uma posição estratégica como
financiador e fornecedor de tecnologias como painéis solares, equipamentos
eólicos, hidrolisadores, mobilidade elétrica e outros maquinários, colocando o
Brasil em uma situação de dependência tecnológica em relação ao país asiático.
No Brasil, os painéis solares fabricados nacionalmente custam o dobro do que os
chineses, o que intensifica a concentração no fornecimento dos equipamentos. Se
por um lado essa dependência pode ser um problema, por outro pode abrir uma
frente para repactuar a relação e a presença da China nesses setores no Brasil
em função da neo-industrialização.
• Transição energética e
neoindustrialização
Vê-se a agenda
brasileira comprometida em criar um ambiente favorável e atrativo aos
investimentos chineses no setor. O encontro do ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, com os representantes da gigante chinesa State Grid, em
abril de 2024, corrobora o compromisso com a consolidação de uma nova etapa do
setor energético brasileiro, sobretudo no eólico. Na reunião, o ministro de
Minas e Energia demonstrou otimismo ao ressaltar que temos uma forte relação
com a China e agradeceu aos investidores por acreditarem no potencial de
geração de energia limpa do Brasil.
Recentemente, a Rede
Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação (RBCIP), em parceria com o
Green World Energy Hydrogen (GWE), solidificou o compromisso com o avanço da
tecnologia do hidrogênio verde no Brasil ao concluir com sucesso a missão de
visita à China, com o objetivo de participar de reuniões estratégicas com
empresas chinesas que lideram as tecnologias de produção de hidrogênio e de
validar, em colaboração com os principais fabricantes, a viabilidade de
implementação nacional de eletrolisadores de última geração. No relato da
missão, o correspondente da RBCIP afirmou que “ao fomentar a colaboração entre
as partes interessadas brasileiras e chinesas, as organizações visam
estabelecer um ecossistema robusto de hidrogênio verde que beneficiará ambos os
países”.
Entre os entes
subnacionais, ocorreu uma disputa para atrair a instalação da fábrica de
aerogeradores da chinesa Goldwind Science & Technology – a maior fabricante
mundial de turbinas eólicas – o que ao final acabou ocorrendo no município de
Camaçari, na Bahia, no local da antiga fábrica da General Electric (GE),
instigando a expectativa brasileira em produzir turbinas com 6.2 a 8.3 MW de
potência, algo inédito no país. O investimento de cerca de R$150 milhões está
alinhado às diretrizes do governo chinês no que se refere à ampliação da
presença em setores de alta tecnologia ligados à transição energética,
entretanto, convém questionar se tal novidade também está equiparada ao
interesse da neoindustrialização e na consolidação de uma estrutura produtiva
de energia verde no país.
Cabe ainda destacar
que no debate sobre a transição energética no Brasil, a combinação de outros
setores como o de produção fotovoltaica e de hidrogênio verde são essenciais
para o estímulo da produção de energia limpa. O desenvolvimento da produção de
hidrogênio verde se faz como um dos caminhos para a transição energética.
Assim, destacar a cooperação sino-brasileira nos avanços nacionais se
estabelece como um ponto crucial, tendo em vista a liderança da China na
produção de infraestruturas de energias renováveis – em especial, de hidrogênio
verde, com a geração anual de cerca de 30 milhões de toneladas.
O Brasil possui
energia verde e sustentável, mas carece de tecnologias e planejamento
industrial para aumentar sua competitividade na transição energética. Como
forma de conseguir superar os desafios atuais, cabe a reflexão acerca de quais
tipos de investimentos e setores devem ser priorizados para auxiliar no
desenvolvimento do país e reverter o cenário de desindustrialização precoce ao
que o Brasil está submetido há décadas, após a ascensão da hegemonia do
pensamento econômico neoliberal no debate nacional. É preciso questionar qual
caminho de desenvolvimento será adotado pelo país diante dos novos modelos de
geração de energia, inclusive como conseguir equacionar a parceria estratégica
com a China, sem abandonar a indústria brasileira e um projeto de desenvolvimento
nacional. Esta parceria pode inclusive contribuir para que as pretensões
brasileiras de neoindustrialização avancem.
A China é um dos
maiores investidores em energia renovável do mundo e possui vasta experiência e
tecnologias avançadas no setor. A parceria estratégica com a China pode ser um
catalisador para o desenvolvimento da indústria brasileira, caso inclua transferência
de tecnologia, investimentos em infraestrutura e projetos conjuntos de pesquisa
e desenvolvimento. Estes são pontos cruciais para que essa parceria seja
equilibrada e beneficie igualmente ambos os países. O Brasil deve assegurar que
os acordos respeitem os interesses nacionais e contribuam para o fortalecimento
da indústria local, evitando a simples importação de produtos, tecnologia e
serviços chineses.
¨ Expansão do Sistema Costeiro-Marinho do Brasil aprimora gestão
da segurança nacional
O recente aumento da
área da Amazônia Azul em mais de 4 milhões de km² é uma mudança significativa
que reconfigura o território marítimo brasileiro, segundo especialistas ouvidos
pela Sputnik Brasil.
O Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, nesta terça-feira (27), o novo
limite leste do Sistema Costeiro-Marinho do Brasil, em consonância com a
Amazônia Azul. Com a novidade, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do país foi
transformada, segundo especialistas.
• Mapeamento mais detalhado
A Sputnik Brasil,
Julia Touriño de Seixas, mestre em direito ambiental pela Universidade de São
Paulo (USP), especialista em direito ambiental pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e em gestão ambiental pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pontuou que essa expansão permite um
mapeamento mais detalhado das áreas marítimas, abrangendo aspectos cruciais
como solo, clima, fauna, flora e os recursos naturais da região.
"A nova
delimitação não apenas legitima, como também aprimora a gestão da segurança
nacional. Isso porque, ao ampliar o controle sobre uma área marítima
estratégica, o Brasil fortalece sua capacidade de monitorar e proteger as rotas
comerciais que atravessam essa região, garantindo a segurança das transações
econômicas que ocorrem em suas águas jurisdicionais", explicou.
Ela complementou
dizendo que "esse controle presente em área de extensão também permite uma
resposta mais célere e eficaz a irregularidades, de qualquer natureza, que
porventura possam ocorrer, salvaguardando a defesa do território e a soberania
nacional".
Segundo a especialista
em direito ambiental, a ampliação da Amazônia Azul atende a múltiplos setores
da sociedade. Ainda, destaca que a nova delimitação oferece suporte para
atividades que vão desde a educação e pesquisa científica até a exploração
econômica sustentável.
"Essa nova
delimitação facilita o desenvolvimento de políticas públicas eficazes e a
gestão sustentável das riquezas marítimas do Brasil. Com o conhecimento
aprimorado e a extensão do nosso domínio territorial, temos a oportunidade de
fortalecer tanto a proteção ambiental quanto a exploração sustentável dos
recursos naturais", afirmou à Sputnik.
Além disso, segundo
Touriño de Seixas, o conhecimento gerado pela expansão abre novas fronteiras
para a pesquisa científica marinha.
• Preservação costeira: uma prioridade
A preservação dos
ecossistemas costeiros, como dunas, manguezais e restingas, é fundamental para
a saúde ambiental do litoral brasileiro. Esses ambientes, de acordo com a
especialista, desempenham papéis vitais na proteção contra a erosão, na
retenção de carbono e na sustentação das comunidades locais. As dunas funcionam
como "barreiras naturais" contra marés e ventos, enquanto os
manguezais ajudam a filtrar poluentes e a proteger a biodiversidade marinha. As
restingas, por sua vez, estabilizam as dunas e formam um ecossistema essencial
para a biodiversidade costeira.
A expansão da Amazônia
Azul não só promove a gestão sustentável dos recursos naturais, mas também
consolida a soberania nacional do Brasil. Com o aumento da área sob jurisdição,
o país ganha maior capacidade para monitorar e proteger suas águas, reforçando
a segurança nacional.
Touriño de Seixas
observa que "a presença reforçada das autoridades brasileiras em áreas
mais distantes do litoral permitirá maior eficácia nas ações de segurança,
prevenindo e respondendo a ameaças como a pesca ilegal, a pirataria e outras
atividades ilícitas. No entanto, essa expansão também traz desafios, pois à
medida que o Brasil avança em sua exploração, aumenta a possibilidade de
interações com rotas e atividades ilícitas em regiões que antes estavam fora de
sua jurisdição e controle".
A especialista também
ressalta a importância do reconhecimento internacional dessa extensão.
"Embora essa área não 'pertencesse' a outro país, a ampliação do
reconhecimento internacional, especialmente no contexto da Plataforma
Continental Brasileira, destaca a importância estratégica dessas áreas para o
Brasil e a necessidade de consolidar a soberania nacional e assegurar o
controle sobre os recursos naturais nelas contidos", sublinhou.
Em suas palavras, a
gestão da nova área da Amazônia Azul será, portanto, um teste para a capacidade
do Brasil de proteger e explorar seus recursos de maneira sustentável, enquanto
desempenha um papel crescente no cenário internacional.
O benefício da
expansão no uso de recursos naturais
A preservação dos
ecossistemas costeiros no Brasil é um tema crucial, não apenas por sua
importância ecológica, mas também pelas implicações diretas para as populações
que habitam essas regiões. Leticia Cotrim da Cunha, professora e coordenadora
do Laboratório de Oceanografia Química da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), destacou a importância do manejo sustentável nesses ambientes
naturais.
De acordo com Cunha,
manter ecossistemas costeiros saudáveis é fundamental para a proteção da linha
de costa e a prevenção da erosão.
"Quando esses
ecossistemas estão bem conservados e manejados de maneira sustentável,
garantimos a proteção da costa, o que é essencial para áreas densamente
povoadas do Brasil, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife," explica a
especialista.
Ela ressalta que
muitas das grandes cidades brasileiras estão localizadas próximas ao litoral,
tornando a preservação desses ambientes uma prioridade para a segurança e o
bem-estar das populações urbanas.
Com a expansão da área
costeira-marinha, a especialista vê grande potencial no uso de recursos
renováveis extraídos do mar.
"O Brasil tem uma
vasta extensão marítima que pode ser explorada para gerar energia limpa. A
energia eólica em regiões costeiras, a energia gerada pelas marés e ondas e,
até mesmo, a energia proveniente das diferenças de temperatura no oceano, são alternativas
promissoras", sugere.
Fonte: Por Ana Camille
da Fonseca, Mayra Contin e Rafael Abrão, no Observatório da Política Externa e
Inserção Internacional do Brasil (OPEB)/Sputnik Brasil
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